ATENÇÃO: A
entrevista abaixo foi publicada, originalmente, no site “Teologia Pentecostal”
e pode ser acessada, em seu original através do link fornecido no final da
mesma.
Gedeon de Alencar é um sociólogo treinado e, como tal, evita se envolver
nas afirmações controversas que faz. Mas o fato é que nessa entrevista ele joga
muita lenha na fogueira e até demonstra certo preconceito contra o povo
nordestino, uma vez que as acusações, especialmente de machismo, que faz contra
os mesmos valem para todas as igrejas evangélicas, de modo geral, e até mesmo
para a própria Igreja Católica Romana. Mesmo assim, como eu disse, ele joga
muita lenha na fogueira e detona com a hipocrisia desse pessoal que há mais de
um século promove doutrinas equivocadas acerca do Espírito Santo, não apenas no
Brasil, mas ao redor do mundo.
Gedeon também se engana ao acusar a Congregação Cristã no Brasil de ser
ultra calvinista. Ora, isso é impossível. Como alguém pode ser algo acerca do
qual nada entende. Infelizmente são poucas, bem poucas mesmo as pessoas dentro
da CCB que teriam o nível educacional necessário para ler e entender os
escritos de Calvino. Essa é uma acusação que eu gostaria de debater com ele.
Bem, sem mais demoras vamos à etrevista:
“Gedeon Freire de Alencar é presbítero da
Igreja Assembleia de Deus Betesda em São Paulo, mestre em Ciências da Religião
pela Universidade Metodista, diretor pedagógico do Instituto Cristão de Estudos
Contemporâneos (ICEC). É membro da Associação Brasileira de História da
Religião, Associação de Professores de Missões do Brasil e da Rede de Teólogos
e Cientistas Sociais do Pentecostalismo na América Latina e Caribe.
Alencar
escreveu o livro de cunho sociológico Protestantismo Tupiniquim: Hipóteses Sobre a (não) Contribuição
Evangélica à Cultura Brasileira (Arte Editorial). No ano 2000, em
seu mestrado na Universidade Metodista defendeu a dissertação: Todo poder aos pastores, todo trabalho ao
povo, e todo louvor a Deus. Assembleia de Deus: origem, implantação e
militância (1911-1946). Nessa dissertação faz uma interessante análise
da história assembleiana em sua primeira fase no Brasil.
Nessa
divertida entrevista discutiremos um pouco sobre o pentecostalismo (ou
pentecostalismos) no Brasil.
Blog Teologia Pentecostal: Qual a importância da Assembleia de Deus para o pentecostalismo do século XXI? Essa denominação ainda consegue influenciar as tendências pentecostais no Brasil?
Gedeon Alencar: A AD é o elemento principal do que eu chamado de "matriz
pentecostal brasileira" (aliás, isto é base de meu projeto de doutorado
que não consegui, por diversas razões, levar adiante).
As duas
primeiras igrejas pentecostais são AD e CCB. A Congregação, nas primeiras
quatro décadas fundamentais para sua formação, é uma igreja étnica - isso não é
dito com mérito ou demérito. Além de ser ultra calvinista (talvez mais que o
próprio Calvino): se tornou uma igreja fechada. Note: não estou afirmando que
isto é bom ou ruim; estou fazendo uma constatação histórica. Hoje ela é bem
parecida com o que era há anos atrás. Não mudou quase nada do seu modelo
original. Isso implica que, por seu isolamento social, não teve influencia na
formulação do pentecostalismo brasileiro, e muito menos, na produção cultural
do país.
Já a AD
desde cedo se "abrasileirou", apesar da liderança sueca. Desde os
primeiros anos a liderança assembleiana foi tomada (e tomada mesmo...) por
nordestinos. A convenção de 30, a primeira, é convocada por líderes nordestinos
contra a vontade dos suecos. Não estou inventando nem interpretando, basta ler
os registros no Jornal a Boa Semente publicados nos anos mais
"quentes" de 28 a 30.
A AD
posteriormente, brasileira, nordestina, pobre, simples, periférica, sem
dinheiro e ligação com o exterior, que em vinte anos (não com muito dinheiro,
TV e política na mão) alcança o Brasil - é uma igreja brasileira, feita por brasileiros, e para brasileiros!
