A reportagem abaixo foi publicada
na edição número 849 de Revista ÉPOCA.
O material é assinado por: ALINE
RIBEIRO, RUAN DE SOUSA GABRIEL E TIAGO MALI COM FLÁVIA TAVARES E LEOPOLDO
MATEUS
A força dos evangélicos
Como a identificação de Marina
Silva com o influente eleitorado evangélico poderá ser o fator de desequilíbrio
numa disputa acirrada
Vários sinais contundentes
mostraram, na semana passada, como as questões morais, de cunho religioso,
passaram a guiar os políticos brasileiros – com uma força que só encontra
paralelo, entre as grandes democracias ocidentais, com o que ocorre hoje nas
campanhas políticas nos Estados Unidos. Um dia depois de lançar seu programa de
governo, a candidata Marina Silva (PSB), hoje favorita a conquistar o Palácio
do Planalto, depois de pressionada nas redes sociais pelo pastor Silas
Malafaia, um dos líderes da Assembleia de Deus, voltou atrás numa série de
compromissos. O primeiro dizia respeito à união civil homossexual. Marina é a
favor – e reafirmou isso em vários programas de televisão ao longo da semana.
Mas não queria que a união civil constasse, em seu programa de governo, com o
nome de "casamento", um sacramento religioso. O segundo ponto dizia
respeito à lei que torna a homofobia um crime, defendida na primeira versão de
seu programa. Essa lei já foi rejeitada no Senado. Religiosos alegaram na
ocasião que ela não dizia com clareza se dogmas pregados nos templos, sem intenção
ofensiva, poderiam ser classificados como "homofobia".
Com a atitude, Marina ganhou o aplauso dos religiosos. "Ela teve coerência. Tem coisa que o candidato promete e não dá para fugir", diz Malafaia. "Tínhamos dificuldades para falar com ela, porque ela dava respostas para agradar a gregos e troianos", afirma o pastor Marco Feliciano, deputado federal pelo PSC de São Paulo. Feliciano é execrado pelo movimento LGBT, por ter defendido, na presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, o projeto da "cura gay". "No momento em que Marina teve de se decidir de fato, ela se colocou como uma cristã de verdade", diz ele. Marina atribuiu o vaivém a um "erro no processo de editoração" de seu programa. Percebendo um flanco para atacar contradições da rival, a presidente Dilma abraçou a defesa da lei contra a homofobia – embora ela tenha recuado na decisão de distribuir material didático a favor da tolerância sexual, tachado como "kit gay" pelas lideranças evangélicas.
O recuo de Marina choca os marinheiros
"sonháticos", mas, de um ponto de vista estritamente eleitoral, faz
sentido. Embora conserve o título de país com o maior número de católicos do
mundo, o Brasil avança com rapidez para se tornar uma nação mais evangélica. Em
dez anos, os evangélicos passaram de 15,4% da população para 22,2%, um total de
42,3 milhões. Com 22% do eleitorado, somam hoje quase 27 milhões de votos.
Embora Marina Silva não seja da bancada evangélica e, em sua carreira política,
tenha sempre defendido valores laicos, a maioria dos evangélicos vota nela –
43%, contra 32% de Dilma, segundo a pesquisa do Ibope divulgada na semana
passada. Outro dado da mesma pesquisa, que passou despercebido, explica ainda
melhor por que é tão importante para um candidato à Presidência não se indispor
contra os valores religiosos. De forma geral, os candidatos evangélicos se
opõem – com diferentes nuances de tolerância – ao casamento gay, a mudanças na
lei da interrupção da gravidez e à liberação das drogas. A pesquisa do Ibope
mostrou que a maior parte dos brasileiros, independentemente de religião, pensa
como os evangélicos: 79% são contra o aborto; 79%, contra a liberação da
maconha; e 53%, contra o casamento gay. A mesma pesquisa revela que 75% dos
brasileiros são a favor do Bolsa Família. Isso significa que, se é
majoritariamente a favor de políticas sociais, a sociedade brasileira é
conservadora em temas ligados a família e comportamento.
