sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

UMA VISÃO TRINITÁRIA


Uma cosmovisão trinitária

Recentemente recebi um convite, não solicitado, me convidando para participar de uma comunidade judaica, exclusivamente, monoteísta — que acredita num só Deus. Eu também acredito num só Deus, mas também acredito que Ele subsiste em três pessoas distintas. Não pretendo aqui explicar minha fé, mas desejo compartilhar um artigo, muito bem escrito pelo Dr. J. Scott Harrel, que trata com toda profundidade dessa questão.

A publicação desse artigo se torna ainda mais importante quando percebo que muitos desigrejados — não todos é claro — e muitos falsos mestres têm atacado os ensinamento trinitários por pura falta de conhecimento da Bíblia e porque não são capazes de aceitar que existem coisas que não podemos entender, nem explicar 100%.

Segue o artigo do Dr. Harrell que está publicado no site das Edições Vida Nova e no final do mesmo o leitor irá encontrar dados completos de como acessar esse e outros importantes artigos em diversas áreas do estudo de Deus.

UMA VISÃO TRINITÁRIA

Uma cosmovisão trinitária
Por J. Scott Harrell

Quanto à doutrina da Trindade, literalmente considerada, não se pode obter absolutamente nada em termos práticos, mesmo se alguém acredita que a compreende — e menos ainda se a pessoa está consciente de que tal doutrina ultrapassa todos nossos conceitos. [I. Kant]1

Faz parte do patos da teologia ocidental pensar que, ao mesmo tempo em que a teologia trinitária pode muito bem ter um valor edificante para os que já creem, aos que não a conhecem ela se mostra um desencorajador obstáculo à crença, devendo portanto ser simplificada por alguma apologética não trinitária, alguma “teologia natural” essencialmente monoteísta. Minha convicção é contrária a isso: creio que, pelo fato de a teologia da Trindade possuir tanto a ensinar sobre a natureza de nosso mundo e da vida nele existente, ela é, ou poderia ser, o centro da atração que o cristianismo exerce no descrente, como as boas novas de um Deus que inicia livres relações de criação e redenção com este mundo. À luz da teologia da Trindade, tudo parece diferente. [C. Gunton]2

A cosmovisão é a maneira como encaramos a realidade. É o conjunto de pressuposições que possuímos acerca da constituição básica do nosso mundo e do nosso lugar no mesmo. Seja coerente ou confusa, seja consciente ou nunca contemplada, nossa cosmovisão determina como entendemos nós mesmos e os outros seres humanos, e qual o sistema de valores através do que agimos cada dia. Assim, a cosmovisão é a estrutura através do que compreendemos e avaliamos a nossa existência.

A definição de Deus é o centro conceitual de cada cosmovisão básica.3 A partir da ideia do Ser divino (ou ausência de tal Deus), a pessoa desenvolve sua cosmologia com os princípios e valores da vida. Por exemplo, o panteísta clássico (hindu) deduz de que porque Deus é tudo e tudo é Deus, ele possui em si a divindade. Já que esse Deus (Brama) é a totalidade e unidade de todas as coisas, o mundo de particulares em que vivemos (coisas e seres individuais) é apenas ilusão. Logo, sua autoconsciência como ser humano — sua personalidade, racionalidade e consciência moral — é também apenas ilusão. Então, para unir-se com Deus, que em si é a-pessoal, a-racional e amoral, é necessário negar suas distinções e consciência humanas. A partir de um Deus todo inclusivo, não há lugar para o indivíduo.

Inversamente, o politeísmo dos gregos, dos animistas e até dos mórmons tem lugar para os particulares, mas carece de algo infinito e absoluto que unifica o universo. Assim, não há estrutura em que as existências finitas podem assumir significado. No caso dos mórmons, por exemplo, que afirmam que o Deus Pai é finito e em processo de desenvolvimento (“como Ele era, nós somos”), devemos perguntar de onde vem a medida que julga o “desenvolvimento” de Deus? Sem um absoluto no universo, um absoluto pessoal, tudo torna-se relativo e ultimamente arbitrário.

De semelhante forma, o ateísta sofre do mesmo dilema. Sem um absoluto pessoal, todos os particulares ficam sem ponto de referência definitiva. Logo, o ser humano (seja no nível individual ou coletivo) se torna seu próprio absoluto e critério de valores. O indivíduo tem seu lugar sim, mas é como se estivesse solto no espaço — sem nave espacial e sem planeta; ele é livre, mas sem qualquer significado fora de sua curta existência quando o ar do reservatório termina. Sem absoluto cósmico, quando dois seres humanos (ou duas nações) discordam em seus valores — e.g., exterminar os judeus ou protegê-los — não há um referencial superior que distingue o bem do mal. Como Nietzche bem entendeu com respeito aos valores humanos num universo vazio, está faltando a resposta de nosso por quê?

Os teístas (judeus, muçulmanos e cristãos) professam a realidade de um Deus infinito e pessoal que criou o universo do nada e o ser humano à sua imagem. Assim, a dignidade humana, a personalidade (i.e., a alma/espírito com emoções, arbítrio, inteligência etc.), a própria racionalidade e os sentimentos morais (consciência) baseiam-se no próprio caráter divino. Desta forma, o homem tem significado e distinção única entre os animais e o mundo impessoal. Entretanto, como veremos mais adiante, um teísmo monopessoal que insiste em que Deus é uma pessoa só (o judaísmo e o islão) também enfrenta dificuldades estruturais e prova-se inadequado para uma cosmovisão que leva à plena vivência humana neste universo.

Uma cosmologia cristã é centralizada no conceito trinitário de Deus.4 Através da revelação divina, entendemos que Deus existe como três pessoas em uma essência, ou três pessoas de uma mesma natureza em relacionamento dinâmico e profundo.5 Portanto, a maior apologética da fé cristã é um entendimento bíblico da Santa Trindade e uma compreensão de como a cosmovisão trinitária responde às questões básicas da existência. O propósito desta monografia é traçar dez pontos principais de uma cosmovisão refletiva deste Deus Triúno. Começaremos com uma visão da Santa Trindade antes da criação e, depois, o relacionamento entre Deus e a criação. Subsequentemente, de várias maneiras, abordaremos as consequências da triunidade divina com respeito ao homem e ao universo.

Pressupomos que a base bíblica e o desenvolvimento histórico da doutrina da Trindade são essencialmente corretos, como expressos nos Credos Niceno-Constantinoplano e de Atanásio.6 Com os formuladores dos credos na igreja primitiva, reconhecemos que Deus de certa forma simultaneamente se revela e se esconde. Há um pó de mistério sobre toda a revelação divina. No entanto, a partir da autorrevelação deste próprio Deus Altíssimo, há muito que podemos seguramente afirmar. O cristão é compelido a contemplar e conceituar sobre o Senhor e sua maneira de se relacionar com a criação.7 Apresentamos as seguintes ideias como sugestões para uma cosmovisão trinitariana, dicas para nortear nosso pensamento. O valor da obra não é tanto um desenvolvimento profundo de qualquer aspecto do trinitarianismo. Ela serve mais como uma síntese de vários rumos de pensamento sobre o Deus Triúno, esclarecendo um pouco mais uma cosmovisão cristã que é tanto prática quanto filosófica para pastores e leigos.

I. A TRINDADE ANTES DO PRINCÍPIO

Antes de toda e qualquer criação, Deus era completamente autossuficiente e todo-inclusivo. Tudo que existia era Deus; não havia nada que não fosse Deus. Tertuliano escreveu, em cerca 210 A.D.: “Antes de todas as coisas Deus estava sozinho, sendo ele seu próprio universo, lugar e tudo. Mas ele somente estava sozinho no sentido que não havia nada externo de si mesmo”.8 Sem início, Deus existe para sempre numa essência imutável, escolhendo eternamente ser a si mesmo a partir de sua natureza. Além disso, o Ser Supremo é infinito em cada uma de suas características, muitas que talvez nunca foram reveladas e nem poderiam ser entendidas pelos seres humanos. Na unidade de Deus, as características não são contraditórias, mas totalmente consistentes consigo mesmas.9 E o Ser Supremo é pessoal: Deus, em si, existe como três pessoas, cada uma é igual à outra, sendo a mesma em essência e qualidade, mas cada uma é distinta e eternamente diferente como pessoa.10 Em seu mistério final, a Trindade não pode ser compreendida de uma maneira exaustiva e completa. Qualquer conhecimento que temos sobre Deus está relacionado com a revelação dada numa situação finita, e em condições que têm significado para nós como seres finitos. Assim, é através da revelação divina que concluímos que Deus, antes de toda e qualquer criação, existia infinito, pessoal, todo-inclusivo, autossuficiente e imutável, de acordo com o elevado conceito da Santa Trindade.11

