Atenção esse material é parte de uma série e recomenda-se ao leitor ler todas as partes do mesmo para obter o melhor entendimento desse complexo tema. No final de cada estudo o leitor encontrará informações acerca de como acessar as outras partes desse estudo.
As verdades bíblicas que nos ensinam acerca de como Deus planejou ou estabeleceu a salvação na eternidade passada não devem nos conduzir a uma crença que se pareça com a crença em um determinismo duplo e cego do tipo salvação e perdição predeterminadas. Se, por um lado, neste estudo estamos tratando da nossa eleição em Cristo antes da fundação do mundo segundo o eterno propósito de Deus, por outro lado, não estamos tratando de ninguém sendo condenado por toda eternidade antes da fundação do mundo. Nesta questão é bom darmos ouvidos ao conselho dos “divinos1” ou teólogos da Assembléia de Westminster2 quando dizem: “A doutrina deste alto mistério da predestinação deve ser tratada com especial prudência e cuidado”.
A seguir o leitor irá encontrar diversos motivos que procuram justificar a crença na bênção da nossa “eleição em Cristo”, e da impossibilidade da existência de um determinismo duplo e cego, especialmente no que diz respeito à Epístola de Paulo aos Efésios. Para limitarmos o escopo do que queremos dizer, vamos concentrar nossa atenção a essa breve passagem contida em Efésios 1:3—14.
A. Em primeiro lugar devemos destacar o tom das declarações feitas por Paulo quando se refere às ações de Deus. Note que Paulo está louvando e adorando a Deus – verso 3. Não existem em suas palavras segundas intenções especulativas naquilo que ele está dizendo. É Deus mesmo Quem está sendo louvado e não um destino - determinismo ou sistema acima de Deus. Paulo não está sequer louvando um sistema criado pelo próprio Deus. O sistema de causas e efeitos eternos conhecido como “karma3” pertence às religiões originárias da Índia e nada tem a ver com os ensinamentos do Novo Testamento. Conforme podemos ler em Efésios 1:4, Paulo não está preocupado em construir um sistema, para dele derivar conseqüências, nem a eleição mencionada é contrabalançada por uma reprovação ou rejeição correspondentes4 . Não existe nestes versículos de Efésios 1 nenhuma indicação, nenhuma mesmo, da hipótese ou mesmo da possibilidade de uma criação onde uma dupla predestinação contendo salvação e perdição esteja envolvida. Nenhuma idéia de que os homens estejam predestinados a um duplo destino de salvação ou perdição. Também não existe nenhuma idéia de que os astros do firmamento, as estações do ano ou a estrutura psíquica dos seres humanos possuam qualquer papel de intermediação entre Deus e os seres criados. Ver Colossenses 2:16—23 que, aparentemente, descreve uma situação onde as pessoas estavam acreditando que tais coisas tinham algum valor ou efeito sobre nossa relação com o Deus Eterno.
Assim temos que, de acordo com Efésios 1 falar de eleição é falar do próprio Deus e não acerca de forças dominantes ou intervenientes como o “Karma” Indiano ou um determinismo cego, independente da origem. O que Paulo descreve nestes versos é simplesmente uma atitude e um ato da parte de Deus i.e. descreve o grande amor com que Deus nos amou. Existem sim outras passagens que nos apresentam dois gumes, de amor e ódio, como por exemplo, Romanos 9:13 e 18, mas não é este o caso aqui em Efésios!
B. A eleição de seres humanos como apresentada no Novo Testamento não é um entre vários aspectos das disposições ou decisões impessoais de uma divindade sobre as coisas criadas. Pelo contrário, a eleição bíblica é descrita em termos estritamente pessoais. Ela existe exclusivamente para descrever a relação que existe entre o Pai e seus filhos. A eleição é, acima de tudo, uma relação de amor. O Dicionário Teológico do Novo Testamento define o termo grego ἐκλεκτός - eklektós – eleitos, da seguinte maneira:
• ἐκλεκτός - eklektós – eleitos, adjetivo procedente da raiz de ἐκλεγομάι - eklegomái - selecionar, escolher, selecionar ou escolher para si mesmo. É da maior importância notarmos aqui que o verbo ἐκλεγομάι - eklegomái – selecionar ou escolher, encontra-se na voz média no grego do Novo Testamento. A voz média5 no grego expressa uma ação que o sujeito realiza:
1. Em si mesmo – Eu me lavo.
2. Para si mesmo i. e. em seu próprio interesse e benefício – Eu desato para mim.
3. De si mesmo i. e. por iniciativa própria ou confiado em suas próprias forças – Eu prometo.
Os itens 1—3 acima indicam que Deus, ao nos escolher, realizou uma ação de Si mesmo e para Si mesmo o que, por sua vez, serve para nos ensinar que os eleitos não possuem qualquer prerrogativa nem participaram de qualquer forma do processo de eleição.
• Assim, o verbo ἐκλεγομάι - eklegomái - selecionar, escolher, selecionar ou escolher para si mesmo possui os seguintes significados de acordo como o Dicionário Teológico do Novo Testamento: ἐκλεγομάι - eklegomái voz média da combinação da preposição primária ἐκ - ek ou εξ - ex, que denota a origem ou ponto de onde uma ação ou movimento procedem + o verbo λέγω - lego – dizer ou falar. Assim temos:
1) Selecionar, escolher, selecionar ou escolher para si mesmo.
1a) Escolher entre muitos, como Jesus que escolheu seus discípulos.
1b) Escolher alguém para um ofício.
1c) De Deus que escolhe quem ele julga adequado de receber seus favores e separa do resto da humanidade para ser peculiarmente seu e para ser assistido continuamente pela sua graciosa supervisão, como, por exemplo, os israelitas.
