Assim que iniciei meu curso de jornalismo
tomei conhecimento da existência duma matéria chamada Semiótica, por meio da
leitura dum livro de Umberto Eco, intitulado: A Estrutura Ausente.[1] A
semiótica é assim definida pelo dicionário Dicio on line: s.f. Ciência que
analisa todos os sistemas de comunicação presentes numa sociedade. Teoria de
representação que, criada por Charles S. Pierce[2],
considera os signos em seus modos de representações e de manifestações. Quinze
anos após aquele início no curso de jornalismo, Joseph Campbel nos ajudou a
entender a força das imagens e o que representam em sua obra clássica The Power of MythI.[3]
Nesses últimos dias tive minha
atenção chamada pelo brilhante artigo escrito pelo Dr. Wilson Roberto Vieira
Ferreira no qual analisa as mudanças realizadas no logo do governo federal pelo
presidente interino Michel Temer. Segue o artigo:
Semiótica
revela anomalias no logo do governo Temer
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Discursos podem mentir, mas as
imagens não. Talvez porque a linguagem visual esteja próxima da lógica dos
sonhos, ela pode revelar atos falhos e sintomas por trás dos simbolismos
políticos e ideológicos. A marca visual criada pelo “novo” governo Temer pelo
marqueteiro Elsinho Mouco obviamente é dominada por alusões aos simbolismos da
bandeira nacional. Mas no meio do azul, verde, amarelo e branco saltam atos
falhos análogos aos sintomas da psicanálise: estranhos domínios de cores,
degradês e sólidos geométricos que, comparando as sucessivas marcas de governos
anteriores, de Collor a Dilma, tornam-se “anomalias”. Quando a propaganda
política dá o salto para convencer corações e mentes pode cair e quebrar o
pescoço, revelando as verdadeiras intenções escondidas pelos símbolos.
Discursos e documentos políticos
são repletos de tergiversações, eufemismos, camadas e mais camadas de retórica
que escondem as verdadeiras intenções. O que torna a linguagem verbal opaca e
de difícil interpretação ou desconstrução.
Ao contrário, produtos
audiovisuais e imagens deixam transparecer atos falhos, índices, pistas que se
revelam verdadeiros sintomas que podem traduzir o espírito do seu tempo.
Talvez porque as imagens
trabalham com a mesma lógica dos sonhos: metáforas e metonímias ou “condensações
e deslocamentos”, como Freud descrevia na sua interpretação dos sonhos. Qualquer imagem (de fotografias ou pinturas
até logotipos ou imagens publicitárias) opera por essa lógica onírica para
conquistar corações e mentes. E nesse salto de propaganda para seduzir e
convencer pode cair e quebrar o pescoço, deixando revelar atos falhos onde são
reveladas as verdadeiras intenções.
Como toda peça de propaganda
política, a marca ou identidade visual do “novo” governo do vice — agora-presidente-interino
— em exercício, Michel Temer, idealizada pelo marqueteiro Elsinho Mouco também
nos mostra essa dupla lógica da imagem: quer ser uma metáfora, um símbolo de
uma plataforma política. Mas também revela sintomas, deslocamentos metonímicos,
atos falhos que demonstram intenções mais profundas – aquilo que o discurso
político sempre quer esconder.
Por que o verde
desapareceu?
Como simbolismo, a marca criada
por Mouco trabalha com elementos da bandeira nacional como o círculo celeste e
a faixa com o lema “ordem e progresso”. Como propaganda política, quer
evidentemente transferir a dignidade dos simbolismos republicanos para um novo
governo tornando suas intenções mais “nobres e legitimas”. Assim como todas as
outras marcas dos governos que antecederam, de Collor a Dilma.
Duas coisas chamam inicialmente a
atenção: primeiro, o desaparecimento da cor verde (limitada à letra do lema
“ordem e progresso”) pela primeira vez no histórico das marcas dos sucessivos
governos que sempre contemplaram todas as cores da bandeira nacional de forma
equilibrada – como podemos observar na série abaixo; e segundo, o domínio na
composição da cor azul em degradê e do círculo celeste transformado em sólido
geométrico que parece pairar muito próximo sobre a palavra “BRASIL” desenhada
em extrusão (convertido de 2D para 3D), em perspectiva como se estivesse
colocada em uma superfície sobre a qual paira o sólido.
Acima: governos Collor e Itamar
Franco; no centro, governo FHC; abaixo governos Lula e Dilma
O interessante na percepção em
semiótica são as chamadas “dominantes” seja de cor, textura, forma. Nesse caso
temos a dominante da cor azul em degradê. Por que esse desequilíbrio na
aplicação das cores da bandeira nacional olhando a série histórica das marcas?
Estamos diante de um sintoma?
