Esse
material é um estudo dividido em três partes. No final de cada parte você
encontrará um link para o estudo seguinte. Não deixe de ler as três partes.
B. Esperança na
Literatura da Tradição Rabínica Judaica.
Durante
o exílio babilônico, que durou aproximadamente 70 anos, os judeus precisaram
aprender a se relacionar com seu Deus sem o Templo, sem sacerdotes e sem
sacrifícios. Durante estes 70 anos dois eventos são da maior importância:
·
O surgimento das sinagogas como locais de
ajuntamento do povo de Deus.
·
O surgimento dos escribas como substitutos dos
sacerdotes.
Os
judeus começaram a retornar à Palestina vindos da Babilônia por volta do ano
535 a.C. Enquanto isto, a Grécia estava se preparando para viver seu século de
ouro - século V a.C. - sob Péricles -
nascido em Atenas em 495 a.C e falecido também em Atenas em 429 a.C. Péricles
foi um grande estadista e o mentor do desenvolvimento, tanto da democracia
quanto do império Ateniense. Foi sob Péricles que Atenas se tornou o centro,
tanto político quanto cultural da Grécia antiga. Entre suas realizações podemos
destacar a construção da Acrópolis, iniciada em 447 a.C. e que permanece em pé
até os dias de hoje. O conhecimento da cultura e da língua grega são
fundamentais para entendermos esta parte da história da palestina, pois em
menos da 100 anos da morte de Péricles, toda a bacia do Mediterrâneo seria
varrida por Alexandros, o grande da Macedônia. Alexandros fez mais do que
conquistar militar e politicamente o mundo conhecido dos seus dias. Ele levou e
implantou junto com suas conquistas a cultura grega e em pouco tempo o grego se
tornou a língua falada por todos, desde a Grécia até a Pérsia, incluindo-se aí
ainda, todo o norte da África. O grego comum falado pelo povo, que foi chamado de κοινή – koiné - foi inclusive a língua usada para escrever todo
o Novo Testamento. Esta espécie de grego não deve ser confundido nem com o
grego clássico falado na Grécia antiga nem com o grego moderno falado nos dias
de hoje.
Este
conhecimento é importante porque a região da Palestina faz parte do mundo
conquistado por Alexandros, o grande da Macedônia, e a língua grega se tornou
tão comum naquela região como em todos os lugares até onde se estendeu o
império helênico de Alexandros. Todavia é importante destacar que o mundo
semítico, representado pelos povos do crescente fértil e que naqueles dias
habitavam também a região da Palestina, não possuía, entre todas as suas línguas, nenhuma palavra que pudesse servir de
paralelo à palavra grega ἐλπίς – elpís - esperança. Neste mesmo contexto vamos encontrar
também o judaísmo palestino. De acordo com os eruditos entendidos nas línguas
semíticas, não existe no hebraico nenhuma palavra que corresponda à expressão
grega ἐλπίς – elpís – esperança, tanto no quer diz respeito à forma,
quanto ao que diz respeito ao conteúdo. O mesmo pode ser dito acerca de todas
as expressões hebraicas traduzidas por ἐλπίς – elpís - esperança
ou por ἐλπίζω – elpízo –
ter esperança na Septuaginta - LXX[1].
Este fato é deveras surpreendente, já que o mundo rabínico daqueles dias tinha
grande familiaridade com o conceito de esperança. E, além disto, os rabinos
dirigiam seus pensamentos, envolvendo o conceito de esperança, ao futuro como
pode ser visto nas produções literárias do Apocalipse de Baruque e do Quarto
Livro de Esdras. Apesar de não existir consenso entre os estudiosos acerca do
período histórico do surgimento destes dois livros, podemos afirmar, com
relativa segurança, que os mesmos foram produzidos entre círculos de escribas
na Palestina, onde notamos que a esperança Messiânica era uma preocupação
fundamental entre eles e que esta esperança se estendeu até o segundo século da
era cristã. Todavia apesar da extensão desta preocupação com o futuro, ainda
assim não existia nenhuma palavra ou grupo de palavras que pudessem expressá-la
de maneira semelhante às palavras existentes na língua grega. A explicação para
este fato está, na opinião dos especialistas, na forma particular da
expectativa acerca do futuro que existiu no Judaísmo rabínico mais recente.
