Silas Malafaia e Martin Luther
King: duas faces da mesma moeda?
O artigo abaixo foi publicado
pelo site da revista Carta Capital e é de autoria do Jornalista Ricardo
Alexandre.
Afinal,
quem são “os evangélicos”?
por Ricardo Alexandre
Homofóbicos, cortejados pela
presidente, fundamentalistas. Massa de manobra de Silas Malafaia,
conservadores, determinantes no segundo turno das eleições. De tanto que se
falou sobre os evangélicos nas últimas semanas, nos jornais e nas redes
sociais, talvez caiba uma pergunta: afinal, quem são “os evangélicos”?
A resposta mais honesta não
poderia ser mais frustrante: os evangélicos são qualquer pessoa, todo mundo,
ou, mais especificamente, ninguém. São uma abstração, uma caricatura pintada a
partir do que vemos zapeando pelos canais abertos misturado ao que lemos de
bizarro nos tabloides da internet com o que nosso preconceito manda reforçar.
Dizer que “o voto dos evangélicos decidirá a eleição” é tão estúpido quanto
dizer a obviedade de que 22,2% dos brasileiros decidirão a eleição. Dizer que
“os evangélicos são preconceituosos”, significa dizer que o ser humano é
preconceituoso. É não dizer nada, na verdade.
Acreditar que há uma hegemonia de
pensamento, de comportamento ou de doutrina evangélica é, em parte, exatamente
acreditar no que Silas Malafaia gosta de repetir, mas é, em parte, desconhecer
a história. A diversidade de pensamento é a razão de existir da reforma
protestante. E continuou sendo pelos séculos seguintes, quando as igrejas
reformadas do século 16 deram origem ao movimento evangélico, aos pentecostais,
e estes aos neopentecostais, todos microdivididos até o limite do possível,
graças, novamente, à diversidade de pensamento – sobre forma de governo,
vocação e pequenos e grandes pontos doutrinários. E boa parte dessas
denominações não tem sequer organização central nem “presidência”, muito menos
representantes possíveis, com as decisões sendo tomadas nas comunidades locais,
por votação democrática.
Assim como não existe “os
evangélicos” também não existe “os pentecostais”, nem “os assembleianos”: dizer
que Malafaia é o “papa da Marina Silva” como disse Leonardo Boff, apenas porque
ambos são membros da Assembléia de Deus, é ignorar que, por trás dos 12,3
milhões de membros detectados pelo IBGE, a denominação é rachada entre
ministérios Belém, Madureira, Santos, Bom Retiro, Ipiranga, Perus e diversos
outros, cada um com seu líder, sua politicagem e sua aplicação doutrinária. A Assembléia
de Deus Vitória em Cristo de Malafaia, aliás, sequer pertence à Convenção Geral
das Assembleias de Deus no Brasil.
Ignorância parecida se manifesta
em relação ao uso do termo “fundamentalista”, como sinônimo de “literalista”,
aquele incapaz de metaforizar as verdades morais dos livros da Bíblia. A
teologia cristã debate há dois mil anos sobre a observação, interpretação e
aplicação dos escritos sagrados, quais são alegóricos e quais são históricos,
quais são “poesias” e quais devem ser tomados ao pé da letra. O deputado Jean
Wyllys, colunista da Carta Capital, do alto de alguma autoridade teológica
presumida, já chegou à sua conclusão: o que não for leitura liberal, é
fundamentalista e, portanto, uma ameaça às minorias oprimidas. (Liberalismo
teológico é uma corrente do final do século 19 que propôs uma leitura crítica
das escrituras, completamente alegorizada, negando sua autoridade sobrenatural,
a existência dos milagres, e separando história e teologia).
Só que isso simplesmente não é
verdade. Dentro da multifacetação das igrejas de tradição evangélicas, há as
chamadas “inclusivas”, mas há diversas igrejas históricas, tradicionais,
teologicamente ortodoxas, que acreditam nos absolutos da “sola scriptura” da
Reforma Protestante, mas que têm política acolhedora e amorosa com as minorias.
Algumas criaram pastorais para tratar da questão homossexual, outras trabalham
para integrá-los em seus quadros leigos; ou, ainda, como disse o pastor batista
Ed René Kivitz, estão mais dispostos a aprender como tratar “uma pessoa que
está diante de mim dizendo ter sido rejeitado pela família, pela igreja” do que
discutir a literalidade dos textos do Velho Testamento.
O panorama da questão pode ser
melhor entendido em entre a cruz e o arco-íris: A complexa relação dos cristãos
com a Homoafetividade (de Marília de Camargo César, da Editora Autêntica),
livro que tive a honra de editar. Nele, o pastor batista e sociólogo americano
Tony Campolo, ex-conselheiro do presidente Bill Clinton, diz: “Se você vai
dizer à comunidade homossexual que em nome de Jesus você a ama (...) não teria
que lutar por políticas públicas que demonstrem que você as ama? Pode haver
amor sem justiça? Eu luto pela justiça em favor de gays e lésbicas, porque em
nome de Jesus Cristo eu os amo.” Campolo, entretanto, faz distinção entre
direitos e casamento: “O governo não deve se envolver nem declarar, de forma
alguma, o que é casamento, quem pode ou não se casar”, ele disse. “Governo
existe para garantir os direitos das pessoas. Casamento é um sacramento da
igreja – governos não devem decidir quem deve ou não receber esse sacramento.”
