sábado, 21 de junho de 2014

ENCONTROS DE PODER — 021 — UMA EXEGESE DE COLOSSENSES 2:13—15 — PARTE 1 - NOSSO ESCRITO DE DÍVIDA


Uma Marcha Triunfal da Antiguidade

A EVIDÊNCIA DO NOVO TESTAMENTO — PARTE 8 — COLOSSENSES 2:13—15 — PARTE 1

Atenção esse artigo é parte de uma série onde pretendemos tratar dos alegados encontros de poder e de curas maravilhosas que nos são apresentadas todos os dias pelos pastores midiáticos. No final de cada estudo você encontrará links para outros estudos.

Texto Base: COLOSSENSES 2:13—15

13 E a vós outros, que estáveis mortos pelas vossas transgressões e pela incircuncisão da vossa carne, vos deu vida juntamente com ele, perdoando todos os nossos delitos;

14 tendo cancelado o — χειρόγραφον cheirógrafon —escrito de dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu- o inteiramente, encravando-o na cruz;

15 e, ἀπεκδυσάμενος apekdusámenos — despojando os principados e as potestades, ἐδειγμάτισεν edeigmátisen — publicamente os expôs ao desprezo, θριαμβεύσας thriambeúsas — triunfando deles na cruz.

O texto que temos diante de nós apresenta inúmeras dificuldades de interpretação. As questões mais importantes dizem respeito ao significado de χειρόγραφον cheirógrafon —escrito de dívida, o uso da imagem de “Triunfo” e a tradução de ἀπεκδυσάμενος apekdusámenos — despojando.

Bem, vamos começar com a primeira palavra:

Documento obliterado pelo ato de rasgar

I. χειρόγραφον cheirógrafon —escrito de dívida

W. Carr escreveu em seu artigo “Duas Notas em Colossenses”[1] que o termo χειρόγραφον cheirógrafon, se refere a algo, literalmente, a uma confissão “escrita pelo próprio punho do acusado” como uma espécie de confissão, conforme descobertas arqueológicas feitas na Ásia Menor de escritos em pedra contendo a confissão de pecadores arrependidos que, dessa forma confessavam seus pecados em algum local de culto. Nesse sentido, Carr sugere que Cristo “obliterou” essa metafórica autoconfissão pública. Desse modo, se os colossenses estivessem insistindo, mesmo depois de terem sido libertados por Cristo, em se obrigarem a obedecer às regras inventadas por eles mesmos ou por outros novamente, então eles estariam escrevendo, outra vez, o tal “escrito de dívida” para que todos pudessem ver. Comparar com:

Colossenses 2:20

Se morrestes com Cristo para os rudimentos do mundo, por que, como se vivêsseis no mundo, vos sujeitais a ordenanças.

A ideia de Carr de que Paulo teria usado um costume local como ponto de contato com os costumes das próprias tradições gentílicas correntes em Colossos, como uma maneira de ajudá-los a compreender o significado da libertação das obrigações pagãs, possui um forte apelo, temos que admitir. Mas isso, também temos que admitir acaba autodestruindo a metáfora usada por Paulo. A imagem de uma pedra sendo pendurada na cruz de Cristo é algo que representa mais um “peso” em si mesma, do que a própria metáfora pode suportar.

Por isso, cremos que é mais satisfatória a ideia mais antiga de que  χειρόγραφον cheirógrafon representa uma confissão de dívida e que a imagem usada por Paulo trata-se apenas de um jogo de palavras onde se cancela um escrito qualquer fazendo uma cruz — literalmente um “Xis” — sobre o documento.  Com isso concorda o pesquisador Adolf Deissmann que afirma que papiros originais foram encontrados “cruzados” com a letra grega “Χ”, chi, e cita, como exemplo o papiro Florentinus do ano 85 d.C. Nesse documento o rei do Egito dá a seguinte ordem durante um processo de julgamento: “Que o material manuscrito — χειρόγραφον cheirógrafon — seja “riscado” ou cruzado com um “Xis”.[2] Dessa forma o que Paulo chama de — χειρόγραφον cheirógrafon — não seria a própria lei em si mesma, como desejam alguns, e sim, provavelmente, o escrito que se encontra registrado nos livros celestiais — ver Apocalipse 20:12 e também o livro pseudoepigráfico Apocalipse de Sofonias 7:1—11. Essa página, cada uma referente a um indivíduo é arrancada e pregada na cruz, que se torna num registro público do fato que fomos perdoados por Deus — conforme Colossenses 2:13. De que maneira a cruz cancela o débito é algo sobre o que Paulo não elabora nesse contexto.


II. O Triunfo

O significado de θριαμβεύσας thriambeúsas — triunfando não diz tanto respeito ao ato de triunfar em si mesmo, e sim ao ato de celebrar um triunfo. O ato de desfrutar de uma procissão triunfal como a descrita por Paulo em

2 Coríntios 2:14

Graças, porém, a Deus, que, em Cristo, sempre nos conduz em triunfo e, por meio de nós, manifesta em todo lugar a fragrância do seu conhecimento.