Para entendermos esta situação melhor, porque não existiam nem palavra nem
grupo de palavras que correspondessem às expressões gregas ἐλπίς – elpís- esperança e ἐλπίζω – elpízo – ter esperança, torna-se necessário entendermos
tanto o contexto quanto o alvo das expectativas Messiânicas então existentes.
1. Expectativas
Messiânicas na Palestina e no Judaísmo da Diáspora.
a.
Quando analisamos as expectativas Messiânicas existentes no Judaísmo rabínico,
a primeira coisa que notamos é que existe um lado positivo e outro negativo
nestas expectativas. O lado positivo tinha a ver com o cumprimento das
expectativas judaicas. O negativo, por sua vez, estava relacionado com o juízo
que viria junto com o advento da era Messiânica e que destruiria os ímpios, que
como inimigos do povo de Deus, eram também inimigos do próprio Deus[2].
Esta inimizade traria sobre os ímpios a ira e a vingança de Deus de uma maneira
avassaladora. Estes dois lados estão tão intimamente relacionados que é impossível
separá-los. Por este mesmo motivo pouco importa em que ordem os eventos,
individualmente falando, relacionados à vinda do Messias, deverão ocorrer. Pelo
mesmo motivo não é importante determinar o exato grau em que o círculo destas
idéias se desenvolveu nem como foram alcançadas as conclusões baseadas no uso
da exegese[3]
das escrituras. Da mesma maneira, também podemos ignorar o compreensivo
complexo representado pelos sinais indicadores do início da era messiânica. O
ponto fundamental relacionado a este tema é que a esperança messiânica não
era representativa da preocupação do indivíduo e sim de todo o povo, de toda a
comunidade de Israel. O indivíduo compartilhava do interesse que pertencia
a toda a comunidade. Isto acontecia
porque as promessas divinas foram dadas ao povo de Israel como um todo. Desta
maneira o povo de Israel recebe a promessa de que o futuro pertence a Deus.
Assim sendo qualquer não Judeu[4]
só poderá
participar das bênçãos prometidas se aceitar a circuncisão, pois esta mesma
circuncisão é a base da redenção messiânica e, somente através dela pode um
indivíduo tornar-se um cidadão com plenos direitos e deveres no seio da
comunidade. Os não Judeus interessados no Deus e na religião de Israel são
chamados de σεβομένη
τὸν θεόν – seboméne tón Theón –
tementes a Deus. Os rabinos demonstravam um interesse maior nos não judeus
tementes a Deus somente quando percebiam que o interesse deles, dos não judeus,
era de avançarem em direção a uma conversão total. Por este motivo, a mera
declaração de fé no Deus de Israel não era suficiente. Era necessária uma
observância e obediência aos estatutos da Lei, entre os quais a circuncisão,
que era formalmente o primeiro e aquele que materializava a intenção de
obediência a todos os outros mandamentos.
A
Lei tem uma função decisiva no relacionamento do povo com Deus. É na Lei que o
Judaísmo tem uma revelação clara e perfeita da vontade de Deus. A função dos
rabinos está limitada a descortinar os detalhes da Lei e mostrar como a mesma
pode ser cumprida nos mínimos detalhes. Deus revelou Sua vontade ao povo na
forma da Lei visando que a mesma fosse obedecida e não que a mesma fosse
convertida em um sistema filosófico – ver Salmos 119:4. Partindo da premissa de
que a Lei de Deus não muda, exatamente porque é a Lei de Deus, e que esta Lei é
sempre uma Lei salvífica, a expectativa da comunidade judaica era de que a Lei
seria o elo de ligação entre a “era vindoura” e esta “era presente”. A Lei se
manterá como expressão da perfeita vontade de Deus tanto “nesta era como na era
vindoura”.[5]
A diferença entre estas duas eras reside no fato de que “nesta era presente” a
Lei de Deus está confiada exclusivamente aos judeus enquanto que “na era
vindoura” a mesma será também guardada e obedecida pelos gentios. Este conceito
obteve grande aceitação no meio do judaísmo helenístico i.e. entre os judeus
espalhados pelo mundo antigo que falavam a língua grega, e foi o responsável,
em grande parte, pelos esforços missionários dos judeus. Mas esta mesma idéia
pode também ser encontrada no judaísmo Palestino que esperava que o Messias
iria ensinar a Torá - a Lei de Deus,
representada pelos 5 primeiros livros das nossas Bíblias e atribuídos ao
legislador Moisés - aos gentios e fazê-los obedecer à mesma. Desta maneira
torna-se óbvio que o Messias que poderia expor a Torá como nenhum outro e que
poderia explicar de maneira completa mesmo as passagens mais delicieis e
obscuras seria, ele mesmo, um zeloso guardador desta mesma Lei.