A influência crescente dos
evangélicos deverá ser ainda mais decisiva nas eleições deste ano por causa da
chegada de Marina, missionária da Assembleia de Deus, à condição de
protagonista da disputa. Com sua religiosidade, seus trajes comportados, seu
cabelo comprido disfarçado com um coque e seus discursos em tom de pregação,
seduz os evangélicos e seus pastores, que sonham com um irmão de fé na
Presidência. "Existe um projeto de poder dos pastores pentecostais:
aumentar a bancada dos evangélicos e chegar à Presidência", afirma o
cientista político César Romero Jacob, da PUC do Rio de Janeiro, estudioso das
eleições presidenciais. Se eleita, Marina será a primeira presidente do país
filiada a uma denominação pentecostal, o ramo mais numeroso dos evangélicos (o
Brasil teve antes dois presidentes protestantes de outras denominações: o
presbiteriano Café Filho e o luterano Ernesto Geisel).
A identidade religiosa de Marina
a ajuda a obter votos entre os evangélicos. Pesquisa do Ibope mostra que, em
duas semanas, Marina foi quem mais cresceu no segmento: de 37% para 43% do
eleitorado evangélico. Dilma foi de 27% para 32% e Aécio caiu de 17% para 10%.
Segundo o Ibope, se o segundo turno fosse agora, Marina seria eleita presidente
graças, sobretudo, ao voto dos eleitores evangélicos. Na média, 53% dos
eleitores de denominações evangélicas declaram voto em Marina, ante apenas 33%
que dizem preferir Dilma. Entre os católicos, Marina e Dilma aparecem empatadas
com 43% na simulação de segundo turno.
A despeito de os católicos serem
o maior contingente do eleitorado (63%), seu impacto no resultado da eleição é
mínimo como grupo religioso. Não é o caso dos evangélicos. Sua força eleitoral
se deve à maior uniformidade do voto. Não é regra, mas, em geral, "crente
vota em crente". "Os evangélicos não querem saber da independência do
Banco Central ou não. Eles votam no irmão", diz Jacob, da PUC-Rio. Os
evangélicos não votam como os católicos, espíritas, judeus, umbandistas.
Demonstram com maior ênfase sua preocupação com os valores dos candidatos e as
questões morais. "Os evangélicos obedecem mais às indicações de suas
igrejas de votar nos pastores", afirma o cientista político David
Fleischer, da Universidade de Brasília (leia mais na reportagem da página 46).
A maior demonstração de que esse
tipo de orientação é seguida se deu na eleição de 2002. No primeiro turno, Luiz
Inácio Lula da Silva e José Serra foram os candidatos à Presidência mais
votados, com 46,5% e 23,2% dos votos, respectivamente. O evangélico Anthony
Garotinho, da Igreja Presbiteriana, ficou em terceiro, com 17,9%. Ao estudar o
voto dos evangélicos para seu pós-doutorado na Universidade de São Paulo, a
pesquisadora Simone Bohn encontrou um cenário bem diferente. "A maioria
dos evangélicos (51,3%) afirmou ter votado em Garotinho", diz Bohn em sua
tese. Na disputa de 2010, o mesmo ocorreu com Marina, na ocasião no Partido
Verde (PV). A unidade dos evangélicos no Brasil se reflete também na composição
do Congresso. A bancada evangélica tem hoje 74 parlamentares, o ápice na
história. Estivessem todos num partido, os evangélicos formariam a terceira
maior legenda no Parlamento, atrás apenas de PT e PMDB. Nestas eleições, eles
acreditam que poderão crescer ainda mais. "Esperamos eleger, no mínimo, 80
candidatos. Mas podemos chegar até a 120", diz Malafaia.
