Concepção Artística da Queda no Pecado
Essa é uma série cujo propósito é estudar, com profundidade, os ensinamentos da Bíblia acerca do pecado, com uma ênfase especial na questão do chamado “pecado para a morte”.
UM ESTUDO
ACERCA DO PECADO – ESTUDO 2
Continuação....
D. A
história da queda.
Os crentes, independente da denominação a que pertencem, e até
mesmo muitos incrédulos, concordam que nós temos na história do Antigo
Testamento, que descreve a queda de Adão e Eva, um relato eternamente verdadeiro
da maneira como o pecado entrou no mundo - ver Gênesis 3:1 a 6. O próprio
Senhor Jesus reconheceu a veracidade histórica de Adão e Eva – ver Marcos 10:6
- 8 - onde Jesus repete as palavras que encontramos Gênesis 1:27; 2:24 e 5:2. O
autor não consegue entender, e acha muito difícil aceitar, o argumento de
pessoas que, chamando-se de cristãs, ensinam que a história de Adão e Eva não é
verdadeira e sim apenas uma lenda ou mito. As palavras de Jesus contradizem
completamente esta “estranha teoria”. Como veremos, se a história de Adão e Eva
não for 100% verídica, então a própria história da salvação não faz
absolutamente nenhum sentido.
A essência de Gênesis 3:1—6
é que tanto o homem como sua mulher desobedeceram a uma ordem expressa de Deus,
apesar de a ordem ter sido dada diretamente ao homem somente – ver
Gênesis 2:16 - 17. A sedução da tentação não é mostrada, de maneira mais
enfática, em nenhum outro lugar da Bíblia do que nesta passagem. Vamos analisar
este texto mais profundamente:
Verso 1:
Mas a serpente, mais sagaz que todos os animais selváticos que o SENHOR Deus
tinha feito, disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda
árvore do jardim?
Este capítulo não se refere explicitamente a Satanás. O tentador é
simplesmente chamado de נְחַשׁ – nehash - que na sua forma
substantiva é a palavra comumente usada para descrever uma serpente no idioma
hebraico - ver Números 21:7 – 9; Deuteronômio 8:15 e Provérbios 23:32. Esta
palavra ocorre 31 vezes no Antigo Testamento. A palavra נְחַשׁ – nehash – ocorre 31 vezes no Antigo Testamento de acordo com a
concordância de J. Strong[1].
Possivelmente existe uma relação entre nehash - serpente e a expressão נְחֹשֶׁת - nehoset
- bronze. De fato, em Números 21:9 nós lemos que
Moisés fez uma serpente de bronze נְחֹשֶׁת נְחַשׁ - nehash
nehoset. Séculos depois de Moisés e
da geração que havia saído do Egito, nos dias de Ezequias, filho de Acaz, rei
de Judá, nós vamos descobrir que aquela “serpente de bronze” ainda existia e
que as pessoas se referiam a ela comoנְחֻשְׁתָּן
– nehushetan - Neustã – ver 2 Reis 18:4. A
relação entre as palavras “serpente e bronze”, no original hebraico, parece
querer indicar certa aparência luminosa e brilhante. Esta aparência, tão
significativa, certamente serviu para atrair a atenção de Eva.
Neste contexto existe, todavia, uma nuança que possui
implicações bem mais sinistras. A expressão hebraica נַחֵשׁ – nahash - pode também funcionar como
verbo e, neste sentido, significa - praticar adivinhação, agourar etc - ver
Gênesis 44:5 e 15; Levítico 19:26 e Deuteronômio 18:10. Este verbo aparece 11
vezes no Antigo Testamento sempre no Piel que é a forma ativa intensa
dos verbos no hebraico. Para entender melhor esta idéias vejam o exemplo a
seguir: vamos tomar como ilustração, o verbo שְׁבָּר - shebad – quebrar. Na forma Qal,
que faz o ativo simples, seria traduzido por “ele quebrou”. Já no Piel,
que faz o ativo intenso, seria traduzido por “ele destruiu completamente,
esmagou etc.” O substantivo relacionado ao verbo nahash significa adivinhação -
ver Números 23:23 e 24:1. Estudos de outras culturas do Oriente Médio[2]
nos ensinam que era comum, entre as práticas adivinhatórias, o uso freqüente de
procedimentos que incluíam serpentes.
No relato que temos em Gênesis 3:1, nós não encontramos
nenhum nome atribuído à serpente. Em vez disso, o texto nos fornece dois outros
tipos de informação. Neste versículo nós somos informados tanto acerca do caráter
da serpente, bem como recebemos alguma informação acerca da sua origem.
