Hoje estamos publicando uma
reportagem da Revista ISTOÉ — edição 2180 — que trata do Novo Retrato da Fé no
Brasil. Esse novo retrato revela uma gigantesca dança das cadeiras com pessoas
trocando não apenas de denominações, dentro dum mesmo grupo, mas trocando,
efetivamente de religiões. Algumas dessas trocas são bastante reveladoras,
diga-se de passagem. Convidamos todos a ler o artigo abaixo:
O novo retrato da fé
no Brasil
Pesquisas
indicam o aumento da migração religiosa entre os brasileiros, o surgimento dos
evangélicos não praticantes e o crescimento dos adeptos ao islã
Rodrigo
Cardoso
Acaba de
nascer no País uma nova categoria religiosa, a dos evangélicos não praticantes.
São os fiéis que creem, mas não pertencem a nenhuma denominação. O surgimento
dela já era aguardado, uma vez que os católicos, ainda maioria, perdem espaço a
cada ano para o conglomerado formado por protestantes históricos, pentecostais
e neopentecostais. Sendo assim, é cada vez maior o número de brasileiros que
nascem em berço evangélico – e, como muitos católicos, não praticam sua fé.
Dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), revelaram, na semana passada, que evangélicos
de origem que não mantêm vínculos com a crença saltaram, em seis anos, de
insignificantes 0,7% para 2,9%. Em números absolutos, são quatro milhões de
brasileiros a mais nessa condição. Essa é uma das constatações que estatísticos
e pesquisadores estão produzindo recentemente, às quais ISTOÉ teve acesso,
formando um novo panorama religioso no País.
Isso só é
possível porque o universo espiritual está tomado por gente que constrói a sua
fé sem seguir a cartilha de uma denominação. Se outrora o padre ou o pastor
produziam sentido à vida das pessoas de muitas comunidades, atualmente
celebridades, empresários e esportistas, só para citar três exemplos, dividem
esse espaço com essas lideranças. Assim, muitas vezes, os fiéis interpretam a
sua trajetória e o mundo que os cerca de uma maneira pessoal, sem se valer da
orientação religiosa. Esse fenômeno, conhecido como secularização, revelou o
enfraquecimento da transmissão das tradições, implicou a proliferação de
igrejas e fez nascer a migração religiosa, uma prática presente até mesmo entre
os que se dizem sem religião (ateus, agnósticos e os que creem em algo, mas não
participam de nenhum grupo religioso). É muito provável, portanto, que os
evangélicos pesquisados pelo IBGE que se disseram desvinculados da sua
instituição estejam, como muitos brasileiros, experimentando outras crenças.
É cada
vez maior a circulação de um fiel por diferentes denominações — ao mesmo tempo
que decresce a lealdade a uma única instituição religiosa. Em 2006, um levantamento
feito pelo Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (Ceris) e
organizado pela especialista em sociologia da religião Sílvia Fernandes, da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), verificou que cerca de um
quarto dos 2.870 entrevistados já havia trocado de crença. Outro estudo, do ano
passado, produzido pela professora Sandra Duarte de Souza, de ciências sociais
e religião da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), para seu trabalho de
pós-doutorado na Universidade de Campinas (Unicamp), revelou que 53% das
pessoas (o universo pesquisado foi de 433 evangélicos) já haviam participado de
outros grupos religiosos.
ALÁ
Nogueira,
muçulmano há um ano: no Rio, os convertidos e saltaram de 15% da comunidade
para 85% em 12 anos.
“Os
indivíduos estão numa fase de experimentação do religioso, seja ele
institucionalizado ou não, e, nesse sentido, o desafio das igrejas
estabelecidas é maior porque a pessoa pode escolher uma religião hoje e outra
amanhã”, afirma Sílvia, da UFRRJ. “Os vínculos são mais frouxos, o que exige
das instituições maior oferta de sentido para o fiel aderir a elas e
permanecer. É tempo de mobilidade religiosa e pouca permanência.” Transitar por
diferentes crenças é algo que já ocorre há algum tempo. A intensificação dessa
prática, porém, tem produzido novos retratos. Denominadores comuns do mapa da
circulação da fé pregam que católicos se tornam evangélicos ou espíritas, assim
como pentecostais e neopentecostais recebem fiéis de religiões afro-brasileiras
e do protestantismo histórico. Estudos recentes revelam também que o caminho
contrário a essas peregrinações já é uma realidade.
