O artigo abaixo foi publicado
pelo site da Revista Época e é de autoria de: Aline Ribeiro e Harumi Visconti.
VIDA
Apóstolo
emergente das igrejas neopentecostais promete apagar a memória dos fiéis
Numa incansável cruzada por
arrecadação, o autointitulado apóstolo Agenor Duque, da Igreja Plenitude do
Trono de Deus, pede à plateia que raspe a carteira e que doe até o décimo
terceiro salário. Já anda de Porsche e voa de jatinho
ALINE RIBEIRO, COM HARUMI VISCONTI
Agenor Duque num culto em novembro. Ele se veste de estopa em sinal de humildade, mas não dispensa o Nike no pé (Foto: Rogério Cassimiro/ÉPOCA)
Do alto do púlpito, diante de
cerca de 7 mil fiéis com as cabeças cobertas por um pequeno pano avermelhado,
um homem vestindo uma roupa que imita estopa aponta o dedo para um rapaz da
plateia: “Você é homossexual?”, diz ao microfone. Ao ouvir uma resposta
afirmativa, continua: “E você quer sair do homossexualismo?”. O interlocutor
diz que sim, e é convidado a subir no altar. Enquanto uma canção entorpecente
embala a cena, o líder espiritual cerra os dois punhos, ergue os braços e
grita: “No milaaaagre de Manassés, Deus apaga da memória agora todo o passado
de sofrimento. No milaaaagre de Manassés, Deus faz a pessoa esquecer que um dia
foi homossexual”. Volta a se dirigir ao rapaz.
– Seu nome?
– Junior.
– Você tinha alguma vida errada
no passado?
– Não.
– Pensei que você era gay...
Pensei que você morava com um homem...
– Não, Deus me livre.
Como que num passe de mágica,
Junior diz que nunca gostou de homens. Na semana seguinte, volta ao mesmo altar
para contar o desfecho de sua história. Diz que seu namorado, ao saber da
conversão, caiu no choro. A mãe, surpresa com o esquecimento súbito, cogitou
levar o filho a um hospital. Entre gritos entusiasmados de “aleluia” e “eu
creio”, o público se levanta e aplaude a transformação.
O homem das vestes de saco – um
figurino para demonstrar humildade diante de Jesus Cristo – é o autoproclamado
apóstolo Agenor Duque, um paulistano de 37 anos, filho de pais separados,
crescido numa família pobre da Zona Leste de São Paulo, ex-viciado em drogas.
No concorrido mercado das igrejas neopentecostais, Duque é o pastor emergente
do momento. Com uma forte vocação teatral e adepto da prática de prometer o
impossível, Duque abocanha cada vez mais fiéis e começa a incomodar as igrejas
concorrentes. Além das usuais curas de doenças e vícios, Duque promete apagar o
passado da mente dos fiéis.
Não hesita em abusar de condutas
preconceituosas, como propagar o “milagre” de fazer um homem esquecer a
homossexualidade ou enfrentar num duelo um suposto adepto do candomblé. Prova
de sua destreza para lotar igrejas e influenciar opiniões, o deputado e pastor
Marco Feliciano não sai do altar da Igreja Apostólica Plenitude do Trono de
Deus*. Na campanha eleitoral do ano passado, o tucano Geraldo Alckmin, reeleito
governador de São Paulo, ajoelhou-se no púlpito de Duque.
Num roteiro já conhecido entre os
pastores das neopentecostais, Duque começou na Igreja Universal do Reino de
Deus e migrou para a Mundial – até que teve uma “visão espiritual” e decidiu
criar seu próprio templo. Em setembro de 2006, abria a porta da Igreja
Plenitude do Trono de Deus. Com R$ 25 mil da venda de um Astra, Duque comprou
algumas poucas horas nas madrugadas de rádios e alugou um galpão na Avenida
Celso Garcia – que, pela facilidade de acesso e circulação intensa, concentra
boa parte das igrejas neopentecostais. Há dois anos, Duque tinha cinco modestas
igrejas em São Paulo.
Hoje, são pelo menos 20,
espalhadas por São Paulo, Amazonas, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Goiás e
Distrito Federal – sem contar as dezenas de núcleos, galpões abertos pelo
interior que, ainda sem documentação, não são considerados templos. No ano
passado, a Igreja Plenitude do Trono de Deus firmou uma espécie de joint
venture evangélica com a igreja de André Salles, o líder evangélico responsável
pela conversão da ex-senadora Marina Silva, para aportar em Brasília. Em dois
anos, a Igreja Plenitude do Trono de Deus saltou de quatro para 18 horas no
canal de televisão RBI. Só entre outubro e novembro, passou de quatro para mais
de nove na Rede Brasil TV.
