O excelente texto abaixo é de
autoria do professor Dr. Wilson Roberto Vieira Ferreira. Nele o leitor
encontrará uma análise precisa do atual estágio de egotismo experimentado tanto
pelo candidato João Dória, como também pelos paulistanos que o elegeram. Hoje
estamos assumindo que o coletivo não é o mais importante e sim o indivíduo. Tal
mudança de comportamento afaga o ego do indivíduo, colocando-o no centro de
tudo. Não é necessário nenhum tipo de brilhantismo para perceber que estamos
caminhando para um enorme desastre.
Com
Doria Jr. mídia não quer mais intermediários
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Desde a chamada “crise hídrica”,
o Estado de São Paulo é o laboratório de testes para tudo aquilo que espera o
restante do País para o futuro. Lá, foi a engenharia de opinião pública para
demonstrar que a água é um bem escasso e que, portanto, deve ser regulado pelo
mercado como uma mercadoria qualquer. E o Parque Victor Civita na cidade de São
Paulo foi o seu showroom. Agora, o teste bem sucedido do primeiro
“gestor-midiático” vitorioso nas eleições municipais de São Paulo. João Doria
Jr. representa a impaciência da grande mídia em cumprir sua agenda: chega de
intermediários! Políticos tradicionais, com a sua melodramática “mise-en-scène
teatral”, não têm timing midiático. Doria Jr. é o novo espécime da
transpolítica futura: egresso do mundo da mídia e publicidade, aquele que nega
a si mesmo como político. Assim como aquela campanha publicitária de um banco
que foi adquirido pelo Itaú: “nem parece banco...”. Enquanto isso, as esquerdas
lamentam mais uma “revolução traída”.
Assim como o Deserto de Nevada,
nos EUA, foi a área de provas dos testes das bombas nucleares, o Estado de São
Paulo é o laboratório de testes de preparação do “brave new world” que espera o
restante do País para o futuro. Testes com duas bombas: a da água e, agora, a
do “gestor midiático”.
Tudo começou com a chamada “crise
hídrica”, teste de vanguarda para, sob o álibi do discurso “verde” (alterações
climáticas, aquecimento global etc.), sucatear deliberadamente o sistema
público de produção e distribuição de água, tornando escasso um bem universal
(assim como educação e saúde) para ser entregue à regulação do mercado como
simples mercadoria.
E a Praça Victor Civita, na
cidade de São Paulo (entre a decadente editora Abril e o fétido Rio Pinheiros)
foi o showroom dessa nova ordem da “sustentabilidade sustentável” com a
estética da escassez do lixo reciclado – a convergência do ambientalismo com o
hiperliberalismo da mercantilização generalizada sob a chantagem da crise
econômica e da catástrofe ecológica – para ler mais sobre isso siga o link
abaixo:
Com a vitória acachapante do
candidato João Doria Jr. à prefeitura de São Paulo já no primeiro turno,
confirma-se a agenda desse vanguardismo paulista, já antecipada por este
Cinegnose no ano passado: a vitória eleitoral, para um cargo executivo, de um
personagem midiático, egresso do mundo da publicidade, lobby e programas
televisivos, cuja imagem é não mais de um “político”, mas de um “gestor” –
sobre a sinistra profecia do Cinegnose veja o link abaixo:
A engenharia de opinião
pública da "crise hídrica"
Uma eleição onde outros dois
candidatos também acumulavam capital midiático-televisivo: Celso Russomano,
suposto defensor dos direitos do consumidor em programas como o sensacionalista
Aqui e Agora do SBT, e Marta Suplicy cujo start up da carreira política foi em
um quadro onde apresentava-se como sexóloga no antigo programa TV Mulher da TV
Globo nos anos 1980.
Para quê
intermediários?
Depois de um trabalho diário do
complexo judiciário-midiático em não só destruir o PT, mas em desconstruir a
própria Política e a figura do político, a grande mídia realiza o sonho de
mandar às favas os intermediários – para quê ter que levar à reboque os
políticos, roteirizando e turbinando suas pautas, se as próprios produtos
televisivas podem assumir o protagonismo das ações?
Até aqui a grande mídia tem
realizado um trabalho hercúleo de alavancar políticos canastrões com expressões
tão confiáveis como a de um vendedor de carros usados. Desajeitados diante de
câmeras e teleprompters, excessivamente vaidosos diante da presença de repórteres,
boquirrotos, desajeitadamente empolados. E alguns com um português parnasiano e
cheio de mesóclises.
Grande mídia quer se
livrar dos seus intermediários canastrões e boquirrotos
O “proto-coxinha”
Que a Política é tributária da
cena teatral, não é novidade na Ciência Política. A novidade é que o
laboratório dessas eleições municipais revelaram é que a mise-en-scène teatral
será substituída pelo timing midiático – um discurso em primeira pessoa, destinado
não para o público, mas para VOCÊ! O apelo não mais para um receptor enquanto
público (o enfadonho discurso de “políticas públicas”, “ideologias” e
“programas”), mas para um receptor pensado como “proto-coxinha”: individualista
e sedento por modelos bem sucedidos de self made man.
O sucesso desse primeiro espécime
gestor-midiático testado no laboratório paulistano revela o discurso voltado
para o indivíduo e não mais para o coletivo. O discurso de Dória desceu para as
profundezas da psicologia coletiva, foi além dos chamados “coxinhas” – esses
são bem sucedidos e, como ele, dependentes das gordas verbas públicas
provenientes da Política que tanto supostamente rejeitam.