Os
judeus Palestinos acreditavam que até Deus mesmo estudava a Lei e guardava os
mandamentos. Desta maneira os judeus fundiam a expectativa do cumprimento da
Lei com a expectativa do romper da “era Messiânica”. Era, portanto, função
primordial dos rabinos cuidarem para que o povo de Israel cumprisse, de forma
perfeita, a Lei de Deus e, com isso, promover a inauguração da “era vindoura, a
era do Messias”. Por volta do ano 150 a.D. um rabino chamado Shimon Ben Jochai
ensinava que a redenção de Israel viria tão logo o povo de Israel fosse capaz
de guardar toda a Lei de Deus entre um sábado e outro sábado.
b.
Todas esta verdades nos conduzem a um segundo elemento essencial nas
expectativas Messiânicas. O exato tempo do cumprimento das expectativas
Messiânicas está nas mãos de
Deus, mas Ele mesmo condicionou este tempo e o fez dependente ao
relacionamento do Seu povo consigo mesmo e com Sua Lei. Assim sendo a
manifestação do período Messiânico bem como da salvação Messiânica não são
trabalho de Deus somente. O homem, enquanto ser humano, tem uma participação
ativa neste processo, podendo por um lado, apressá-lo e, por outro, atrasá-lo.
A religião judaica comandada por rabinos estava fadada, como não poderia deixar
de ser, a tornar-se em uma maldição perene, como acontece com qualquer movimento
religioso baseado em obras. Mesmo existindo a possibilidade de que o esperado
aconteceria de fato algum dia, cedo ou tarde, existia também o sentimento
opressivo, imposto sobre as pessoas em geral, por acharem que eram elas as
verdadeiras culpadas pelo retardamento ou atraso na consumação daquilo que era
esperado. Outro problema que surgia era o fato de nunca se poder saber, com
certeza, quão próximo o cumprimento da esperança se encontrava. Somente Deus
poderia decidir o exato momento e este estava envolvido nas mais densas e
impenetráveis sombras. A única certeza que se podia ter era a de que Deus é
estritamente justo e que Ele não dispensa absolutamente nada de forma gratuita
a Seu povo. Desta forma, nos ensinos do rabinato Palestino, havia uma mistura
de sentimentos, a saber: por um lado havia uma expectativa entusiástica pela
vinda e manifestação do Cristo e por outro lado havia inúmeras incertezas
associadas ao fim “desta era e ao início da próxima”. Esta tensão pode ser
claramente vista na teoria desenvolvida pelos rabinos da época que ensinavam
que o Messias já se encontrava entre eles e estava apenas aguardando o momento
certo para se manifestar. Por este motivo foram desenvolvidas várias formas de
se tentar calcular o exato tempo em que o Messias seria manifestado. Em
conclusão podemos dizer de toda esta expectativa, que, diga-se de passagem, não
tinha amparo na revelação divina, mas era fruto da criatividade humana, que a
mesma estava completamente equivocada pelo fato de colocar a “responsabilidade
humana” muito à frente da participação de Deus.
c. No
contexto que acabamos de mencionar a atitude demonstrada pelos judeus era muito
diferente do conceito representado pela expressão ἐλπίς – elpís –
esperança, no mundo de fala grega espalhado por toda a bacia do Mediterrâneo.