Em sua
dissertação de mestrado sobre as motivações de gênero para o trânsito de
pentecostais para igrejas metodistas, defendida na Umesp, a psicóloga Patrícia
Cristina da Silva Souza Alves verificou, depois de entrevistar 193 protestantes
históricos, que 16,5% eram oriundos de igrejas pentecostais. Essa proporção era
de 0,6% (27 vezes menor) em 1998, como consta no artigo “Trânsito religioso no
Brasil”, produzido pelos pesquisadores Paula Montero e Ronaldo de Almeida, do
Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Para Patrícia, o momento
econômico do Brasil, que registra baixos índices de desemprego e ascensão
socioeconômica da população, reduz a necessidade da bênção material, um dos
principais chamarizes de uma parcela do pentecostalismo. “Por outro lado,
desperta o olhar para valores inerentes ao cristianismo, como a ética e a moral
cristã, bastante difundidas entre os protestantes históricos”, afirma.
Em busca
desses valores, o serralheiro paraibano Marcos Aurélio Barbosa, 37 anos, passou
a frequentar a Igreja Metodista há um ano e meio. Segundo ele, nela o culto é
ofertado a Deus e não aos fiéis, como acontecia na pentecostal Assembleia de
Deus, a instituição da qual Barbosa foi devoto por 16 anos, sendo sete como
presbítero. O serralheiro cumpria à risca os rígidos usos e costumes impostos
pela denominação. “Eu não vestia bermuda nem dormia sem camisa, não tinha tevê
em casa, não bebia vinho, não ia ao cinema nem à praia porque era pecado”,
conta. Com o tempo, o paraibano passou a questionar essas proibições e acabou
migrando. “Na Metodista encontrei um Deus que perdoa, não um justiceiro.”
AMÉM
É cada
vez mais comum ex-pentecostais, como o atual metodista Barbosa,
que foi
pastor da Assembleia de Deus (acima), aderirem às protestantes históricas
A teóloga
Lídia Maria de Lima irá defender até o final do ano uma dissertação de mestrado
sobre o trânsito de evangélicos para religiões afro-brasileiras. A pesquisadora
já entrevistou 60 umbandistas e candomblecistas e verificou que 35% deles eram
evangélicos antes de entrar para os cultos afros. Preterir as denominações
cristãs por religiões de origem africana é outro tipo de migração até então
pouco comum. Não é, porém, uma movimentação tão traumática, uma vez que o
currículo religioso dos ex-evangélicos convertidos à umbanda ou ao candomblé
revela, quase sempre, passagens por grupos de matriz africana em algum momento
de suas vidas. Pai de santo há dois anos, o contador Silvio Garcia, 52 anos,
tem a ficha religiosa marcada por cinco denominações distintas – e a umbanda é
uma delas. Foi aos 14 anos, frequentando reuniões na casa de uma vizinha, que
Garcia, batizado na Igreja Católica, aprendeu as magias da umbanda. Nessa
época, também era assíduo frequentador de centros espíritas. Aos 30, ele passou
a cursar uma faculdade de teologia cristã e, com o diploma a tiracolo,
tornou-se presbítero de uma igreja protestante. Um ano depois, migrou para uma
pentecostal, onde pastoreou fiéis por seis anos. “Mas essas igrejas
comercializam a figura de Cristo e eu não me sentia feliz com a minha fé”, diz.
A teóloga
Lídia sugere que os sistemas simbólicos das religiões evangélica e
afro-brasileira têm favorecido a circulação de fiéis da primeira para a
segunda. “Há uma singularidade de ritos, como o fenômeno do transe. Um dos
entrevistados me disse que muito do que presenciava na Igreja Universal (do
Reino de Deus) ele encontrou na umbanda”, diz. Em suas pesquisas, fiéis do sexo
feminino foram as que mais cometeram infidelidade religiosa (67%). Os motivos
que levam homens e mulheres a migrar de religião foram investigados pela
professora Sandra, da Umesp. Em outubro, suas conclusões serão publicadas em
“Filosofia do Gênero em Face da Teologia: Espelho do Passado e do Presente em
Perspectiva do Amanhã” (Editora Champanhat).
SALVAÇÃO
Homens
pensam em si quando buscam uma nova crença: Higuti,
pastor da Bola de Neve, queria se livrar das drogas
Uma
diferença básica entre os sexos é que as mulheres mudam de religião em busca de
graça para quem está a sua volta (a cura para filhos e maridos doentes ou a
recuperação do casamento, por exemplo). Já os homens são motivados por
problemas de fundo individual. Assim ocorreu com o empresário paulista Roberto
Higuti, 45 anos, que se tornou evangélico para afastar o consumo e o tráfico de
drogas de sua vida. Católico na infância, budista e adepto da Igreja Messiânica
e da Seicho-No-Ie na adolescência, Higuti saiu de casa aos 15 anos e se tornou
um fiel seguidor do mundo do crime. Sua relação com as drogas foi pontuada por
internação em hospital psiquiátrico, prisão e duas tentativas de suicídio.
