O material abaixo foi publicado
pela revista Cristianismo Hoje.
Entre levitas e menorás
Com o Templo de Salomão, Igreja
Universal busca maneiras de se reinventar em meio a uma concorrência crescente.
Escrito por Leonildo Campos
Recebi um convite para participar
de uma cerimônia no recém-inaugurado Templo de Salomão depois de ter sido
incluído numa lista com nomes de colegas professores e alunos que seria
submetida a alguém da Igreja Universal do Reino de Deus. Recebi então o convite
para o chamado “Congresso de Pastores Evangélicos”, acompanhado de um cartão
com as regras a serem seguidas no local e uma fita de identificação
autorizando, somente para aquele dia e hora, o trânsito pelo santuário.
No dia marcado, acompanhado de
minha mulher – que recebeu a orientação para não ir de calças compridas ou
blusa com decote – estacionei num enorme espaço nos subterrâneos do prédio, com
capacidade para aproximadamente dois mil veículos. Na entrada, rapazes com
batas brancas e um cordão como cinto, chamados de “levitas”, recebiam os
visitantes com uma saudação hebraica: “Shalom”, à qual respondi com um não
menos simpático “bom dia”. A nave do templo permaneceu na penumbra durante o
tempo de espera, com uma música orquestral de fundo e clipes com imagens
filmadas na região do Sinai ou em cenários cinematográficos.
Às nove horas da manhã, começou a
apresentação de um pequeno filme em projeção de 180 graus, contendo uma síntese
da história de Abraão até o surgimento da Universal. Aliás, a qualidade das
imagens e do som era excelente. Quando as luzes se acenderam, abriram-se as
cortinas e o bispo Edir Macedo entrou acompanhado de um pequeno grupo de
“levitas”. A cortina, na verdade, é um enorme véu – e por detrás dela, apesar
da escuridão da nave do templo, dava para ver as palavras grafadas seguindo a
curvatura das letras hebraicas: “Santidade ao Senhor”. No centro do palco,
também chamado de “Altar de Deus”, estava uma enorme réplica da arca da aliança
e um candelabro com sete luzes acesas. Aparentemente, os dois objetos são
folheados ou banhados a ouro.
O bispo e os “levitas” se
ajoelharam diante da arca e, depois de uma breve oração, saíram todos, menos
Macedo. O bispo, então, começou a cerimônia, seguindo-se uma ordem litúrgica
simples, tal como ocorre nos demais templos da Iurd. Edir Macedo vestia terno e
gravata, com um quipá na cabeça e uma capa com bordados judaicos sobre os
ombros. Durante os 90 minutos seguintes, houve orações, cânticos e momentos
reservados às ofertas, entremeados de curtos momentos de pregação, tudo sempre
acompanhado por uma discreta música de fundo. Na hora das ofertas, as pessoas
levaram seus envelopes à frente. Uns depositaram-nas em cofres; outros, nas
salvas trazidas pelos “levitas”. Outro obreiro, com uma maquininha online,
esperava pacientemente que alguns doadores, em uma pequena fila, digitassem as
suas senhas de banco e o valor a ser depositado na conta da igreja.
O clima do culto parecia se inspirar
quase que exclusivamente no Antigo Testamento. Aliás, essa tem sido a fonte de
legitimação não somente para a Igreja Universal como para outras denominações
pentecostais, que têm se entregado, desde os anos 1990, a uma onda de
“judaização” crescente. A bem da verdade, a Iurd não é pioneira neste sentido
na América Latina. A partir do Peru, está se espalhando pela região amazônica a
Igreja Israelita do Novo Pacto Universal, ligada a grupos cristãos sionistas do
Chile e da Colômbia. Surgida nos anos 1960, a instituição celebra as festas
judaicas – e, em suas cerimônias, os fiéis se vestem a caráter e realizam
sacrifícios de animais. Muito antes disso, ainda no século 19, o Adventismo do
Sétimo Dia focou parte de suas doutrinas nas tradições judaicas e no Antigo
Testamento. Desde os anos 1980, no
Brasil, a pastora Valnice Milhomens, da Igreja Nacional do Senhor Jesus Cristo,
comemora a Festa dos Tabernáculos ou das Cabanas. Devem-se acrescentar, aqui,
algumas comunidades judaicas chamadas de messiânicas, que aceitam Jesus de
Nazaré como Messias; mas, ao mesmo tempo, reproduzem festas judaicas e ordens
de culto tirados das sinagogas, usando-se, para isso, vestes, costumes e
hábitos tipicamente judaicos.
