segunda-feira, 23 de maio de 2016

A SEMIÓTICA E O NOVO LOGO DO GOVERNO FEDERAL DE TEMER


Assim que iniciei meu curso de jornalismo tomei conhecimento da existência duma matéria chamada Semiótica, por meio da leitura dum livro de Umberto Eco, intitulado: A Estrutura Ausente.[1] A semiótica é assim definida pelo dicionário Dicio on line: s.f. Ciência que analisa todos os sistemas de comunicação presentes numa sociedade. Teoria de representação que, criada por Charles S. Pierce[2], considera os signos em seus modos de representações e de manifestações. Quinze anos após aquele início no curso de jornalismo, Joseph Campbel nos ajudou a entender a força das imagens e o que representam em sua obra clássica The Power of MythI.[3]



Nesses últimos dias tive minha atenção chamada pelo brilhante artigo escrito pelo Dr. Wilson Roberto Vieira Ferreira no qual analisa as mudanças realizadas no logo do governo federal pelo presidente interino Michel Temer. Segue o artigo:

Semiótica revela anomalias no logo do governo Temer
 Wilson Roberto Vieira Ferreira

Discursos podem mentir, mas as imagens não. Talvez porque a linguagem visual esteja próxima da lógica dos sonhos, ela pode revelar atos falhos e sintomas por trás dos simbolismos políticos e ideológicos. A marca visual criada pelo “novo” governo Temer pelo marqueteiro Elsinho Mouco obviamente é dominada por alusões aos simbolismos da bandeira nacional. Mas no meio do azul, verde, amarelo e branco saltam atos falhos análogos aos sintomas da psicanálise: estranhos domínios de cores, degradês e sólidos geométricos que, comparando as sucessivas marcas de governos anteriores, de Collor a Dilma, tornam-se “anomalias”. Quando a propaganda política dá o salto para convencer corações e mentes pode cair e quebrar o pescoço, revelando as verdadeiras intenções escondidas pelos símbolos.

Discursos e documentos políticos são repletos de tergiversações, eufemismos, camadas e mais camadas de retórica que escondem as verdadeiras intenções. O que torna a linguagem verbal opaca e de difícil interpretação ou desconstrução.

Ao contrário, produtos audiovisuais e imagens deixam transparecer atos falhos, índices, pistas que se revelam verdadeiros sintomas que podem traduzir o espírito do seu tempo.
Talvez porque as imagens trabalham com a mesma lógica dos sonhos: metáforas e metonímias ou “condensações e deslocamentos”, como Freud descrevia na sua interpretação dos sonhos.  Qualquer imagem (de fotografias ou pinturas até logotipos ou imagens publicitárias) opera por essa lógica onírica para conquistar corações e mentes. E nesse salto de propaganda para seduzir e convencer pode cair e quebrar o pescoço, deixando revelar atos falhos onde são reveladas as verdadeiras intenções.

Como toda peça de propaganda política, a marca ou identidade visual do “novo” governo do vice — agora-presidente-interino — em exercício, Michel Temer, idealizada pelo marqueteiro Elsinho Mouco também nos mostra essa dupla lógica da imagem: quer ser uma metáfora, um símbolo de uma plataforma política. Mas também revela sintomas, deslocamentos metonímicos, atos falhos que demonstram intenções mais profundas – aquilo que o discurso político sempre quer esconder.


Por que o verde desapareceu?

Como simbolismo, a marca criada por Mouco trabalha com elementos da bandeira nacional como o círculo celeste e a faixa com o lema “ordem e progresso”. Como propaganda política, quer evidentemente transferir a dignidade dos simbolismos republicanos para um novo governo tornando suas intenções mais “nobres e legitimas”. Assim como todas as outras marcas dos governos que antecederam, de Collor a Dilma.

Duas coisas chamam inicialmente a atenção: primeiro, o desaparecimento da cor verde (limitada à letra do lema “ordem e progresso”) pela primeira vez no histórico das marcas dos sucessivos governos que sempre contemplaram todas as cores da bandeira nacional de forma equilibrada – como podemos observar na série abaixo; e segundo, o domínio na composição da cor azul em degradê e do círculo celeste transformado em sólido geométrico que parece pairar muito próximo sobre a palavra “BRASIL” desenhada em extrusão (convertido de 2D para 3D), em perspectiva como se estivesse colocada em uma superfície sobre a qual paira o sólido.


Acima: governos Collor e Itamar Franco; no centro, governo FHC; abaixo governos Lula e Dilma

O interessante na percepção em semiótica são as chamadas “dominantes” seja de cor, textura, forma. Nesse caso temos a dominante da cor azul em degradê. Por que esse desequilíbrio na aplicação das cores da bandeira nacional olhando a série histórica das marcas? Estamos diante de um sintoma?

No simbolismo das cores o azul é a cor masculina – e ainda no contraste com o branco passaria os significados de “inteligência”, “racionalidade” e “concentração”, significados que no âmbito do senso comum seriam qualidades exclusivamente masculinas, contrastando com a “emotividade” feminina – leia HELLER, Eva, Psicologia das Cores, GG Brasil, 2012.