Certo dia, cansado da falta de perspectivas, viu uma marca de cruz na parede,
ajoelhou-se e disse: “Jesus, se tu existes mesmo, me tira dessa vida maldita.”
Há cinco anos, o empresário é pastor da neopentecostal Igreja Bola de Neve,
onde ministra dois cultos por semana. “Quero, agora, ganhar almas para o
Senhor”, diz.
Antes de
se fixar na Bola de Neve, Higuti experimentou outras quatro denominações
evangélicas. Mobilidades intraevangélicas como as dele ocorrem com
aproximadamente 40% dos adeptos de igrejas pentecostais e neopentecostais,
segundo a especialista em sociologia da religião Sílvia, da UFRRJ. Os
neopentecostais, porém, possuem uma particularidade. Seus fiéis trocam de
igreja como quem descarta uma roupa velha: porque ela não serve mais. São a
homogeneização da oferta religiosa e a maior visibilidade de algumas
denominações que produzem esse efeito. “Esse grupo, antigamente, era o tal
receptor universal de fiéis, para onde iam todas as religiões. Hoje, a
singularidade dele é o fato de receber membros de outras neopentecostais”, diz
Sandra, da Umesp. “Quanto mais acirrada a concorrência, maior a migração.” A
exposição na mídia, fundamentalmente na tevê, é a principal estratégia dos
neopentecostais para roubar adeptos da concorrente direta. E cada vez mais as
pessoas estabelecem uma relação utilitária com a religião. De acordo com a
pesquisadora Sandra, se não há o retorno (material, na maioria das vezes), o
fiel procura outra prestadora de serviço religioso. Estima-se, por exemplo, que
70% dos atuais adeptos da Igreja Mundial – uma dissidente da Universal – tenham
migrado para lá vindos da denominação de Edir Macedo. “Entre os neopentecostais
não se busca mais um líder religioso, mas um mago que resolva tudo num estalar
de dedos”, diz Sandra. “Essa magia faz sucesso, mas tem vida curta, uma vez que
o fiel se afasta, caso não encontre logo o que quer.”
SEM LAÇOS
Lucina
não segue nenhum credo, mas quando quer alcançar uma graça procura
algum serviço religioso: 30% fazem o mesmo anualmente
Cansada
de pular de uma crença para outra, a artesã paulista Lucina Alves, 57 anos, não
sente mais necessidade de pertencer a uma igreja. Há oito anos, ela diz ser do
grupo dos sem-religião. No entanto, recorre a ritos de fé, principalmente
católicos, espíritas e da Seicho-No-Ie, sempre que sente vontade de zelar pelo
bem-estar de alguém. “Há um mês, fui até uma benzedeira ligada ao espiritismo
para ajudar meu filho que passava por problemas conjugais”, diz. Dados do
artigo “Trânsito religioso no Brasil” revelaram que 30,7% das pessoas que se
encontram na categoria dos sem-religião frequentam algum serviço religioso
anualmente e 20,3% fazem o mesmo mais de uma vez por mês. “Já participei de
reuniões evangélicas de orações em casa de familiares”, conta Lucina.
A artesã
não cultua santos, crê em Deus, Jesus Cristo e acende vela para anjos. No campo
das ciências da religião, manifestações espirituais como as dela são recentes e
vêm sendo tema de novos estudos. A migração de brasileiros para o islã é outro
fenômeno que cresce no País. O número de convertidos na comunidade muçulmana do
Rio de Janeiro, por exemplo, saltou de 15% em 1997 para 85% em 2009.
Ex-umbandista que hoje atende por Ahmad Abdul-Haqq, o policial militar paulista
Mario Alves da Silva Filho tem um inventário religioso de dar inveja. Batizado
no catolicismo, aos 9 anos estreou na umbanda em uma gira de caboclo e baianos.
