Este estudo é parte de uma breve introdução ao Antigo Testamento. Nosso interesse é ajudar todos os leitores a apreciarem a rica herança que temos nas páginas da Antiga Aliança. No final de cada estudo o leitor encontrará direções para outras partes desse estudo.
INTRODUÇÃO AO ANTIGO TESTAMENTO - O
Que é o Antigo Testamento? — pARTE 6
IV. Transmissão
Textual: Como a Bíblia chegou até nós? — Continuação
Graças ao trabalho de inúmeros indivíduos
fiéis ao longo de muitos séculos nós podemos ler a Bíblia hoje. Estes
indivíduos são tecnicamente chamados de escribas. Estes homens copiaram, à mão,
a Palavra de Deus, tomando grande cuidado para manter a exatidão daquilo que
copiavam.
C. A Transmissão do Texto em Outras
Línguas.
1. A Septuaginta – LXX.
Um dos maiores testemunhos da
transmissão do texto bíblico é a versão grega conhecida como Septuaginta — Setenta
— LXX em algarismos romanos — que
foi a primeira tradução completa do texto bíblico hebraico para outro idioma. A importância dessa tradução é enorme, pois
além de ser um reflexo do judaísmo helenístico, também foi fonte de inspiração
para os escritores do Novo Testamento e para os escritos teológicos dos
chamados Pais da Igreja. Vários conceitos cristãos foram diretamente
tomados da tradução que estamos chamando de Septuaginta — LXX. As comunidades cristãs espalhadas pelo Império Romano, que não
falavam grego ou latim, mas que tinham sua própria língua nacional, conheceram
o texto da Bíblia, através de traduções feitas a partir da Septuaginta — LXX e isso, basta para demonstrar a sua
influência e importância dentro da história do cristianismo primitivo.
O uso da Septuaginta — LXX pelos judeus durou até o inicio do
segundo século da Era cristã, quando o judaísmo sentiu a necessidade de novas
traduções, feitas a partir do texto hebraico, mas refletindo os conceitos do
judaísmo rabínico de então. Com o passar do tempo, a LXX tornou-se a Bíblia por excelência da Igreja Cristã e seu
impacto no cristianismo, nos seus primeiros séculos, foi definitivo, pois nessa
tradução bíblica, os cristãos encontraram respaldo para as suas afirmações e
para suas doutrinas.
A LXX é considerada, por muitos estudiosos, uma das mais importantes
versões da Bíblia Hebraica e seu texto serviu, e serve até hoje, para estudos,
pesquisas e reflexões sobre a tradição textual existente nos últimos três
séculos anteriores à Era cristã. Além disso, o seu texto é uma das principais
referências para os estudos de crítica textual do texto em hebraico.
2. Data e Origem da
Septuaginta – LXX.
A primeira tradução completa do
Antigo Testamento foi para a língua grega. Essa tradução feita por volta do
século III a.C. em Alexandria, no Egito. Ela é importante para a crítica
bíblica, tanto textual como literária, para a antiga exegese, para a
terminologia do Novo Testamento, como também para a tradição histórica do texto
bíblico. O nome dessa versão grega é Setenta - ἑβδομήκοντα - ebdomékonta - setenta.
O nome em latim da mesma é Septuaginta e em hebraico é myubvh mgrt – tergum ha-siveym - tradução dos Setenta. Esse nome, em
grego, vem da carta apócrifa conhecida como Carta de Aristéias, escrita por
volta de 130 a.C., e que pretende narrar a origem dessa antiga tradução.
A Carta de Aristéias informa-nos
que o rei do Egito, Ptolomeu II Filadelfo – 285— 247 a.C., desejava ter um
cópia da תּוֹרָה – toráh -
instrução ou ensino - composta dos 5 primeiros livros do Antigo Testamento que
é também chamada de Pentateuco - traduzida para o grego. Para essa finalidade,
ele enviou uma delegação - incluindo o próprio Aristéias - para Jerusalém,
requisitando a Eleazar, o sumo sacerdote naqueles dias, uma cópia da תּוֹרָה
– toráh - instrução ou
ensino, e um grupo de sábios para traduzi-la em Alexandria. O seleto grupo de
sábios era composto de 72 judeus versados em hebraico e grego - seis de cada
uma das tribos de Israel. Ao chegar a Alexandria, o grupo se apresentou perante
o rei Ptolomeu e expôs a sua sabedoria e conhecimento e, com isso, impressionou
tanto ao rei como à sua corte. Logo após esses acontecimentos, os tradutores
iniciaram o trabalho na ilha de Faros, defronte a Alexandria. Cada um
trabalhava em uma cela separada com uma cópia da תּוֹרָה – toráh - instrução ou
ensino. A obra de tradução foi concluída em 72 dias e constatou-se que todas as
traduções eram absolutamente idênticas.