Tal triunfo em Colossenses 2:15 poderá estar fazendo referência a:

A. Os poderes como cativos de Cristo.

B. Os convertidos como pessoas verdadeiramente livres.

C. Os cristãos como soldados de Cristo.

De acordo com os historiadores, uma marcha triunfal dos romanos seguia o seguinte esquema: 1) Soldados inimigos capturados e despojos de guerra, quadros que retratavam cenas das batalhas e das cidades conquistadas, cartazes com os nomes das pessoas aprisionadas; 2) Presentes oferecidos pelo povo conquistado para honrar o conquistador; 3) Bois brancos para serem sacrificados ao Deus Júpiter; 4) Prisioneiros algemados; 5) Oficiais portando modelos das armas usadas na conquista; 6) Magistrados e senadores; 7) O comandante vitorioso sobre uma carruagem acompanhado de seus filhos menores — seus filhos maiores montam cavalos e acompanham outros oficiais; 8) Romanos que foram libertados da escravidão; 9) Soldados romanos com coroas de louros cantando canções zombando de seus comandantes[3].

O comentarista Lamar Williamson afirma que quando o verbo grego θριαμβεύω — thriambeúo — é seguido por um objeto direto, nesse caso a expressão grega αὐτοὺς autoùs — tem o significado de: “conduzi-los como inimigos conquistados em uma parada vitoriosa”. Uma vez que a parte mais emocionante dessas paradas era poder arrastar os inimigos derrotados pelas ruas da cidade do vencedor expondo-os ao ridículo, os mesmos costumam aparecer como objeto direto do verbo “triunfar sobre alguém”, isto é, conduzir algum cativo em uma parada triunfal. Por extensão, com o passar do tempo, a expressão passou a agregar também o sentido de “expor alguém ao ridículo”.

O conceito de “exposição” está presente em toda a extensão do versículo. Desse modo, é inevitável que o significado de ἀπεκδυσάμενος apekdusámenos — despojando os principados e as potestades, independentemente de como tal expressão é traduzida, a mesma é de importância central ao significado de δειγματὶσω deigmatìso — publicamente os expor ao desprezo, que é o único verbo finito em toda essa sentença.

Essa mesma expressão é usada por Mateus com relação à atitude de José acerca de Maria, mas no sentido inverso:

Mateus 1:19

Mas José, seu esposo, sendo justo e não a querendo infamar, resolveu deixá-la secretamente.

 No judaísmo a humilhação de uma mulher adúltera era feita pelo ato de arrancar suas roupas e expor seus seios à vista de todos. De todas essas informações cremos que é bastante seguro traduzir essa expressão por: “humilhar por meio duma exposição pública”. A expressão adicional ἐν παρρησίᾳ — en parresía — em público ou publicamente enfatiza , com precisão, a natureza da exposição.

CONTINUA...

LISTAS DOS ESTUDOS DE ENCONTROS DE PODER

001 — Introdução =

002 — A Linguagem de “Poder” no Novo Testamento = Expressões Diversas

003 — A Linguagem de “Poder” no Novo Testamento = ἀρχῆ — arché e ἄρχων — árchon.

004 – A linguagem de “Poder” no Novo Testamento = ἐξουσίαις – exousías – potestades, autoridades.

005 – A linguagem de “Poder” no Novo Testamento = δυνάμεις — dunámeis — poderes.

006 – A linguagem de “Poder” no Novo Testamento = Θρόνοι— thrónoi — tronos.

007 — A Linguagem de “Poder” no Novo Testamento = κυριοτῆς — kuriotês — domínio.

008 — A Linguagem de “Poder” no Novo Testamento = ὀνόματι — onómati — nome.

009 — A Linguagem de “Poder” no Novo Testamento = ἄγγελοs — ággelos — anjo.

010 — A Linguagem de “Poder” no Novo Testamento = δαιμονίον — daimoníon — demônioπνεῦμα τὸ πονηρὸν — pneûma tò poniròn — espírito malignoἀγγέλους τε τοὺς μὴ τηρήσαντας τὴν ἑαυτῶν ἀρχὴν— angélous te toùs me terèsantas tèn eautôn archèn — anjos, os que não guardaram o seu estado original ou anjos caídos.

011 — A Linguagem de “Poder” no Novo Testamento = ἀγγέλους  τῶν ἐθνῶν — angélous tôn ethnôn — anjos das nações.

012 — A Linguagem de “Poder” no Novo Testamento = ἀγγέλους  τῶν ἐθνῶν — angélous tôn ethnôn — anjos das nações — Parte 2.

013 — A Linguagem de “Poder” no Novo Testamento = ἀγγέλους  τῶν ἐθνῶν — angélous tôn ethnôn — anjos das nações — Parte 3 — Final.

