CONEXÃO Evangélicos, Thiago de Lima
e Fernanda Freire seguem os preceitos de sua igreja com alegria e convicção
O artigo abaixo foi publicado
pelo site da Revista ISTOÉ. O mesmo é de autoria de Rodrigo Cardoso.
A
fé da juventude
Estudos inéditos revelam como os
jovens se relacionam com Deus e apontam um descrédito das religiões
RODRIGO CARDOSO Foto: MURILLO
CONSTANTINO Colaboraram: Hugo Marques e Renata Cabral
O jovem brasileiro dá mais valor
à fé do que às igrejas. Ele escolhe professar uma determinada religião por
iniciativa própria, não por orientação familiar ou costume. E tem uma relação
de intimidade com Deus, sem o temor e a distância tão presentes nas gerações
anteriores. Essas são as principais tendências observadas por respeitados
especialistas do País, comprovadas por estudos recentes — ainda inéditos e aos
quais ISTOÉ teve acesso. Esses estudos revelam que o perfil religioso da
população está sofrendo alterações significativas e definitivas. Mais: isso
ocorre acima de tudo por conta da atitude religiosa manifestada pela juventude
do que pela filiação dela a qualquer religião.
Um dos dados mais reveladores é o
da pesquisa do teólogo Jorge Claudio Ribeiro, da Pontifícia Universidade
Católica (PUC)), de São Paulo. Ele ouviu 520 universitários de 17 a 25 anos e,
com os resultados, acaba de concluir o livro Religiosidade jovem, ainda na
esteira do lançamento. No estudo, a categoria "jovens sem religião"
soma 32% dos entrevistados — um percentual infinitamente superior aos números
do censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que indicam
7,3% da população. Desse total, 12,2% se dizem agnósticos ou ateus e 19,8%,
crentes sem religião.
É esta última categoria, dos
crentes sem religião, que está revolucionando a maneira como o brasileiro se
relaciona com suas crenças. "O espírito buscador do jovem não procura uma
instituição religiosa que o enquadre, mas uma doutrina onde ele se
encontre", diz a antropóloga Regina Novaes, pesquisadora do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Para a juventude,
explica, a fé está em alta; a religião, não.
Uma das maiores autoridades no
assunto, Regina assina - junto com o sociólogo Alexandre Brasil, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro - um dos artigos no estudo Juventudes:
outros olhares sobre a diversidade, uma extensa e criteriosa publicação elaborada
em parceria com a Unesco e o Ministério da Educação (MEC). Confeccionado a
partir de uma pesquisa da Unesco que ouviu dez mil pessoas de 15 a 29 anos em
26 Estados brasileiros, ele coloca uma luz sobre o comportamento de católicos,
evangélicos, espíritas, adeptos da umbanda e do candomblé e dos não religiosos.
Sem dogmas e com
camisinha
Umbandista atuante há quatro
anos, o paulista André Aguirre Rocha, 23 anos, carrega preservativo na carteira
desde os 13 anos e afirma que nunca transou sem camisinha. Segundo a pesquisa
Perfil da Juventude Brasileira, de 2004, os adeptos das religiões afro
(candomblé e umbanda) são os que mais afirmam ter usado camisinha na última
relação sexual (71%). Estudante do curso de teologia umbandista, ele conta que
sua religião prega o uso do preservativo como forma de prevenção. "Não
existe dogmatismo. A umbanda não nega nada a ninguém", diz.
Crente e sem religião, a paulista
Andrea Bahni, 22 anos, diz acreditar na existência de um Deus, mas critica a
orientação do catolicismo contra o aborto e o uso de preservativos e abomina a
prática evangélica de arrecadação de dinheiro por meio de cartão de crédito e
débito. Por tudo isso, mantém-se distante de qualquer filiação religiosa, mesmo
tendo experimentado várias doutrinas nesse universo de pluralidade que se
apresenta nos dias de hoje.
ENTREGA Coral do
Santuário de São Judas Tadeu, em São Paulo: relação pessoal com Deus
Dos 13 aos 17 anos, Andrea foi
adepta da religião wicca (também chamada de bruxaria). Considerava a existência
do Deus Sol e do Deus Lua, até que, ao assistir a um culto evangélico, passou a
acreditar em Jesus Cristo. A nova crença, no entanto, não a impede de aceitar o
fato de haver vida após a morte e reencarnação, preceitos difundidos pelo
espiritismo. Universitária do curso de moda, Andrea já tomou passe em centro
espírita, mas, hoje, manifesta sua religiosidade em uma igreja católica perto
de sua casa, que frequenta vez ou outra, ou em conversas diárias com o
"Papai do Céu" dentro de casa.