No item anterior nós vimos que os judeus procuravam calcular o exato momento do
cumprimento da expectativa referente ao advento do Messias. A soberania divina
era desta maneira, ao menos em teoria, abolida no contexto da esperança
Messiânica entre os judeus da Palestina, que seguiam os ensinamentos dos
rabinos daqueles dias. Isto é demonstrado, de maneira clara em Marcos 15:43,
onde lemos que José de Arimatéia “esperava o reino de Deus”, e onde é utilizada
a palavra grega προσδεχόμενος – prosdechómenos – traduzida por “esperava” no lugar de ἐλπίζοντες – elpízontes que
possui raiz na palavra ἐλπίς – elpís – esperança. No contexto grego, a palavra ἐλπίς – elpís – esperança, expressava uma certeza real associada
a um senso de justiça. Quando a responsabilidade humana assume a dianteira
nesta questão, como vimos que acontece no item anterior, a ênfase da
expectativa é menor no que diz respeito à bondade de Deus, da qual procede a
salvação futura e que pode ser alcançada somente mediante a fé, do que na
existência de promessas que amarram Deus e Seu povo no cumprimento da
expectativa. Quando entendemos esta verdade, de que a esperança Messiânica
estava muito mais atrelada “ao tempo” do que ao “modo”, na cabeça do rabinato
dos dias de Jesus, fica mais fácil entender porque tanto o próprio Jesus quanto
Seu desafio de receber o reino de Deus pela fé, precisavam ser rejeitados.
Desta maneira a ressurreição de Jesus passa a significar para os judeus dos
Seus dias, a destruição de suas expectativas Messiânica de libertação, mas em
contrapartida lhes oferece uma esperança que é real porque tem em Deus e
somente n’Ele, sua expectativa quanto ao futuro e já não depende mais em nada
do homem!
d. A
separação teórica efetuada pelos rabinos judeus, entre o advento do Messias e a
implantação completa e definitiva do Reino de Deus, pode ser observada na
literatura apocalíptica e há aqueles que conseguem enxergá-la até mesmo em
Paulo - ver 1 Coríntios 15:23. Mas, como vimos, no Messianismo intertestamental
havia uma grande dicotomia com parte da responsabilidade da implantação do
Reino de Deus recaindo sobre Deus mesmo e parte sobre os próprios judeus. Mas
esta dicotomia não resolvia nenhum problema. Pelo contrário apenas movia a
responsabilidade de um lado para o outro. Partindo da premissa que o todo da
vida do justo neste momento é determinado por suas considerações acerca da vida
futura, surge aqui a questão da segurança da salvação individual. O estudo da
literatura da época nos mostra que os rabinos também não conseguiam garantir a
segurança individual da salvação.
2. A Questão da
Segurança da Salvação Eterna no Judaísmo Pós Exílico.
a. Juntamente com a
expectativa do povo de Deus como um todo na vinda do Messias, havia
também a expectativa do indivíduo. Esta expectativa consistia na porção
destinada a cada indivíduo no mundo vindouro, quando Deus mesmo separar os
ímpios, para enviá-los aos tormentos do Gehinnom[6],
e os justos aos deleites do parasidíaco jardim do Éden. Os rabinos ensinavam que a decisão de Deus
será completamente baseada em Sua Lei. Baseado na performance individual i.e.
no mérito do indivíduo, é que Deus irá determinar quem poderá ser aceito como
justo e quem será rejeitado. Mérito e não a graça de Deus era o fator determinante
na vida do “justo” nesta era e o que também determinava seu destino eterno na
era vindoura.
Esta
dependência no mérito humano acaba por introduzir os mesmos tipos de incertezas
que, como já vimos, existiam nas expectativas Messiânicas ensinadas pelos rabinos.
Toda religião baseada em mérito produz apenas um tipo de esperança: uma
esperança falsa! Como saber com precisão absoluta se alcancei o alvo? Como ter
certeza de que estou seguindo as regras de maneira absolutamente correta? Estas
são perguntas que precisam ser respondidas por todos aqueles que querem se
justificar pela prática de obras. Ao mesmo tempo em que se promete que Deus irá
oferecer alegrias indescritíveis aos justos, também se oferece a angustiosa
questão de se o indivíduo está vivendo à altura das exigências requeridas para
participar na bem-aventurança dos justos. Será que todas as exigências de Deus
estão sendo cumpridas? Como ter certeza?