II. A TRINDADE E A CRIAÇÃO IMPESSOAL

Enquanto alguns postulam uma coexistência na eternidade passada da ordem criada com (e em dependência de) Deus,12 o cristianismo clássico sempre afirmou uma criação ex nihilo, ou seja, que houve um começo absoluto de criação.13 Num sentido, quando Deus criou, ele deliberadamente escolheu limitar-se, porque fez algo além de si mesmo. Por criar algo do nada (nada absoluto), Deus não permaneceu mais todo-inclusivo.14 Houve algo que não era Deus. A pedra, a árvore e o animal não eram Deus. Mesmo na perspectiva moderna do continuum de energia e matéria, uma pedra só tem significado em termos finitos.15 Em contraste com todas as teologias panteísticas, Deus não se estendeu a si mesmo na criação.16 Pelo contrário, o espaço, a energia, a matéria e o tempo existem como algo feito artisticamente por Deus, e não como sua essência. Porém, a existência destas dimensões depende totalmente do Deus da Bíblia.17

Alguns concluem que a criação originou-se no sobre-fluir de amor e de autossacrifício dos relacionamentos trinitários. Certamente, esse Deus Triúno criou, sustenta e envolve-se com todas as dimensões da existência. “Contudo, embora este processo autodoador e autoesvaziador seja tão radical”, observa Thomas Finger, “tal Deus trinitário permanece distintamente outro. Assim, o entrelaçamento de Deus com as criaturas evoca maravilha elevada, pois não procede de uma necessidade natural — não porque já somos o corpo de Deus — mas da graça”.18

III. A TRINDADE E O PRINCÍPIO DA CRIAÇÃO PESSOAL

Além de matéria, espaço e tempo, o Deus Triúno escolheu criar outras pessoas. Deus limitou-se outra vez, pois agora ele não era o único ser pessoal e moral no universo. Diferentemente do Criador, todos os seres criados são finitos, seja no céu ou na terra. Ao contrário do Deus Filho, por exemplo, o anjo Lúcifer (Satanás) não é onipresente, pois não é capaz de estar presente em mais do que um lugar ao mesmo tempo. Deus, então, continuou infinito mas não todo-inclusivo.

Ao contrário das cosmovisões ateístas e panteístas, o teísta afirma que o fenômeno da personalidade (que distingue o ser humano do animal) é fundamentado na natureza do Criador: (1) Deus pensa e raciocina logicamente, embora não necessariamente nas formas de pensamento que nós usamos;19 (2) Deus escolhe voluntariamente, faz decisões e possui livre arbítrio;20 e (3) ele manifesta emoções e sentimentos, sendo um Ser moral e com propósito.21 Nas Escrituras, descobrimos que cada pessoa da Santa Trindade pensa e comunica, exercita livre arbítrio e manifesta emoções. E nós, como pessoas finitas, temos as mesmas características. O homem foi criado à imagem de Deus e, embora tenhamos caído em pecado e soframos as cicatrizes da queda, o imago dei não está desfigurado a ponto de não haver reconhecimento. Somos realmente pessoas, com valor eterno, porque o Criador e Ser Absoluto do universo também é pessoal.

IV. A TRINDADE E A UNIDADE-DIVERSIDADE DO UNIVERSO

A tensão entre a unidade absoluta versus a diversidade absoluta do universo é provavelmente o maior problema religioso-filosófico de toda a história. Desde os filósofos mais antigos, o homem não tem resposta para este dilema. Por um lado (unidade absoluta), o homem está trancado numa máquina de determinismo, seja no fatalismo religioso do hinduísmo, do islã e do calvinismo extremo, ou no behaviorismo secular (formas de psicologia, sociologia, ciências físicas e marxismo com a dialética materialista). Por outro lado (diversidade absoluta), o ser humano fica perdido em um cosmos absurdo que não tem propósito ou direção e onde tudo acontece puramente por acaso — uma posição vista no existencialismo e em vários artistas modernos. Fora do cristianismo bíblico não há base para equilíbrio dessa tensão.22

Sendo três pessoas em um Deus, a Trindade incorpora tanto unidade quanto diversidade em si mesma. A criação também reflete esta unidade-diversidade, seja quando pensamos em uma galáxia do universo a 15 bilhões de anos-luz daqui (e agora se fala de filas e paredes de galáxias de dimensões jamais imaginadas), ou nas partículas subatômicas com suas construções misteriosas de quarks, leptons e gauge bosons — onde um top quark pode emitir uma energia de até o equivalente a 30 bilhões de volts (30 GeV).23 Seja vastamente enorme ou incrivelmente pequeno, o universo manifesta unidade em sua diversidade, e diversidade em sua unidade. Há ordem entre as coisas individuais e o esquema total de criação.24

No fim, se não existisse um ponto infinito e absoluto de referência no universo, então todos os particulares (a pedra, o homem, os valores) seriam absolutamente sem significado. Um absoluto é necessário para estabelecer uma estrutura cósmica. Se esse absoluto fundamenta o sentido da existência humana, precisa ser uma pessoa, um Tu absoluto. Ao mesmo tempo, esse Tu absoluto precisa deixar espaço para a existência do indivíduo. Em contraste com todas as outras religiões e filosofias (incluindo o judaísmo e o islão), o conceito da Trindade apresenta um relacionamento significativo entre unidade e diversidade, porque toda criação está por fim relacionada com Deus, e o próprio Deus existe em triunidade.25

V. A TRINDADE E A HUMANIDADE DO HOMEM

Mas não é somente o problema da unidade e diversidade que é resolvido em uma perspectiva trinitária do universo. Fora de uma Trindade pessoal, a própria humanidade do homem (i.e., as coisas que o distingue dos animais) em grande parte carece de fundamento adequado. Sem o conceito da Trindade, o homem torna-se necessariamente menos do que um ser humano ou, no mínimo, menos “humano” do que a grande maioria das pessoas gostaria de ser (e pressupõe que é).26 No Deus Triúno há comunicação, comunhão e amor — logo há plenitude e riqueza de relacionamentos pessoais — entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Em nosso século muitos declaram que os relacionamentos humanos são vazios, que o amor é apenas produto de hormônios biológicos, e que a linguagem é sem significado, impossibilitando a comunicação com uma outra pessoa. No meio destas afirmações anti-humanitárias, a fé cristã proclama que a comunicação, a comunhão e o amor (incluindo o ato físico) — atos profundamente humanos — assumem um significado profundo quando entendemos que o homem foi criado por um Deus infinitamente pessoal. E, pelo fato do homem ser ontologicamente dependente de Deus, ele tem um alicerce intrínseco para entender que o amor (filos a agape) em si é real, para regozijar-se com amigos, para exprimir-se com palavras raciocinadas,27 e para confraternizar nos níveis mais íntimos e transparentes uns com os outros. Em contraste com o existencialista e o determinista, o cristão possui base para encontrar significado em todas as atividades e funções humanas: em seus atos de criatividade, bondade e justiça; em suas emoções de alegria, tristeza e ira; em seus pensamentos, linguagem, práxis de ciência e estudo da história objetiva; e na distinção entre fantasia e realidade. Por fim, o ser humano, como pessoa finita, encaixa-se na ordem da criação sem conflitos. No trinitarianismo, sua humanidade tem uma estrutura religioso-filosófica completamente adequada.28

Assim, a fé cristã nos leva a uma densidade em nossa humanidade. Criados no imago dei, quanto mais nos tornamos como Cristo e Deus, mais resplandecemos a intensa glória pessoal divina. O verdadeiro cristianismo não apaga a pessoa (em contraste com o panteísmo e o ateísmo). Ao contrário, a fé bíblica leva o cristão a ser realmente e, num sentido, infinitamente pessoal na sua qualidade. Em toda a história, quem foi mais atraente e magnífico do que o ser humano Jesus Cristo? O que vemos na humanidade de Jesus (o Segundo Adão) corresponde à ontologia de todo homem, uma ontologia despertada quando alguém experimenta o novo nascimento através da fé nele.29

Contudo, o homem não é três pessoas. Sendo uma só pessoa, ele foi criado para ter uma trindade de relacionamentos pessoais: consigo mesmo, com outros seres humanos e com seu Criador. Além disso, sendo finito, ele não é suficiente para ter absolutos em si mesmo, obter a perspectiva final e estar no centro do seu universo. Ele é criado para confiar e comungar com o Deus que é absoluto e pessoal.

