O artigo abaixo foi publicado pela revista Carta Capital e é de autoria de Luiz Gonzaga Belluzzo.
Cosmopolitismo
selvagem
As classes “cosmopolitas” têm
sido decisivas para a reprodução do apartheid social e impiedosas na crítica a
uma melhor distribuição de renda
por Luiz Gonzaga Belluzzo
Andréa Farias Farias/Flickr — Apartheid Social
A rejeição do “outro” não só
atingiu os níveis mais profundos das almas nativas, mas também conseguiu
angariar novos adeptos
Em seu rastro de contundências,
as eleições presidenciais deixam no caminho os despojos do processo
civilizador. Não falo das objurgatórias trocadas entre os articulistas da
chamada grande imprensa, ataques que apenas mimetizam os sacolejos e grosserias
perpetradas nos Facebooks da vida.
O apetite voraz de muitos
brasileiros ricos e bonitos por preconceitos de todos os matizes chegou ao
ponto do regurgitamento. Na onda recente de mastigação de impropérios racistas,
homofóbicos e regionalistas, tal voracidade encontrou auxílio nos maxilares que
proclamavam as virtudes da “meritocracia”.
A prática de negar a boa-fé dos
outros, dando a própria como garantida, é dogmatismo da inteligência e
farisaísmo moral. A rejeição do “outro” não só atingiu os níveis mais profundos
daquelas almas nativas, mas também conseguiu angariar novos adeptos. A rejeição
é mais profunda porque atingiu, de forma devastadora, os sentimentos de
pertinência à mesma comunidade de destino, suscitando processos subjetivos de
diferenciação e des-identificação em relação aos “outros”, ou seja, à massa de
pobres e miseráveis. E essa des-identificação vem assumindo cada vez mais as
feições de um individualismo agressivo e antirrepublicano. Uma espécie de
caricatura do americanismo.
A rejeição também foi mais ampla
porque essas formas de consciência social contaminaram vastas camadas das
classes médias: desde os “novos” proprietários, passando pelos quadros técnicos
intermediários até chegar aos executivos assalariados e à nova intelectualidade
formada em universidades estrangeiras ou mesmo em escolas locais que se esmeram
em reproduzir os valores e hábitos forâneos. Isso para não falar do papel
avassalador da mídia nacional e estrangeira.
É ocioso dizer que tais
expectativas e anseios não são um desvio psicológico, mas enterram suas raízes
nas profundezas da desigualdade que há séculos assola o País. Produtos da
desigualdade secular e daquela acrescentada no período do desenvolvimentismo a
qualquer preço, as classes cosmopolitas têm sido, ao mesmo tempo, decisivas
para a reprodução do apartheid social e impiedosas na crítica ao uso da
política fiscal para promover uma melhor distribuição de renda. Isso para não
falar dos ataques à redução da pobreza absoluta, acoimada de
“assistencialismo”.
Examinado à luz de um
projeto nacional capaz de integrar os mais pobres, o cosmopolitismo das classes
endinheiradas e de seus clientes revela o seu caráter parasitário e
antirrepublicano. Parasitário, sim, porque amparado na
internacionalização e na financeirização da riqueza e da renda dos estratos
superiores, implica uma modernização restrita da economia, com seu séquito de
destruição de empregos e exclusão social.
A dimensão individualista dessas
formas de consciência, por outro lado, vem produzindo a desconstituição dos
poderes e funções do Estado. Isso vai desde sua incumbência essencial, a de
garantir a segurança dos cidadãos até o bloqueio sistemático da universalização
das políticas de saúde, educação e previdência, marca registrada da
“modernidade”, tão proclamada pelos Senhores da Terra.
Nas confrontações que hoje
assolam a política brasileira, nada mais velho do que o novo. Há um empenho edificante na troca de
máscaras, enquanto o rosto do poder real permanece esculpido em sua pétrea
solidez. O disfarce de maior sucesso no momento foi confeccionado por mãos
hábeis. Os artesãos do cosmopolitismo selvagem ensaiam esculpir com novos
cinzéis as formas petrificadas do velho arranjo oligárquico. Os escultores altamente qualificados nos
ofícios da mesmice secular encaixam, sem ajustes nem atritos, a persona da
mudança nos rostos dos velhos donos do pedaço.
O cosmopolitismo abstrato, e não
raro vulgar, mal consegue esconder a ferida que Nietszche desvendou nas
profundezas da alma das sociedades massificadas: a diferenciação de atitudes,
estilos, modos de ser são tão semelhantes entre si que, afinal de contas, não
há nenhuma diferença entre eles. Condenados ao ciclo infernal do “eterno
retorno do mesmo”, os “modernosos” da globalização tiveram os seus dias de
glória ao proclamar o Fim da História. Hoje, o que vemos são cadáveres boiando
na maré vazante da crise financeira global. Quanto mais crédula a adesão às
torrentes da mercantilização universal, mais rasa a poça d’água em que terminam
por se afogar os profetas do passado. Que São Pedro tenha piedade.
NOSSO COMENTÁRIO
As palavras acima precisam ser
lidas com paciência e de forma meditativa, para que se possa aproveitar a
profundidade e as ricas nuanças contidas nas mesmas.
Que Deus abençoe a todos.
Alexandros Meimaridis.
PS. Pedimos a todos os nossos
leitores que puderem que “curtam” nossa página no Facebook através do seguinte
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Desde já agradecemos a todos.
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