O artigo abaixo foi publicado
pelo site REFORMA 21 e é de autoria de TIM KELLER
A
Lei do Antigo Testamento e a acusação de incoerência
POR TIM KELLER
Acho frustrante quando leio ou
ouço colunistas, especialistas ou jornalistas acusando cristãos de incoerência
porque “selecionam e escolhem quais regras da Bíblia obedecer”. O que ouço com
mais frequência é que “cristãos ignoram muitos textos do Antigo Testamento –
sobre não comer carne crua ou carne de porco ou de marisco, executar pessoas
por violarem o sábado, não usar peças de roupas tecidas com dois tipos de
material e assim por diante. E em seguida, eles condenam a homossexualidade.
Vocês não estão simplesmente escolhendo o que querem acreditar na Bíblia?”.
Não é que eu espero que todos
tenham a capacidade de compreensão de que a Bíblia inteira é sobre Jesus e o
plano de Deus para redimir o seu povo, mas espero em vão que um dia alguém se
aproxime do senso comum (ou pelo menos consulte um conselheiro teológico
informado) antes de levantar acusação de incoerência.
Em primeiro lugar, vamos deixar
claro que não é apenas o Velho Testamento que possui proscrições sobre a
homossexualidade. O Novo Testamento também tem muito a dizer sobre isso. Até
Jesus diz em sua argumentação sobre o divórcio em Mateus 19.3-12 que o projeto
original de Deus era que um homem e uma mulher se unissem como uma só carne, e
na falta disto (v. 12) as pessoas devem abster-se de casamento e do sexo.
No entanto, vamos voltar a grande
questão de incoerência em relação às coisas mencionadas no AT que não são mais
praticadas pelo povo de Deus do Novo Testamento. Muitos dos cristãos não sabem
o que dizer quando confrontados sobre isso. Segue um breve rumo sobre a relação do Antigo Testamento com o Novo Testamento:
O Antigo Testamento dedica uma
boa parte do seu espaço para descrever os vários sacrifícios que deveriam ser
oferecidos no tabernáculo (mais tarde, no templo) para reparar o pecado, de
modo que os fiéis poderiam se aproximar do Deus santo. Como parte desse sistema
sacrificial, havia também um conjunto complexo de regras para o asseio e pureza
cerimonial. Você só poderia se aproximar de Deus em adoração se tivesse comido
certos alimentos, vestisse de certas formas, se abstivesse de tocar uma
variedade de objetos, e assim por diante. Isso transmitia vividamente, vez após
outra, que os seres humanos são espiritualmente impuros e não podem ir à
presença de Deus sem purificação.
Mesmo no Antigo Testamento,
muitos escritores deram a entender que os sacrifícios e as regras do templo de
adoração apontavam para algo além deles. (cf. 1 Samuel 15.21-22, Salmos
50.12-15; 51.17; Oséias 6.6). Quando Cristo apareceu, ele declarou “puros”
todos os alimentos (Marcos 7.19) e ignorou as leis de pureza do Antigo
Testamento tocando aos leprosos e mortos.
O motivo ficou claro. Quando ele
morreu na cruz o véu do templo se rasgou, mostrando que a necessidade de todo
sistema sacrificial com as suas leis de pureza haviam terminado ali. Jesus é o
sacrifício definitivo pelo pecado e agora Jesus nos faz “puros”.
Todo o livro de Hebreus explica
que as leis cerimoniais do Antigo Testamento não foram tão abolidas quanto
foram cumpridas por Cristo. Sempre que oramos “no nome de Jesus”, temos “plena
confiança para entrar no Santo dos Santos pelo sangue de Jesus”. (Hebreus
10.19). Seria, portanto, profundamente incompatível com o ensinamento da Bíblia
como um todo se continuássemos a seguir as leis cerimoniais.