Com os fiéis transformados em
clientela eleitoral cativa, não é à toa que todos os candidatos assediam as
igrejas evangélicas em busca de apoio. Dilma articula sua aproximação desde
antes da chegada de Marina ao pleito. Em julho, uma reunião no Palácio da
Alvorada* definiu que ela teria uma agenda de encontros dela com lideranças
evangélicas. Menos de uma semana depois, Dilma estava ao lado de Edir Macedo,
da Igreja Universal do Reino de Deus, inaugurando o monumental Templo de
Salomão, em São Paulo. Passaram-se mais dez dias e lá estava Dilma na
Assembleia de Deus do Brás, novamente em São Paulo, num encontro de mulheres,
pedindo orações. "Acredito naqueles que creem. Acredito no poder da oração.
Não se esqueçam de orar por mim. Todos os dirigentes deste país dependem do
voto do povo e da graça de Deus. Eu também", disse.
No começo de julho, o candidato
do PSDB, Aécio Neves, também visitou a Assembleia de Deus. O pastor José
Wellington, presidente da Convenção Geral das Assembleias de Deus, não declarou
apoio a ele, ao contrário do que fez com José Serra em 2010. Apenas o levou a
uma reunião com outros integrantes da igreja. No final de julho, Aécio
compareceu à Celebração de Inverno do Ministério Sara Nossa Terra. Foi recebido
pelo bispo Robson Rodovalho. Na semana passada, Rodovalho oficializou apoio a
Marina. Ciente das dificuldades de capturar o voto evangélico, por causa de
Marina e do candidato do PSC, o Pastor Everaldo, Aécio aposta mesmo no eleitorado
católico.
Para seduzir os evangélicos,
quanto mais conservador nos costumes o candidato se mostrar, maior é a chance
de conquistar votos. "Nossa principal exigência é que o candidato esteja
afinado com a defesa da família tradicional, a proibição do aborto e do
casamento de pessoas do mesmo sexo", afirma o pastor Lélis Washington
Marinho, presidente do Conselho Político da Convenção Geral das Assembleias de
Deus. É o maior e mais antigo ramo das Assembleias de Deus no Brasil, de que
Marina faz parte (esse ramo diz ainda não ter escolhido candidato). No caso do
aborto, Marina diz ser contra e defende um plebiscito para decidir a questão.
Com essa posição, evita se indispor com eleitores de diferentes posições, ao
mesmo tempo que aposta que o conservadorismo da maioria derrubará nas urnas a
legalização. Parece ambíguo, mas é uma opção inteligente. Numa eleição
disputadíssima, nenhum candidato poderá errar na conquista dos evangélicos. Com
Flávia Tavares e Leopoldo Mateus
Vamos orar, gente?
ÉPOCA acompanhou dois pastores em
campanha - e mostra o jeito evangélico de pedir votos e fazer política
O breu e o silêncio da noite
dominavam a ampla sala. Jovens sonolentos, de boné, calça jeans, camiseta e
casaco de capuz formavam um círculo. Esperavam em pé, rodeados de cadeiras de
plástico e uma mesa de som. Eram 5h20 de uma quarta-feira fria de julho, e o
sol ainda não se erguera no Setor de Mansões de Sobradinho - apesar do nome,
uma área pobre de Brasília. Ainda na penumbra, o pastor Rodrigo Delmasso pôs
fim à espera. Vestia calça e blusa de moletom. Subiu ao diminuto palco e se
embrulhou numa bandeira do Brasil. "Vamos orar, gente?" disse
Delmasso. Apertou bem os olhos, baixou a cabeça e abraçou o pastor titular
daquela pequena igreja. Delmasso descarregou, com a voz forte e num só fôlego,
a ladainha que induziria aqueles 25 jovens a um aparente transe. "Meu
Deus, estamos vivendo neste país um momento de decisão. Nós pedimos, em nome de
Jesus, que o Senhor possa, Pai amado e Pai querido, conduzir essas eleições.
Que levante homens justos, homens para ocupar a posição de poder que estejam
ligados ao Pai, comprometidos em estar trabalhando pelo bem das pessoas!"
