Confira, a seguir, nossa recente
entrevista concedida ao jornalista Fernando Turri, da revista Plural (ESPM-SP).
Parte da entrevista foi inserida na matéria A Utopia do Estado Laico no Brasil
(pp. 48-50). Esta e outras matérias compõem a sétima edição da Plural. Leia a
matéria na integra aqui.
Revista Plural. O
Estado deve ser laico? Por quê?
Johnny Bernardo.
Sim, é algo imperativo. A laicidade pressupõe neutralidade em questões
religiosas. A passagem do Brasil Monarquia para Brasil República é um marco
histórico e jurídico que implica na laicização do Estado brasileiro. Neste
sentido, os primeiros 389 anos da história do Brasil foram marcados por uma
constante confusão entre o Estado e a Religião. Controlada pelo governo, a
Igreja Católica se sobrepunha as demais religiões presentes clandestinamente no
Brasil, impedindo a democratização do acesso a outras confissões. Dessa forma,
a ausência de um Estado laico era um impeditivo ao surgimento ou
estabelecimento de novas religiões no Brasil. Portanto, a laicidade é
importante porque estabelece uma separação entre o Estado e a Religião, como
também universaliza o direito a livre expressão religiosa. Outro fato
importante é que a diversidade religiosa brasileira exige uma posição neutra do
Estado, de modo a não privilegiar nenhuma religião ou movimento confessional.
Os Estados teocráticos – a exemplo do que observamos em parte do mundo islâmico
– são exemplos da ingerência ou da relação indevida entre Estado e Religião,
com reflexo social.
Quais são os riscos que
advém da união entre o Estado e instituições religiosas?
Há inúmeros riscos, a exemplo do
que observamos nos Estados teocráticos. A confusão entre o Estado e a Religião
– no caso, nos países islâmicos – é tipificada pelas inúmeras proibições e
cerceamentos impostos aos cidadãos, e, em especial, ao gênero feminino. Na
Arábia Saudita a mulher não pode dirigir, não pode sair de casa sem ter vestido
uma burca ou uma Niqab – vestimenta que cobre o corpo inteiro -, como também é
proibida de circular ou permanecer em locais em que estejam presentes homens.
Há uma verdadeira segregação social na Arábia Saudita. O gênero masculino
também é alvo de cerceamentos, de imposições do Estado. Um caso recente é o do
criador do site “Free Saudi Liberals”, Raif Badawi, que foi condenado a uma
sentença de dez anos de cadeia e mil chibatadas. Segundo a corte que determinou
a reclusão e o castigo, Badawi vinha constantemente “desrespeitando o
islamismo” ao publicar artigos que criticam o conservadorismo saudita. No Irã,
temos o exemplo da jovem Malala, e, mais recentemente, o caso de outra jovem
que foi detida por ter assistido a uma partida de vôlei e que teve grande
repercussão internacional. Um abuso de poder!
O Brasil é um Estado
Laico, de acordo com o artigo 19 da nossa constituição. Você acredita que na
prática o Estado se mantém isento da influência da religião?
De forma alguma. O Brasil, assim
como os Estados Unidos, ainda é pautado pela religião, pela influência de
líderes religiosos. Ainda não conhecemos – apesar do estabelecido no artigo 19
de nossa constituição – o que é ser um Estado laico em sua plenitude. A Igreja
Católica ainda mantém parte de sua influência no governo federal, caracterizada
pela segunda concordata entre o Brasil e o Vaticano, assinada à época do
governo progressista do presidente Luíz Inácio Lula da Silva, que, por meio do
Decreto nº 7107, concedeu isenção tributária a organizações católicas,
reconheceu a importância da contribuição católica no ensino e estabeleceu o
estatuto jurídico da Igreja Católica. Passados quase 125 anos da promulgação da
constituição de 1891, a Igreja Católica mantém sua presença na estrutura do
Estado, em algumas repartições públicas, como cemitérios, hospitais, cartórios,
câmaras, assembleias legislativas e fóruns. Em cemitérios, padres realizam
missas, atendem familiares durante velórios, acompanham autoridades. Capelas no
alto de cemitérios também marcam a presença da Igreja, de sua influência na
estrutura local. Hospitais públicos reservam espaços exclusivos para fieis
católicos, com imagens de santos e altar. Não há laicidade.
Países como a Arábia
Saudita, Afeganistão e o Vaticano adotam regimes teocráticos. Você acredita que
essa ligação declarada da religião na política, prejudica suas decisões
governamentais?
Como comentamos brevemente acima,
os regimes teocráticos – a exemplo dos países islâmicos – são representativos
no sentido de que podemos compreender os males da associação entre um Estado e
uma Religião. Quando um Estado passa a exigir que seus cidadãos se comportem de
acordo com a religião dominante ou estatal, fere princípios democráticos, de direitos
humanos reconhecidos internacionalmente. Direitos como o de ir e vir, de livre
expressão intelectual, cultural e religiosa é severamente prejudicado em países
de regime teocrático. Ao mesmo tempo, temos de reconhecer que há uma grande
dificuldade – falo com referência aos países e governos orientais – de
separação ou entendimento das distinções entre o Estado e a Religião. A
religião é parte da história, da vivência cultural e tradicional desses povos;
no entanto, é inadmissível que direitos fundamentais do homem sejam colocados
de lado em detrimento da tradição religiosa. A Índia é um exemplo dos males da
divisão da sociedade em castas, da segregação social dos indianos. Com relação
ao Vaticano, a atuação do Papa Francisco tem sido positiva no sentido de que
tem contribuído com o diálogo inter-religioso. Francisco possui uma visão
social diferente de seu antecessor Bento XVI, mas também é fruto das discussões
estabelecidas pelo Concílio Vaticano II (1962-1965) e pelo papa João Paulo II.
No Brasil, dos 12
feriados nacionais, 6 são religiosos ligados ao catolicismo. Deveria haver
feriados religiosos?
Diante da atual conjuntura e
diversidade religiosa brasileira é impossível falarmos em “feriados
religiosos”. Não somente no Brasil como também em Portugal tramitam projetos de
eliminação dos feriados confessionais. A influência de políticos conservadores,
com relação denominacional dificulta a agilidade das discussões. Há interesses
eleitorais, de manutenção de suas bases, o que acaba perpetuando um erro que
deveria ter sido discutido pela Constituinte de 1988. Os defensores da
permanência dos feriados religiosos recorrem ao critério da representatividade,
ao índice que mostra que o catolicismo romano é predominante. Seria possível
usar tal critério em países como Polônia, onde mais de 90% da população é
católica; no entanto, é impossível aplicar semelhante critério em países
seculares como Bélgica e Estônia. O grande número de feriados – que inclusive
coloca o Brasil na sétima colocação no ranking mundial – é, também, um entrave
ao desenvolvimento produtivo e econômico. Só para critério de comparação, os
EUA – país que possui o maior número de protestantes do mundo, com quase 163
milhões de fieis – o único feriado que pode ser associado a uma figura evangélica
é o Martin Luther King Day, celebrado na terceira semana de janeiro. Há outros
feriados, como o Dia de São Valentim (14/2), mas quase não há feriados nos EUA,
razão pela a qual aparecem no topo da cadeia de países desenvolvidos.
A entrevista original poderá ser
vista por meio desse link aqui:
Que Deus abençoe a todos.
Alexandros Meimaridis
PS. Pedimos a todos os nossos
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