Uma
ultima coisa: todos os demais movimentos, denominações e instituições que se
"pentecostalizaram" ou se "renovaram" têm, ou tiveram,
alguma influencia do pentecostalismo assembleiano. O costume da saudação da
"paz do Senhor", o hinário, o modelo patrimonialista, usos e
costumes, a ênfase evangelística, a dinâmica e participação do povo, etc.,
todas estas questões estão presentes em todos os movimentos pentecostais, por
mais independentes que sejam, e são originados da "matriz pentecostal
assembleiana". A AD é que nunca conseguiu capitalizar em cima disso.
02. Em sua dissertação sobre a Assembleia de Deus, o senhor destaca
um papel forte da missionária Frida Vingren, esposa do co-fundador Gunnar
Vingren, nas importantes decisões eclesiásticas da nascente denominação. Frida
Vingren, como mulher, poderia ser classificada com um fenômeno inédito no
cenário evangélico brasileiro?
Frida
Vingren é, a meu ver, a maior heroína assembleiana e, ao mesmo tempo, a maior
injustiçada da história assembleiana. Só se fala em Gunnar Vingren e Daniel
Berg - típico de uma historiografia machista. Em 1917, ela sai sozinha e
solteira da Suécia, passa nos EUA e vem ao Brasil para casar com Vingren. Aqui
canta, ora, prega, escreve mais de 80% do jornal (Boa Semente), faz culto nos
presídios, na Central do Brasil, escreve música e poesia, organiza a Harpa,
escreve Atas, enfim, dirige a igreja! Seu marido desde o primeiro mês no Brasil
é um home doente de malária, é ela quem carrega o piano! É exatamente por isso
que ela tem muitos inimigos - desde os cabras machos nordestinos que não querem
ser liderados por uma mulher ao seu contemporâneo Samuel Nystron que é contra a
liderança feminina. No livro "História da Convenção", publicado pela
CPAD, o jornalista Silas Daniel, resgata algumas cartas nada amistosas que
Nystron e Gunnar trocaram.
Não é
inédito porque a religião, não somente o pentecostalismo brasileiro, sempre
teve grandes mulheres, mas como sempre marginalizadas. Ainda hoje é assim. Tem
uma tese na PUC sobre as mulheres pentecostais que o titulo diz tudo; "O
silêncio que deve ser ouvido". E um trabalho de missiologia da Laura de
Aragão, no CEM, é outro primor: "Escolhidas por Deus, rejeitadas pelos
homens"
03. Gunnar Vingren não viveu muito para ver o desenrolar de sua obra
missionária. Na sua dissertação o senhor especula que a Assembleia de Deus
talvez poderia ter tomado "outro rumo" com os Vingren por mais tempo
na denominação. Qual seria esse "outro rumo"?
Amigo,
eu sou sociólogo, não vidente...
Gunnar
Vingren era formado em teologia pelo Seminário Teológico Sueco de Chicago, era
a favor da mulher no ministério - sua mulher é a prova disso. Na década de 20,
no RJ, consagra mulher ao diaconato. E em sua época, as mulheres participavam,
não apenas ouvindo, mas falando e dando palpites nas reuniões da igreja. Em
todas as fotos oficiais de convenção tem mulheres. Registra em seu diário que pregou
na Congregação Cristã. E também nessa época tinha manifestações de "risos
no Espírito" de forma que não podia continuar pregando - se isto tudo é
erro ou acerto, isso não é problema meu. Mais uma vez um aviso: não estou
inventando nem interpretando. Tudo está registrado em seu livro "Diário de
um pioneiro" e no Jornal Boa Semente. Gunnar não era (como os demais
suecos e toda a liderança assembleiana), contra o ensino teológico e formação
em seminários teológicos; era a favor da mulher no ministério; era bem aberto às
demais igrejas de sua época; e tinha um pentecostalismo bem
"original".
Ficou
poucos anos da liderança, ademais era um homem doente, como ele mesmo diz
"a igreja estar bem liderada por minha mulher e os obreiros", quem
liderava efetivamente era Frida. Levou um golpe da liderança nordestina da
época em 1930, foi embora, e morreu logo em seguida. É laureado como herói
atualmente, mas em vida foi voto vencido em todos seus projetos. A AD dirigida
por Gunnar Vingren seria bem diferente da que se formou. Melhor ou pior? Não
tenho a mínima idéia, mas diferente com certeza.
04. Por que a Assembleia de Deus adotou um discurso tão ultraconservador
nos usos e costumes? A origem marginalizada "sueca- nordestina" seria
uma explicação satisfatória?