MURILLO CONSTANTINO/AG. ISTOÉ
A existência de bricolagens
religiosas como a de Andrea e a ausência de vínculos religiosos só são
possíveis porque a convicção de que a fé só poderia ser vivida dentro de uma
religião, como ocorria em gerações anteriores, não existe mais. Por meio de um
questionário, o teólogo Ribeiro verificou a adesão e a rejeição do jovem a
algumas crenças. Ele rejeita, por exemplo, o fato de que as pessoas devam ter
só uma religião e seguir as orientações dela e está de acordo com a idéia de
que ter fé é mais importante do que seguir doutrinas rígidas. "A juventude
tem fé não porque é bonito, mas porque precisa, ajuda a propor projetos e
avançar na vida", diz o professor da PUC.
ROGÉRIO ALBUQUERQUE/AG. ISTOÉ
20 minutos diários com
Deus
Andrea Bahni não acredita na
história de Adão e Eva, mas lê a Bíblia e conversa com Deus por cerca de 20
minutos todos os dias. Estudante de moda de 22 anos, ela já foi da religião
wicca (bruxaria), frequentou o espiritismo e a igreja evangélica e, hoje, se
diz uma crente sem religião. "Evangélicos já quiseram me converter. Diziam
que eu não podia fumar, que balada é lugar do demônio", conta. "As
igrejas induzem os fiéis a pensar como eles querem." Para o teólogo
Ribeiro, os jovens têm certo respeito pelas religiões e uma crítica às ações
das igrejas.
A fé da juventude, portanto, é
algo prático, mais antropológico e menos teologal. Religiosidade jovem, que
será lançado este ano, mostra que apenas 19,9% das pessoas frequentam algum
ritual religioso pelo menos uma vez por semana, 30,5% nunca participaram e 33%
o fazem só em ocasiões especiais, como batizados, casamentos ou missas de
sétimo dia.
Isso ocorre porque o jovem da
atualidade busca uma crença mais como um indivíduo emancipado e menos como o
filho que segue a tradição familiar. Assim como vai atrás de um lugar no mundo,
ele procura algo em que acredite profundamente. "A juventude não trata a
religião como costume, cultura, mas como algo que tem a ver com escolha",
diz a antropóloga Regina. Foi por vontade própria que Aparecida Luiza da Silva
decidiu ser católica praticante. Ainda pequena, aprendeu com a mãe a rezar o
Pai Nosso e a Ave Maria, mas nunca tinha sido levada por ela à missa. Aos 11
anos, foi a uma igreja acompanhada de vizinhos e, desde então, passou a pedir
para a mãe levá-la à missa todo final de semana.
Virgem sim. Beata não
Ela lê a Bíblia todos os dias,
vai à missa três vezes por semana, mas não se diz beata. Católica praticante há
11 anos, Aparecida Luiza da Silva, 24, frequenta baladas e barzinhos e gosta de
dançar forró, mas, mesmo nesses lugares, não deixa de testemunhar sua fé por
meio de sua atitude e entusiasmo. Ela se diz de acordo com todas as orientações
sexuais do catolicismo. "Tudo que é bom é para ser vivido, mas no momento
certo. Quero casar virgem", diz ela.
MURILLO CONSTANTINO/AG. ISTOÉ
Hoje, aos 24 anos, Aparecida
trabalha no Santuário de São Judas Tadeu, em São Paulo, participa do coral da
igreja, sai à rua visitando casas para dar seu testemunho cristão e segue as
orientações sexuais da doutrina católica. "Não sou beata. Frequento
barzinho, danço forró em casas noturnas e já tive namorados", diz ela.
"Mas não sou a favor de 'ficar', não quero ser objeto de prazer de
ninguém. Vou casar virgem, sexo só depois do casamento." Segundo uma recente
pesquisa feita pela socióloga Silvia Fernandes, professora do Instituto
Multidisciplinar da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ),
apenas 26,1% dos jovens católicos pensam como Aparecida em relação à castidade.