"Aleluia", respondiam incessantemente, mãos ao alto, os fiéis.
"Que o Senhor possa levantar, meu Deus, homens e mulheres que combatam a
desigualdade social, que combatam a violência, que possam combater, em nome de
Jesus, todas as mazelas existentes em nossa sociedade. Que o senhor possa
levantar homens e mulheres de Deus que possam assumir a gestão do nosso país.
"Amém! Aleluia!" A oração durou três intensos minutos. Acenderam-se
as luzes.
Delmasso, de 34 anos, é um jovem
pastor da igreja evangélica Sara Nossa Terra. É também candidato a deputado
distrital - em Brasília, o equivalente a deputado estadual. Numa cruzada
político-religiosa, ele tem madrugado para visitar igrejas, falar sobre "a
sociedade que queremos" e pedir orações. A panfletagem tradicional fica do
lado de fora dos templos. Por lei, ele não pode pedir voto no culto. Pode, no
entanto, suplicar que rezem por ele. Até outubro, esse tipo de cena se
multiplicará nos milhares de igrejas do país. Candidatos evangélicos de
diversas denominações (só pastores são 270) tentarão chegar ao Congresso.
Delmasso é um dos 345 postulantes
a um mandato que usam na urna títulos como "pastor",
"bispo" ou "missionário" segundo um levantamento feito por
ÉPOCA. É um crescimento de 47% em relação a 2010 e mais que o triplo de 1998.
Num Brasil cada vez mais evangélico, que pode eleger um deles para o Planalto,
ÉPOCA acompanhou de perto o jeito evangélico de fazer política - e campanha.
Seguimos dois pastores-candidatos. Um foi o próprio Delmasso, do PTN, pastor de
uma igreja fundada em 1992, com mais de 1.000 templos e 1,3 milhão de fiéis. O
outro foi o deputado federal Ronaldo Fonseca, candidato à reeleição pelo Pros
do Distrito Federal. Fonseca é pastor da Assembleia de Deus, maior e mais
tradicional denominação evangélica do país, fundada em 1910, com mais de 12
milhões de seguidores.
Naquela manhãzinha gelada de
julho, depois da reza pelo futuro do país e pela qualidade de seus líderes,
preferencialmente "homens de Deus", Delmasso conversou com os jovens.
Estava descontraído. Muitos deles admitiram ser ex-dependentes químicos. O
culto acontece tão cedo porque os moradores de periferia madrugam para
trabalhar - e o caminho é longo. Os ônibus já circulavam lotados na avenida em
frente ao templo antes das 6 horas. Delmasso não falou explicitamente que era
candidato. Não precisava. Os presentes foram avisados na semana anterior de que
ele estaria ali naquele dia. "Quem não quiser me ouvir falar não vem",
diz Delmasso, enquanto dirige seu carro pelas ruas vazias de Brasília. Seu
raciocínio é simples: não é pecado usar o púlpito para falar de um país melhor,
para incentivar o fiel a exercer seu papel de cidadão. Desde que não se peça
voto. Delmasso não é exatamente carismático. Mas sabe falar com os jovens - e
ouvi-los. Ele perora por dez minutos sobre os perigos de uma sociedade onde
crianças têm acesso a livros em que se ensinam posições sexuais. Sobre as
ameaças de uma legislação que visa baixar a idade de consentimento sexual dos
14 para os 12 anos - ou, como ele define, "a legalização da
pedofilia". Ambas as questões passam longe da Câmara Legislativa do
Distrito Federal. Ele prossegue. Fala da proteção de suas filhas contra as
drogas, tema sob medida para aquele público. Roga que os fiéis pensem no futuro
que querem para si. A conferência é encerrada pelo pastor daquela unidade. Ele
pede bênçãos "para a caminhada do Rodrigo".