Campolo acredita que esta será a visão dominante entre cristãos americanos “em
cinco ou seis anos”.
Entre os evangélicos brasileiros,
há quem pense desde já como Campolo – distinguindo união civil de casamento. Há
quem pense de forma ainda mais radical: que a união civil, com implicações
patrimoniais e status de família, deveria valer não apenas para casais
homossexuais, mas para irmãos, primos ou quem quer que se entenda como família.
Há quem defenda o acolhimento dos gays nas igrejas, mas que se reserve o
celibato para eles. Quem, embora sabendo que mais da metade das famílias
brasileiras já não são no formato pai-mãe-filhos, ainda luta para restabelecer
esse padrão idealizado. Há, sim, quem acredite que o seu conjunto de doutrinas
e o seu modo de vida são fundamentais. Há aqueles ainda que, enquanto
discutimos aqui, estão mais preocupados se a melhor tradução do grego é a João
Ferreira de Almeida ou a Nova Versão Internacional. E há quem acorde
diariamente acreditando ser o porta-voz do “povo de Deus”, pague espaço em
redes de televisão para multiplicar esse delírio (mas, a julgar pelo 1% de
intenção de voto do Pastor Everaldo, somente ativistas gays e jornalistas
desmotivados acreditam nesse discurso). Esses são “os evangélicos”.
Na fatídica sexta-feira em que o
PSB divulgou seu programa de governo, enquanto Malafaia gritava no Twitter em
CAPSLOCK furibundo, o pastor presbiteriano Marcos Botelho, postou: “Marina, que
bom que você recebeu os líderes do movimento LGBTs, receba as reivindicações
com a tua coerência e discernimento de sempre e um compromisso com o estado
laico que é sua bandeira. Vamos colocar uma pedra em cima dessa polarização
ridícula entre gays e evangélicos que só da IBOPE para líderes políticos e
pastores oportunistas.”
Botelho não representa “os
evangélicos” porque não existe “os evangélicos”. Mas Marcos Botelho existe e é
evangélico. Assim como existe William Lane Craig, o filósofo que convida
periodicamente Richard Dawkins para um debate público, do qual este sempre se
esquiva; existe o geneticista Francis Collins vencendo o William Award da
Sociedade Americana de Genética Humana; existe o presidente Jimmy Carter, dando
aula na escola bíblica no domingo e sendo entrevistado para a capa da Rolling
Stone por Hunter Thompson na segunda-feira; existe o pastor congregacional inglês
John Harvard tirando dinheiro do próprio bolso para fundar uma universidade
“para a glória de Deus” nos Estados Unidos que leva seu sobrenome até hoje;
existe o pastor batista Martin Luther King Jr., como o maior ativista de todos
os tempos; existe o jovem paulista Marco Gomes, o “melhor profissional de
marketing do mundo”, pedindo licença para “falar uma coisa sobre os
evangélicos”. E existe o Feliciano, o Edir Macedo, a Aline Barros, o Thalles
Roberto, o Silas Malafaia e o mercado gospel. Como existe bancada evangélica,
mas existem os que lutaram pela “separação entre igreja e estado” na
constituição, e existem os que acreditam que levar Jesus Cristo para a política
é trabalhar não para si, mas para os menos favorecidos.
Existe o amor e existe a justiça,
como existe o preconceito, o dogmatismo, o engano, o medo, a vaidade e a
corrupção. Não porque somos evangélicos, mas porque somos humanos.
Ricardo Alexandre é jornalista e
escritor, radialista e blogueiro, Prêmio Jabuti 2010, ex-diretor de redação das
revistas Bizz, Época São Paulo e Trip. E é membro da Igreja Batista Água Viva
em Vinhedo, interior de São Paulo.
O artigo original poderá ser
visto por meio do link abaixo:
Que Deus abençoe a todos.
Alexandros Meimaridis
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Desde já agradecemos a todos.
Em primeiro lugar, NÃO ADIANTA ser evangélico, de qualquer vertente, se não for CRISTÃO.
ResponderExcluirEm segundo lugar, essa história de Estado laico é a conversa mais fiada que eu já ouvi na minha vida. Estado laico significa que uma corja de equivocados quer ter o direito, por exemplo, de obrigar todos - TODOS!!!! - a gostarem de barbaridades como aborto e "casamento" gay, e ninguém - NINGUÉM!!!! - poder reclamar de nada. Significa dar a uma corja de endemoninhados-filhos-do-capiroto o direito de ensinar pornografia e satanismo nas escolas, e os pais não terem o direito de questionar nada.