Christina Vital da Cunha no
lançamento do livro Oração de Traficante (Foto: Divulgação).
O artigo abaixo foi publicado pelo
site G1 e é de autoria de Gabriel Barreira
Relação do tráfico no Rio com igrejas evangélicas em
favelas é tema de livro.
Autora cita templos que rejeitam e
que aceitam 'salvação' de criminosos.
'Alguns pastores apresentavam a
alternativa de salvação moral', relata.
Por Gabriel Barreira
O livro "Oração de
Traficante" se propõe a discutir um tema polêmico e inédito: o crescimento
das igrejas evangélicas nas periferias do Rio, chegando às associações de
moradores e, finalmente, ao tráfico de drogas. A obra é da pesquisadora e
professora adjunta do Departamento de Sociologia na Universidade Federal
Fluminense (UFF) Christina Vital da Cunha e foi lançada em novembro do ano
passado.
A tese de doutorado foi financiada e
publicada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
(Faperj). Nela, a autora mostra a resistência de certos templos pentecostais,
nos quais a conversão dos criminosos era tida como imoral. Mas mostra também o
outro lado: como traficantes aderiram à religião e financiaram eventos
religiosos nas comunidades — distribuindo dinheiro através do dízimo.
Com idas a Acari, no Subúrbio, entre
1996 e 2009 e ao Santa Marta, em Botafogo, Zona Sul, entre 2005 e 2009 a
doutora chegou a testemunhar a "salvação" através da fé. Mas diz que
a saída não é fácil e vê uma relação conturbada entre a religião e o crime.
Confira trechos da entrevista com a
autora Christina Vital da Cunha:
MUNDO
EVANGÉLICO X MUNDO DO TRÁFICO
Christina: Os evangélicos, sobretudo
os pentecostais, pensam o mundo como uma guerra espiritual. A partir desta
batalha, existe uma correspondência entre os mundos [do tráfico e da igreja].
REJEIÇÃO
DE EVANGÉLICOS AO MUNDO DO TRÁFICO
Christina: Havia evangélicos que
negavam [rejeitavam] essa proximidade com o tráfico, dizendo que [os
traficantes] poluíam moralmente os 'verdadeiros evangélicos'. No termo nativo, era
um 'mau testemunho' que estes cristãos estavam dando. Há tensionamentos nesta
equação. Há os que aderem e os que refutam, não há um consenso sobre isso.
Embora seja complexo, de algum modo punha em risco a moral ilibada dos
evangélicos.
A
'SALVAÇÃO'
Christina: Alguns pastores
apresentavam a alternativa de salvação moral, de [os traficantes] se renovarem,
deixarem de carregar o estigma do criminoso e se tornar uma pessoa de bem.
Muitos deles [traficantes] fizeram esta passagem, mas muitos deles que entrevistei
em 2009 não conseguiram sair. Não conseguiram por [conta de] um estilo de vida,
pela atração dos ganhos proporcionados. É importante frisar como as pessoas têm
medo desta passagem. Em termos sociais, [os traficantes] emergem como inimigo
número um da sociedade. De alguma maneira, se sentem muito protegidos naquele
enclausuramento que é a favela. Muitos deles têm muito dinheiro, postos de
gasolina, fazendas.
FINANCIAMENTO
PARA SAIR DO CRIME
Christina: Os traficantes passam a
financiar cultos ao ar livre, pagar artistas de projeção nacional para irem
fazer show gospel na favela. Pagavam dízimo às igrejas. Houve cultos de graça,
existia engajamento dos traficantes com igrejas evangélicas locais. Operavam
com a expectativa de sair a qualquer momento da vida do crime e os evangélicos
ajudaram muitos traficantes.
ASSOCIAÇÃO
DE MORADORES
Christina: Acompanhei como as
lideranças de associações de moradores começaram a ter um perfil evangélico.
Todos os líderes de associação em Acari nos anos 2000 eram ligados a Igrejas
Evangélicas e tinham 'empoderamento' dos evangélicos no local, com a ocupação
de lugares políticos. Embora seja controverso, houve o 'empoderamento' dos
evangélicos com os traficantes. [Mas] Os evangélicos não cresceram porque os
traficantes se aproximaram.
SISTEMA
DE PUNIÇÃO 'PACIFICADO'
Christina: O modo de vida nas favelas
é sempre tenso. Há muito espaço de afetividade, de troca intensa, mas é um
ambiente tenso. Antes não tinha 'desenrolo', era logo morte, quando pegavam
alguém usando crack em Acari, por exemplo. [Mas] Como alguns chefes do tráfico
viviam a proximidade dos evangélicos, houve a 'pacificação' de traficantes, era
o que eles diziam: iam à casa do familiar do usuário e diziam que não poderia
fazer isso. Correspondia a um comportamento que não era esse de irromper a
violência.
CRESCIMENTO
EVANGÉLICO X QUEDA CATÓLICA
Christina: A partir dos anos 2000, a
Igreja Católica começa a se redistribuir nas periferias. O padre que assumiu a
paróquia de Acari era um padre midiático, fez o casamento do Luciano Huck com a
Angélica. Era uma estratégia da Igreja Católica. Outra dinâmica era o
retraimento de casas de umbanda e terreiros nas favelas. No Santa Marta, que
era marcado por uma força católica, os festejos locais católicos começam a
perder força e os evangélicos começam a ganhar mais espaço. A partir daí,
comecei a entender as dinâmicas relacionadas a crime, religião e sociabilidade.
ATRAÇÃO
PELO DINHEIRO
Christina: A teologia da
prosperidade, por exemplo, é outra correspondência dos dois mundos. Os
traficantes gostam de dinheiro e atuam na vida do crime, onde rola muito
dinheiro. E os evangélicos não negam o dinheiro. Então, a passagem da vida do
crime para a vida moral não implica abrir mão do que conseguiu. Todo aquele
dinheiro vai ser purificado. O mundo é uma batalha, mas, por outro lado, não
precisa se recusar o dinheiro. No catolicismo, a gente não deve buscar bens na
terra e deve privilegiar coisas no céu. Os evangélicos dizem: não, aqui também.
Mostrar o dinheiro é uma forma de mostrar a graça de Deus na vida.
INTOLERÂNCIA
RELIGIOSA
Christina: Há contextos em que
traficantes expulsaram religiosos de matriz africana de certas localidades.
Agora, na maior parte das favelas em que você tem relação dos traficantes com
universo evangélico não aconteceu isso. Não aconteceu, mas religiosos de matriz
africana são muito desprestigiados e vitimizados por intolerância religiosa não
pelo tráfico, mas por muitos moradores evangélicos. Há uma identificação de que
esses religiosos são moralmente inferiores e ligados ao mal. A intolerância
religiosa é praticada, muitas vezes, não pelos traficantes, mas pelo coletivo.
O artigo original poderá ser visto
por meio do seguinte link:
Que Deus abençoe a todos.
Alexandros Meimaridis
PS. Pedimos a todos os nossos leitores que puderem que
“curtam” nossa página no Facebook através do seguinte link:
Desde já agradecemos a todos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário