Culto típico pentecostal.
O material abaixo foi publicado
por Marcos Alvito na Revista História.
Pentecostais ajudam na inserção social dos mais pobres, mas criam
uma guerra espiritual: fora da igreja só existe o Diabo
Marcos
Alvito
Os cultos
evangélicos se adaptam às condições mais simples da população. (Acervo Centro
de Estudos do Movimento Pentecostal / CPAD - RJ)
Daqui a
20 minutos,quando você terminar de ler este artigo, haverá mais 350 pessoas
convertidas à fé evangélica mundo afora. Trata-se de uma “onda evangélica” que
avança inclusive nas grandes metrópoles do Ocidente, como Londres e Paris, onde
esses religiosos estão cada vez mais presentes nos bairros de imigrantes. E,
como sabemos, no Brasil.
Seja onde
for, a corrente que puxa essa multiplicação de fiéis é representada pelas
igrejas pentecostais. No Brasil, elas se concentram nas áreas pobres dos
centros urbanos, onde ainda se encontram altos índices de analfabetismo (cerca
de 8,6%, embora esteja decrescendo também entre eles) e onde a renda per capita
é de até um salário-mínimo. Quase um terço dos pentecostais vive em situação de
pobreza aguda, com renda familiar per capita igual ou inferior a meio
salário-mínimo. Multiplicam-se, sobretudo, nessas regiões onde grassam com mais
força o desemprego, a violência, o estigma da pobreza cotidianamente
realimentado pelos meios de comunicação, o preconceito racial ou étnico, a
inexistência ou deficiência dos equipamentos públicos, o sistema escolar
deteriorado e a precariedade das moradias.
Estão nas
áreas urbanas das grandes metrópoles dos estados do Rio de Janeiro e de São
Paulo e no Nordeste, mas também têm forte presença nas regiões Norte e
Centro-Oeste. Os fiéis estão entre os mais jovens de todas as religiões (média
de 27 anos de idade) e são, na maioria, mulheres: quase 20% mais numerosas que
os homens. Quanto à cor declarada pelos próprios fiéis, quase 60% dos
pentecostais são negros (8,5%) e pardos (48,9%), o que corresponde a um número
13% acima da média nacional.
A visão
de mundo compartilhada pelos pentecostais é bastante peculiar. Há uma oposição
binária entre o “mundo” e a “igreja”. O “mundo” é o espaço do pecado, da
violência, do vício da bebida ou da droga, do sofrimento cotidiano, do Mal.
Quem governa o “mundo” é o Diabo, uma figura central no culto pentecostal,
continuamente evocada para explicar as dificuldades, as agruras e as tragédias
vividas pelos fiéis. O Diabo estaria sempre à espreita, tentando desviar o fiel
do caminho de Deus, criando-lhe problemas para enfraquecer sua fé. Deus
governaria a “igreja”, a comunidade de fiéis reunida por um pastor, que os
guiaria no caminho reto. Os cultos pentecostais representam uma verdadeira
dramatização desta contínua batalha entre o Bem e o Mal, entre Deus e o Diabo.
Mas para
entender uma religião, não se pode levar em conta somente a doutrina.
Estudiosos da religiosidade sabem que a fé não nasce da meditação silenciosa, e
sim na participação nos cultos coletivos. Eles permitem ao fiel se “reaquecer
moralmente”, vivenciando a fé como “calor, vida e o entusiasmo que transportam
o indivíduo para além de si mesmo”, como já escreveu Émile Durkheim
(1858-1917). Os cultos pentecostais são extremamente “quentes”, com uma
estrutura pautada no diálogo constante entre o pastor (ou pastora) e os fiéis,
uso frequente de músicas, manifestações corporais intensas e testemunhos dos
seguidores. Os líderes religiosos muitas vezes são pessoas da localidade, que
vivem a mesma vida e têm os mesmos problemas que seus fiéis, além de falarem a
mesma “linguagem”. Os cultos são diários, costumam durar duas horas, e
continuamente reafirmam o pertencimento do fiel à igreja.
