O artigo abaixo é do historiados
e cientista político, Roberto Bitencourt da Silva.
Nesse breve artigo o professor
Roberto nos ajuda a entender a união dos chamados evangélicos com os neoliberais.
O mesmo requer de todos uma leitura atenta, reflexão e discussão.
O desmonte do
Brasil-Nação e a sintonia neoliberal-evangélica
ROBERTO BITENCOURT DA SILVA
Lendo o noticiário desse domingo,
tropecei em uma curiosa matéria do Brasil 247 que trata da aproximação do czar
da economia brasileira, o reacionário e entreguista ministro Henrique
Meirelles, com o mundo religioso evangélico. Um fenômeno que não causa surpresa.
A relação entre neoliberalismo —
uma corrente teórico-dogmática abstrata e semirreligiosa, propagada pelas
escolas de economia, fóruns multilaterais e conglomerados de mídia — e seitas
evangélicas é razoavelmente natural. Por outro lado, trata-se de um “casamento”
que elucida, em parte, o desmonte do “Brasil-Nação” (para usar terminologia
cara ao patriota e grande pensador social brasileiro Manoel Bomfim).
A respeito, cumpre observar que
há duas décadas o cientista político estadunidense Samuel Huntington explorou
uma peculiar tese sobre o ordenamento internacional entre os Estados, após o
desmoronamento da guerra fria: a eventualidade de um “choque de civilizações”.
A preocupação maior do autor era,
por óbvio, a defesa dos interesses dos EUA na ordem mundial, a capacidade do
império do Norte de modelar as normas que regem o sistema, bem como as
possibilidades de defesa frente aos desafios erguidos por civilizações
não-ocidentais. Uma obra erudita, mas controversa.
Contudo, apresenta uma temática de
fundo, ressaltando a dimensão cultural nas relações internacionais e nas
políticas domésticas dos países, que me parece instigante do ponto de vista da
questão nacional e para o exercício de reflexão a que se propõe esse texto. A
saber: as civilizações possuem identidades delineadas conforme as suas culturas
e trajetórias, ordenando valores e percepções sobre si mesmas e o mundo.
Baseados em suas trajetórias
civilizatórias, em seus parâmetros éticos, políticos e culturais, os países
tendem a enxergar a si mesmos, reconhecendo linguagens, visões e aspirações
minimamente comuns. Partilham uma gramática e comportamentos mais ou menos
previsíveis, que atravessam suas subculturas nacionais, reconhecendo, pois,
minimamente que seja, o que são, o que querem e não querem enquanto nações.
Nesse sentido, gostemos ou não,
aquilo que se pode chamar de civilização brasileira foi construída, em nossa
formação histórica, a partir de um caldeirão cultural organicista. Isto é, o
todo tende a ser considerado mais importante do que o indivíduo e as partes.
Pode-se dizer que o catolicismo
foi o terreno cultural original, desde a colonização portuguesa. A emergência
política e intelectual do positivismo deu sequência, nas últimas décadas do
século XIX.
Em boa medida, à esquerda, a
partir dos anos 1930, as próprias correntes políticas trabalhista e comunista
no Brasil pagavam tributo ao catolicismo e, em especial, ao positivismo. Não à
toa, Getúlio e Prestes foram seus respectivos ícones. À direita, o integralismo
de Plínio Salgado não deixava de render suas homenagens ao catolicismo. Depois
dos anos 1980, à esquerda, o PT opera(va) com ingredientes da fonte católica.
Não entro em detalhes se a
cosmovisão organicista é boa ou ruim. Isso é demasiadamente subjetivo. Grosso
modo, pode-se alegar que é as duas coisas ao mesmo tempo. Como qualquer outra
visão de mundo.
O que interessa dizer é que o
organicismo é (ou foi) traço fundamental da civilização brasileira, senão mesmo
latino-americana. Influía ou influi no nosso jeito de ser, inclusive no
hibridismo cultural e político, que, evidentemente, nunca deixou de
hierarquizar temas, expressões culturais, aspirações, grupos e classes sociais.