Assim que atravessam a porta de
ferro rumo à calçada, os jovens recebem um jornalzinho do partido de Delmasso,
o anódino PTN, cujo diretório em Brasília é presidido por ele. Delmasso está
espalhado pelas quatro páginas do folheto. Em seu currículo, antes da formação
em gestão pública e da pós-graduação em serviço social, vem o título de pastor.
"O eleitor não é alienado. Nenhum ser humano admite ser manipulado por
outro", diz Delmasso. Nem em nome de Deus? "Não aceita, não aceita,
não aceita. A pessoa pode escolher, dentro de seus conceitos e valores
internos. Mas isso é o estado democrático de direito, o direito de livre
escolha. Não temos de julgar se é certo ou errado." Já acomodado no sofá
da sala de sua casa, Delmasso justifica a legitimidade de sua campanha
comparando seu direito de defender os interesses de seu grupo ao de outros segmentos.
Recorre aos sindicalistas. "Qual a diferença para um candidato que vai
para a frente de uma fábrica, falar para os eleitores de seu setor? Muitos
ainda usam o nome de Deus em segmentos que não têm nada a ver... É a
pluralidade da democracia. A igreja é uma entidade social que representa um
estrato da sociedade. Um bancário se elege para defender seus pares. Um taxista
também. Se as categorias têm esse direito, por que a igreja, uma expressão da
sociedade, não teria?"
Delmasso argumenta ainda que o
eleitor evangélico é mais resistente que os demais. Ficou arisco depois de
tantos escândalos de corrupção envolvendo políticos que atuam sob o signo da
fé. * O mais devastador foi o escândalo dos sanguessugas, que veio à tona em
2006. Tratava-se do desvio de dinheiro público destinado à compra de
ambulâncias.
Um dos acusados foi o Bispo
Carlos Rodrigues, da Igreja Universal do Reino de Deus, mensaleiro condenado
por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Naquelas eleições, a bancada
evangélica no Congresso caiu de 61 para 36 parlamentares. O fiel passou a ver
com imensa desconfiança o engajamento de seus líderes com a política. Depois
veio a público a infame "Oração da Propina" flagrada em vídeo
divulgado em 2009 por Durval Barbosa, delator do mensalão do DEM, esquema de
distribuição de dinheiro em troca de apoio dos deputados distritais. Nas
imagens, o ex-deputado Júnior Brunelli, filho do fundador da igreja evangélica
Casa da Bênção, abraça o colega Leonardo Prudente, então presidente da Câmara
Legislativa do DF, e Durval Barbosa, então secretário do governador José
Roberto Arruda, responsável por repartir a propina. Prudente reza: "Olha,
somos gratos pelo amigo Durval, que tem sido um instrumento de benção para as
nossas vidas e para essa cidade, que o Senhor contemple as questões do seu
coração. (...) A sentença é o Senhor quem determina, o parecer e o despacho é o
Senhor que faz acontecer".
À "Oração da Propina"
deixou os evangélicos descrentes. Muitos não queriam mais votar em seus
pastores. "Quando falo com irmãos da igreja, tenho de convencê-los de que
sou diferente. Eles me questionam: Quem garante que você não entrará lá e se
corromperá, sujando o nome da igreja?". São mais difíceis do que qualquer
outro público" diz Delmasso. Não há mesmo como prova o quanto a crença do
fiel se converte em voto aos candidatos oficiais das igrejas ou aos indicados
por seus líderes, O próprio Delmasso, que tentou se eleger em 201, teve 6 mil
votos, Virou apenas suplente. Somente em Brasília, a Sara tem 70 mil fiéis e
105 templos. Há indicadores, porém, de que escolher candidatos oficiais nas
igrejas e "orar" por eles dá resultado. A tese de mestrado da
cientista política Isabel Veloso, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro,
mostra que os evangélicos gastam menos do que qualquer outro candidato para se
eleger. Metade dos deputados evangélicos eleitos em 2010 gastou até R$ 5 por
eleitor. Entre os demais eleitos, 21% gastaram essa quantia. "O eleitor,
de qualquer segmento, quer escolher em quem votar tendo o menor esforço
possível. Quando o líder religioso já é ou indica o candidato, essa escolha é
facilitada" diz Isabel. "Some a isso o falo de que os evangélicos têm
um grau altíssimo de frequência nos cultos. Nas igrejas pentecostais,
especialmente a partir de duas semanas antes da eleição, a exposição ao tema
político com esse tipo de discurso é muito grande "
Sob o termo
"evangélico" cabem dezenas de igrejas. Uma pequena amostra: Delmasso,
depois do culto da madrugada, fez um corpo a corpo no Shopping Popular de
Ceilândia, outra área pobre de Brasília. Num raio de 2 quilômetros, ÉPOCA
identificou 16 templos de igrejas evangélicas distintas. Entre elas, a Igreja
Pentecostal Tabernáculo de Cristo, a Igreja Pentecostal Carruagem de Fogo, o
Ministério das Nações Soberania Divina, a Igreja Batista El Shadday e a Igreja
Evangélica Cristo Reina. Nem todas as denominações são inclinadas ao palanque.