VI. A TRINDADE E O AMOR

Uma característica desse Deus, junto com sua santidade (sua autoconsciência moral), é o seu amor. Muito da unidade entre as pessoas da Trindade, ou entre Deus e criação, ou dentro da criação em si, existe através do amor. O amor, como indicado no Novo Testamento, é algo que vem de dentro e vai pra fora. Uma pessoa deve amar-se a si mesma e também aos outros. Assim, porque Deus é amor, cada pessoa da Trindade ama não somente a si mesma, mas também às outras duas pessoas divinas. Definido em 1Coríntios 13, o amor por natureza não é autocentrípeto mas, sim, outrocentrípeto, compartilhando-se e dando-se para outro.30 Em contraste com o islão, o judaísmo e outras religiões que defendem que Deus existe exclusivamente como uma pessoa, o Deus Triúno do cristianismo nunca se apresenta finalmente egocêntrico, nem solitário ou isolado.31 Deus não necessita de alguém para amar. O verdadeiro Ser Supremo não precisa criar alguém para amar, realizando-se assim como o amor absoluto. Para um Deus autossuficiente ser amor, ele deve existir em, pelo menos, duas pessoas.32 A Santa Trindade, desde a eternidade passada, exercita constantemente o amor em si mesma e entre uma pessoa e outra. Se Jesus Cristo exemplificou a perfeita natureza de Deus e nos ensinou a seguir a ele (Lc 9.23-25), então é dando de nós mesmos em amor aos outros que mais nos aproximamos do imago dei. Parece que é um princípio ontológico do nosso ser que quanto mais nos esforçamos para o bem dos outros (imitando as pessoas da Trindade), mais somos definidos e realizados como seres pessoais. Contudo, um Deus na forma trinitária finalmente não depende de suas criaturas para realizar-se em amor. Pelo contrário, o amor infinito já existe entre cada pessoa da Trindade. Por causa de seu amor e sua unidade-diversidade, a Trindade torna-se nosso modelo de comunidade. Seja na família, na igreja local ou em qualquer nível sociológico, o ser humano pode seguir o exemplo do seu próprio Deus. E, mesmo como as pessoas divinas possuem distinções de atuação dentro da Trindade, os inter-relacionarnentos humanos básicos da sociedade — conjugal, familiar, eclesiástico, empresarial e governamental — também exigem ordem de autoridade e de função.33

VII. A TRINDADE E A JUSTIFICAÇÃO

Além do mais, para um Deus perfeitamente santo prover perdão sem se comprometer, é preciso que ele subsista em uma pluralidade de pessoas. Se Deus fosse uma só pessoa, ele poderia ser perfeitamente justo e santo, mas seria incapaz de perdoar os nossos pecados sem comprometer sua santidade. Por exemplo, no islamismo, Alá fica acima da ponte da morte que passa da vida terrestre para o paraíso. Embaixo desta ponte estreita está o abismo do inferno. Um homem que teve uma vida 70% boa e 30% má talvez tenha permissão de passar para o paraíso e para a presença de Deus. Mas um homem com menos virtude seria empurrado por Alá para o abismo. Pressupondo que nenhum homem é 100% bom (e assim moralmente igual a Alá), Alá deve comprometer sua santidade ao permitir qualquer pessoa entrar no paraíso. Como o Absoluto Moral do universo pode perdoar e ter comunhão com um pecador? Na Bíblia, Deus é o Justo, mas é também o Justificador de nossos pecados (Rm 3.23-26), precisamente porque ele é mais do que uma pessoa. Por causa de sua pluralidade de pessoas, o Deus Triúno pode ser o Santo Juiz sem se comprometer, o Cordeiro sacrificial que morreu em meu lugar e o Espírito santificador que atua em mim.34

VIII. A ONISCIÊNCIA DIVINA

Ainda que incorpore em si a unidade e diversidade, e exista como a base da humanidade do homem, o Deus Triúno é também onisciente. O acaso, a casualidade e a contingência não estão além de Deus. Nada pega Deus de surpresa, pois ele está, vamos dizer, no fundo do universo, a parede final. Se o acaso estivesse além de Deus, então o acaso, no fim, seria o Deus real. Entretanto, antes da criação do universo, Deus sabia da entrada do pecado no mundo e do remédio que iria efetuar o perdão do pecado. Ele também sabia do resultado e do fim da história deste mundo, e como todos os homens algum dia glorificarão e bendirão (seja no céu, na terra ou sob a terra) o Senhor por tudo que ele é. Parece, então, que Deus não sabe mais agora do que sabia antes da formação do universo, porque ele sabe todas as coisas instantaneamente: todo passado, presente e futuro estão visíveis diante dele. Ao mesmo tempo, de uma forma além de nossa compreensão, a unidade da Trindade em sua onisciência não diminui a dinâmica interpessoal de cada uma entre si. Ou seja, o conhecimento infinito de cada membro da Trindade não apaga a vitalidade do seu amor e comunicação com os seres pessoais. Isso já tem implicações para a parte seguinte.

IX. A TRINDADE, O TEMPO E O ESPAÇO

Diferente do conceito cíclico do panteísmo, a perspectiva bíblica de tempo é linear, quer dizer, a história tem princípio, direção, finalidade e fim.35 Parcialmente por isso, o judaico-cristianismo é a única religião entre as principais do mundo com profecias; até mais do que um quarto da Bíblia pertence ao gênero da profecia. A fé cristã leva a sério a história objetiva (cf. 1Co 15.3-16). Deus entra no tempo e age conosco, incluindo em relacionamento íntimo com seres humanos. Por outro lado, parece que esse Deus soberano também existe num nível atemporal, transcendendo todo o tempo e vivendo em um agora eterno.36 Como o tempo é uma dimensão da sua própria criação, Deus não está limitado ou restringido pelo tempo, mas ele está instantaneamente acima de toda história cósmica, sabendo o princípio do fim. Aqui é mistério, pois, sendo criador do tempo, Deus está acima do tempo; mas sendo pessoal e triúno, Deus não é estático ou sem dinamismo pessoal em si (perichoresis) e para com sua criação.

Visto a partir da Bíblia, o tempo tem princípio, mas não tem fim. A ordem física foi criada, mas, pelo menos em alguma forma, continuará para sempre. Semelhantemente, o “novo nascido” torna-se herdeiro da vida eterna, pois ele tem início, mas nunca tem fim. Isto não significa que se torna atemporal como Deus, mas que viverá para sempre em alguma forma de tempo linear (cf. Ap 22.2). Os eleitos terão uma vida perpétua em tempo, mas uma vida cheia da plenitude do Senhor — ou seja, uma vida de qualidade elevada (2Pe 1.4). Os que rejeitam a graça de Deus irão, nas palavras de Jesus, “para o fogo/castigo eterno” (Mt 25.41, 46). Conquanto as medidas, as dimensões e a qualidade da existência vindoura certamente mudem, parece que as dimensões do tempo e do espaço são essenciais à existência dos seres finitos.37

A lógica especulativa desta ideia é interessante. Pela Bíblia entendemos que a Trindade tem se comprometido com sua criação e se envolverá para sempre com as ordens de tempo e de matéria — e.g., com os santos, o novo céu e a nova terra. Uma hermenêutica natural da Escritura leva a entender que o Deus Pai, o Deus Filho e possivelmente o Espírito Santo representam-se em formas finitas e físicas na ordem da criação (o Ancião dos dias, o Filho glorificado, a pomba divina etc.).38 Supõe-se que Deus manifesta-se assim para que os seres finitos possam melhor conhecer e relacionar-se consigo. Se o infinito Deus não se revelasse, ou até assumisse, formas analógicas com nossa experiência, dificilmente teríamos conhecimento exato e consistente dele.39 Assim, a raça humana e a ordem dos anjos podem relacionar-se com Deus numa maneira muito mais concreta — seja através de Jesus aqui na terra ou ao redor de Quem-Está-Assentado no trono e o Cordeiro no céu (Ap 4.1—7.10).

Desta ótica, a Trindade em sua misericórdia revela-se através de formas finitas, sem se limitar àquelas formas. Ela ficaria simultaneamente dentro e fora do tempo, não constrangida a uma ordem de matéria e energia. Assim, a Santa Trindade engloba a criação e a não-criação, mantendo sua glória transcendente (ontológica) e seu compromisso funcional (econômico) com a criação.40 Geralmente pensamos em duas dimensões: o céu e a terra. Mas parece que realmente há três esferas em que devemos pensar de Deus: sua encarnação na terra, seu reino celestial com anjos e santos e a Trindade transcendente, atemporal e separada de qualquer limitação finita. Num sentido, então, o Deus Triúno “encarna-se” tanto no próprio céu como a terra.