Em todo caso, o organicismo brasileiro é (era) tipificado pela abertura a
alguma margem à tolerância e incorporação da diferença, religiosa, cultural,
política.
Não gratuitamente, o organicismo,
sobretudo em suas matrizes católica e positivista, sempre foi radicalmente
contrário ao liberalismo, em particular ao liberalismo econômico (o “liberismo”,
como definia Norberto Bobbio).
A convergência circunstancial
entre liberalismo e catolicismo, à Lacerda, nos anos 1960, guardou algum êxito,
mas a variável anticomunista é que a cimentava. No regime ditatorial
civil-militar de 1964, o positivismo militar aliou-se ao liberalismo econômico
transnacionalizante. Porém, com o tempo, senão o hegemonizou, equilibrou,
conforme o “comunismo” deixava de servir de preocupação.
Na contramão, o chamado
neoliberalismo e as seitas evangélicas, mormente neopentecostais, são
frutos de outras civilizações, principalmente anglo-saxãs. Dotados de
esquemas de percepção peculiares e que pouca ou nenhuma relação possui com o
organicismo. São expressões intelectuais, culturais e religiosas, por natureza,
individualistas, egóicas. Fundamentalmente: o indivíduo, a parte, tem primazia
sobre o todo.
Oportuno frisar que o crescimento
da influência e da força de incidência cultural e política do neoliberalismo e
das igrejas evangélicas se deu na esteira da crise da dívida externa dos anos
1980 e, particularmente, com a inserção subordinada da economia nacional na
“globalização”. Culturalmente, o resultado tem sido a intensa absorção de
valores anglo-saxões, individualistas, egoístas, os quais Huntington
classifica como “ocidentais”.
Diga-se de passagem, o pensador
norte-americano preconizava a tomada de iniciativas voltadas à
“ocidentalização” da América Latina, à maneira de um “soft power”, de sorte a
melhor proteger os interesses hegemônicos de poder mundial dos Estados Unidos.
Assim, temos a equação formada
por uma subordinação incontrolada do setor produtivo e financeiro brasileiro ao
capitalismo internacional, associada ao dilatado proselitismo (inclusive
televisivo) e recursos financeiros amplos entre as seitas evangélicas.
Poderosas forças econômicas, políticas e culturais de incidência estranhas à
civilização brasileira.
Hoje, vemos o País esfarelar-se
de maneira abjeta. Vê-se a predominância de polêmicas e temas adentrando a
agenda pública, que sequer resvalam nos principais problemas que ameaçam a
Nação. Polêmicas, não raro falsas, promovidas por intolerantes setores
antinacionais, liberalóides e religiosos, que mais obscurecem e embotam as
necessárias discussões sobre os decisivos desafios e dilemas brasileiros.
Não mais sabemos o que somos, o
que queremos. Isso não é gratuito. Qualquer esforço intelectual, cultural, em
nossos dias, de mapeamento, pior ainda de construção, da identidade nacional
brasileira seria um exercício sobremodo hercúleo.
Se não conseguimos mais nos
enxergar compartilhando valores, princípios e linguagens minimamente comuns, é
válido não esquecer ao menos isto: o território brasileiro possui 25% da água
doce do planeta; reservas mineiras e energéticas extraordinárias, sob a cobiça
internacional. Cercado por bases militares estadunidenses (são mais de vinte).
A crise ecológica internacional
da escassez de terras férteis e agricultáveis, de fontes de energia e água potável,
está logo ali se insinuando na esquina do tempo. Se quisermos ter algum futuro
enquanto Nação é preciso lembrar quem e o que somos, procurar identificar o que
queremos, o que é realmente importante, visando nossa defesa e segurança frente
a um mundo instável e ameaçador.
O artigo original poderá ser
acessado por meio do link abaixo
Que Deus abençoe todo o povo
brasileiro.
Alexandros Meimaridis
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