O timing midiático de Dória
encontrou um tipo-ideal ainda mais insidioso e volátil: o “proto-coxinha”: o
ressentido de não ter aquilo que acha que merece, em busca de modelos de
sucesso, campeões da meritocracia. Em síntese, o protótipo do Estado
“locomotiva da nação”, aquele que acredita no sucesso e não em qualidade de
vida – crê que a sua fortuna pessoal viria de si mesmo e não de uma política
pública ou qualquer tipo de projeto coletivo ou política pública.
Mas ironicamente para realizar
esse projeto de criar o primeiro gestor-midiático na política, a grande mídia
teve que primeiro servir-se dos políticos tradicionais para a desconstrução da
própria política. Isso foi necessário para criar uma onda despolitizadora
perfeita para que o gestor-midiático surfasse em um tsunami anti-política.
Doria Jr. e o
“zeitgeist”
Por isso, os números das eleições
municipais que apontam votos brancos, nulos e abstenções superior aos votos do
primeiro colocado João Dória Jr. (1/3 do eleitorado se recusou a votar) não
surpreende.
Por isso o discurso do
gestor-midiático Dória Jr. foi perfeito para capturar o zeitgeist do momento:
pouco falou em políticas metropolitanas ou práticas modernas das grandes
capitais do mundo. Pensando nas funções da linguagem, seu discurso foi apenas
fático e conativo – colcha de retalhos de slogans como “acelera São Paulo” (o
apelo fático para apenas manter contato, assim como o singelo “alô” telefônico)
e o apelo não ao coletivo (nós ou vocês), mas ao individual (VOCÊ!) – VOCÊ!
Vítima da “indústria da multa”, dos “petralhas”, do “IPTU”, da “gestão
ineficiente” e assim por diante.
Enquanto o político tradicional,
imerso no seu papel da mise-en-scène teatral, tenta ser messiânico ou épico
(apela para a “Nação”, o “Povo”, a “Pátria”, o “cidadão”), o gestor-midiático
fala para o indivíduo, seja pensado como consumidor (Russomano) ou como vítima
de gestores ineficientes – Doria Jr.
Com o gestor-midiático finalmente
a mídia consegue colocar um “político” em sintonia com a sua própria linguagem
apelativa em segunda pessoa (“TU”, “VOCÊ”), essência da linguagem dos meio
televisivo. Afinal, o que é o teleprompter? Senão a simulação da intimidade, da
conversa olho no olho, escondendo o fato de que o emissor fala para alguém
ausente.
Toda revolução será
traída
Mas também a bem sucedida
experiência com o novo espécime midiático João Dória Jr. revela que todas
revoluções foram, desde o início, revoluções traídas: síndrome que
historicamente as esquerdas não conseguem superar.
É irônico vermos o indiciamento
do ex-ministro das Comunicações Paulo Bernardo e a prisão do ex-ministro
Antônio Palocci pela Operação Lava Jato na chamada “Operação Boca de Urna” que
turbinou a onda na qual Doria Jr. surfou.
O primeiro, quando teve a
oportunidade de promulgar a Lei dos Meios, optou pela continuidade da
orientação “técnica” e “republicana”.
Enquanto Palocci se esforçava em
agradar os grandes conglomerados de mídia. Talvez achassem que teriam um
lugarzinho na Casa Grande também.
As esquerdas parecem ainda pensar a comunicação
na era da impressão tipográfica. Enquanto a Direita é um produto da era
eletromagnética do rádio e da televisão. Seu despertar foi a estetização da
política através da radiodifusão e do cinema no nazi-fascismo.
Enquanto as esquerdas se orientam
pelos aspectos, por assim dizer, “iluministas” ou “conteudistas” da comunicação
(reflexão, conscientização, pensamento crítico etc., funções referenciais da
comunicação) a Direita compreendeu muito bem a natureza fática e conativa das
comunicações do século XX – atmosferas de opinião, o discurso direto em segunda
pessoa e todo o repertório da canastrice que faz referencia não mais ao teatro
ou ópera bufa (como fazem os políticos tradicionais), mas aos personagens do
cinema e TV. Hitler e Mussolini que o digam.
Doria Jr. e o meme do
Rei do Camarote
Por isso João Doria Jr. é o
resultado dessa bem sucedida estratégia fática de criação de atmosferas de
opinião depois dos últimos anos de incansável guerrilha com bombas semióticas:
em primeiro lugar na mídia tradicional. E depois, nas redes sociais com as
guerrilhas de memes como, por exemplo, o meme do “Gigante” do Luciano Huck e o
meme do “Rei do Camarote” – para ler mais sobre isso siga o link abaixo:
Doria Jr. é a concretização
desses memes “coxinhas” para eleitores “proto-coxinhas”. Huck e o “rei do
camarote” e o empresário Alexander posando ao lado de uma Ferrari para “pegar
gatinhas” são modelos do self made man que lentamente criaram um clima de
opinião para a experiência pioneira paulistana.
O primeiro espécime
gestor-midiático foi a conclusão final desse silogismo memético: com seus
canastríssimos sapatos italianos e
cashmeres jogados sobre os ombros, conseguiu a sintonia perfeita com o clima de
opinião diligentemente criado pela grande mídia.
Enquanto isso, as esquerdas
lamentam mais uma revolução traída.
O artigo original poderá ser
visto por meio do link abaixo:
Que Deus nos salve dessa
monstruosa condição onde o indivíduo, e não Deus, é a medida de todas as
coisas.
Alexandros Meimaridis
PS.
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