1d) De Deus Pai que escolhe os cristãos como aqueles que ele separa da multidão sem religião como seus amados, aos quais transformou, através da fé em Cristo, em cidadãos do reino Messiânico – ver Tiago 2:5. Dessa forma, o critério de escolha arraiga-se unicamente em Cristo e seus méritos.
• Assim, o termo ἐκλεκτός - eklektós – eleitos possui os seguintes significados:
1) Selecionado, escolhido.
1a) Escolhido por Deus para obter salvação em Cristo.
1a1a) Cristãos são chamados de "escolhidos ou eleitos" de Deus.
1a2) O Messias é chamado "eleito", designado por Deus para o mais exaltado ofício concebível.
1a3) Escolha, seleção, i.e. o melhor do seu tipo ou classe, excelência preeminente: aplicado a certos indivíduos cristãos quando eleitos por votação da comunidade cristã.
De todas as referências onde o termo ἐκλεκτός - eklektós – eleitos ocorre no Novo Testamento – ver tabela abaixo - existe uma única vez em que o mesmo não é usado para se referir a seres humanos e sim aos anjos – ver 1 Timóteo 5:21. Já o verbo ἐκλεγομάι - eklegomái - selecionar, escolher, selecionar ou escolher para si mesmo é usado para se referir exclusivamente a seres humanos.
ἐκλεκτός - eklektós – eleitos.
• Mateus 24:24
• Marcos 13:20, 22
• Romanos 8:33
• Colossenses 3:12
• 1 Timóteo 5:21
• 2 Timóteo 2:10
• Tito 1:1
• 1 Pedro 1:1 – 2
• Apocalipse 17:14
ἐκλεγομάι - eklegomái - selecionar, escolher, ou escolher para si mesmo
• Marcos 13:20
• Lucas 6:13
• Lucas 10:42
• Atos 13:17
•Atos 15:7
• Atos 22:14
• 1 Coríntios 1:27 – 28
• Efésios 1:4
• 2 Tessalonicenses 2:13
• Tiago 2:5
Como dissemos acima, nossa relação com Deus com respeito à nossa eleição é descrita nas páginas do Novo Testamento como algo estritamente pessoal. Ela é descrita como uma relação existente entre um pai e seus filhos que é usada para ilustrar nosso relacionamento com o Pai Eterno e como esse nosso relacionamento está baseado, exclusivamente, em amor. Essa eleição, assim descrita, está em plena oposição ao conceito baseado nos princípios de causa e efeito, como se tivéssemos sido produzidos em série em uma fábrica, e não criados individualmente! A nossa eleição, biblicamente falando, descreve unicamente uma relação de amor entre seres vivos. O determinismo cego ou mecânico descreve movimentos de marionetes que respondem ao puxar de cordas invisíveis.
Nas condições envolvidas em um determinismo cego pode até existir obediência cega e completa submissão, ou até mesmo uma revolta inútil ou falha mecânica. Por sua vez, a eleição para adoção na família de Deus implica em uma resposta que inclui suportar, crer, esperar, amar, louvar etc. Quando lemos o material que foi produzido pela comunidade de Qumran6, bem como o material produzido pelo judaísmo rabínico é fácil percebermos um determinismo cego de todas as coisas, com especial ênfase sendo dada à eleição do povo de Israel. Tal crença, em um determinismo cego, serviu para sustentar comunidades perseguidas e indivíduos em horas de desespero ameaçador. De forma paradoxal, serviu também, para incentivar uma relação pessoal com Deus. Os eleitos mencionados por Paulo em Efésios 1:4, todavia, não estão sujeitos a um determinismo cego de uma força chamada destino. A eleição dos santos é louvada de maneira apropriada em uma linguagem digna da glorificação do nosso Pai celestial.
OUTROS ESTUDOS DESSA SÉRIE PODERÃO SER ENCONTRADOS NOS LINKS ABAIXO:
Parte 1
Parte 2
Parte 3
Alexandros Meimaridis
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NOTAS:
1. A palavra “divine” em inglês pode significar uma pessoa treinada em questões teológicas, um teólogo. O mesmo significado não existe em português.
2. A Assembléia de Westminster produziu a Confissão de Fé e os Catecismos Maior e Breve, que foram promulgados pelo parlamento inglês em 1647. Estas obras, juntamente com os assim chamados Cânones de Dordrecht, que foram elaborados na Holanda em 1619, como que petrificaram a fé presbiteriana e quando adotadas como “a única interpretação realmente válida da Bíblia” conduzem a certas aberrações práticas.
3. A expressão कर्म- Karma tem sua origem na expressão “karman” do idioma sânscrito, e nas filosofias da Índia. Ele representa o conjunto das ações dos homens e suas conseqüências. Liga-se o karma às diversas teorias de transmigração das almas, e por meio dele se definem as noções de destino, do desejo como força geradora do destino, e do encadeamento necessário, por força desses dois fatores, entre os diversos momentos da vida dos homens.
4. Tanto João Calvino quanto seu sucessor, na cidade de Genebra, Theodoro Beza defendiam a idéia da dupla predestinação baseados, em parte, nos ensinos de Paulo na epístola aos Efésios, mas não somos obrigados a concordar com eles.
5. De acordo com Lourenço Stelio Rega e Johanes Bergmann (Noções do Grego Bíblico – Gramática Fundamental, Editora Vida Nova, São Paulo, 2004), a voz média do grego do Novo Testamento tem algumas semelhanças com a voz reflexiva do português.
6. Qumram - Comunidade de judeus, aceita pela maioria dos historiadores como sendo os Essênios, e que floresceu no deserto ao redor do Mar Morto por volta de 220 a.C. e foi destruída pelos romanos em 68 d.C.
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