O traje de saco nos cultos é uma
espécie de abadá para uma encenação de pobreza. Há tempos Duque deixou a dureza
para trás. Como os adeptos do funk ostentação, fora do palco ele se enfeita com
cordões, anéis e relógios dourados, bonés e tênis de marcas como Nike e Hugo
Boss e adora exibir-se no Instagram. Dirige um Porsche e um BMW. Já se exibiu
em um vídeo com uma Ferrari – após críticas de internautas, recuou e disse que
o carro era de um “amigo”, o pastor Arthur Willian Van Helfteren, da Igreja
Universal do Reino de Deus.
Sempre que viaja, Duque evita
apertar o corpanzil nas poltronas da aviação comercial; prefere o conforto de
um bimotor Cessna Citation. De acordo com os registros da Agência Nacional de
Aviação Civil, a aeronave pertence à Cimeeli Comércio e Indústria, uma empresa
sem rastro. O telefone atribuído à Cimeeli é residencial e seus sócios não
foram localizados.
Em um universo em que não faltam
exageros, os cultos de Duque são espetáculos ainda mais histriônicos. Ele atua
em parceria com a mulher, a autointitulada bispa Ingrid Duque, e mais
recentemente com o filho adotivo, o pastor Allan. Em suas performances, Agenor
Duque intercala suas falas com expressões incompreensíveis que diz virem da
língua do Espírito Santo – “Traz o óleo, quibalamacia balabaliã”, diz, em meio
ao culto, enquanto checa mensagens no telefone. Suas orações quase sempre
terminam com um “hallelujah”, num esforçado sotaque americano.
A religiosidade brasileira sempre
foi muito sincrética. O brasileiro valoriza tudo o que o ajuda a se relacionar
diretamente com o sagrado”, afirma Rodrigo Franklin de Sousa, professor de
pós-graduação em ciências da religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
“O teatro cai como uma luva.” Os cultos da Plenitude do Trono de Deus reúnem
dramas humanos de todos os tipos. Há mulheres traídas pelo marido, fiéis com
pendências com a Justiça, mães desesperadas para tirar o filho da prisão, pais
de família desempregados, viciados que tentam resgatar a dignidade.
Converter os dramas em espetáculo
e gerar lucro requer organização. Nos cultos de domingo, mais lotados, a igreja
é dividida em quadras imaginárias, cada qual vigiada por um pelotão de
obreiros. Numa cerimônia, um homem se exaltou e foi contido por seguranças.
Curiosa, parte da plateia foi repreendida pelos obreiros: “Deus está no altar
lá na frente. Parem de olhar para o lado”.
O apóstolo Agenor Duque, o pastor
André Salles e a bispa Ingrid Duque. Numa espécie de joint venture evangélica,
suas igrejas se uniram no ano passado para arrebanhar mais fiéis (Foto: Rogério
Cassimiro/ÉPOCA)
Em um dos episódios mais
plásticos, no ano passado, Duque estava no altar quando um dos obreiros avisou
sobre um homem que, sem abrir a boca, se apresentava como pai de santo e o
desafiava. Rodando uma jaqueta ao redor do corpo, o homem subiu ao palco e foi
ao encontro de Duque. Como se estivesse num MMA espiritual, Duque encostou a
cabeça no adversário, deu dois gritos e – shazam! – o sujeito desmilinguiu-se.
A plateia foi ao delírio. “O público gosta”, diz Paulo Romeiro, doutor em
ciências da religião. “A igreja neopentecostal brasileira é cega,
infantilizada, cheia de picaretas e cambalacheiros.”
Tanto cultos quanto programas no
rádio e na TV da Igreja Plenitude do Trono de Deus têm um roteiro simples, que
converge para a arrecadação. A pregação da Bíblia é quase inexistente.
Invariavelmente, o pastor apresenta um “milagre” e, na sequência, pede dinheiro
ostensivamente. Numa tarde de terça-feira, em outubro, uma pastora da Plenitude
do Trono de Deus pediu aos fiéis que abrissem suas Bíblias em 1 Reis 17. A passagem
conta a história de uma viúva miserável que, diante de uma onda de fome, doou
tudo o que tinha – um punhado de farinha na panela e um pouco de azeite numa
botija – a um profeta desconhecido, antes mesmo de alimentar o filho.
Ao final da leitura do capítulo,
a pastora gritou ao microfone: “Deus está me dizendo que alguém aqui tem R$ 50
na carteira, é tudo que essa pessoa tem. Se você sentiu que esse chamado é para
você, faça como a viúva. Ela deu tudo que tinha, e foi recompensada”. Uma
mulher se encaminhou ao altar e retirou a única nota de R$ 50 da carteira. Os
pedidos aos demais continuaram num crescente. “Prova para Deus que você
acredita. Precisa ser um sacrifício grande, algo que dói! Limpa a carteira!
Raspa a carteira! Ou faz como uma mulher no culto desta manhã, que doou o
próprio carro.”