Magali do Nascimento Cunha,
professora de pós-graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de
São Paulo, menciona alguns exemplos de como o processo de ressignificação de
símbolos do Antigo Testamento estão presentes na comunidade evangélica dos dias
de hoje. “Expressões-chave retiradas do Antigo Testamento bíblico passam a
representar o tipo da prática e de qualidade da relação dos fiéis com Deus”,
explica. “O Senhor é identificado como ‘Rei’ e ‘General’ e relacionado a poder,
domínio e majestade”. Por outro lado, ela observa que inúmeras canções de
artistas gospel usam expressões como “chegar ao santo dos santos”; “estar nos
átrios de Deus”, “trazer a arca”, “trazer o sacrifício” etc.
IMAGINÁRIO JUDAICO
As ligações da Universal ao
imaginário judaico são enormes. É famosa, na denominação, a campanha intitulada
Fogueira Santa de Israel, quando orações e ofertas dos fiéis são acompanhadas
de pedidos por escrito de bênçãos específicas. A Igreja diz que os papéis são
depois queimados e as cinzas, levadas pelos bispos para os montes situados na
região do Sinai. Desde há muito, a Iurd tem ensinado que Israel é a “Terra
Santa”; portanto, o óleo de oliveiras da Galileia, o sal do mar Morto e outros
materiais trazidos de lá, como água, areia ou pedras, são muito valorizados por
seus supostos poderes curativos ou pela alegada capacidade de produzir milagres
econômicos na vida dos fiéis.
Outra evidência dessa aproximação
é a ênfase na necessidade de o ser humano estabelecer uma aliança com Deus,
como fizeram os patriarcas do Antigo Testamento. Mediante contribuições
financeiras à igreja, Deus ficaria comprometido em atender a todos os pedidos –
uma espécie de contrato feito entre o céu e a terra, tendo a Igreja Universal
como intermediária. A arca da aliança exposta no templo, portanto, é a
exteriorização desse contrato que Deus fez com Israel por meio de Moisés, ainda
no deserto. Quando firmado hoje, é a garantia de que a bênção pedida será
concedida, desde que o fiel aja com muita fé e faça a sua parte corretamente.
Isso, pelo menos, é o prometido pelos pastores e bispos. Se algo der errado, a
culpa não é da Igreja: o fiel é que não conseguiu cumprir todas as cláusulas da
aliança feita com Deus.
Com o Templo de Salomão,
verifica-se a exacerbação de um processo que já vinha sendo implantado há muito
tempo na Universal. A sacralização do espaço religioso é algo que vem da
tradição católica, dos cultos afrobrasileiros e das Escrituras judaicas, mais
do que do Cristianismo protestante. No espaço ao redor do templo, foram
plantados 12 pés de oliveira, para representar as doze tribos de Israel. E, à
semelhança dos antigos templos católicos, há na sede mundial da Universal
espaço para os túmulos onde, possivelmente, Macedo, seus familiares e figuras
ilustres da igreja serão sepultados. Convém lembrar, no entanto, que Jesus
insistia na temporalidade do templo de Jerusalém e dizia que, a despeito de sua
beleza e do destaque que tinha na vida religiosa judaica na época, seria
completamente destruído – e que o próprio Filho de Deus deixou claro que seus
seguidores poderiam se reunir em qualquer lugar, sem preocupação com estruturas
e quantidade de pessoas presentes.
Inteligentemente, os líderes da
Igreja Universal fizeram uma adaptação das regras que regiam o templo da
Israel. Excluíram, por exemplo, a proibição à entrada de mulheres, de pessoas
de outras etnias ou portadores de deficiência física, o que seria inadmissível
nos dias de hoje. Também não há sacrifícios de animais, rito que jamais voltou
a ser praticado pelos judeus depois da destruição, pelos romanos, do templo de Jerusalém,
no início de nossa Era.