Talvez
a ilustração mais pungente do que estamos querendo dizer esteja na narrativa
dos últimos momentos da vida do rabino Jochanam bem Zakkai. Este rabino, foi
contemporâneo dos apóstolos de Jesus e foi chamado de “luz de Israel” e
“poderoso martelo”. Todavia ao se encontrar em seu leito próximo da morte
chorava de maneira incontrolável. Quando perguntado por seus discípulos o
porquê do choro, respondeu: “há dois caminhos diante de mim. Um conduz ao Éden
de Deus e o outro ao Gehinnom e eu não sei por qual caminho serei conduzido”!
Que tal inquietação era tão grande entre os judeus pode ser demonstrado pelo
fato de que a grande maioria dos rabinos eram completamente pessimistas diante
da possibilidade do juízo divino. As escolas dos notórios rabinos Hilel[7]
e Shammai[8]
discutiram, uma vez, durante mais de dois anos, se não teria sido melhor para o
homem não ter sido criado em oposição a ter sido criado. E a conclusão?
Exatamente a de que teria sido melhor para o homem não ter sido criado. De
fato, não são poucos os que entendem que quando somos deixados aos nossos
próprios cuidados para alcançarmos a salvação com Deus pelos nossos próprios
méritos o melhor seria não termos sido criados.
b.
Rabinos em eras posteriores reconheceram estas dificuldade e procuraram vencer
a distância referente às incertezas quanto à salvação. Rabi Aquiba declarava
que através da oração nós podíamos saber se estávamos ou não agradando a Deus.
Como exatamente não é explicado, mas esta sua visão estava baseada na expressão מִקְוֵה
יִשְׂרָאֵל – tiqveh Israel –
(Ó Senhor) esperança de Israel, encontrada em Jeremias 17:13. Outros ensinavam
que podemos tirar conclusões acerca do destino eterno de alguém simplesmente
observando a maneira pela qual a pessoa morre. Mas a contribuição mais
significativa foi aquela que ficou conhecida como a “teologia do sofrimento” na
expressão cunhada pelo teólogo P. Volz. De acordo com os proponentes desta
“teologia”, todo o sofrimento experimentado, como disciplina, pelos justos
nesta vida, nunca como retribuição por males feitos, poderia ser utilizado como
forma de pagar ainda nesta vida algo que de outra maneira teria que ser pago na
vida vindoura. A intenção é óbvia. Tal
teoria visava reduzir as ofensas e aumentar a importância do(s) mérito(s), de
tal maneira que Deus, vendo o empenho e o sofrimento se comoveria e deixaria o
homem entrar no Éden, que de resto era mesmo o que Ele gostaria de fazer desde
o princípio de acordo com estes mesmos rabinos. Desta maneira, os sofrimentos
eram vistos como uma forma de auto-vindicação diante de Deus. Mas esta teoria
teve uma vida breve. O último defensor foi um rabino da Babilônia conhecido
como Rabba bar Bar Chama que viveu no início do século IV a.D.
Como
todas as tentativas anteriores feitas pelos rabinos judeus, esta também não
conseguia nem fugir do antropocentrismo deles, nem fornecer um esperança que
fosse genuína e real. Todos os ensinos rabínicos acerca da certeza da salvação
e, por extensão, da esperança eram vazios, porque dependentes deles mesmos e
não de Deus. A verdadeira esperança surge no coração quando o ser humano
aprende que ele não pode fazer absolutamente nada para sua própria salvação e
que Deus pode fazer tudo para a nossa salvação. E mais, quando aprendemos que o
propósito de Deus é a nossa salvação, precisamos entender que esta salvação não
está baseada em nossos méritos e sim somente na livre graça de Deus que nos é
concedida.
3. A Esperança no
Judaísmo Helenístico
Após
o cativeiro Babilônico que durou aproximadamente 70 anos, entre 595 a.C. a 525
a.C., a grande maioria dos judeus, mesmo autorizados a retornar à terra de
Canaã, preferiu permanecer na Babilônia ou se estabelecer ao redor da bacia do
Mar Mediterrâneo onde importantes colônias judaicas floresceram. De acordo com
o registro bíblico apenas cerca de 40.000, que representavam somente 10% dos
levados cativos, retornou à terra de Judá. Os judeus espalhados pela bacia do
Mediterrâneo desejavam manter suas tradições, mas queriam fazê-lo de uma
maneira que fosse mais coerente com a nova realidade que estavam
experimentando. Este judaísmo dissociado da religião central praticada em
Jerusalém, veio a ser conhecido como judaísmo helenístico. Esta denominação foi
atribuída aos judeus dispersos que adotaram a partir do século IV a.C. a
cultura grega - helenístico vem de Hellas que quer dizer Grécia.