O
"ethos sueco-nordestino" que Paul Freston desenvolve em sua tese, e
eu repito na minha (o Freston foi meu orientador e depois participou da banca
de minha defesa de mestrado), é uma das melhores explicações para isto, mas não
é a única.
Não
precisa recorrer a décadas de história, basta ver o presente. Onde e quais as
igrejas (sejam ADs ou quaisquer outras) são conservadoras em usos e costumes?
Apenas - veja, apenas - nas regiões pobres e mais periféricas. Igrejas em
processo de "aburguesamento", de classe média para cima não conseguem
- ou não querem - ser conservadoras. Mesmo as ADs que falam tanto em
"preservar a doutrina", mas se preserva a "doutrina" apenas
para os pobres e das igrejas nas periferias. Igrejas sedes e de classe média não
têm "doutrina" que as segure. Portanto, neste processo a AD não esta
sozinha; isso acontece, e aconteceu, com todas as demais igrejas. Mesmo que
alguns queiram ligar o fato de "uso e costumes" a ação do Espírito
Santo, lamento, mas isso diz respeito às questões econômicas.
05. Estudiosos como Bernardo Campos, Paul Freston e Robinson
Cavalcanti defendem a tese que existe uma "pentecostalização" das
igrejas históricas e uma "historização" das igrejas pentecostais
clássicas ou de primeira onda. Quais são as implicações desse fenômeno para o
mundo protestante?
Sim,
isto é visível. O pentecostalismo, no Brasil, vai fazer cem anos, portanto, tem
história. "Historizou-se". O fenômeno religioso é dinâmico e, para
mal ou bem, cíclico. Práticas religiosas que eram "pentecostais" anos
passados ou décadas, se tradicionalizam. Ademais, se fala em pentecostalismo
como fenômeno típico do século XX, mas muito disso já aconteceu em séculos
passados nos Avivamentos, nos Movimentos de Santidade, na história de
"santos" ou "hereges" medievais.
O mundo
protestante vai sempre se "renovar" e/ou se
"tradicionalizar" a despeito de todos.
06. Como sociólogo, quais aspectos do pentecostalismo ainda faltam
ser explorados pelos estudos sociais, especialmente pela Ciência da Religião?
Temos
muitos trabalhos hoje sobre o fenômeno pentecostal na atualidade, mas ainda
falta uma delimitação da “matriz pentecostal" (daí meu projeto de
doutorado). Agora o universo pentecostal hoje é tão amplo, plural,
pitoresco e cheio de novidades que sempre haverá alguma coisa a ser explorada.
Como brinco em sala de aula: O fenômeno religioso é tão original, que de tédio
a gente não morre!
07. Como conhecedor do pentecostalismo latino, quais são as
principais diferenças entres os pentecostais brasileiros e os demais
carismáticos desse subcontinente?
Vou indicar apenas
duas singularidades do pentecostalismo brasileiro. Em um congresso de
sociologia na Costa Rica, tomei um susto quando conheci um pastor assembleiano
peruano, um dos mais importantes, que era também o principal líder ecumênico em
seu país. Assembleiano ecumênico é escasso no Brasil, mas não América Latina.
A AD,
na América Latina, foi fundada e financiada pela AD nos EUA (diferente da AD no
Brasil de origem sueca), portanto, a AD latina de fala espanhola é congregacional,
como é a AD americana. Qual a AD brasileira é, estritamente falando,
congregacional? Eu, particularmente, não conheço nenhuma.”
Em “Teologia
Pentecostal: http://www.teologiapentecostal.com/2009/02/entrevista-com-o-sociologo-gedeon.html
A entrevista do sociólogo Gedeon de Alencar nos ajuda a compreender que
sempre existiu muita pretensão nos arraiais Assembleianos, especialmente no que
diz respeito à vida de santidade e à “posse exclusiva” do Espírito Santo. É
curioso também notar que ele faz menção a algum tipo de “unção do riso”, como
uma manifestação muito antiga no seio das Assembleias de Deus. Mais
interessante ainda, são suas afirmações, quando diz: que à medida que as igrejas
da Assembléia de Deus entram para a classe média, as mesmas sofrem uma forte
tendência de deixar de lado as doutrinas, para se contentar em observar o
próprio umbigo, algo que é feito, há séculos, pelas igrejas históricas. Doutrina
vale apenas para as igrejas da periferia segundo o sociólogo pentecostal.
Que Deus abençoe a todos.
Alexandros Meimaridis
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