X. A LIVRE VONTADE DIVINA

Junto com a onisciência e a atemporalidade, Deus tem livre vontade. “Deus eternamente escolhe ser si mesmo.”41 Consequentemente, a Trindade pode ser tanto pessoal quanto infinita. Sua infinitude não apaga sua personalidade, pois Deus não é infinito em tudo, em contraste com o Brama do hinduísmo.42 Deus é infinito em cada uma de suas características (qualidade), mas não infinito em todas as coisas (quantidade), ou seria tão mau quanto bom, tão cruel quanto misericordioso, tão impessoal quanto pessoal. Deus é capaz de ser infinito em tudo, mas ele escolhe ser distinto e constantemente a si próprio — e isso em e como três pessoas. Porque o universo foi criado centrípeto e dependente do caráter de Deus, este caráter imutável existe como o alicerce de toda existência. Sem uma constância voluntária do Deus Triúno quanto a sua própria essência e ser, a criação não teria base para sua unidade e, possivelmente, se desintegraria imediatamente em caos ou não-existência. Desta forma, o mal no universo existe como perversão e parasita das coisas criadas pela bondade livre de Deus.43 Finalmente, é somente a partir da livre vontade do Deus Triúno que o homem pode exercitar seu livre-arbítrio dentro de seus limites finitos e sob a soberania divina.44

CONCLUSÃO: A SANTA TRINDADE E SUA GLÓRIA
Em vista da natureza infinita e pessoal do Deus Altíssimo revelado na Bíblia, com sua autossuficiência absoluta, onisciência, imutabilidade e livre-arbítrio, e em vista de como a estrutura filosófica trinitária é suficiente para viver neste universo como pessoas completas, com amor, lógica, linguagem e equilíbrio entre unidade e diversidade, algumas observações finais devem ser colocadas. Tudo até agora mencionado relaciona-se com a cosmologia — isto é, com nossa perspectiva e vivência do universo. Entretanto, temos de lembrar que tudo que não é criação (incluindo o vazio) é Deus. Se Deus existiu completamente todo-inclusivo antes da criação, logo (se pudermos falar assim) ele está agora em todos os lugares e em todas as dimensões onde não existe a criação. Em todos os lados das poucas dimensões onde a criação que nós conhecemos reside está o Senhor infinito, o Senhor de tudo, sempre em todas as esferas exercitando seu caráter magnífico.45 Para os que são cristãos, remidos pela obra de Jesus Cristo no Calvário, a criação finita constitui um berço enorme sobre o qual, no qual e por meio do qual o Deus Triúno paira, cuidando dos seus com afeição. Toda criação reconhecerá algum dia a dimensão e a beleza de Deus e a dívida incrível que ela tem para com o Deus todo-poderoso, e.g., por sua existência, sua preservação e pela provisão da salvação em Jesus Cristo. É esta realização palpável que é possivelmente nossa parte principal na qual devemos glorificar à Santa Trindade e realizar-nos no plano eterno de Deus. Contudo, não haverá glória mais bendita do que aquela glória dada por um membro da Trindade a outro membro da Trindade, cada um 
reconhecendo plenamente a grandeza do caráter do outro, cada um por sua vez.

ANEXO 1

COSMOVISÕES BÁSICAS

Três principais paradigmas do pensamento humano


ANEXO 2

O CREDO NICENO-CONSTANTINOPLANO (325, 381)

O Credo de Niceia foi composto e aprovado no primeiro concílio da igreja, em 325 A.D., principalmente pelos pais ocidentais do Império Romano. Depois foi acrescido e aprovado por todos os pais (incluindo os orientais) em Constantinopla, em 381.

Cremos em um só Deus, Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis.
Cremos em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus, gerado desde a eternidade do Pai: Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro; gerado, não criado, consubstancial ao Pai. Por ele todas as coisas foram feitas. E por nós, homens, e para nossa salvação, desceu dos céus; e se encarnou pelo poder do Espírito Santo no seio da Virgem Maria, e se fez homem. Também por nós foi crucificado sob Pôncio Pilatos; padeceu e foi sepultado. Ressuscitou ao terceiro dia, conforme as Escrituras, e subiu aos céus, onde está sentado à direita do Pai. E de novo há de vir, em sua glória, para julgar os vivos e os mortos; e o seu reino não terá fim.
Cremos no Espírito Santo, Senhor que dá a vida, e procede do Pai [e do Filho]: e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado: Ele que falou pelos profetas.
Cremos na Igreja, una, santa, católica [universal] e apostólica. Professamos um só batismo para remissão dos pecados.
E esperamos a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há de vir. Amém.

ANEXO 3

O CREDO DE ATANÁSIO

O Credo de Atanásio foi composto em 381 ou depois, provavelmente para uso catequístico a fim de instruir melhor o cristão na compreensão da Santa Trindade. Citada aqui é a versão defendida por J. N. D. Kelly, The Athanasian Creed (Nova Iorque: Harper & Row, 1964) 112-114, traduzida por J. S. Horrell:

Quem deseja ser salvo deve manter acima de tudo a fé católica [universal]. Se um homem não a mantivesse no seu total sem violação, ele certamente pereceria eternamente.

Agora isto é a fé católica, que nós adoramos um Deus em Trindade, e Trindade em unidade, sem confundir as pessoas nem dividir a substância. Pois a pessoa do Pai é uma, do Filho uma outra, do Espírito Santo uma outra.

Mas a Trindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo é uma, a Sua glória é igual, a Sua majestade é co-eterna.

Assim como é o Pai, assim é o Filho, assim também é o Espírito Santo. O Pai não foi criado, o Filho não foi criado, o Espírito Santo não foi criado. O Pai é infinito, o Filho é infinito, e o Espírito Santo infinito. O Pai é eterno, o Filho eterno, o Espírito Santo eterno. Porém, não há três seres eternos mas um eterno; assim não há três incriados, nem três infinitos, mas um que não foi criado e que é infinito. Na mesma maneira, o Pai é onipotente, o Filho é onipotente, o Espírito Santo onipotente; mas não há três onipotentes, mas um onipotente.

Então, o Pai é Deus, o Filho é Deus, o Espírito Santo é Deus; porém não há três Deuses, mas há um só Deus. Então o Pai é o Senhor, o Filho é o Senhor, o Espírito Santo é o Senhor; porém, não há três Senhores, mas há um só Senhor. Por que ainda que sejamos obrigados pela verdade cristã a reconhecer cada pessoa separadamente como Deus e Senhor, assim também somos proibidos pela religião católica a falar de três Deuses ou Senhores.

O Pai não é de ninguém, nem feito, nem gerado. O Filho é somente do Pai, nem criado, mas gerado. O Espírito Santo é do Pai e do Filho, nem feito, nem criado, nem gerado, mas procedido. Então há um Pai, não três Pais; um Filho, não três Filhos; um Espírito Santo, não três Espíritos Santos. E nesta Trindade, não há nada antes ou depois, nada maior ou menor, mas todas as três pessoas são co-eternas umas com as outras, e co-iguais. Então, em todas as coisas, como foi dito acima, ambos Trindade em unidade, e unidade em Trindade, deve ser adorada. Pois aquele que deseja ser salvo deveria pensar assim sobre a Trindade.

ANEXO 4

Um deus mono pessoal é adequado?

 

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NOTAS

1 Immanuel Kant, Der Streit der Fakultäten, Phb 252, 33. Em Jurgen Moltmann, The Trinity and the Kingdom: The Doctrine of God, trad. Margaret Kohl (São Francisco: Harper & Row, 1981) 6, 224.