A divisão mais comum é entre evangélicos de missão (as igrejas mais antigas,
como batista, adventista e presbiteriana); pentecostais (as nascidas no início
do século XX nos Estados Unidos e no Brasil, como Assembleia de Deus,
Congregação Cristã do Brasil, Quadrangular e Deus é Amor); e as neopentecostais
(as igrejas criadas a partir dos anos 1970, como Universal do Reino de Deus e
Sara Nossa Terra). As evangélicas de missão têm entre seus dogmas não se
envolver diretamente com política. As pentecostais e as neopentecostais
adotaram uma postura mais engajada desde o fim da ditadura. Foi quando a Igreja
Católica aumentou sua bancada no Congresso. Os evangélicos temiam perder espaço
e influência.
Uma pesquisa do sociólogo inglês
Paul Freston mostra que o crescimento da bancada evangélica vem desde o início
do processo de redemocratização. Uma decisão política, tomada pela cúpula de
algumas igrejas ainda na década de 1980, foi fundamental para esse aumento da
bancada. Naquele tempo, diz Freston, havia um discurso comum entre várias
agremiações protestantes. Elas consideravam a política como a "esfera da
corrupção e do pecado". "Isso mudou em 1986. Quem liderou a mudança
foi a Assembleia de Deus, que decidiu se organizar internamente e escolher
candidaturas para apoiar", afirma Freston. O trabalho dele mostra que, por
volta de 1985, a cúpula da igreja decidiu apoiar 18 candidaturas para a Assembleia
Constituinte.
Naquele momento, uma revolução
foi forjada nas igrejas pentecostais. Aos poucos, a crença de que política era
coisa do diabo foi trocada pelo mantra "Irmão vota em irmão",
professado num livro com o mesmo título, escrito por Josué Sylvestre, um
assembleiano e assessor do Senado. Nele, Sylvestre diz: "Pastores do
Brasil, em nome de Jesus Cristo, despertem para a realidade da conjuntura
nacional; não deixem seus rebanhos sem uma orientação segura, coerente,
oportuna e bíblica". Em 1988, a representação evangélica avançou para 36
parlamentares. Eram 17. Hoje, são 75 deputados e três senadores. A estimativa
do ex-presidente da Frente Parlamentar Evangélica, João Campos, é que possa
chegar a 90 deputados em outubro. A partir da Constituinte, a sobreposição
entre religião e política foi tão intensa quanto questionada. Episódios
recentes, como a escolha do pastor Marco Feliciano (PSC) para a presidência da
Comissão dos Direitos Humanos na Câmara, uma das frentes mais progressistas do
Legislativo, propiciaram o choque entre os "homens de Deus" e os
"defensores do Estado laico"
O Censo de 2010 mostra que é
falsa a ideia segundo a qual o voto evangélico é iletrado e pobre. Ele mostra
que 73,7% dos evangélicos ganham até três salários-mínimos. Entre os católicos,
essa percentagem é de 75%. Enquanto 48,5% dos evangélicos não têm estudo ou têm
apenas o fundamental incompleto, esse número chega a 51,2% dos católicos. A
Sara Nossa Terra atrai boa parte de seus seguidores nas classes A e B. O apelo
é outro. No Brasil, os partidos políticos e o Congresso são as instituições com
o menor índice de confiança entre a população. A igreja tem o maior. Um líder
religioso que se propõe a levar à política os valores da igreja sai na frente
do político ordinário, que não usa essa plataforma. "Essa defesa de
valores e princípios é legítima", diz Freston. "O problema é que os
candidatos das igrejas normalmente não têm trajetória política, formação.