O objetivo do relato da carta de
Aristéias era elevar e legitimar, o valor da LXX, perante os judeus que viviam em Alexandria e na diáspora, e
que falavam o grego como língua do cotidiano. Com o passar do tempo, outros
autores, tanto judeus como cristãos, acrescentaram dados à história de sua
origem. Aristóbulo, Fílon de Alexandria, Flávio Josefo, fontes rabínicas e
cristãs, colaboraram para que a imagem e a autoridade da LXX fossem reconhecidas por aqueles que desejavam conhecer e usar a
versão da Bíblia Hebraica em sua roupagem grega.
Dos vários autores que escreveram
sobre a origem da LXX, dois forneceram
duas concepções importantes que seriam seguidas principalmente pelos cristãos.
Eles são:
- Fílon de Alexandria — 25 a.C.—40 d.C afirmou que a LXX era uma tradução inspirada.
- Flávio Josefo — c. 37/38—100 d.C. — por sua vez, argumentou que essa versão possuía uma fidelidade literal ao hebraico, portanto, era de boa qualidade.
Os Pais da Igreja normalmente
aceitavam as opiniões tanto de Fílon como de Josefo; entre esses estavam
Justino Mártir, Clemente de Alexandria, Irineu de Lião, Cirilo de Jerusalém,
Ambrósio de Milão, Hipólito de Roma, Agostinho de Hipona, e outros.
Outro dado da carta de Aristéias
é que ela só se refere à tradução da — תּוֹרָה — toráh — instrução ou
ensino, não mencionando os outros livros bíblicos. Em sentido lato, a lenda da
origem da LXX foi aplicada também
aos demais escritos bíblicos, traduzidos posteriormente, e sob seu nome, estão
englobados todos os livros do cânone hebraico, juntamente com os livros típicos
do cânone grego. Da narrativa da Carta de Aristéias podemos tirar duas
conclusões que se aproximam da verdade:
- Por volta do século III a.C. apareceu uma tradução grega da — תּוֹרָה — toráh — instrução ou ensino.
- Essa versão foi feita em Alexandria, no Egito.
Os estudiosos, de acordo com as
suas pesquisas, acreditam que a tradução da LXX não foi um único projeto de algum grupo específico, mas sim, um
trabalho realizado por diversos tradutores em épocas distintas, com estilos e
métodos diferentes e, além disso, cada um possuía um conhecimento relativo da
língua hebraica. A LXX demorou a ser
concluída e, provavelmente, a תּוֹרָה — toráh — instrução ou
ensino, apareceu em 250 a.C.; com os Profetas aparecendo por volta de 75 a.C.
e, por último, os Hagiógrafos, que teriam surgido somente em 90 d.C. Desse
modo, a versão apresenta-se muito irregular e reflete diversas concepções e
métodos distintos de tradução[1].
O empenho de se traduzir as
Escrituras hebraicas para o grego, foi fruto da própria comunidade judaica de
Alexandria, que não falando mais o hebraico no dia-a-dia, desejava ler e
compreender a Bíblia Hebraica em sua língua cotidiana, o grego. Os motivos da
tradução, possivelmente, foram de ordem litúrgica, devocional e para estudos.
Outro motivo foi fazer da Bíblia Hebraica uma obra conhecida pelos não judeus,
para que estes pudessem lê-la e estudá-la – como em Atos 8:26—33.
Assim, quando havia a necessidade
de se traduzir determinado livro bíblico, um grupo ou pessoa fazia a versão
para a comunidade. Muitos livros foram traduzidos por mais de um tradutor,
como, por exemplo, Isaías, Jeremias, e os Doze Profetas que tiveram dois
tradutores; Ezequiel teve três tradutores, e assim por diante. Em relação ao
Pentateuco, cada um de seus livros foi traduzido por uma única pessoa. Os
estudiosos argumentam que a LXX foi,
na verdade, uma coleção de traduções gregas feitas de maneira independente por
várias pessoas e grupos da comunidade judaica do Egito, refletindo o espírito e
as concepções do judaísmo helenístico.
Segundo os estudiosos, a
qualidade da tradução da LXX é muito
irregular e, além disso, os tradutores tinham diferentes níveis de conhecimento
do hebraico. Os livros foram traduzidos obedecendo a métodos diversos e
técnicas de tradução variadas. Podemos analisar alguns tipos de tradução
encontradas ao longo dos livros da LXX:
- O Pentateuco e os livros Históricos são fiéis.