O modelo seguido na construção da
réplica do templo é outro ponto interessante, já que há divergência entre
historiadores e pesquisadores a esse respeito. Arqueólogos como Israel
Finkelstein consideram que a construção erguida pelo rei Salomão foi parte de
uma saga histórica, contida na Bíblia desde o encontro de Abraão com Deus até o
surgimento e queda dos reinos de Israel e Judá. Por outro lado, algumas
correntes duvidam até da existência daquele templo, já que as únicas
referências a ele estão na Bíblia. Essa discussão coloca um distanciamento
entre fatos e mitos e levanta algumas questões. A partir de qual modelo Edir
Macedo teria projetado a sua réplica? Onde ele teria se inspirado ou se
motivado a projetá-lo, além das descrições e medidas registradas na Bíblia? Até
que ponto ele se valeu do imaginário religioso brasileiro, no qual a ideia de
majestosas catedrais católicas ocupa um importante lugar?
A réplica do templo judeu
plantada em São Paulo tenta fazer conexão mística com a santidade de uma
construção que não mais existe – ou nunca existiu, segundo os mais céticos.
Porém, a Universal necessita ter, por causa de sua simbologia, um lugar que
seja uma espécie de centro do mundo; um espaço que possa ser considerado shekinah
(morada de Deus) num mundo de crescente secularização. Portanto, a construção
está conectada à Terra Santa, de onde provêm a água do rio Jordão, a areia do
Sinai e as pedras santificadas que foram colocadas em suas paredes. Paredes
sólidas, que parecem representar o esforço da Igreja Universal do Reino de Deus
em construir a imagem de uma denominação religiosa estável, que veio para ficar
e se espalhar pelo Brasil e pelo mundo.
CONCORRÊNCIA
A construção do Templo de Salomão
é o ponto mais alto de um processo que começou num coreto de subúrbio. Mais
tarde, a Iurd ocupou salas de cinemas decadentes e passou a adaptar galpões
abandonados como casas de culto para centenas, milhares de pessoas.
Curiosamente, a importância que Macedo dá ao antigo templo hebreu parece ter
muita semelhança com a relevância simbólica que aquela construção tem para o
pensamento e os rituais da franco-maçonaria. A Igreja Universal e seu fundador
necessitam de espaços sacralizados, que exorcizem um passado de desprestígio e
de negação da grandeza atual e demarquem fronteiras entre o sagrado e o profano
numa sociedade em que tais limites são cada vez mais dissolvidos.
Ao mesmo tempo, os templos
majestosos que a Iurd exibe hoje estão interligados às catedrais eletrônicas,
que são as suas emissoras de rádio e de televisão, onde a fé é teatralizada por
meio de liturgias hibridamente construídas, que exigem a presença dos fiéis
maciçamente e onde se expõem as influências da psicologia das massas e da
hegemonia das leis do mercado. Pois é exatamente nos megatemplos que se coloca
em prática, com mais facilidade, as formas de associação e hierarquização dos
valores e das crenças, tendo como eixo uma cultura gospel e mercadológica.
Nesses espaços em que tudo é grande, as crenças são reconfiguradas e adquirem
novos significados; uma massa recrutada nas classes médias baixas e nas camadas
oriundas das classes “C” e “D” consome avidamente os produtos religiosos
oferecidos em busca de uma vida melhor aqui e agora.
Com isso, Macedo ataca rivais
incômodos, como Valdemiro Santiago, ex-bispo da Iurd e hoje o exitoso líder da
Igreja Mundial do Poder de Deus, que nos últimos dez anos absorveu fatia
significativa do público de Macedo e mostrou-se um adversário forte na TV. Ao
mesmo tempo, ao não colocar o nome da Igreja na frente do templo, tenta ele
diminuir as desconfianças existentes entre evangélicos, católicos e judeus
frente aos seus empreendimentos. É preciso, diante do pluralismo e da
concorrência cada vez mais predatória, reforçar o que deu certo e partir para
novas formas de ser Universal – e de conquistar visibilidade numa sociedade em
que a mídia tem se mostrado avessa a esta igreja e seus pastores, bispos e
fiéis.
Leonildo Silveira Campos é pastor
aposentado da Igreja Presbiteriana Independente, doutor em Ciências da Religião
e professor efetivo do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da
Universidade Presbiteriana Mackenzie e professor-colaborador da Universidade
Metodista de São Paulo.
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Alexandros Meimaridis
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