Fixam-se em assuntos que não são obviamente políticos, como a família, e não
têm preparo para lidar com os temas políticos reais, de que tratarão no
Congresso."
Muitas vezes, os
pastores-deputados escondem, por trás da luta pelos bons costumes, a intenção
de defender os interesses da igreja enquanto corporação. Há alguns anos, a
estratégia era principalmente para conquistar concessões de rádio e TV. Com
essa rede de comunicação já estabelecida, os evangélicos passaram a ambicionar
outros benefícios. Basta fazer um levantamento dos projetos propostos pela
bancada evangélica que tramitam na Câmara. Intercalados aos que vedam a
discriminação aos religiosos e aos que propõem consulta pública sobre a união
civil de pessoas do mesmo sexo, vêm os que excluem as igrejas da obrigação de
pagar IPI na compra de automóveis, ou de atender o "Estatuto de Impacto da
Vizinhança na construção de um templo, ou ainda de pagar direitos autorais por
músicas usadas em cultos. "Os candidatos oficiais das igrejas, depois de
eleitos, ficam com uma enorme obrigação de atuar em nome da denominação",
diz Freston. A defesa da família acaba sendo só o discurso mais barulhento.
O deputado federal Ronaldo
Fonseca, pastor e advogado de 55 anos, transita entre essas duas zonas da
atuação de um pastor-político. Bem cedinho numa quarta-feira de julho, estava
ele num galpão de Taguatinga, um dos bairros mais populosos do Distrito
Federal. Cerca de 50 pastores da Assembleia de Deus da região se esbaldavam de
café com leite, pão com manteiga, laranjas e bolo. Fonseca é baixinho. Quase
desaparece diante de um grande cartaz com uma foto sua e a frase "Estarei
obstinado a alcançar os sonhos que Deus escolheu para mim". Sua voz
preenche o espaço, fruto de 30 anos de pastoreio. Ele fez um balanço de sua
atividade parlamentar. Argumentando que não atua só para o segmento, enumerou
os recursos que ajudou a trazer para Brasília para construir centros para a
juventude, criar clínicas da família, cobertura de quadras. Ato contínuo,
perguntou: "Qual o maior patrimônio que temos? A família. Por que o Estado
não entende isso? Por que o Estado aposta no desmonte da família?" Fonseca
é o coordenador dos 23 parlamentares da Assembleia de Deus no Congresso - eles
querem chegar a 30 nesta eleição. Foi também, por dez anos, coordenador
político da igreja. Viajava o país para convencer os fiéis a se envolver mais
diretamente com o assunto. Na Câmara, é membro titular da Comissão de Cidadania
e Justiça e suplente na de Direitos Humanos. "Sou o relator, o relator, do
Estatuto da Família", diz, com voz de púlpito.
Em sua van, depois de desfiar
todas as ameaças contra a família que tramitam no Parlamento para os pastores e
sugerir que eles "peçam ajuda para os amigos e a família na nossa
caminhada", Fonseca evoca, assim como fez Delmasso, os sindicalistas como
contraponto de legitimidade para a atuação dos evangélicos. Afirma que, em seu
ministério, está proibido falar de política nos cultos. ÉPOCA pergunta se é
função do Estado regular a família brasileira. Primeiro, ele cita o Artigo 226
da Constituição. O texto diz: "Para efeito da proteção do Estado, é
reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar,
devendo a lei facilitar sua conversão em casamento". Ele emenda a seguinte
analogia: "Se, na hora do almoço, alguém decide que, em vez de comer pela
boca, vai comer pelo nariz, pelo ouvido, isso é normal? Com o tempo, ficará
doente.