- Profetas e Salmos são literais.
- Cantares e Eclesiastes são servis.
- Os livros de Jó, Provérbios, Daniel e Ester são traduções livres.
À medida que os livros vão se
distanciando do Pentateuco, a qualidade vai decaindo. Em relação à fidelidade à
língua grega, os livros também não são homogêneos:
- Jó e Provérbios são bons.
- O Pentateuco, Josué e Isaías são versões medíocres.
- Os outros livros são de qualidade mais inferior ainda.
Isto aconteceu devido ao fato de
os tradutores, além de não terem um conhecimento pleno do hebraico, também não
eram competentes na gramática e na composição na língua grega.
Em muitas passagens, a LXX, em
vez de simplesmente traduzir o texto hebraico, faz uma interpretação e, assim,
nem sempre é fiel à sua fonte hebraica. Várias expressões hebraicas foram
adaptadas a um ambiente judaico helenizado. Alguns exemplos podem ser dados
como ilustração:
Texto Massorético - TM
|
Septuaginta - LXX
|
Mão do Eterno
|
Poder do Senhor
|
O Eterno é a rocha de Israel
|
O Senhor é o auxílio de Israel
|
O manto do Eterno
|
A glória do Senhor
|
O rosto do Eterno
|
A presença do Senhor
|
O braço do Eterno
|
A força do Senhor
|
Outros termos hebraicos, também
sofreram interpretação quando foram traduzidos na LXX. Entre estes encontramos:
Texto Massorético - TM
|
Septuaginta - LXX
|
חֶסֶד – hessed - bondade
|
ἔλεος
- éleos - misericórdia
|
קְהַל – qehal – reunião
|
ἐκκλησία
- ekklesía –
assembleia
|
מָּשִׁיחַ — Mashiyah – ungido -
Messias
|
Χριστὸς
- Christós - Cristo
|
תּוֹרָה —
toráh — instrução ou
ensino
|
νόμος - nómos
- lei
|
מַלַאך – mal’ak
- mensageiro
|
ἄγγελος - ággelos - anjo
|
יהוה – YHVH
— o Eterno
|
κυρίος - kuríos
- Senhor
|
A Septuaginta – LXX, ao fazer modificações e
interpretações de termos hebraicos, quando os mesmos foram traduzidos para o
grego, acabou por fornecer uma terminologia específica que foi posteriormente
usada pelo Novo Testamento e pelos primeiros cristãos. Das 350 citações do
Antigo Testamento feitas pelo Novo Testamento, 300 foram tiradas da Septuaginta
– LXX! Durante os três primeiros
séculos da Era cristã, a Septuaginta – LXX
foi, por excelência, a Bíblia da Igreja Cristã. Além de interpretar
determinados vocábulos hebraicos, a Septuaginta – LXX também modificou os títulos hebraicos de alguns dos livros do
Antigo Testamento como, por exemplo, os do Pentateuco:
Texto Massorético - TM
|
Septuaginta - LXX
|
בְּרֵאשִׁית
— bereshiyt
— No princípio
|
ΓΕΝΕΣΙΣ — Genesis
— Gênesis
|
שְׁמוֹת —
shemot — Nomes
|
ΕΞΟΔΟΣ — Exodos
— Êxodo
|
וַיִּקְרָא
— wayyiqera`
— E chamou
|
ΛΕΥΙΤΙΚΟΝ — Leuítikon
— Levítico
|
וַיְדַבֵּר — vayedabber — Em um deserto
|
ΑΡΙΘΜΟΙ — Arithimói
— Números
|
דְּבָרִים —
devaryim —
palavras
coisas
|
ΔΕΥΤΕΡΟΝΟΜΙΟΝ Deuteronomíon — Deuteronômio
|
A divisão em dois livros cada de
Samuel, Reis e Crônicas foi obra dos tradutores da LXX e esta divisão foi posteriormente adotada pelos cristãos em
suas bíblias. Esta divisão não existe na Bíblia Hebraica. A divisão dos livros
em blocos separados, também difere do adotado normalmente pela Bíblia Hebraica:
Os vinte e quatro livros da
Bíblia Hebraica são ordenados em uma ordem diferente pela LXX, que classificou-os de acordo com o seu gênero literário e não
de acordo com a sua aceitação no cânone, conforme o costume judaico. Além deste
fato, os tradutores ou compiladores da LXX
incluíram vários livros que não tiveram aceitação no cânone hebraico.
