O artigo abaixo foi publicado no
site do jornal Correio Braziliense e é da autoria de conceição Freitas. De
forma concisa ela nos apresenta uma breve história da Catedral Católica Romana
de Brasília. Vale à pena conferir.
Inovadora
e transgressora, Catedral de Brasília completa 45 anos
Uma das peças mais importantes do
acervo de Oscar Niemeyer, a obra de arte da arquitetura religiosa reúne em um
só prédio as origens do cristianismo e a devoção dos tempos atuais e de um
futuro incerto.
Conceição Freitas
Do abissal ao solar, do subsolo à
superfície, das trevas à luz, da perdição ao encontro, são esses os passos que
levam o visitante da entrada à nave da Catedral Metropolitana de Brasília, uma
das peças mais importantes do acervo arquitetônico de Oscar Niemeyer. O túnel
negro sai em declive desde os pés dos apóstolos até o clarão de fé que revela a
paisagem sagrada e aquece o coração dos cristão e, por certo, dos ímpios.
Vista do alto, a Catedral é uma
estrela espatifada, para usar uma expressão de Clarice Lispector na crônica que
tão agudamente revela Brasília. Vista de longe, seja da L2 Norte, seja da
Rodoviária, ou do Eixo Monumental, a Catedral é uma flor de concreto e vidro.
Se os dias são brilhantes como os de maio, os 16 pilares entremeados de vitrais
parecem tremer como um devoto à espera do milagre.
Neste 31 de maio, a Catedral de
mãos crispadas para o céu completa 45 anos. Quatro décadas e meia de
via-crúcis, desde que, em 1958, Niemeyer fez os primeiros esboços do projeto.
Só foi inaugurada em 1970, portanto, 10 anos depois de Brasília. Sofreu
modificações expressivas: não havia vitrais coloridos no projeto original.
Depois de conhecer a vitralista Marianne Peretti, o arquiteto decidiu trocar os
vidros sem cor por desenhos multicoloridos.
Muito criticada pelos párocos
desde os tempos iniciais por conta da formatação singular, a manutenção
complicada, os vazamentos no tempo das chuvas, o trincado dos vidros no tempo
da seca, a Catedral padeceu no paraíso nesses 45 anos. Paraíso arquitetônico: o
time de arquitetos, engenheiros e artistas que fez a obra de arte não é
exatamente cristão: o engenheiro Joaquim Cardozo fez os cálculos estruturais;
Alfredo Ceschiatti, as esculturas de bronze dos quatro evangelistas e dos três
anjos; Di Cavalcanti, a via-sacra; e Athos Bulcão, os paramentos, castiçais,
cálices, demais objetos litúrgicos e as telas representando a vida de Maria.
“Procuramos encontrar uma solução
compacta, que se apresentasse externamente — de qualquer ângulo — com a mesma
pureza”, explicou Niemeyer em artigo publicado na revista Módulo, de dezembro
de 1958. “Daí a forma circular adotada, que, além de garantir essa
característica, oferece à estrutura uma disposição geométrica, racional e
construtiva.”
E que não se pense que a Catedral
de Brasília rejeita ou desconhece a herança milenar da arquitetura religiosa.
Nela, diz Niemeyer, “estão presentes os exemplos mais preciosos da arquitetura
religiosa, desde as primeiras construções em pedra, e as geniais conquistas da
arte romana e gótica, até a época presente”.
Os arquitetos Sylvia Ficher e
Geraldo Sá Nogueira Batista reafirmam os componentes históricos da Catedral:
“Seguindo uma tradição da arquitetura religiosa renascentista, sua planta é
circular, de modo a evitar uma fachada principal”, escreveram eles em
Guiarquitetura Brasília (Empresa das Artes, 2000). A passagem subterrânea evoca
as catacumbas romanas “em uma referência às origens do cristianismo”, na
interpretação dos dois arquitetos.
Rascunhos feitos pelo próprio Niemeyer
Aquele Niemeyer de 1958 era Niemeyer em estado puro e, sendo assim, ousava ao limite: “Na Catedral, o arquiteto novamente reafirma e transgride códigos. Reafirma: faz uma acessibilidade mínima, indireta, quase invisível — um rasgo no chão; transgride: difícil imaginar um edifício mais transparente, luminoso”, escreve Frederico de Holanda em Oscar Niemeyer, de vidro e concreto (FRBH, 2011).
Responsável pela execução da
obra, o arquiteto Carlos Magalhães conta que passou noites e noites sem dormir,
tamanha a preocupação com a excepcionalidade do projeto. Às vezes, ia ao Rio de
Janeiro checar com Joaquim Cardozo algumas especificações. “Como é que é isso,
professor? Esclarece a norma.” Ao que o engenheiro-poeta respondia: “Nós temos
que andar adiante da norma. Nós temos de ir avançando para a norma ir
acompanhando a gente”.
A Catedral não perdeu o pé das
catacumbas romanas, mas trouxe a fé para o tempo presente e para um futuro que
ainda vai se realizar. Nem é preciso acreditar em um Todo-Poderoso, a Catedral
é, em si mesma, a confirmação do mistério da fé.
O artigo original poderá ser
visto por meio do seguinte link:
Que Deus Abençoe a todos.
Alexandros Meimaridis
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