A adivinhação no púlpito, diz um
ex-obreiro da Igreja Plenitude do Trono de Deus, não passa de uma trapaça. Na
chegada à igreja, os fiéis com um pedido especial preenchem uma ficha com sua
história – depois colocada no altar. Enquanto lê disfarçadamente o relato, o
pastor repete tudo ao microfone como se estivesse tendo uma epifania. Ao
reconhecer sua história, o fiel emocionado se dirige ao altar e confirma o
milagre. “São verdadeiras empresas da fé”, afirma o teólogo João Flávio
Martinez, presidente do Centro Apologético Cristão de Pesquisas. Os pastores
que arrecadam mais são recompensados e ascendem. “Eles recebem até bônus”,
afirma um ex-obreiro da Plenitude do Trono de Deus. “Eles dizem que você tem de
entrar na mente da pessoa, convencê-la a aceitar o que você diz”, afirma.
Às quintas-feiras, numa reunião
fechada de presbíteros, os mais experientes recomendam “agressividade” e “olhar
clínico” para identificar potenciais doadores. “Os pastores dessas igrejas são
bem preparados, fazem cursos de marketing, de gestão, de oratória. A lógica é
unicamente de mercado. Não existe uma base de doutrina”, diz Rodrigo Sousa. Os
pastores das maiores agremiações fazem cursos específicos de gestão financeira
de igrejas no exterior. A hierarquia é rígida. Como um presidente de empresa,
Agenor Duque convive com poucos de seus comandados. Usa até mesmo uma entrada
exclusiva na sede. Os insistentes pedidos de entrevista de ÉPOCA – todos
negados – percorreram três instâncias antes de chegar a ele.
Em sua incansável cruzada por
arrecadação, a Igreja Plenitude do Trono de Deus promove campanhas temáticas
com objetivos específicos. Uma do Vale de Elah, traz um boneco recente, gigante
que procura reproduzir a figura do rei David, vestido como um guerreiro, com
escudo e espada no altar da igreja. Uma loja vende diversos badulaques
inspirados longinquamente em temas bíblicos. A gama de produtos inclui a marca
própria de roupas e acessórios femininos da bispa Ingrid, na loja Amor Oficial.
Os looks – saias estampadas,
calças boca de sino, bolerinhos e vestidos longos com estampas em três
dimensões – usados por Ingrid na TV e nas redes sociais são reproduzidos por
boa parte das fiéis nos cultos. “Quem usa é escolhida por Deus”, diz Ingrid no
Instagram da marca. Como a inflação não respeita nem o sagrado e não está fácil
nem para milagreiros, na Amor Oficial também tem liquidação – só muda o nome: a
Black Friday, o dia internacional do desconto, chama-se White Friday.
O ritmo de inovação da Plenitude
do Trono de Deus é incessante. Recentemente, Duque passou a pedir o 13º salário
dos fiéis – e até o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Para os
próximos meses, planeja a construção de um novo templo, para o qual criou uma
campanha específica, cuja contribuição começa em R$ 1.000. Em fevereiro,
pretende lotar o Maracanãzinho, no Rio de Janeiro, com capacidade para 13 mil
pessoas, e o estádio do Canindé, em São Paulo, que acomoda 21 mil pessoas, com
uma atração internacional: o controverso pastor Benny Hinn, que percorre o
mundo com seus megacultos milagrosos. “Com a crise financeira, as igrejas
neopentecostais estão tendo de se reinventar para entregar resultados”, afirma
Rodrigo Sousa. No que depender da criatividade de Duque, a Igreja Apostólica
Plenitude do Trono de Deus pode superar limites.
*Nota da redação: A Igreja
Internacional Plenitude de Deus não tem vínculos com a Igreja Apostólica
Plenitude do Trono de Deus.
O artigo original poderá ser
visto por meio do seguinte link:
Que Deus tenha misericórdia de
todos.
Alexandros Meimaridis
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Desde já agradecemos a todos.
Boa tarde Pastor Alex.
ResponderExcluirPalavra de Deus diz que nada que está em oculto, que não virá para luz.
Esses enganadores e ladrões cumprem o que está na palavra deDeus, que nos últimos dias haveriam LOBOS, para enganar, roubar de pessoas que nem ao menos verificaram quais são essas pessoas.
É muito triste o que ocorre nas "igrejas" praticamente o mundo está nela.
Que formação tem Agenor Duque e esse outro trouxa que está do lado dele, para juntos liderarem pessoas?
Sabe que isto me lembra: um caminhão QUE VAI POR UMA ESTRADA, carregando frangos, que nem sabem de seu destino, mas que vão para o matadouro.
O estado da igreja reflete os dias finais que vivemo.
Grande abraço Pastor.
Não precisa ser muito talentoso para enganar um povo ignorante.
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