2 Colin E. Gunton, The Promise of Trinitarian Theology (Edimburgo: T. & T. Clark, 1991) 7.

3 Veja Anexo I, Cosmovisões Básicas. Alguns afirmam que a pergunta filosófica mais fundamental é: “Por que algo existe em vez do nada?” Há essencialmente três respostas: (1) Não há Deus e algo sempre existiu (ateísmo); (2) Deus é tudo e tudo é Deus (panteísmo); ou (3) Um Deus infinito e pessoal criou algo do nada (teísmo). Sua resposta a esta pergunta em boa parte determina suas respostas às outras questões básicas da vida: Por que o homem existe? Qual é a base da sua dignidade? Personalidade? Raciocínio? Consciência? Qual é a base do bem e do mal? Do prazer e da estética? Qual é o relacionamento entre a unidade e a diversidade no universo? etc. Ao redor destas três cosmovisões – ateísmo, panteísmo, teísmo – quase todas as filosofias e religiões se dividem. No nível popular, veja James W. Sire, O Universo ao Lado: Um Catálogo Básico sobre Cosmovisão (São Paulo: Hagnos, 2009); Colin Chapman, Cristianismo: A Melhor Resposta, trad. João Bentes (2ª ed., São Paulo: Vida Nova, 1985); Norman L. Geisler e Paul D. Feinberg, Introdução a Filosofia, trad. Gordon Chown (São Paulo: Vida Nova, 1983); Ronald H. Nash, World Views in Conflict (Grand Rapids: Zondervan, 1992); e Francis A. Schaeffer, O Deus que Intervém, trad. Fernando Korndorfer (2ª ed., Brasília: Refúgio, 1985). No nível mais sofisticado, veja Colin E. Gunton, The One, the Three and the Many: God Creation and the Culture of Modernity, 1992 Bampton Lectures [Oxford] (Cambridge: Univ. de Cambridge, 1993); e Charles Sherrard Mackenzie, The Trinity and Culture (Nova Iorque: Peter Lang, 1987).

4 Abordagens sobre as bases bíblicas e o desenvolvimento histórico e contemporâneo da doutrina da Santa Trindade incluem: E. Calvin Beisner, God in Three Persons (Wheaton, IL: Tyndale House, 1984); Leonardo Boff, A Trindade, a sociedade e a libertação (Petrópolis: Vozes, 1986); Gerald Bray, The Doctrine of God (Leicester: InterVarsity, 1993); Ronald J. Feenstra e Cornelius Plantinga, Jr., eds., Trinity, Incarnation and Atonement: Philosophieal and Theologieal Essays (Notre Dame, IN: Univ. de Notre Dame, 1989); Edmund J. Fortman, The Triune God: A Historical Study of the Doctrine of the Trinity (nova ed., Grand Rapids, MI: Baker, 1982); Bruno Forte, A Trindade como história: Ensaio sobre o Deus Cristão, trad. Alexandre Macintyre (São Paulo: Paulinas, 1987); Gordon H. Clark, The Trinity (Jefferson, MD: Trinity Foundation, 1985); Gunton, The Promise of Trinitarian Theology; William J. Hill, The Three-Personed God: The Trinity as a Mystery of Salvation (Washington, DC: Catholic Univ. of America, 1982); Leonard Hodgson, The Doctrine of the Trinity (Nova Iorque: Charles Scribner’s Sons, 1944); G. A. F. Knight, A Biblical Approach to the Doctrine of the Trinity (Edimburgo: Oliver & Boyd, 1953); Bertrand de Margerie, The Christian Trinity in History, trad. Edmund J. Fortman (Still River, MA: St. Bedes, 1982); Alister E. McGrath, Understanding the Trinity (Grand Rapids: Academie/Zondervan, 1988); Moltmann, The Trinity and the Kingdom; Moltmann, History and the Triune God: Contributions to Trinitarian Theology, trad. John Bowden (Londres: SCM Press, 1991); Michael O’Carroll, Trinitas: A Theological Encyclopedia of the Holy Trinity (Wilmington, DE: Michael Glazier, 1987); John J. O’Donnell, The Mystery of the Triune God (Londres: Sheed & Ward, 1988); Wolfhart Pannenberg, Systematic Theology, trad. Geoffrey W. Bromiley (Grand Rapids: Eerdmans, 1991) 1:259-336; William G. Rush, The Trinitarian Controversy (Filadélfia: Fortress, 1980); John Thurmer, A Detection of Trinity (Exeter: Paternoster, 1984); T. F. Torrance, The Trinitarian Faith: The Evangelical Theology of the Ancient Catholic Church (Edimburgo: T. & T. Clark, 1993); e A. W. Wainwright, The Trinity in the New Testament (Londres: SPCK, 1962).

5 Dentro da declaração histórica da doutrina trinitariana do Credo Niceno-Constantinoplano (325 e 381 A.D.) há uma pequena diferença entre as ênfases da Igreja Ortodoxa (oriental) e as Igrejas Católica e Evangélica tradicionais (ocidentais). A ênfase no Ocidente tem sido a unidade de Deus com a proeminência da essência divina, enquanto no oriente a ênfase é as três pessoas divinas que compartilham igualmente da mesma natureza. Especialmente nos últimos vinte anos, muitos teólogos ocidentais (evangélicos e católicos) estão voltando à perspectiva pluralista da Trindade que corresponde melhor com o desenvolvimento histórico da doutrina no século IV. O essencialismo agostiniano-tomista e o modelismo bartiano estão cada vez mais rejeitados hoje, em boa parte devido aos estudos neotestamentários sobre o relacionamento extraordinariamente pessoal entre Jesus (Deus Filho) e o Deus Pai e, também, as dificuldades filosóficas e teológicas em reduzir as três pessoas a apenas “subsistências” dentro da essência divina.

6 Veja Anexo 2, O Credo Niceno-Constantinoplano e Anexo 3, O Credo de Atanásio. O Credo de Niceia foi aprovado pelos 318 pais da igreja no primeiro concílio geral em 325, e acrescentado e aceito mais tarde no oriente em Constantinopla em 381. É a declaração base da fé cristã. O Credo de Atanásio não é um credo oficial adotado pela Igreja inteira mas um catecismo composto provavelmente no século V para esclarecer em fórmulas simples o significado do Credo Niceno-Constantinoplano. Por outro lado, ninguém na longa história da igreja disputa as afirmações do Credo de Atanásio.

7 Sintetizar os dados bíblicos sobre a tri-undade divina foi extremamente difícil para os pais da igreja primitiva, porque não havia categorias filosóficas e linguísticas para expressá-los. Eles redefiniram palavras e discutiram os significados para melhor aproximar o testemunho da Bíblia.

8 Tertuliano, Adversus Praxean, 5. Zuínglio ecoou a mesma ideia: “Como sabemos que Deus é a origem e o Criador de todas as coisas, não podemos conceber nada antes ou além dele que não seja também proveniente dele. Pois, se algo pudesse existir sem ser de Deus, Deus não seria infinito”. “An Exposition of the Faith”, citado em G. W. Bromiley, ed., Zwingli and Bullinger, trad. G. W. Bromiley (Londres: SCM Press, 1953) 249.

9 Como nosso universo é tão complexo e maravilhoso, não seria estranho imaginar que a dimensão seja ainda mais vasta e extraordinária. Esta obra não pretende enumerar os atributos de Deus. Veja Louis Berkhof, Teologia Sistemática, trad. Odayr Olivetti (Campinas: Luz Para o Caminho, 1990) 54-93; João Calvino, Institutes of the Christian Religion, trad. H. Beveridge (1559; Grand Rapids: Eerdmans, 1975), 1:108-139; Erickson, Christian Theology, 263-409; Christopher B. Kaiser, The Doctrine of God: An Historical Survey (Londres: Marshall Morgan & Scott, 1982); Ronald Nash, The Concept of God (Grand Rapids: Zondervan, 1983); J. I. Packer, O Conhecimento de Deus, trad. Cleide Wolf (3a ed., São Paulo: Mundo Cristão, 1987); A. W. Pink, Os Atributos de Deus, trad. Odayr Olivetti (São Paulo: PES, 1985); e C. Samuel Storms, The Grandeur of God: A Theological and Devocional Study of the Divine Attributes (Grand Rapids: Baker, 1984).

10 As palavras essência e pessoa são difíceis de definir. Mais do que a soma dos atributos de Deus, a essência ou substância divina (lat. substantia; gr. ousia) reflete tudo que Deus é por natureza. Não dividida ou compartilhada, toda a essência divina pertence a cada pessoa da Trindade (gr. homoousios, de homos, “idêntico” + ousia, “ser”). Visto no NT, o conceito de pessoa (lat, persona; gr. Prosopon) reflete os três centros de consciência divina, distintos em mente, vontade e emoções, em relacionamento dinâmico, harmonioso e intensamente pessoal. Assim, a essência de Deus define a simplicidade e unidade divina; a distinção de pessoas revela a pluralidade e diversidade divina. A teologia ortodoxa (oriental) defende que a pessoa do Deus Pai é a fonte eterna de Deus Filho e do Espírito Santo; em seu amor o Pai gerou outros iguais a si mesmo. No entanto, nunca havia um tempo quando não existiam os Três.

