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O material abaixo é da autoria de
Marília de Camargo César Jornalista do Jornal Valor Econômico e foi publicado
na revista Época. Segue o texto.
É possível ser gay e cristão?
Cansados
da exclusão religiosa, os homossexuais criam suas próprias igrejas e inventam
novas formas de interpretar as proibições da 'Bíblia'
MARÍLIA
DE CAMARGO CÉSAR
FOTO:
CASTIGO A destruição de Sodoma, em quadro de Veronese (1510-1553). A teologia
gay recusa a culpa (Foto: Burstein Collection/Corbis)
No próximo
dia 13, no Rio de Janeiro, em meio à extravagância e ao carnaval que costumam
marcar a Parada Gay, um grupo de jovens ligados à Igreja da Comunidade
Metropolitana distribuirá folhetos e erguerá cartazes em que anunciam o amor
incondicional de Deus por todos os homens, incluindo homossexuais, travestis e
transgêneros.
Esse
pequeno rebanho de ovelhas, lideradas no Rio pelo pastor Márcio Retamero, faz
parte de uma das comunidades chamadas “inclusivas”. São pessoas, em sua maioria
de orientação homoafetiva, que acreditam na releitura dos trechos das Sagradas
Escrituras que condenam a prática homossexual. Dados aproximados revelam a
existência de 28 comunidades desse tipo organizadas no Brasil, em nove Estados.
Um levantamento entre os líderes dessas comunidades, feito a pedido da
BBC-Brasil em 2012, sugere uma frequência estimada de 10 mil pessoas. Muitas
delas foram expulsas de igrejas evangélicas tradicionais, após assumir ser
gays, ou afastadas por uma forma mais sutil de assassinato: o desprezo ou a indiferença.
Sem
saber, os participantes da Parada Gay repetirão uma forma de manifesto
organizada pela primeira vez na história em 1970, nas ruas de Los Angeles, nos
Estados Unidos, por um pastor protestante. Ordenado pastor batista quando tinha
apenas 15 anos, numa pequena congregação no Estado da Flórida, onde se casou e
teve dois filhos, o reverendo Troy Perry se afastara do trabalho após
divorciar-se da esposa e admitir ser gay.
Depois de
entrar numa crise existencial, que o levou perto do suicídio, Perry diz ter
recebido um chamado divino para voltar a pastorear – desta vez, com a atenção
voltada às pessoas que, como ele, eram discriminadas por causa da orientação
sexual. Assim nasceu a Metropolitan Community Churches (MCC), a primeira
denominação inclusiva dos Estados Unidos. A MCC reúne hoje 43 mil membros, em
222 congregações espalhadas por 37 países. Está no Brasil desde 2009, onde
conta com oito comunidades. O trabalho do pastor carioca Márcio Retamero está
vinculado à MCC.
O chamado
pastoral de Perry deu origem à controversa teologia inclusiva, também
denominada teologia queer (outra palavra para gay, em inglês), ou afirmativa.
Trata-se de uma reinterpretação bíblica contestada pelos teólogos tradicionais.
Um
exemplo dessa releitura está na conhecida história sobre a destruição das
cidades de Sodoma e Gomorra, narrada no livro de Gênesis. Os inclusivos usam
uma passagem bíblica do livro do profeta Ezequiel (Ezequiel 16:49) para
reforçar sua teoria de que o grande pecado das duas cidades não foi a devassidão
homossexual, mas a falta de hospitalidade e de justiça social. O texto bíblico
afirma: “Eis que essa foi a iniquidade de Sodoma, fartura de pão e próspera
ociosidade teve ela e suas filhas, mas nunca amparou o pobre e o necessitado”.
Ausência de interesse por justiça social e de preocupação com os viajantes numa
cultura nômade, onde ser hospitaleiro era um dos traços de generosidade mais
importantes, são os grandes pecados que os teólogos gays atribuem a Sodoma e
Gomorra.
Os
pesquisadores tradicionais contestam. Dizem que aqueles que advogam apenas
falta de cortesia ou de preocupação social por parte da população de Sodoma
ignoram a passagem do livro de Judas, que afirma: “De modo semelhante a estes,
Sodoma e Gomorra e as cidades em redor se entregaram à imoralidade e a relações
sexuais antinaturais. Estando sob o castigo do fogo eterno, elas servem de
exemplo”.