Um ano depois, juntando moedas que ganhava dos pais, comprou seu primeiro
livro, sobre bruxaria. Aos 14, passou a frequentar a Federação Espírita
paulista, onde fez cursos para trabalhar com incorporações e psicografia. Aos
17 anos, trabalhou em ordens esotéricas ao mesmo tempo que dava expediente na
umbanda. O policial, mestrando em sociologia da religião na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), decidiu se converter ao islã
quando fazia um retiro de padres jesuítas. Em uma noite, sonhou com um árabe
que o indicava o islã como resposta para suas dúvidas. Aos 29 anos, ele entrou
em uma mesquita e disse que queria ser muçulmano. Saiu dela batizado e, desde
então, faz cinco orações e repete frases do “Alcorão” diariamente. “Descobri
que sou uma criatura de Deus e voltarei ao seio do Criador.”
MECA
Migração
atípica: o policial Filho, de currículo religioso
extenso, trocou a umbanda pelo islã
Faz dez
anos que o número de convertidos ao islã no País aumentou. E não são os
atentados às Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001, que marcam esse novo
fluxo, mas a novela “O Clone”, da Globo. Foi ela que “introduziu no imaginário
cultural brasileiro imagens bastante positivas dos muçulmanos como pessoas
alegres e devotadas à família”, como defende Paulo Hilu da Rocha Pinto em
“Islã: Religião e Civilização – Uma Abordagem Antropológica” (Editora
Santuário), de 2010. “De lá para cá, a conversão de brasileiros cresceu 25%. Em
Salvador, 70% da comunidade é de convertidos”, diz a antropóloga Francirosy
Ferreira, pesquisadora de comunidades muçulmanas da Universidade de São Paulo
(USP), de Ribeirão Preto.
Assistente
financeiro, o paulista Luan Nogueira, 23 anos, tornou-se muçulmano há um ano.
Por indicação de um amigo, passou a pesquisar o islã e descobriu que o discurso
estigmatizado criado após o 11 de setembro, que relacionava a religião à
intolerância e à violência, não era verdadeiro. “Encontrei na mesquita e no
“Alcorão” a ética da boa conduta”, diz. “Me sinto mais próximo de Deus no
islã.” Para o professor Frank Usarski, do Centro de Estudo de Religiões
Alternativas de Origem Oriental, da PUC-SP, o atrativo do islã é o fato de não
ter perdido, diferentemente de outras religiões, a competência da interpretação
completa da vida. “Ele oferece um guarda-chuva de referências para esferas como
economia e ciência”, diz Usarski.
ORIXÁS
Ex-liderança
evangélica, Garcia largou os cultos cristãos (abaixo) para se tornar pai de
santo
Segundo o
escritor Pinto, que também é professor de antropologia da religião na
Universidade Federal Fluminense, o islã permite aos adeptos uma inserção e
compreensão sobre questões atuais, como, por exemplo, a Palestina, a Guerra do
Iraque e segurança internacional, para as quais outros sistemas religiosos
talvez não deem respostas. “Se a adoção do cristianismo em contextos não
europeus do século XIX pôde ser definida com uma conversão à modernidade, a
entrada de brasileiros no islã pode ser vista como uma conversão à
globalização”, escreve ele, em seu livro.
É cada
vez mais comum, no País, fiéis rezando com a cartilha da autonomia religiosa.
Esse chega para lá na fé institucionalizada tem conferido características mutantes
na relação do brasileiro com o sagrado, defende a professora Sandra, de
ciências sociais e religião da Umesp. “Deus é constituído de multiplicidade
simbólica, é híbrido, pouco ortodoxo, redesenhado a lápis, cujos contornos
podem ser apagados e refeitos de acordo com a novidade da próxima experiência.”
Agora é o fiel quem quer empunhar a escrita de sua própria fé.
O artigo original poderá ser
visto por meio do seguinte link:
http://www.istoe.com.br/reportagens/152980_O+NOVO+RETRATO+DA+FE+NO+BRASIL
Para entender mais sobre a atual situação da religiosidade no Brasil recomendamos a leitura de nosso artigo acerca das estatísticas do IBGE do censo de 2010 tabuladas pelo BEPEC. O mesmo poderá ser acessado por meio desse link aqui
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ESTATÍSTICAS TRATANDO DE RELIGIÕES
Que Deus abençoe a todos.
Alexandros
Meimaridis
PS. Pedimos a todos os nossos leitores que puderem que “curtam” nossa
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Desde já agradecemos a todos.
Muito interessante! Vê-se como o secularismo tomou conta da nossa cultura (assim como na Europa e nos EUA). As pessoas buscam à Deus para que Ele as sirva, quando deveria ser ao contrário.
ResponderExcluirCara Brenda,
ExcluirObrigado por compartilhar tuas observações sempre tão pontuais. Você está coberta de razão, apesar de tal constatação nos encher de vergonha e preocupação com o futuro eterno de todas essas pessoas.
Grande abraço,
irmão Alex