11 Deus sendo honesto e verdadeiro, o Cristianismo clássico defende que a revelação bíblica revela de forma exata mas não completa o que Deus é em sua transcendência e ontologia. Seguindo os credos e a evidência bíblica, os relacionamentos eternos da Trindade definem-se assim: o Filho é eternamente gerado do Pai, e o Espírito Santo eternamente procede do Pai e (no ocidente) do Filho. As palavras gerado e procedido não denotam inferioridade de uma pessoa a outra, mas só esclarecem as diferenças, sem dizer muito mais, entre as três pessoas.

12 Leonard Verduin, Somewhat Less Than God (Grand Rapids: Eerdmans, 1970) 11-13, questiona o conceito da criação ex nihilo, dizendo que isto supõe um tempo quando Deus era não-criativo e então contrário à sua natureza. Verduin propôs uma criação eterna no passado, mas sempre dependente ontologicamente de Deus.

13 Veja Jo 1.1-3; Rm 11.36; Cl 1.16,17; Hb 1.2, 11.3.

14 O conceito de Deus criando espaço dentro de si para a criação é visto em vários pensadores históricos, desde o zimsum (autolimitação) de judaísmo místico, Nicholas de Cusa, F. W. J. Schelling, E. Brunner et. al. Jürgen Moltmann, God in Creation, trad. Margaret Kohl (Nova Iorque: Harper, 1985) 88, postula o seguinte kenosis ou autolimitação divina: “1. Deus abre espaço para sua criação retirando sua presença. O que vem a existir é um nihil que não contém a negação de um ser criado (visto que a criação ainda não existe), mas representa a negação parcial do Ser divino, na medida em que Deus ainda não é Criador. O espaço que passa a existir e é libertado pela autolimitação de Deus é um espaço literalmente abandonado por Deus... 2. Deus ‘se retira de si mesmo para si próprio’ a fim de possibilitar a criação. Sua atividade criativa para o exterior é precedida por essa humilde autorrestrição divina... 3. Se Deus está criativamente ativo nesse ‘espaço primordial’ que ele próprio cedeu e concedeu, então será que ele cria ‘para fora’? Obviamente, só através da concessão do nihil pode-se conceber uma criação ex nihilo, mas, se ocorre no espaço uma criação ad extra, libertada pelo próprio Deus, logo a realidade exterior a Deus ainda permanece no Deus que cedeu esse ‘exterior’ em si mesmo”. Isso não é necessariamente panenteísmo, pois ainda há lugar distinto e absoluto para a criação. Cf. Hans Urs von Balthasar, Theodramatik II,1 (Einsiedeln: Johannes, 1983); Eberhard Jungel, God as the Mystery of the World, trad, Darrell L. Guder (Grand Rapids: Eerdmans, 1983) 376-396; O’Donnell, The Mystery of the Triune God, 159-182; e Thomas Finger, “Modern Alienation and Trinitarian Creation”, Evangelical Review of Theology 17:2 (abril de 1993) esp. 205.

15 A pergunta maleva de Bertrand Russell, “Será que Deus pode criar uma pedra tão grande que ele mesmo não pode levantá-la?”, é absurda e uma afronta à linguagem. Ele está perguntando: “Será que Deus pode criar uma pedra infinita?”.

16 Vários teólogos modernos propõem um panenteísmo cristão (tudo está em Deus e Deus está em tudo) através do que Deus encarna-se hipostaticamente no mundo: Pierre Teilhard de Chardin, The Heart of Matter, trad. René Hague (Nova Iorque: Harcourt Brace Jovanovich, 1978) 15-102; Karl Rahner (Cristologia transcedental), “Current Problems in Christology”, Theological Investigations, 20 vols., trad. C. Ernst, D. Bourke et. al. (Londres & Todd, 1961-1981) 1:185; Leonardo Boff, Jesus Cristo Libertador (Petrópolis: Vozes, 1972) 259-261; e Boff, A Trindade, a sociedade e a libertação (Petrópolis: Vozes, 1986) 278.

17 O fato de que o Deus onipresente permeia e sustenta a criação (Cl 1.15) é admitido por todos e discutido em seguida. É possível que existam dimensões da criação de Deus que são infinitas em certos aspectos: a vida eterna (de infinita dureza), talvez espaço espacial (infinita extensão) e espaço microscópico (infinita intensidade). As características da ordem criada mostram-se cada vez mais extraordinárias.

18 Finger, “Modern Alienation and Trinitarian Creation”, 204.

19 Apesar da oposição de Cornelius Van Til, muitos teólogos (G. Clark, E. J. Carnell, R. Nash, N. Geisler e F. Schaeffer) insistem em que os princípios básicos de raciocínio – a lei de contradição etc. – estão baseados no próprio caráter de Deus. Cf. Gordon H. Clark, Religion, Reason and Revelation (Filadélfia: Presbyterian & Reformed, 1961) e “Secular Philosophy”, em The Philosophy of Gordon H. Clark: A Festschrift, ed. R. H. Nash (Filadélfia: Presbyterian & Reformed, 1968); Herman Dooyeweerd, In the Twilight of Western Thought (Filadélfia: Presbyterian & Reformed, 1960) e Transcedental Problems in Philosophic Thought (Grand Rapids: Eerdmans, 1948).
Fora do teísmo, a base da razão no mundo secular é muito fraca: o idealismo de Platão e o empirismo de Aristóteles são rejeitados hoje (via Kant). Geralmente, a lógica/raciocínio não é vista como um princípio absoluto, mas algo relativo e determinado: (1) pelo código genético (nós pensamos de uma maneira, a galinha de outra); ou (2) pela estrutura da linguagem. Cf. W. V. Quine, Philosophy of Logic (Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall, 1970); Nicolas Wolterstorff, On Universals: An Essay in Ontology (Chicago: Univ. of Chicago, 1970); e Dagobert Runes, Handbook of Reason (Nova Iorque: Philosophical Library, 1972), 106. O ateísmo e o panteísmo reduzem a lógica ao funcionalismo pragmático, ou seja, um fenômeno apenas relativo. Mas a evidência científica, seguindo Einsten e outros, apoia a conclusão de que a lógica corresponde à verdadeira natureza do universo.

20 O livre-arbítrio no ser humano é outro fenômeno sem explicação no mundo não-teísta, apesar do fato de que o humanismo (na maioria) e o existencialismo pressupõem a vontade humana como um fundamento de seus sistemas. O panteísta também não tem nenhuma explicação para o por que da vontade humana; logicamente, o arbítrio humano é o que separa o ser humano de Brama e, assim, deve ser apagado para entrar em unidade com Deus. O teísta baseia o livre-arbítrio do homem (qualquer que seja o efeito do pecado) no imago dei.

21 Mais uma vez, nem o panteísmo nem o ateísmo oferecem bases ontológicas para as profundas emoções do ser humano. Eles admitem a realidade destas emoções e motivações (o id de Freud, o angst de Heidegger e Jasper), mas os estudos começam com o fato da sua existência (e estudos biológicos que definam a função do corpo) sem oferecer como o homem é autoconsciente, autodeterminado e emotivo. Para uma discussão evangélica sobre o inter-relacionamento da vida biológica e psicológica, veja John Medina, The Outer Limits of Life (Nashville: Oliver Nelson, 1991).

22 Todo monismo panteístico enfatiza a unidade a ponto de excluir a diversidade. Assim, a individualidade fica contra a unidade, que deve ser renunciada para se tornar um com Deus. Por outro lado, o niilismo e a filosofia existencialista não têm um absoluto que unifica o universo; assim, falta a eles a base para qualquer significado final. Cf. Gunton, The One, the three and the Many; e R. J. Rushdoony, The One and the Many: Studies in the Philosophy of Order and Ultimacy (Filadélfia: Craig, 1971).

23 Veja Richard Golob e Eric Brus, eds., The Almanac of Science and Technology: What’s Newand What’s Known (Boston: Harcourt Brace Jovanovich, 1990) 437-474.

24 Colin Gunton, The Promise of Trinitarian Theology, 142-161, contra a visão estática do universo dos teólogos clássicos (Aquino, Calvino), observam que a criação trinitária corresponde melhor com os descobrimentos científicos refletindo mais “liberdade” e dinamismo na estrutura do universo. Veja, também, Thomas F. Torrance, Reality and Scientific Theory (Edimburgo: Scottish Academic Press, 1985) esp. 160-206.

25 Cornelius Van Til, “Personal Syllabus”, não-publicado (Filadélfia, Westminster Theological Seminary, 1949) 218: “A Trindade não é uma doutrina especulativa pouco importante. Todo tipo de heresia, em última análise, é um ataque à Trindade... envolvendo, de fato, a igual ultimação de unidade e pluralidade”.