FOTO:
INCLUSÃO Igreja gay na cidade de São Paulo, neste ano. Os fiéis se sentem
livres do desprezo e da indiferença
(Foto: Zanone Fraissat/Folhapress)
“Há uma tradição de 5 mil anos de história
judaico-cristã-islâmica e até agora não surgira nenhum teólogo, nenhum exegeta
que tivesse feito outra leitura desses textos. De Abraão até o século XX, não
houve releituras. De repente, surge um grupo que teve uma iluminação”, afirmou,
com ironia, em entrevista para o livro Entre a cruz e o arco-íris, de minha
autoria, Dom Robinson Cavalcanti, arcebispo da Diocese de Olinda da Igreja
Anglicana do Cone Sul da América. Dom Robinson, morto em 2012, acreditava que
esse debate estava inserido num movimento cultural global, de caráter
ideológico. “A Igreja teve os pais apostólicos, os pais da Igreja, os
reformadores, a filosofia oriental ortodoxa, e ninguém nunca viu isso. Agora
chegam os americanos e fazem uma releitura”, afirmou. “Trata-se de uma grande
pirueta teológica.”
A discussão teológica é apenas uma das questões que pautam o difícil relacionamento entre as igrejas cristãs e os fiéis homossexuais. Quando se mergulha nesse universo, como eu fiz, fica claro que as igrejas ainda não estão dispostas nem preparadas para desenvolver uma pastoral adequada aos homossexuais, uma minoria que, como os leprosos nos tempos de Jesus, é deixada à margem e condenada ao isolamento.
O pastor
Ricardo Barbosa, da Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília, um
experiente conselheiro de casais cristãos, resume bem a questão: “Ouvi de um
rapaz que foi homossexual praticante durante muito tempo que nós afirmamos que
a graça de Deus basta, que Deus ama o pecador. Cantamos para que eles venham
como estão. Mas não no caso dos gays. No caso dos gays, pedimos que mudem
primeiro. A Igreja deve manter o mesmo convite para todos, para que todos
possam caminhar em direção à vida que Cristo nos oferece. A Igreja precisa se
preparar para isso”.
Não se
trata de uma conversa fácil e, nessa arena, muitos lutam com as armas de que
dispõem em favor daquilo em que acreditam. Pastores surgem na televisão,
inflamados, amaldiçoando a homossexualidade como o pecado sem perdão. Ativistas
gays, por outro lado, combatem a postura das igrejas, na tentativa de
amordaçá-las e impedi-las, por via legal, de ensinar o que as Escrituras
Sagradas estabelecem a respeito do assunto. Assim descreve o teólogo e escritor
Richard Foster: “A homossexualidade é um problema tão difícil de tratar dentro
da comunidade cristã que tudo o que for dito será severamente criticado”.
Por mais
que pareça estranho, muitos cristãos ignoram o fato de que há um rebanho
formado por homossexuais que congrega, nas igrejas, anônimos, sem poder assumir
quem são, levando vidas que Henry David Thoreau definiu como de “silencioso
desespero”. São pessoas comuns, cristãos sinceros que nutrem o desejo de servir
ao mesmo Senhor adorado pela maioria heterossexual. São homens e mulheres que
foram aceitos pelo amor incondicional de um Deus que, segundo a Bíblia, não faz
distinção entre as pessoas, mas que descobriram, na prática, igrejas que a
fazem.
Por essa
razão, é de esperar que as igrejas inclusivas continuem crescendo também no
Brasil. Os líderes das comunidades evangélicas amigas dos gays preveem o dobro
do número de fiéis nos próximos cinco anos. Mesmo essas congregações podem não
ser a resposta ideal para alguns. A arquiteta Fátima Regina de Souza, um dos
personagens de meu livro, frequentou por um tempo uma dessas comunidades, onde
fez amigos. Ela não se adaptou. Não gostou da sensação de ficar confinada a um
gueto.
Para
Fátima, o lado mais difícil em sua viagem de autoconhecimento e autoaceitação é
enfrentar o preconceito. Ela tem a impressão de que as pessoas sempre pensam
que o homossexual cristão não fez tudo o que podia para mudar, não buscou a
Deus o suficiente. “É como se a gente estivesse sempre em falta”, diz ela. “As
pessoas lançam esse olhar de desconfiança sobre nós sem nem antes encarar os
próprios problemas. Isso machuca muito. Com o tempo, a gente vai aprendendo a
se proteger.”
Há alguns
anos, Fátima voltou a reunir-se numa pequena e acolhedora congregação, em
Ribeirão Preto, onde mora. Ali, diz ter encontrado cristãos que a amaram do
jeito que ela é e, segundo diz, tornaram sua vida viável.
A
jornalista Marília de Camargo César, do jornal Valor Econômico, é autora de
Feridos em nome de Deus. Seu novo livro, Entre a cruz e o arco-íris, será
lançado pela Editora Gutenberg em 14 de outubro
A reportagem original da ÉPOCA
poderá ser vista Poe meio do seguinte link:
Temos vários artigos abordando
essa questão para os quais gostaríamos de chamar a atenção de todos os nossos
leitores. Os mesmos poderão ser vistos por meio dos links abaixo:
OUTROS ARTIGOS ACERCA
DE PRÁTICAS DE IMORALIDADES SEXUAIS
Que Deus abençoe a todos.
Alexandros Meimaridis
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