O material abaixo foi publicado
pelo site da Revista IstoÉ
Os
primeiros protestantes brasileiros
Em trabalho inédito, historiadora
revela que a primeira igreja evangélica do Brasil foi criada por índios da
tribo potiguara convertidos por holandeses em Pernambuco. Perseguidos pelos
portugueses, eles se refugiaram no Ceará.
Por João Loes
Muito se fala do legado das
invasões holandesas no Brasil, que duraram quase três décadas durante o século
XVII. A cidade do Recife, por exemplo, quartel-general dos invasores em
Pernambuco, guarda até hoje as marcas do urbanismo batavo, com ruas e avenidas
de traçado reto e pouco usual para a época. Em museus do Brasil e do mundo,
sobrevive a arte de gênios holandeses da pintura e da botânica como Albert
Eckhout e Frans Post, que documentaram o Brasil com cores e formas incomuns em
outros registros. A partir de agora, um lado mais obscuro, mas não menos
importante, da herança holandesa deve ganhar renovada atenção: o religioso. No
livro “A Primeira Igreja Protestante do Brasil” (Ed. Mackenzie, 2013), lançado
na semana passada, a historiadora e professora cearense Jaquelini de Souza
conta a história da “Igreja Reformada Potiguara”, criada por índios com apoio
holandês e mantida em funcionamento pelos nativos mesmo depois da expulsão
desses colonizadores pelos portugueses.
Como a história de qualquer
igreja em seus primórdios, a da Igreja Potiguara começa confusa, com a ida para
a Holanda, em 1625, daqueles que viriam a ser duas de suas maiores lideranças
indígenas. Pedro Poty e Antônio Paraupaba, índios potiguaras, embarcaram para
os Países Baixos em junho daquele ano sem saber bem o que fariam por lá. Ao
aportar, foram apresentados ao que o país tinha de melhor, receberam educação
formal e religiosa de ponta e logo se converteram ao protestantismo. Mas,
diferentemente do que costumava acontecer com índios que iam à Europa com os ingleses
e os franceses, cinco anos depois Paraupaba e Poty voltaram ao Brasil, em data
que coincide com o início da segunda invasão holandesa (leia quadro abaixo) no
País. Por aqui, assumiram funções administrativas, militares e espirituais. Aos
poucos, deram corpo, com outros índios igualmente educados na fé, a um programa
intenso de catequese e de formação de professores reformados indígenas.
Incipiente, a igreja em formação se reunia nas aldeias e fazia batismos,
casamentos, profissões de fé e ceias do senhor. “Já era a Igreja Potiguara
porque, teologicamente, havendo dois ou três reunidos em nome de Deus,
independentemente do lugar, está ali uma igreja”, diz Jaquelini.
Pouco na nascente igreja a fazia
diferir de outras experiências religiosas europeias nas Américas. Havia o
componente protestante, que aproximava o índio do colonizador de forma inédita
por colocar a educação do nativo como pré-requisito para sua conversão, algo
que os católicos pouco faziam. Mas, ainda assim, tratava-se de uma experiência
religiosa mediada por uma força impossível de ignorar: a de colonizador sobre
colonizado. “Por isso, argumento que foi só depois da expulsão dos holandeses
que vimos aflorar a verdadeira Igreja Potiguara”, diz Jaquelini. Expulsos do
Brasil em 1654, os batavos abandonaram os potiguaras convertidos e outros
nativos, aliados políticos e militares contra os portugueses, à própria sorte.
Mesmo assim, a maioria dos protestantes manteve sua fé. Refugiados dos
portugueses na Serra da Ibiapaba, no Ceará, onde chegaram depois de caminhar
750 quilômetros do litoral pernambucano ao sertão, eles continuaram praticando
a fé protestante e chegaram a converter índios tabajaras, que também estavam no
refúgio. Enquanto isso, Paraupaba, já tido como um brilhante historiador e profundo
conhecedor da “Bíblia”, tentava, na Holanda, apoio para os refugiados – um
esforço que não rendeu frutos imediatos.
Nada, porém, tirou o peso da
experiência protestante na Ibiapaba. Um relato do famoso padre Antônio Vieira,
jesuíta português incumbido de relatar à Companhia de Jesus o que acontecia na
região, dá o tom ao batizar o lugar de “Genebra de todos os sertões”. A cidade
de Genebra está para os protestantes como o Vaticano está para os católicos. Em
outro trecho, Vieira diz que os índios “estão muitos deles tão calvinistas e
luteranos como se nasceram em Inglaterra ou Alemanha”. Não se sabe ao certo o
que restou dos índios da Igreja Potiguara depois que o grupo se desfez, ao que
tudo indica, passados seis anos de vida em comunidade na Ibiapaba. Especula-se
que alguns se juntaram aos opositores dos portugueses durante as Guerras dos
Bárbaros a partir de 1688. Outros teriam voltado ao catolicismo ou às religiões
nativas. O que fica para história é que esses índios foram os primeiros brasileiros
protestantes. E que a Igreja Reformada Potiguara foi a primeira igreja
evangélica do Brasil.
O artigo original de IstoÉ poderá
ser visto por meio desse link aqui:
Que Deus abençoe a todos.
Alexandros Meimaridis
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