Primeiro, seu caráter. A serpente é definida como sendo עָרוּם – earum - mais sagaz que todos os animais selváticos. עָרוּם - earum - mais sagaz não aparece em nenhuma outra passagem do livro de Gênesis mas é muito freqüente
no livro de Provérbios onde é traduzido na ARA[3],
de forma consistente, por “prudente”. A pessoa que possui esta
qualidade, sagacidade, é elogiada e contrastada:
1. com o אֱוִיל – ewil - insensato - ver Provérbios 12:16.
2. com כְּסִיל – kesil – estulto – ver Provérbios 12:23; 13:16; 14:8.
3. e com os chamados infiéis que são chamados de פֶּתִי – peti – simples – ver Provérbios 14:15, 18; 22:3 e 27:12.
De forma contrastante, as duas vezes que a palavra עָרוּם - earum - mais sagaz aparece no livro
de Jó – ver 5:12 e 15:5 - são pejorativas. Desta maneira temos que a expressão
hebraica עָרוּם
- earum - mais sagaz é ambivalente e pode descrever tanto
características desejáveis como indesejáveis.
Mas, porque teria Moisés, o autor do livro de Gênesis,
usado esta expressão tão ambivalente? Talvez o motivo esteja exatamente na
própria ambivalência da expressão earum - mais sagaz. Esta palavra era neutra, isto é, não tinha
nenhuma conotação moral especial definida – ver versos de provérbios acima. A
intenção do autor e o contexto indicavam o sentido que a palavra deveria ter.
Isto torna nossa pergunta ainda mais pertinente: por que aplicar uma palavra
que não tem conotação moral definida a um ser que é consistentemente mau, nas
páginas das Escrituras? Talvez a melhor maneira de entendermos o porquê de
Moisés, o autor do capítulo 3 de Gênesis, ter se utilizado de uma expressão
ambivalente, no hebraico, seja aceitarmos o fato de que, ao se utilizar da
expressão earum - mais sagaz, sua intenção
fosse apenas descrever, de maneira mais simples possível e isenta de conotações
morais, a estratégia realmente “prudente” adotada pela serpente, ao engajar um
diálogo com a mulher.
No que diz respeito à origem da serpente, nós somos informados,
de maneira bem clara, que ela era um animal criado por Deus. Tal afirmativa remove,
de forma completa e imediata, qualquer possibilidade da serpente ser vista como
algum ser sobrenatural ou mesmo com poderes divinos, apesar do fato de que
existem muitos defensores destas idéias. Não, a serpente é uma criatura do
único Deus. Nem aqui em Gênesis 3:1, bem como em nenhum outro lugar da
Escrituras Sagradas, existe qualquer espaço, por menor que seja, para a mais
ínfima possibilidade de um conceito dualista de bem e mal. Os capítulos 1 a 3
do livro de Gênesis não admitem nenhuma idéia de que no princípio havia duas
forças opostas. Somente Deus existia “no princípio”. A serpente, como de resto
todas as coisas, é criatura!
A serpente dirige, então, suas primeiras palavras à
mulher. Por que ela fala com a mulher em primeiro lugar em vez de falar com o
homem, ou com ambos, não está claro. Em certo sentido a serpente, apesar de
estar falando diretamente à mulher, faz referência aos dois - homem e mulher. E
isto é tacitamente reconhecido pela mulher como pode ser visto pelo uso dos
verbos – no plural - em:
1. Não comereis de toda árvore do jardim – verso 1.
2. Do fruto das árvores do jardim podemos comer – verso 2.
3. Dele não comereis, nem tocareis nele, para que
não morrais – verso 3.
4. É certo que não morrereis – verso 4.
5. Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos
abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal –
verso 5.
Nos versículos acima podemos notar que as formas verbais
estão todas no plural, portanto, a conversa entre a serpente e a mulher inclui
o homem. E a mulher, aparentemente com o consentimento do homem, age como
porta-voz deles dois. Opiniões acerca do por que a serpente falou com a mulher
variam grandemente. Estas opiniões podem ser agrupadas em dois campos básicos. De
um lado, há aqueles que defendem a idéia de que a serpente procurou a mulher
por ser a mesma mais fraca ou mais vulnerável. No outro extremo, nós
encontramos aqueles que dizem que a mulher era, pelo menos neste capítulo, mais
atraente, e não estamos falando de beleza somente. Para estes últimos, “assim
como a serpente era o mais sagaz dos animais, a mulher era mais bonita, mais
inteligente, mais agressiva e muito mais sensível do que seu parceiro do sexo
masculino”[4].