26 Muitos filósofos modernos fazem concessões mútuas entre as exigências da sua lógica filosófica, por um lado, e sua humanidade e ética no outro. Cf. James W. Cornmann e Keith Lehrer, Philosophic Problems and Arguments (Nova Iorque: Macmillan, 1968, 1974) 508-509; e Schaeffer, O Deus que Intervém, 13-125.

27 Qualquer linguagem assume a lógica. Pelo fato de Deus comunicar-se conosco em palavras – sons e símbolos finitos que transmitem conceitos – nós, como seres em sua imagem, somos capazes de falar e entender o significado da linguagem conhecida (pelo menos em parte). Veja Norman Geisler, Philosophy of Religion (Grand Rapids: Zondervan, 1974, 1982), 87-309.

28 Embora ainda haja muito mais a explorar, existem várias obras sobre a base trinitária do ser humano, seja no nível individual ou social, desde os Capadócios (analogia social) e Agostinho (analogia psicológica). Veja a próxima parte e Alistair I. McFadyen, The Call to Personhood: A Christian Theology of the Individual in Social Relationships (Cambridge: Univ. de Cambridge, 1990) esp. 15-44; Daniel L. Migliore, “The Trinity and Human Liberty”, Theology Today 36.4 (jan. de 1980) 488-497; Elizabeth Moltmann-Wendel e Jürgen Moltmann, Humanity in God (Nova Iorque: Pilgrim Press, 1983) esp. 90-106; Dumitru Staniloae, “Image, Likeness, and Deification in the Human Person”, Communio 13.1 (abril de 1986) 64-83; e R. P. Stevens, “The Mystery of Male and Female: Biblical and Trinitarian Models”, Themélios 17.3 (abril/maio de 1992) 20-24.

29 Contra o liberalismo que reduz a cristologia à antropologia, reconhecemos tanto a plena natureza divina quanto a humana de Jesus Cristo, sem as raízes do pecado, e que sua humanidade revela em parte o que Deus criou no estado primário e o que o crente bíblico será na glorificação.

30 Richard of St. Victor (d. 1173), De Trinitate, 1.20, falando de Deus como o Supremo Bom de todas as virtudes: “Nunca se diz que alguém tem caridade por causa do amor exclusivamente pessoal que essa pessoa tem por si mesma – pois, para haver caridade, deve haver um amor dirigido a outrem. Consequentemente, onde há ausência de pluralidade de pessoas, não pode haver caridade”. Ele continuou dizendo que a única expressão adequada deste amor infinito é para com outra pessoa de igual dignidade e capacidade para recebê-lo. Da mesma forma, a verdadeira glória e alegria divina, para ser comunicada na sua plenitude, exige outra pessoa infinita que possa compreender e responder de modo igual. Da Escócia, Richard of St. Victor elaborou a Trindade como uma comunidade de amor e sociedade sublime, assim muito mais perto da perspectiva grega (dos Capadócios) e ortodoxa oriental.

31 Brian Hebblethwaithe, “Perichoresis – Reflections on the Doctrine of the Trinity”, Theology 80:676 (julho de 1977) 257, diz: “Caso se acredite que as analogias humanas permitem alguma introvisão na natureza divina (talvez porque se supõe que o homem foi feito à imagem de Deus), então não resta dúvida de que o modelo de uma pessoa [divina] individual e única cria obstáculos para a crença teísta. Isso retrata alguém que, apesar de seus atributos infinitos, é incapaz de desfrutar a excelência do relacionamento pessoal, a menos que ele primeiramente crie um objeto para seu amor. As crenças monoteístas não favorecem a ideia de que a criação é necessária a Deus, mas, a não ser que se postule uma relação pessoal em Deus [i.e., o Trinitarianismo], é difícil ver como podem evitá-la. Realmente parece haver certo impasse aqui para o judaísmo e o islamismo. O hinduísmo, ao menos em suas formas mais filosóficas, evita esse problema recusando-se a trazer as analogias pessoais diretamente de volta ao próprio absoluto. Os filósofos sustentam os deuses pessoais da religião devocional hindu como personificações em um nível inferior da realidade daquele ser absoluto, além de todas as qualidades. (Daí, eventualmente, a chamada Trindade Hindu do Brahma, Vishnu e Siva não é um análogo real para a Trindade Cristã.)”. Sua observação desmente as tentativas de Pannikar e outros de igualar a Trindade cristã com o Deus hinduísmo – veja Raimundo Pannikar, The Trinity and the Religious Experience of Man: Icon–Person–Mystery (Maryknoll, NY: Orbis, 1973).

32 Veja Anexo 4, Um Deus Monopessoal é Adequado?

33 Contra o monoteísmo monopessoal que levou o ocidente ao individualismo por um lado, e por outro contra o panteísmo que levou o oriente à dissolução da dignidade humana, vários teólogos analisaram as implicações do “trinitarianismo social” como modelo para a humanidade em comunidade: Boff, A Trindade, a Sociedade e a Libertação; Leonard Hodgson, The Doctrine of the Trinity (Nova Iorque: Charles Scribner’s Sons, 1944); Mackenzie, The Trinity and Culture, 1-30, 95-116; David Nicholls, “Trinityand Conflict”, Theology 96:769 (jan. de 1993)19-27; John J. O’Donnell, “The Trinity as Divine Community”, Gregorianum 69:1 (1988) 5-34; Cornelius Plantinga, Jr., “The Perfect Family”, Christianity Today, 8 de março de 1988, 24-27; Plantinga, “The Threeness/Oneness Problem of the Trinity”, Calvin Theological Journal 23:1 (abril de 1988), esp. 50-53; e Larry R. Thornton, “A Biblical Approach to Establishing Marital Intimacy. Part I: Intimacy and the Trinity”, Calvary Baptist Theological Journal 4:2 (out. de 1988) 43-72. As implicações são fortes para a família e a liderança da igreja local. Mas uma das elaborações mais criativas é o contraste entre a monarquia (de monism) e os princípios de liberdade vistos na triunidade de Deus (Moltmann, The Trinity and the Kingdom, 129-222) e, de novo, nas teorias de economia (M. Douglas Meeks, God the Economist: The Doctrine of God and Political Economy (Minneapolis, MN: Fortress, 1989).

34 Um corolário disso é a natureza da punição divina. Descrevo a seguir uma sugestão (theologumenon) pessoal com respeito à tensão sobre como um Deus de amor pode condenar o pecador. Cada pessoa da Trindade possui amor irrestrito em si, amando infinitamente as outras duas pessoas divinas. A Bíblia implica que Deus também ama infinitamente o indivíduo humano (Jo 17.22-24; 1Jo 4.16). Como não há limites que constranjam a infinidade, teoricamente cada pessoa da Trindade ama o indivíduo tanto quanto as outras duas pessoas divinas. O que impede o homem de experimentar o amor de Deus é o pecado, incluindo a rejeição do perdão provido pela morte de Deus Filho na cruz. O pecado provoca a ira e o castigo de Deus, que se manifesta em vários juízos, incluindo a punição eterna do não-regenerado no inferno. Se Deus fosse uma só pessoa, seu juízo necessariamente seria vindicativo e retaliativo. Sua ira santa, no final, seria Deus levando a vara em vingança contra o pecador (e Deus teria todo o direito de fazer assim). Porém, a própria Palavra de Deus declara que “o amor é paciente, é benigno... não se ensoberbece... não procura seus interesses, não se irrita”, “tudo sofre... tudo suporta” (1Co 13.4-7). Se isso também define o amor divino, como é que Deus pode administrar o castigo? Como é que o amor absoluto e a santidade perfeita podem ficar unidos sem contradição?
Sugiro que o conceito da Santa Trindade resolve este dilema. Quando o homem finito e iníquo peca contra Deus, ele peca contra todas as três pessoas. Cada pessoa divina, porém, agindo por amor infinito, não leva em conta vindicativamente o pecador. Mas, a pessoa divina administra castigo quando ela julga (em amor e santidade) entre as outras duas pessoas divinas – que também foram ofendidas pelo pecado – e o pecador em si. Cada pessoa da Trindade em si podia “suportar todas as coisas”, mas cada uma também funciona como santo juízo arbitrando entre o homem pecador e as outras pessoas do Deus Triúno. Assim, a pessoa divina, pelo amor do bem dos outros membros da Trindade, disciplina e pune, às vezes com severidade, o pecador, não por motivos pessoalmente vindicativos. É possível que este processo de juízo ocorra através de cada pessoa divina no mesmo instante, cada um julgando no lugar das outras duas. Ou talvez somente uma pessoa da Trindade (i.e., o Pai ou o Filho), continuamente julga em justiça pelos três membros da Trindade. Qualquer que seja o caso, em última instância, Deus não age de uma maneira individualmente egocêntrica quando impõe castigo sobre o pecador. Na estrutura da Trindade, até o juízo mais severo não necessariamente contradiria seu amor.