No simbolismo das cores o azul é
a cor masculina – e ainda no contraste com o branco passaria os significados de
“inteligência”, “racionalidade” e “concentração”, significados que no âmbito do
senso comum seriam qualidades exclusivamente masculinas, contrastando com a
“emotividade” feminina – leia HELLER, Eva, Psicologia das Cores, GG Brasil,
2012.
A nostalgia
retro-futurista
Muitos analistas veem no
ministério formado por Temer um retrocesso – eminentemente masculino, branco e
rico, num país marcado pela diversidade étnica. Coincidência ou sintoma? O
processo criativo da marca inconscientemente expressou essa realidade?
Mas se a cor em si é um
simbolismo, o degradê é uma metonímia: dá uma aspecto 3D a dimensão plana onde
repousam as palavras “Brasil Governo Federal” e confere volume à esfera azul.
Se o azul expressaria um “retrocesso” (masculinização e homogeneidade étnica),
esse efeito em 3D lembra outra coisa antiga: a estética “platinada”, metálica e
artificial de Hans Donner.
A primeira impressão que se tem
quando bate os olhos na marca é a velha identidade da TV Globo que marcou a
emissora por décadas criada pelo designer austríaco nos anos 1970: mulheres
metálicas e sólidos geométricos voando em círculos no vazio onde o efeito em
degrade dava um aspecto de maior profundidade para o movimento das formas.
Nos anos 1970 os movimentos
futuristas de esferas, cones e pirâmides na seminal computação gráfica das
vinhetas criadas por Hans Donner dava uma atmosfera de “modernidade” para uma
nova classe média que surgia no chamado “Brasil Grande” no Milagre Econômico da
Ditadura Militar.
O retro-futurismo de Hans Donner
Depois de décadas esse
retro-futurismo tornou-se tão brega que a própria TV Globo abandonou a
identidade visual space opera de Donner adotando uma estética mais “orgânica”:
logos com desenhos em contornos estilo “hand shop”, bancadas e cenários dos
programas abandonando o visual espaçonave para adotar pisos que simulam tábuas
de madeira e uma paleta de cores sem mais o brilho metálico.
A classe média já não era mais a
mesma dos anos 1970, mas agora a da Classe C com novos hábitos de consumo
representado pelo “funk ostentação”.
As próprias marcas oficiais dos
governos Lula e Dilma participaram dessa mudança visual quando adotaram uma
paleta de cores pastéis com uma variedade cromática que ia além das cores da
bandeira nacional para expressar a variedade étnica do País.
A marca que já nasceu
velha
Ato falho no processo criativo de
Elsinho Mouco? Uma identidade visual que já nasceu velha assim como o “novo”
governo?
O logotipo parece dialogar com as
pessoas que compartilham dessa mesma linguagem ultrapassada: aquelas que
cresceram nas décadas de hegemonia global cuja visão de mundo foi moldada até
hoje pelos telejornais. Mais do que isso, uma geração cuja mentalidade é
formada pela tradicional mídia de massas. Bem diferente das novas gerações que
abandonam a TV para trocá-las pelas mídias de convergência – smartphones,
tablets e lap tops.
Temer dialoga com essa velha
geração que quer ver novamente o País ser colocado nos trilhos dos quais jamais
deveria ter saído – do neodesenvolvimentismo da era Lula para o desenvolvimento
neoliberal de dependência externa. Da frigideira para cair no fogo.
Mas o que talvez seja mais
perturbador na identidade visual de Elsinho Mouco é que diante de tantos
sintomas e atos falhos talvez possa também expressar uma sinistra profecia: o
lema de origem positivista “Ordem e Progresso” (da filosofia do Positivismo do
século XIX de Augusto Comte até a influência na alta oficialidade do Exército
Brasileiro no movimento Republicano) pairando sobre a palavra “Brasil”: para
haver progresso é necessário haver ordem – uma ideologia de péssimas lembranças
como a Ditadura Militar onde era necessário haver ordem a qualquer preço, mesmo
que para isso fosse necessária a repressão violenta, perseguição e tortura.
A esfera (elemento visualmente pesado)
paira sobre um bloco visualmente mais leve (as palavras “Brasil Governo
Federal) em 3D fino como folha de papel. Além de subverter uma técnica Gestalt
em comunicação visual (as formas mais “pesadas” ficam abaixo para ser base das
formas mais leves) passa a ideia de uma bola de ferro “esmagando” ou
“oprimindo”.
E ainda dentro do estilo
retro-futurismo da marca do “novo” Governo, as palavras “Brasil Governo
Federal” em perspectiva cria a imediata associação metonímica com os créditos
iniciais da velha trilogia Star Wars. Mais um ato falho? A marca do “Império do
Mal” e Temer o novo Darth Vader?
O artigo original poderá ser
visto por meio desse link aqui:
Que Deus abençoe a todos.
Alexandros Meimaridis
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