A
literatura judaica produzida nesta época seguia os princípios do judaísmo
histórico, de que enquanto há vida há esperança: “Feliz aquele a quem sua alma
não condena e que não arrefece em sua esperança – ver Eclesiástico 14:2[9].
A esperança se extingue somente com a morte: “Quantos são os dias da vida do
homem sobre a terra? Tantos quantos são seus dias, assim também é a esperança
dada a ele – Salmos de Salomão 17:2”.[10]
Como veremos a seguir. o período helenístico produziu um massivo
desenvolvimento do conceito de esperança. Dentro deste contexto temos:
·
O homem enfermo tem esperança de ser curado – ver 2
Macabeus 9:22.
·
Aqueles que se encontram separados têm esperança de
se encontrar novamente ou não – ver Tobias 10:7.
·
A esperança dos ímpios é vã – ver Sabedoria 3:11;
5:14 e 16:29.
·
A esperança dos ímpios é falsa – ver 2 Macabeus
7:34.
·
Os ímpios, quando morrem não possuem esperança nem
consolo no dia do juízo – ver Sabedoria 3:18.
·
A esperança dos idólatras está em coisas mortas –
ver Sabedoria 13:15 e especialmente 15:6 e 10.
·
Da mesma maneira é em vão aqueles que esperam na
força ou poderio militar – ver Judite 9:7.
·
A esperança do justo está em Deus, seu salvador –
ver Salmos de Salomão 17:2; conferir com 5:16; 8:37; 9:19; 15:1; Testamento dos
12 Patriarcas – Testamento de Aser 7:7.
·
A esperança do justo é uma esperança boa – ver
Carta de Aristéias 251.
·
Os justos, os que esperam em Deus, não têm nada a
temer – ver 1 Macabeus 2:61 e versos seguintes.
·
O temor do Senhor e a esperança verdadeira andam
juntos – ver Salmos de Salomão 6:8.
·
O próprio Messias possui este tipo de esperança –
ver Salmos de Salomão 17:44.
Aqueles
que são obedientes à Lei do Senhor possuem esperança - ver Testamento dos 12
Patriarcas: Testamento de Judá 7:7.
A
esperança se manifesta em forma de certeza firme – ver Judite 13:19; 2 Macabeus
15:7.
Mesmo
o poderoso Messias espera em Deus – ver Salmos de Salomão 17:38.
Deus
é a esperança, especialmente, do pobre e do desamparado – ver Salmos de Salomão
5:13; 15:2.
A
esperança dos justos muitas vezes se concentrava na proteção e na ajuda de Deus
de modo geral, mas muitas vezes se manifestava como uma espera diante de uma
situação específica – ver Judite 8:20;
Carta de Aristéias 18.
A
esperança pode surgir até mesmo na hora da morte – ver 2 Macabeus 9:18 – 20.
A
esperança envolvia a esperança da ressurreição – ver 2 Macabeus 7:14 e 20.
A
esperança era esperança de salvação da parte de Deus – ver 4 Macabeus 11:7.
A esperança
era também escatológica no sentido que esperavam a restauração de Israel – 2
Macabeus 2:18; Testamento dos 12 Patriarcas: Testamento de Benjamin 10:11.
A
parte 003 desse estudo poderá ser acessada aqui:
http://ograndedialogo.blogspot.com/2012/03/nossa-preciosa-esperanca-parte-3.html
Que
Deus abençoe a todos.
Alexandros Meimaridis
PS. Pedimos a todos os nossos
leitores que puderem que “curtam” nossa página no facebook através do seguinte
link:
Desde já agradecemos a todos.
[1] A
Septuaginta, comumente identificada pelo símbolo LXX, é a tradução das
escrituras hebraicas para o grego realizada no Egito sob o patrocínio de
Ptolomeu II Filadelfo (285–246 a.C.).