35 Claro que há mini e macro ciclos de tempo dentro de um esquema linear. Obras sobre a perspectiva cristã e trinitária do tempo incluem: James Barr, Biblical Words for Time (Londres: SCM Press, 1962); Emil Brunner, “The Christian Understanding of Time”, Scottish Journal of Theology 4 (1951): 1-12; Oscar Cullmann, Cristo e Tempo (São Paulo: Custom, 2003); Cullmann, Salvation in History, trad. S. G. Sowers (Nova Iorque: Harper & Row, 1967); Simon J. DeVries, Time and History in the Old Testament: Yesterday, Today and Tomorrow (Grand Rapids: Eerdmans, 1975); John J. O’Donnell, Trinity and Temporality (Oxford: Univ. de Oxford, 1983); Nelson Pike, God and Timelessness (Nova Iorque: Schocken, 1970); T. F. Torrance, Space, Time and Incarnation (Londres: Univ. de Oxford, 1969); Arthur H. Williams, “The Trinity and Time”, Scottish Journal of Theology 39.1 (1986) 65-81; e Claus Westermann, Beginning and End in the Bible, trad. Keith Crim (Filadélfia: Fortress, 1972).

36 Os pais da igreja debateram o conceito da eternidade. Alguns defenderam que Deus existe em tempo com nós, outros, que Deus em sua transcendência existe sem tempo. Agostinho (A Cidade de Deus XI, 6) sugeriu que o tempo foi criado juntamente com o universo (que próximo das teorias da física moderna). John H. Hick, Christianity at the Center (Londres: SCM Press, 1968) 82-99, e, para uma exposição interessante, Philip Yancey, Decepcionado com Deus, trad. Márcio Loureiro Redondo (São Paulo: Mundo Cristão, 1990) 193-199. Nós defendemos que Deus existe simultaneamente fora e dentro da dimensão do tempo.

37 Veja Alan B. Pieratt, “Pensando do Céu”, em Imortalidade, eds. Russell P. Shedd e Alan B. Pieratt (São Paulo: Vida Nova, 1992), 227-248, sobre a natureza da vida vindoura.

38 Amos Funkenstein, “The Body of God in 17th Century Theology and Science”, em Millenarianism and Messianism in English Literature and Thought 1650-1800, ed. Richard H. Popkin (Leiden: E. J. Brill, 1988) 150-175, traça como Deus perdeu seu corpo em teologia cristã. É importante reconhecer que a proposta acima está longe dos conceitos de corporalidade onde o “espírito” é tangível (como Tertuliano: “Nada é, senão corpo”, De anima, 7) ou do atomismo (Descartes, Spinoza, H. More et. al.). Afirmamos a finitude da forma que Deus assume seja no céu ou na terra, mas não que a forma faz parte da essência muito menos da transcendência do Deus infinito. Seguimos a linha expressa por Atanásio, aqui explicando a natureza da encarnação do Filho: “O Verbo não estava confinado dentro do corpo; ele não estava lá nem em algum outro lugar; ele não ativou aquele corpo e deixou o universo destituído de sua atividade e orientação. Eis aqui a maravilha suprema. Ele era o Verbo e nada o continha; antes, ele próprio continha todas as coisas. Ele está na criação inteira e, contudo, em seu ser essencial, ele é distinto de tudo o mais... Assim também, quando ele estava no corpo humano, ele próprio deu a vida àquele corpo; e, ao mesmo tempo, obviamente ele estava dando vida a todo o universo e estava presente em todas as coisas; e ainda assim distinto do universo e fora dele. E, mesmo reconhecido a partir de seu corpo, através de suas ações no corpo, ele também se manifestava em sua obra no universo”. (Atanásio, De incarnatione, 17)

39 Defendemos que quando a Bíblia relata que Deus é “espírito” está falando da essência divina e do fato de que Deus é onipresente. Não significa que Deus nunca assume forma no céu. A hermenêutica metafórica (neoplatônica) espiritualizou os textos que indicam uma revelação mais concreta de Deus, favorecendo assim apenas os textos sobre Deus como invisível e transcendente. No entanto, as passagens que destacam a espiritualidade divina (i.e., 1Rs 8.27; Sl 139.1-12; Jr 23.23-24; Jo 1.8; 4.23-24; 1Tm 1.17; 6.14-16) não necessariamente negam as múltiplas passagens que falam sobre as formas finitas em que Deus se apresenta (Gn 3.8-9; Êx 24.9-11; 33.18-22; Nm 12.1-10; 1Rs 22.19; Jó 1.6—2.6; Is 6.1-6; Ez 1.26-28; Dn 7.9-14; Zc 3.1-6; At 7.56; Hb 8.1—10.22; 12.22-23; Ap 4.27:10; 21.23-25; 22.1, 3, 5 etc). Em minha opinião, embora muita linguagem de Deus seja necessariamente analógica, isto não nega as evidências textuais de que Deus realmente se revela em formas concretas, seja no céu ou na terra. Contudo, há divergências nesse ponto – veja Robert W. Jenson, “The Body of God’s Presence: A Trinitarian Theory”, em Creation, Christ and Culture: Studies in Honour of 7: F. Torrance, ed. Richard W. A. McKinney (Edimburgo: T. & T. Clark, 1976) 85-91; Norman Geisler, “Analogy: The Only Answer to the Problem of Religious Language”, Journal of the Evangelical Theological Society 16:3 (1973) 167-179; e Janet Martin Soskice, Metaphor and Religious Language (Oxford: Clarendon, 1985).

40 Assim, o Filho não se restringe a um corpo glorificado na eternidade futura, mas também existe completamente sem limites em seu estado infinito e transcendente. Também, o Espírito Santo, enquanto envolvido funcionalmente na história terrestre e no céu, no mesmo instante existe igual ao Pai e ao Filho, sem qualquer limitação na plenitude de seu estado ontológico.

41 Van Til, “Personal Syllabus”, s. p.; também, Eberhard Jungel, The Doctrine of the Trinity: God’s Being Is in Becoming, trad. Horton Harris (Edimburgo: Scottish Academic Press, 1976) 68: “O ser de Deus em ação era assim entendido, que Deus é sua decisão. A decisão estabelece o relacionamento; pois é como tal um estabelecer-a-si-próprio-em-uma-relação”.

42 A crítica mais severa dos intelectuais hindus contra o teísmo é que a infinitude divina necessariamente elimina qualquer personalidade divina. A infinitude de características englobando tudo não permite qualquer personalidade ou moralidade.

43 Cf. Alvin C. Plantinga, Deus, a Liberdade e o Mal (São Paulo: Vida Nova, 2012); C. S. Lewis, O Problema do Sofrimento, trad. Neyd Siquiera (São Paulo: Mundo Cristão, 1983); Geisler, Philosophy of Religion, 311-403.

44 O livre-arbítrio do homem é paralelo com o livre-arbítrio divino, em que o homem pode tomar decisões e encarregar as consequências. Mas o livre-arbítrio humano é diferente daquele de Deus, já que o dele não é autônomo. Nossas decisões são sujeitas a vários círculos de influência, incluindo a soberania final de Deus. Alguns veem a Santa Trindade como o modelo de liberdade através da escolha mútua de se compadecer com o outro e permitir o exercício de livre-arbítrio do outro. A vida cristã, então, é a participação do crente na liberdade divina. Veja Moltmann, The Trinity and the Kingdom, 213-222; e Migliore, “The Trinity and Human Liberty”, 488-497.

45 Finger, “Modern Alienation and Trinitarian Creation”, 205: “Desde que este espaço permaneça suficientemente ‘vazio’ para que as criaturas guardem identidades distintas, essa ideia não precisa ser panenteísta. Acredito que pode ajudar-nos a compreender como o amor divino não está realmente distante do mundo, mas ainda nos envolve; e como talvez o pecado não corra para longe de Deus tanto quanto fica tentando afastar Aquele que anseia por aproximar-se”.

O artigo original e outros poderão ser acessados no site da Edições Vida Nova por meio desse link aqui:


Que Deus Abençoe a todos,

Alexandros Meimaridis.
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