A nostalgia retro-futurista

Muitos analistas veem no ministério formado por Temer um retrocesso – eminentemente masculino, branco e rico, num país marcado pela diversidade étnica. Coincidência ou sintoma? O processo criativo da marca inconscientemente expressou essa realidade?

Mas se a cor em si é um simbolismo, o degradê é uma metonímia: dá uma aspecto 3D a dimensão plana onde repousam as palavras “Brasil Governo Federal” e confere volume à esfera azul. Se o azul expressaria um “retrocesso” (masculinização e homogeneidade étnica), esse efeito em 3D lembra outra coisa antiga: a estética “platinada”, metálica e artificial de Hans Donner.

A primeira impressão que se tem quando bate os olhos na marca é a velha identidade da TV Globo que marcou a emissora por décadas criada pelo designer austríaco nos anos 1970: mulheres metálicas e sólidos geométricos voando em círculos no vazio onde o efeito em degrade dava um aspecto de maior profundidade para o movimento das formas.

Nos anos 1970 os movimentos futuristas de esferas, cones e pirâmides na seminal computação gráfica das vinhetas criadas por Hans Donner dava uma atmosfera de “modernidade” para uma nova classe média que surgia no chamado “Brasil Grande” no Milagre Econômico da Ditadura Militar. 

O retro-futurismo de Hans Donner


Depois de décadas esse retro-futurismo tornou-se tão brega que a própria TV Globo abandonou a identidade visual space opera de Donner adotando uma estética mais “orgânica”: logos com desenhos em contornos estilo “hand shop”, bancadas e cenários dos programas abandonando o visual espaçonave para adotar pisos que simulam tábuas de madeira e uma paleta de cores sem mais o brilho metálico.

A classe média já não era mais a mesma dos anos 1970, mas agora a da Classe C com novos hábitos de consumo representado pelo “funk ostentação”.

As próprias marcas oficiais dos governos Lula e Dilma participaram dessa mudança visual quando adotaram uma paleta de cores pastéis com uma variedade cromática que ia além das cores da bandeira nacional para expressar a variedade étnica do País.

A marca que já nasceu velha

Ato falho no processo criativo de Elsinho Mouco? Uma identidade visual que já nasceu velha assim como o “novo” governo?

O logotipo parece dialogar com as pessoas que compartilham dessa mesma linguagem ultrapassada: aquelas que cresceram nas décadas de hegemonia global cuja visão de mundo foi moldada até hoje pelos telejornais. Mais do que isso, uma geração cuja mentalidade é formada pela tradicional mídia de massas. Bem diferente das novas gerações que abandonam a TV para trocá-las pelas mídias de convergência – smartphones, tablets e lap tops.

Temer dialoga com essa velha geração que quer ver novamente o País ser colocado nos trilhos dos quais jamais deveria ter saído – do neodesenvolvimentismo da era Lula para o desenvolvimento neoliberal de dependência externa. Da frigideira para cair no fogo.


Mas o que talvez seja mais perturbador na identidade visual de Elsinho Mouco é que diante de tantos sintomas e atos falhos talvez possa também expressar uma sinistra profecia: o lema de origem positivista “Ordem e Progresso” (da filosofia do Positivismo do século XIX de Augusto Comte até a influência na alta oficialidade do Exército Brasileiro no movimento Republicano) pairando sobre a palavra “Brasil”: para haver progresso é necessário haver ordem – uma ideologia de péssimas lembranças como a Ditadura Militar onde era necessário haver ordem a qualquer preço, mesmo que para isso fosse necessária a repressão violenta, perseguição e tortura.

A esfera (elemento visualmente pesado) paira sobre um bloco visualmente mais leve (as palavras “Brasil Governo Federal) em 3D fino como folha de papel. Além de subverter uma técnica Gestalt em comunicação visual (as formas mais “pesadas” ficam abaixo para ser base das formas mais leves) passa a ideia de uma bola de ferro “esmagando” ou “oprimindo”.

E ainda dentro do estilo retro-futurismo da marca do “novo” Governo, as palavras “Brasil Governo Federal” em perspectiva cria a imediata associação metonímica com os créditos iniciais da velha trilogia Star Wars. Mais um ato falho? A marca do “Império do Mal” e Temer o novo Darth Vader?

O artigo original poderá ser visto por meio desse link aqui:


Que Deus abençoe a todos.

Alexandros Meimaridis

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Desde já agradecemos a todos.


[1] Eco, Umberto. A Estrutura AusenteEditora Perspectiva, São Paulo, 7ª impressão - 4ª reimpressão, 2013.

[2]  Peirce, Charles S. Semiótica. Editora Perspectiva, São Paulo, 4ª impressão - 2ª reimpressão, 2015.

[3] Campbel, Joseph and Moyers, Bill.  The Power of Myth. Doubleday, Garden Grove, 1988.

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