O estudo denominado Juventude,
religião e política na Baixada Fluminense levantou, entre outras questões, o
que jovens católicos e evangélicos freqüentadores de igrejas da Baixada
Fluminense pensam sobre o sexo antes do casamento. Apresentado em um congresso
em Birminghan (Inglaterra) e ainda inédito no Brasil, ele mostra que, entre as
mil pessoas ouvidas, os evangélicos são mais conservadores — 88,9% são
contrários à prática. Seguidora da doutrina batista, a paulista Fernanda
Almeida Freire, 17 anos, afirma que pretende se iniciar sexualmente apenas
depois de trocar alianças. A adolescente, que se converteu aos 12 anos por
vontade própria, vai à igreja todo final de semana, faz parte de dois
ministérios e já preteriu uma viagem à Disney por um acampamento de jovens de
sua crença. "Leio a Bíblia e acredito no que está escrito. Por isso, sigo
os ensinamentos do Senhor", diz ela.
ALEXANDRE SANTANNA/AG. ISTOÉ
Hormônios domados e
muita conversa
Equilibrar as orientações
religiosas e os hormônios à flor da pele é uma busca diária do carioca David
Bessa, 23 anos. Consultor de uma importadora de cervejas e frequentador da
igreja Bola de Neve, ele convenceu a noiva a abdicar da vida sexual que tinham
em nome da fé. "Percebo que estamos acabando com os problemas pela
conversa, em vez de tentar resolvê-los na cama", conta ele, que é contra a
legalização do aborto. Pentecostais como David são os menos favoráveis à
descriminalização do aborto, segundo a pesquisa Perfil da Juventude Brasileira
(12%).
Entre os católicos, pontua
Silvia, a identidade religiosa está se dissociando de uma necessária obediência
doutrinal. Reflexo, em parte, da crise moral pela qual a Igreja Católica passa
por reafirmar tradições antigas e não avançar no discurso em relação a novos
desafios da modernidade, como célula—tronco, pílula anticoncepcional e uso de
preservativo. "O papa esteve no Brasil e veio falar em castidade.
Intrometer — se na vida sexual do jovem é um pouco demais! O catolicismo está
há décadas de distância da prática real", reclama o teólogo Ribeiro.
Em suas pesquisas com
universitários, ele verificou que os pais de seus entrevistados eram mais
católicos que os filhos. Enquanto 42,5% dos jovens se diziam católicos, 57,7%
dos pais e 60,6% das mães afirmaram o mesmo. Essa crise na transferência
geracional da fé, no entanto, não faz do ateísmo (a negação de Deus) o grande
beneficiado. São os crentes sem religião que crescem: 19,8% dos entrevistados
estão nessa categoria, enquanto pais e mães somam 12,3% e 6,7%,
respectivamente.
Amar ao próximo. Do
mesmo sexo
Suellen Rodrigues Róbias se
tornou kardecista aos nove anos. Hoje, aos 21, é coordenadora de evangelização
de 120 crianças no Centro Espírita André Luiz, em Brasília, e participa de
mesas de orações para curar os males dos enfermos. Ela, que tem amigos homossexuais,
se diz totalmente favorável à legalização da união de pessoas do mesmo sexo,
com casamento no cartório. "Quando Jesus falou em amar o próximo,
significa amar também a pessoa do mesmo sexo." Os kardecistas são os que
mais aprovam a legalização desse tipo de relacionamento (73%), de acordo com a
pesquisa Perfil da Juventude Brasileira, de 2004.
ROBERTO CASTRO/AG. ISTOÉ
É fato que no campo religioso,
hoje, há muitas outras formas não institucionais de espiritualidade, como
esotéricas, holísticas, nova era, e não raro se encontram em uma mesma família
quatro, cinco religiões presentes. Os símbolos religiosos, antes difundidos na
igreja e no âmbito familiar, circulam mais por outras áreas de domínio público,
como em blogs sobre religião, nas camisetas dos jogadores de futebol e em
feirinhas. Até na moda. Tudo isso facilita o espírito buscador do jovem e sua
adesão ao estado de "religioso sem religião".
Nesse universo, é socialmente
possível — algo impensável em épocas passadas — um jovem ir à missa de manhã e
meditar em um templo budista à noite. "Na juventude é o momento de se
experimentar. E, hoje, também se experimenta religião", enfatiza a
pesquisadora Regina.
O artigo original do site da
Revista ISTOÉ poderá ser visto por meio do seguinte link:
Que Deus abençoe a todos.
Alexandros Meimaridis
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