De qualquer maneira, as intenções das primeiras palavras da
serpente são bem evidentes. As palavras usadas pela serpente quando disse: “É
assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim?”, expressam muito
mais choque e surpresa do que questionamento. Para tentar manter a
expressão de surpresa por parte da serpente, como acabamos de mencionar, a Nova
Tradução na Linguagem de Hoje, traduz Gênesis 3:1 da seguinte maneira: “A cobra
era o animal mais esperto que o SENHOR Deus havia feito. Ela perguntou à
mulher: — É verdade que Deus mandou que vocês não comessem as frutas de nenhuma
árvore do jardim?”. Como pode ser facilmente constatado, para traduzir o
aspecto de “choque e surpresa”, mencionado logo acima, uma considerável
quantidade de palavras – são 7 palavras na ARA contra 16 na NTLH[5]
- precisam ser colocadas na “boca da serpente”.
Só poderemos entender o que segue, se entendermos a maneira astuta
e sagaz com que a serpente se aproximou de Adão e Eva, manifestando
“verdadeira” surpresa diante do mandamento de Deus que, literalmente, dizia o
seguinte: “E o SENHOR Deus lhe – a Adão - deu esta ordem: De toda árvore do jardim comerás
livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás;
porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás – Gênesis 2:16 - 17.
Esta realidade sozinha deve chamar nossa atenção para o fato de que a serpente
exagera, de maneira grosseira e proposital, a proibição dada por Deus. Note
como a serpente, apesar do tom interrogativo faz, realmente, uma afirmação de
que Deus não lhes havia permitido ter acesso às árvores do pomar!
Como poderiam se alimentar então? A mulher não levou em conta que
a afirmação da serpente não passava de uma distorção proposital das palavras do
Deus Eterno. A intenção final da serpente, ao manifestar aquela atitude de
“choque e surpresa”, visava algo muito mais abrangente do que apenas as
palavras usadas não dão a entender. As palavras da serpente queriam causar,
como de fato causaram, na mente da mulher, uma impressão de que o Deus Criador
é um ser cheio de malícia, maldoso até e, obsessivamente ciumento e
auto-protetor de Si mesmo. Isto pode ser visto e, trataremos deste aspecto nos
próximos parágrafos com maiores detalhes, na tentativa que percebemos em Eva de
defender o Senhor Deus. Tal tentativa é um claro indicativo de que a isca
lançada havia sido abocanhada.
Como dissemos logo acima, a primeira afirmação da serpente dá a
Eva uma perigosa oportunidade de defender Deus. De tomar, por assim dizer, “Seu
partido” e, com isto, de tentar esclarecer, para a serpente, as posições de
Deus. Uma tentação permanente entre os humanos é esta: Tentação # 1 = falar em nome
de Deus! Pelas palavras da serpente, em uma fração de segundos, a realidade
de que Deus era um criador e provedor gracioso e beneficente, deixa de ser
verdade e precisa ser defendida. Eva assume que a inferência feita pela
serpente, de que Deus era, realmente, um ser cruel e opressor de suas criaturas
– pois não deixava as mesmas sequer se alimentarem - precisava ser rebatida.
Eva sai em defesa do Deus Todo-Poderoso, mas de maneira que pode ser
caracterizada, apenas como canhestra. Em Gênesis 3:2 – 5 nós temos aquilo que o
teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer chamou, de forma bastante apropriada, de “a
primeira conversa acerca de Deus”[6].
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O PECADO — ESTUDOS 014C — O PECADO PARA A MORTE — PARTE C —DIFERENTES TIPOS DE PESSOAS QUE PODEM COMETER O PECADO IMPERDOÁVEL
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Alexandros Meimaridis
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Desde já agradecemos a todos.
[1] Strong, J. An Analytical Concordance of the Old and the New
Testament. Hendrickson
Publishers, Peabody,
1996.
[3] ARA
– Versão de Almeida Revista e Atualizada no Brasil da Sociedade Bíblica do
Brasil.
[4] Tribble,
P. Depatriarchalizing in Biblical
Interpretation. Em “Journal of the American Academy of Religion”, Volume 41, 1973.
[5] Bíblia Sagrada. Nova Tradução na Linguagem de Hoje.
Sociedade Bíblica do Brasil, Barueri, 2001.
[6] Bonhoeffer, Dietrich. Creation and Fall. Traduzido do alemão por J. C. Fletcher. SCM Press Limited, London, 1959.
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