[2] É
fácil entendermos porque os judeus recusaram a aceitar a Jesus como o Messias
de Israel. Jesus não veio destruir os inimigos do povo, veio para derrubar a
parede de separação que existia e fazia distinção entre judeus e não judeus –
ver Efésios 2 – 3:13, especialmente Efésios 3:6 que diz: “a
saber, que os gentios são co-herdeiros, membros do mesmo corpo e
co-participantes da promessa em Cristo Jesus por meio do evangelho”.
[3]
Exegese: do grego exégesis. S. f. Comentário ou dissertação para esclarecimento
ou minuciosa interpretação de um texto ou de uma palavra. Aplica-se de modo
especial em relação à Bíblia, à gramática, às leis.
[4] Não
judeus - No Novo Testamento os não judeus são chamados de sebomai
– sebomai, e esta palavra é traduzida como “adoram” e faz uma referência
àqueles que adoram a Deus em vão, isto é como os pagãos – ver Mateus 15:9,
Marcos 7:7 e Atos 19:27; como “prosélito(s)”, como “piedoso(a)s”, como
“temente(s) a Deus” e como “adorador(es) que é uma referência a todos aqueles
que haviam se convertido de qualquer forma de paganismo ao Judaísmo – ver Atos
13:43 e 50; 16:14; 17:4 e 17; 18:7 e 13. Estas são todas as referências onde
esta palavra aparece no Novo Testamento. De acordo com o Dicionário Teológico
do Novo Testamento editado por Gerhard Kittel estes sebomai
– sebomai aceitavam somente algumas das obrigações impostas aos judeus,
tais como a guarda dos Sábados e a abstenção de carnes não
recomendadas, e eram por este motivo tratados como se fossem gentios e
não tinham nenhum privilégio como pode ser visto pela relação deles com o
Templo em Jerusalém bem como com os sacrifícios.
[5] O
conceito ou regra de que o estudo da Lei em si é mais importante do que a
obediência à Lei só foi formulado durante as perseguições que os judeus
sofreram sob o imperador Hadriano, também chamado de Adriano, sobrinho e
sucessor do imperador Trajano. Hadriano comandou o império romano de 117 a 138
a.D. e foi o responsável pela unificação e consolidação do império. Seu nome de
nascença era Publius Aelius Hadrianus e seu nome oficial era Caesar Traianus
Hadrianus Augustus. Nasceu em 24 de Janeiro de 76 a.D. na região chamada de
Itálica Baetica -provavelmente onde fica
a Espanha moderna - e faleceu em 10 de Julho de 138 a.D. em Baeia, perto de
Nápoles na Itália.
[6] Gehinnon – Nome derivado
de um vale localizado ao sul de Jerusalém conhecido como “vale do filho de
Hinnon” desde os dias da conquista liderada por Josué - ver Josué 15:8 e 18:16.
Apesar deste vale ter sido usado algumas vezes como local de oferecimento de
sacrifícios humanos durante o período coberto pelo Antigo Testamento - ver 2
Reis 23:10 e Jeremias 7:31 - o mesmo era usado como depósito de lixo da cidade
de Jerusalém. Nos dias de Cristo, até criminosos tinham seus corpos depositados
neste local onde o fogo era inextinguível.
[7] De
acordo com a tradição Hilel era originário da Babilônia e sua escola floresceu
durante o primeiro século a.C. e se extinguiu por volta do ano 115 da era
cristã. Hilel era um sábio rabino judeu que dominava, como poucos, a
interpretação, tanto dos livros canônicos do Antigo Testamento quanto das
tradições judaicas. Por estes motivos Hilel veio a ser reverenciado como o
líder da escola que ficou conhecida como “Casa de Hilel”. Seu trabalho mais
importante chamado de “As
Sete Leis de Hilel”, ensina sua cuidadosa formulação de exegese aplicada à
interpretação de textos canônicos e da tradição.
[8]
Shammai, conhecido como “o ancião” viveu, provavelmente entre 50 a.C e o ano 30
da era cristã. Juntamente com Hilel compôs o último “zugot” ou par de luminares
que encabeçavam o Grande Sinédrio, que era a mais alta corte da nação de
Israel.
[9]
CNBB. Bíblia Sagrada. Tradução da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, São Paulo, 2002.
[10] Charles, R. H. (editor). The Psalms of Salomon em The
Apocrypha and Pseudepigrapha of the Old Testament in English. Oxford
University Press, Oxford, reprinted 1977.
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