Ao
contrário do dito popular, na religião o que vale não é o “ver para crer”, mas
sim o contrário: aquele que crê começa a ver, começa a pensar e a visualizar o
mundo segundo seus preceitos. A crença lhe dá uma arma poderosíssima para
enquadrar tudo o que ocorre no mundo. Nada fica sem
explicação. No caso da pentecostal, isso é
facilitado por aquela oposição binária entre Bem e Mal, Deus e o Diabo, a
igreja e o mundo. Tudo o que acontece com o fiel ou em torno dele pode ser
encaixado neste esquema de pensamento. Em um mundo hostil, complexo, em que a
velocidade das mudanças é tremenda, em que tudo parece ser posto em xeque e
relativizado, a chave binária pentecostal é eficiente e tranquilizadora.
Além
disso, a igreja, formada pela comunidade de fiéis, atua como uma rede de
proteção social, fornecendo apoio psicológico e até material a uma população
que vive em situação de grande vulnerabilidade social. Funciona como um círculo
de solidariedade entre os fiéis, que se tornam amigos, conseguem empregos uns
para os outros, envolvem-se em namoros e casamentos, solidificando ainda mais
estes laços “internos”. Em áreas degradadas e estigmatizadas, pertencer a uma
igreja evangélica eleva o status do fiel perante seus vizinhos e mesmo diante
dos empregadores, aumentando a possibilidade de ascensão profissional e
relativo sucesso financeiro.
Afinal, outro traço frequente em boa parte das
igrejas pentecostais reside na chamada Teologia da Prosperidade – a ideia de
que os fiéis estão destinados à riqueza e à felicidade, desde que demonstrem
generosidade em suas ofertas a Deus.
O avanço
pentecostal teve consequências dramáticas em outras esferas. Como sua visão de
mundo é marcada pela ideia de uma guerra espiritual, seus concorrentes
principais no campo religioso são considerados demoníacos. Expressam
hostilidade em relação aos católicos, por defenderem que somente os evangélicos
merecem ser chamados de “cristãos”. Combatem incessantemente os cultos
afro-brasileiros, umbanda e candomblé, abarcados por termos depreciativos, como
macumbaria, feitiçaria e magia negra. Este ataque cerrado é mais agudo entre
determinadas igrejas da subcorrente neopentecostal, das quais a mais famosa é a
Igreja Universal do Reino de Deus, que trata de incorporar práticas mágicas
existentes nas religiões afro-brasileiras, mas dando a elas um significado
invertido e “positivo”. Se o banho de ervas do lado de lá é “macumbaria”, do
lado de cá há o “sabão ungido”. Esta “guerra espiritual” não se restringe aos
templos, mas alcança as ruas, as escolas e até mesmo o Congresso Nacional, onde
a bancada evangélica (sobretudo pentecostal) cresceu 50% em relação à última
legislatura.
Quem não
está com você está contra você. A visão dicotômica dos pentecostais não é nada
gentil com as religiões afro-brasileiras, parte importante do patrimônio
cultural brasileiro. Frente a essa visão de mundo, a invenção de formas de
convivência pacífica entre diferentes religiões – em respeito à lei brasileira
– será um desafio cada dia mais importante para todos nós.
Marcos Alvitoé professor da
Universidade Federal Fluminense e autor de As Cores de Acari (Editora da Fundação
Getulio Vargas, 2001).
Saiba Mais - Bibliografia
CAPUTO, Stela Guedes. Educação
nos Terreiros – e como a escola se relaciona com crianças de candomblé. Rio de
Janeiro: Pallas, 2012.
MAFRA, Clara. Os evangélicos. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
MARIANO, Ricardo. “Crescimento
pentecostal no Brasil: fatores internos”, em Rever, Revista de Estudos da
Religião, dezembro de 2008.
PRANDI, Reginaldo. Herdeiras do
Axé. São Paulo: Hucitec, 1996.
Saiba Mais - Internet
Revista USP
MARIANO, Ricardo. “Igreja
Universal do Reino de Deus: a magia institucionalizada”.
http://www.usp.br/revistausp/31/11-ricardo.pdf
Saiba Mais - Filme
“Santo Forte”, de Eduardo
Coutinho. Rio de Janeiro: Cecip/RioFilme.
Link:http://eduardocoutinho.blogspot.com.br/2007/09/santo-forte.html
O artigo original poderá ser
visto por meio desse link aqui:
Que Deus abençoe a todos.
Alexandros Meimaridis
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