Quem arcará com isso será o
Estado. Então, ele deve interferir, como interfere nos acidentes de moto...
Agora, você não pode ter preconceito, não pode discriminar".
Cumprida a etapa da defesa da família
pela manhã, naquela noite Fonseca ofereceu mais comes e bebes para pastores da
cúpula de uma Assembleia de Deus do Guará. O jantar, oferecido para cerca de
180 pessoas num salão de festas da própria igreja, tinha como convidados
especiais o governador Agnelo Queiroz, candidato à reeleição, e Geraldo Magela,
secretário de Habitação e candidato ao Senado, ambos do PT. Sem o menor
constrangimento, Agnelo e Magela peregrinaram até ali para pedir votos para si
e para Fonseca. A recíproca era verdadeira. Agnelo discursou sobre a parceria
que o DF tem com as igrejas em trabalhos sociais. "Irmãos e irmãs, o
deputado Ronaldo é um grande parceiro. Trouxe as demandas das igrejas para
nosso governo, e atendemos." Quando Fonseca tomou a palavra, as demandas
ficaram mais claras. Ele fez questão de agradecer ao secretário Magela por
ajudar a resolver a disputa de um terreno próximo dali, cobiçado por ele e por
uma igreja católica, em 1993. Fonseca levou.
Atestando o valor de seu capital
político naquele jantar, Fonseca afirmou que aquele era um ministério sério,
que não se vende. Disse que naquelas mesas estavam verdadeiros líderes.
"Não como em outras reuniões em que eles pegam um diaconozinho qualquer e
botam gravata." Imediatamente, apresentou a fatura. "Voltando para o
governo, governador, lembre-se sempre deste dia, do que essas pessoas estão
fazendo por você." Fonseca convidou outro pastor a fazer a oração de
encerramento daquele jantar político-religioso. "Sabemos que a autoridade
constituída está na mão do Senhor. E Lhe pedimos agora, Senhor, bênção em favor
do governador, bênção em favor do candidato ao Senado, Senhor, aos candidatos a
deputado federal e distrital. É em nome de Jesus que pedimos agora, Senhor, a
proteção divina." Ali, às claras e no burburinho da fé, o transe foi
político.
Revista Época 07/09/2014
disponível na web-EBC
O material original foi
publicado no site a seguir:
NOSSO COMENTÁRIO
O conteúdo dessa reportagem é
bastante revelador. Ela mostra o despreparo geral dos 345 pastores e assemelhados candidatos e
os verdadeiros e escusos interesses que os mesmos têm por baixo do discurso pró-família
e outros bla´, blá, blás.
Que Deus abençoe a todos.
Alexandros
Meimaridis
PS. Pedimos a
todos os nossos leitores que puderem que “curtam” nossa página no Facebook
através do seguinte link:
Desde já
agradecemos a todos.
Ufa, consegui ler na terceira tentativa. Destrinchou o assunto, excelentes comentários baseados em porcentagens, etc...Acredito que esse assunto e as novidades do mesmo podem ser postadas até próximo a data das eleições.Obs.:Gostei das frases: "político-religioso" e "o transe foi político", como tem um ditado em inglês: Triste mas real (sad but true).
ResponderExcluirCaro Cleiton,
ExcluirCertamente publicaremos outros artigos à medida que as eleições forem se aproximando. Como sempre nosso objetivo será ajudar nossos leitores a se livrarem do "voto de cabresto", controlado pelos pastores.
Abraço,
irmão Alex
Amém irmão Alex, concordo.
ResponderExcluirGlórias ao ETERNO DEUS.