014 — A Evidência do Novo Testamento – Parte 1 — Introdução

015 — A Evidência do Novo Testamento — Parte 2 — As Passagens Disputadas — 1 Coríntios 2:6—8 — Parte 1

016 — A Evidência do Novo Testamento — Parte 3 — As Passagens Disputadas — 1 Coríntios 2:6—8 — Parte 2

017 — A Evidência do Novo Testamento — Parte 3 — As Passagens Disputadas — Romanos 13:1—3

018 — A Evidência do Novo Testamento — Parte 4 — As Passagens Disputadas — Romanos 8:31—39

019 — A Evidência do Novo Testamento — Parte 5 — As Passagens Disputadas — 1 Coríntios 15:24—27a — PARTE 1

020 — A Evidência do Novo Testamento — Parte 6 — As Passagens Disputadas — 1 Coríntios 15:24—27a — PARTE 2

021 — A Evidência do Novo Testamento — Parte 7 — As Passagens Disputadas — Colossenses 3:13—15 — PARTE 1

022 — A Evidência do Novo Testamento — Parte 8 — As Passagens Disputadas — Colossenses 3:13—15 — PARTE 2

023 — A Evidência do Novo Testamento — Parte 9 — As Passagens Disputadas — Efésios 1:20—23 — AS REGIÕES CELESTIAIS — PARTE 1

024 — A Evidência do Novo Testamento — Parte 10 — As Passagens Disputadas — Efésios 1:20—23 — AS REGIÕES CELESTIAIS — PARTE 2

025 — A Evidência do Novo Testamento — PARTE 11 — As Passagens Disputadas — EFÉSIOS 1:20—23 — PARTE 3

026 — A Evidência do Novo Testamento — PARTE 12 — As Passagens Disputadas — EFÉSIOS 1:20—23 — PARTE 4

027 — A Evidência do Novo Testamento — PARTE 13 — As Passagens Disputadas — EFÉSIOS 1:20—23 — PARTE 5

028 — A Evidência do Novo Testamento — PARTE 14 — As Passagens Disputadas — EFÉSIOS 1:20—23 — PARTE 6

029 — A Evidência do Novo Testamento — PARTE 15 — As Passagens Disputadas — EFÉSIOS 1:20—23 — PARTE 7 — A DESTRUIÇÃO DA MORTE E DE SEUS ALIADOS

030 — A Evidência do Novo Testamento — PARTE 16 — As Passagens Disputadas — COLOSSENSES 1:16 — A CRIAÇÃO DE TODAS AS COISAS POR MEIO DE E PARA O PRÓPRIO CRISTO

031 — A Evidência do Novo Testamento — PARTE 16 — As Passagens Disputadas — COLOSSENSES 1:16 — TENTANDO DEFINIR OS PODERES

032 — A Evidência do Novo Testamento — PARTE 16 — As Passagens Disputadas — COLOSSENSES 1:16 — TENTANDO DEFINIR OS PODERES —PARTE 002

033 — A Evidência do Novo Testamento — PARTE 17 — As Passagens Disputadas — OS ELEMENTOS DO UNIVERSO — PARTE 001

034 — A Evidência do Novo Testamento — PARTE 18 — As Passagens Disputadas — OS ELEMENTOS DO UNIVERSO — PARTE 002

035 — A Evidência do Novo Testamento — PARTE 19 — As Passagens Disputadas — OS ELEMENTOS DO UNIVERSO — PARTE 003

036 — A Evidência do Novo Testamento — PARTE 20 — As Passagens Disputadas — OS ELEMENTOS DO UNIVERSO — PARTE 004

037 — A Evidência do Novo Testamento — PARTE 21 — As Passagens Disputadas — OS ELEMENTOS DO UNIVERSO — PARTE 005

038 — A Evidência do Novo Testamento — PARTE 22 — As Passagens Disputadas — OS ELEMENTOS DO UNIVERSO — PARTE 006

039 — A Evidência do Novo Testamento — PARTE 23 — As Passagens Disputadas — OS ELEMENTOS DO UNIVERSO — PARTE 007

040 — A Evidência do Novo Testamento — PARTE 24 — As Passagens Disputadas — OS ELEMENTOS DO UNIVERSO — PARTE 008

041 — A Evidência do Novo Testamento — PARTE 25 — As Passagens Disputadas — OS ELEMENTOS DO UNIVERSO — PARTE 009

042 — A Evidência do Novo Testamento — PARTE 26 — As Passagens Disputadas — OS ELEMENTOS DO UNIVERSO — PARTE 010

043 — A Evidência do Novo Testamento — PARTE 27 — As Passagens Disputadas — OS ELEMENTOS DO UNIVERSO — PARTE 011 — O PRÍNCIPE DA POTESTADE DO AR
http://ograndedialogo.blogspot.com.br/2017/02/encontros-de-poder-043-evidencia-do.html

Que Deus abençoe a todos.

Alexandros Meimaridis

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Desde já agradecemos a todos.


[1]  Carr, W. Two Notes on Colossians em JTS 24 (1973) páginas 492—500.

[2]  Deissmann, Adolf. Light From de Ancient East. Baker Book House, Grand Rapids, 1980.

[3] Versnel, H. S. Triumphus: An Inquiry into the Origin, Development, and the Meaning of the Roman Triumph. E. J. Brill, Leiden, 1970.

Um comentário:

  1. Muito edificante esse artigo! Estava procurando um comentário sobre o texto de Colossenses citado para discutir com minha família no culto doméstico de hoje e agora teremos um bom material! Muito obrigada!

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