Entres estes podemos citar os seguintes livros ou adições aos livros canônicos:
Judith, Tobias, 1 Macabeus, 2 Macabeus, 3 Macabeus, 4 Macabeus, Sabedoria,
Eclesiástico, Baruque, 1 Esdras (versão apócrifa do livro canônico de Esdras),
Salmos de Salomão, Odes, Ester em sua versão grega, acréscimos gregos ao livro
canônico de Ester, Epístola de Jeremias, acréscimos gregos ao livro canônico de
Daniel contando as histórias de Suzana e de Bel e o dragão. Alguns destes
escritos ou foram compostos diretamente em grego, tais como 2 Macabeus e Ester,
na versão grega, ou tiveram seu original hebraico perdido, tais como Tobias, 1
Macabeus, Judith e Eclesiástico. Posteriormente, alguns destes livros foram
aceitos no cânone da Bíblia católica romana de forma definitiva em 1546, e são
chamados de deuterocanônicos pelos católicos ou de apócrifos pelos protestantes
e pelos judeus. O termo grego para apócrifo representa o fato que a obra em
questão está desprovida de autenticidade, ou cuja autenticidade não se provou.
Em hebraico, estes livros são chamados, sem apologia, de externos ou heréticos.
Outros artigos acerca da Introdução ao Antigo Testamento
001 – O CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO
002 – A INSPIRAÇÃO DA BÍBLIA
003 – A TRANSMISSÃO TEXTUAL DA BÍBLIA — Parte 1 = Os
Escribas e O Texto Massorético — TM
004 – A TRANSMISSÃO TEXTUAL DA BÍBLIA — Parte 2 = O Texto
Protomassorético e o Pentateuco Samaritano
005 – A TRANSMISSÃO TEXTUAL DA BÍBLIA — Parte 3 = Os
Manuscritos do Mar Morto e os Fragmentos da Guenizá do Cairo
http://ograndedialogo.blogspot.com.br/2012/09/a-transmissao-do-texto-da-biblia-parte-3.html
006 - A TRANSMISSÃO TEXTUAL DA BÍBLIA — Parte 4 = A
Septuaginta ou LXX
007 - A TRANSMISSÃO TEXTUAL DA BÍBLIA — Parte 5 = Os Targuns
e Como Interpretar a Bíblia
Que Deus abençoe a todos.
Alexandros Meimaridis
PS. Pedimos a todos
os nossos leitores que puderem que “curtam” nossa página no Facebook através do
seguinte link:
Desde já agradecemos a todos.
Parte do material contido neste estudo foi adaptado e editado das
seguintes obras, que o autor recomenda para todos os interessados em aprofundar
os conhecimentos acerca do Antigo Testamento:
Bibliografia
Arnold, Bill T. e Beyer, Bryan E. Descobrindo o Antigo Testamento. Editora Cultura Cristã, São Paulo,
2001.
Confort, Philip Wesley (Editor). A Origem da Bíblia. Casa Publicadora das Assembléias de Deus, Rio
de Janeiro, 4ª Edição, 2003.
De Vaux, Roland. Social
Institutions in Ancient Israel. 2
Volumes. MacGraw Hill Papebacks, New York, 1965.
Francisco, Edson de Faria. Manual da Bíblia Hebraica – Introdução ao Texto Massorético.
Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, São Paulo, 1ª Edição, 2003.
Geisler, Norman e Nix, William. Introdução Bíblica – Como a Bíblia chegou até nós. Editora Vida,
São Paulo, 2ª Impressão, 1977.
Walton,
John H. Chronological Charts of The Old
Testament. The Zondervan Corporation, Grand Rapids, 1978.
Würthwein,
Ernst. The Text of the Old Testament.
William B. Eerdmans Publishing Company, Grand Rapids, Reprinted, 1992.
Enciclopédias
__________The New Encyclopaedia Britannica.
Encyclopaedia Britannica Inc., Chicago, 15th Edition, 1995.
[1] Não há consenso entre os
eruditos sobre a data do término e do aparecimento de todos os livros em grego.
Alguns argumentam que todos os livros já estavam traduzidos em torno de 150
a.C., enquanto outros defendem uma data mais tardia, pelo menos para os livros
do bloco do Escritos, que teriam sido finalmente traduzidos por volta de 90
d.C.
Muito boa as informações dentro dos conhecimentos dos quais você possui, mais seria mais abrangente se você saísse um pouco da liturgia católica! Não acha? Ao meu ponto de vista essas quatro letras postada por você não diz nada, como transliteração Heb.יהוה,
ResponderExcluirAtenciosamente: João Benedito.