O Novo Testamento nos dá mais
orientações sobre como ler o Antigo Testamento. Paulo deixa claro em passagens
como Romanos 13.8 que os apóstolos entenderam que a lei moral do Antigo
Testamento ainda se vincula a nós. Em suma, a vinda de Cristo mudou a forma
como adoramos, mas não o modo como vivemos. A lei moral é um esboço do próprio
Deus o seu caráter – sua integridade, amor e fidelidade. E assim tudo o que
Antigo Testamento fala sobre amar o nosso próximo, cuidar do pobre,
generosidade com nossas posses, as relações sociais e o compromisso com nossa
família, ainda está em vigor. O Novo Testamento continua a proibir matar ou
cometer adultério, e toda ética sexual do Antigo Testamento é reafirmado
através do Novo Testamento (Mateus 5.27-30, 1 Coríntios 6.9-20; 1 Timóteo
1.8-11.) Se o Novo Testamento tem reafirmado um mandamento, então ele ainda
está em vigor para nós hoje.
Além disso, o Novo Testamento
explica outra mudança entre os Testamentos. Pecados continuam sendo pecados,
mas as penalidades mudam. No Antigo Testamento, coisas como adultério ou
incesto eram passíveis de serem punidas com sanções civis, como a execução.
Isto porque naquela época o povo de Deus existia sob a forma de um
Estado-nação, então todos os pecados tinham penalidades civis.
Mas no Novo Testamento o povo de
Deus é um conjunto de igrejas em todo o mundo, vivendo sob muitos governos
diferentes. A igreja não é um governo civil, então os pecados são tratados pela
exortação e, na pior das hipóteses, a exclusão da membresia. Isto é como o caso
de incesto na igreja de Corinto foi tratado por Paulo (1 Coríntios 5.1 e 2
Coríntios 2.7-11). Por que essa mudança? Em Cristo, o evangelho não se limita a
uma única nação – foi liberado para todas as culturas e povos.
Uma vez que você admite a
principal premissa da Bíblia – sobre o sublime significado de Cristo e sua
salvação – todas as diversas partes da Bíblia fazem sentido. Por causa de
Cristo, a lei cerimonial é revogada. Por causa de Cristo a Igreja deixou de ser
um estado-nação impondo penalidades civis. E tudo se encaixa. No entanto, se
você rejeita a ideia de Cristo como Filho de Deus e Salvador, então, é claro, a
Bíblia é no máximo uma mistura contendo um pouco de inspiração e sabedoria, mas
a maior parte teria que ser rejeitada como insensato ou falso.
Então, em que posição nos
encontramos agora? Há apenas duas possibilidades. Se Cristo é Deus, então essa
maneira de ler a Bíblia faz sentido e é perfeitamente coerente com sua
premissa. A outra possibilidade é de você rejeitar a tese básica do
cristianismo – você não acredita que Jesus é o Filho ressuscitado de Deus – e
então a Bíblia não é um guia seguro para você sobre muita coisa. Mas a única
coisa que você não pode realmente dizer com justiça é que os cristãos estão
sendo incompatíveis com suas crenças por aceitarem as afirmações morais do
Antigo Testamento e não praticarem outros.
Uma maneira de responder à
acusação de incoerência pode ser fazendo uma contra pergunta: “Você está me
pedindo para negar a essência da minha crença cristã?” Se for perguntado: “Por
que você diz isso?” Você poderia responder: “Se eu acredito em Jesus como Filho
ressurreto de Deus, eu não posso seguir todas as leis ‘limpas’ de dieta e
prática, e eu não posso oferecer sacrifícios de animais. Isso seria negar o
poder da morte de Cristo na cruz. Assim, quem realmente crê em Cristo deve
seguir alguns textos do Antigo Testamento e outros não.”
Traduzido por Débora Batista
O artigo original poderá ser lido
por meio desse link aqui:
O artigo não representa em sua totalidade, necessariamente, a opinião do Blog O Grande Diálogo.
Que Deus abençoe a todos
Alexandros Meimaridis
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