O artigo abaixo é de autoria de
Andrea Dip e foi fublicado pelo site Pública. Com a recente aprovação da
isenção do pagamento de impostos para as igrejas o artigo abaixo torna-se ainda
mais relevante
Os
pastores do Congresso
Como as igrejas evangélicas
escolhem seus políticos? Qual o segredo da força da bancada para barrar os
avanços sociais e garantir privilégios como a isenção fiscal e a concessão de
rádios e TV?
por Andrea Dip
Homens de terno e mulheres de
saia com a Bíblia na mão vão enchendo o auditório. Alguém regula o som do
violão e dos microfones. A música que celebra “júbilo ao Senhor” estoura nos
alto-falantes, e a audiência canta junto. Em um púlpito no palco, os pastores
abrem o culto com uma oração fervorosamente acompanhada pelos fiéis.
Uma descrição comum de um culto
evangélico não fossem os pastores, deputados, falando de um o púlpito
improvisado no Plenário Nereu Ramos da Câmara dos Deputados de um país laico chamado
Brasil. E se o (até então) presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB),
anunciado do púlpito ao entrar no recinto pelos pastores João Campos (PSDB/GO)
e Sóstenes Cavalcante (PSD/RJ), não tivesse deixado de lado a agenda oficial
para participar da celebração e tirar selfies com pessoas que se amontoavam ao
seu redor.
Certamente seria bem menos
estranho se logo atrás de mim, no fundo do auditório, assessores de
parlamentares não estivessem fazendo piadas de cunho homofóbico e rindo alto
durante boa parte do evento, que se tornou show com a chegada da aclamada
cantora gospel Aline Barros, vencedora do Grammy Latino 2014 e um dos cachês
mais altos do mundo gospel brasileiro. Ela tinha viajado do Rio a Brasília com
o marido, o ex-jogador de futebol e hoje pastor e empresário gospel Gilmar
Santos, especialmente para cantar e orar naquela manhã de quarta-feira no
Congresso. Ao final do culto/evento, todos receberiam um CD promocional de
Aline.
Aline Barros entoou alguns de
seus sucessos com o auxílio de um playback, antes da pregação do marido. O tema
é a luta do profeta Elias contra Jezebel, a princesa fenícia que se casou com o
rei de Israel e, uma vez rainha, perseguiu e matou profetas israelitas. A
imagem da mulher poderosa de alma cruel é usada por dezenas de sites
religiosos, que comparam Jezebel à presidente Dilma Rousseff, ameaçando-a de
acabar como a rainha, comida por cães.
“Em Tiago capítulo 5, versículo
17, está escrito que Elias era um homem como nós. Ele orou e durante três anos
e meio não choveu. Depois ele orou de novo e Deus manda vir a chuva”, diz o
pastor Gilmar, dirigindo-se aos parlamentares. “Muitas vezes a gente tem orado
‘Deus sacode esse país, traz um avivamento, faz algo novo’. Deus está fazendo.
Mas a forma que Deus está fazendo nem sempre é do jeito que a gente quer, da
nossa maneira. Muitas vezes a gente queria que Deus fizesse chover dinheiro do
céu, que fizesse anjo carregar a gente no colo pra levar a gente pra todos os
lados e queria pedir pra Deus pra sentar numa rede, pra ele trazer um suco de
laranja e operar, trabalhar. ‘Manda fogo, destrói aquele endemoniado, aquele
idólatra.’ Mas Deus não faz dessa forma.” Por que Deus escondeu Elias? Por que
Deus tem escondido muitos de vocês e ainda não estão nos jornais como sonharam
ou não tiveram reconhecimento como sempre sonharam? […] Deus está te
escondendo, querido. No momento certo tudo vai acontecer, você vai ser
exaltado. Deus sabe como honrar. […] Pode ser o momento mais difícil do seu
mandato, mas continua confiando. Muitas pessoas podem estar vivendo uma seca
nesse país. Nosso país pode estar vivendo o momento mais seco da história.
Vidas secas. Mas o céu nunca vai estar em crise. Nunca tem crise, nunca tem
crise.”
Sem crise
O número de evangélicos no
Parlamento cresceu, acompanhando o aumento de fiéis. Segundo os últimos dados
do IBGE, que são de 2010, o número de evangélicos aumentou 61% na década
passada (2000-2010). Por sua vez, a Frente Parlamentar Evangélica (FPE), encabeçada
pelo deputado e pastor João Campos, agrega mais de 90 parlamentares, segundo
dados atualizados da própria Frente – os números podem variar por causa dos
suplentes – o que representa um crescimento de 30% na última legislatura.
A mistura de política e religião
é a marca da atuação dos pastores deputados. Campos, por exemplo, é presidente
da Frente Parlamentar Evangélica, autor do projeto de lei apelidado de “cura
gay” e defensor destacado da redução da maioridade penal, como a maioria da
chamada “bancada da bala” – em 2014 ele recebeu R$ 400 mil de uma empresa de
segurança para sua campanha. Cavalcante ex-diretor de eventos do pastor Silas
Malafaia, seu padrinho na fé e na política, é presidente na Comissão Especial
que trata do Estatuto da Família.
Encorajada por Eduardo Cunha, que
assumiu a presidência da Câmara dizendo que “Aborto e regulação da mídia só
serão votados passando por cima do meu cadáver”, a bancada evangélica tem
conseguido levar adiante projetos extremamente conservadores, como o Estatuto
da Família (PL 6.583/2013), que reconhece a família apenas como a entidade
“formada a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento
ou de união estável, e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus
filhos”, que deve seguir para o Senado nos próximos dias. A PEC 171/1993, que
usa passagens bíblicas para justificar a redução da maioridade penal, também
foi aprovada na Câmara e aguarda análise do Senado, sem previsão de votação. O
próprio Eduardo Cunha é autor do PL 5.069/2013, que cria uma série de
empecilhos para o direito constitucional das mulheres vítimas de violência
sexual realizarem aborto na rede pública de saúde. Esse está na Comissão de
Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara. Também foi nesta legislatura
que a bancada conseguiu barrar o trecho que trata do debate sobre identidade de
gênero nas escolas no Plano Nacional de Educação.
Manifestação contra a redução da
maioridade penal em julho, no Rio de Janeiro / Foto: Mídia Ninja
Ainda segundo os dados fornecidos
pela FPE, a maioria dos parlamentares pertence a igrejas pentecostais: a
Assembleia de Deus é a que mais congrega esses fiéis, seguida pela Igreja
Universal do Reino de Deus, que tem como figura de destaque o senador Marcelo
Crivella (PRB-RJ). Também tem representantes no Congresso as igrejas Sara Nossa
Terra e a Igreja Quadrangular.
Como acontece com os partidos na
política, os membros também trocam de denominação. Eduardo Cunha recentemente
trocou a Sara Nossa Terra pela Assembleia de Deus, onde já estavam os colegas
João Campos e Marco Feliciano. Entre os membros das protestantes históricas
estão Jair Bolsonaro (batista) e Clarissa Garotinho (presbiteriana).
O sociólogo e escritor Paul
Freston, professor catedrático em religião e política da Wilfrid Lauries
University, do Canadá, explica que as igrejas pentecostais se diferenciam das
protestantes históricas principalmente pela ênfase da crença nos dons do
Espírito Santo, como “falar em línguas” e agir em curas e exorcismos. “Por ser
uma forma mais entusiasmada de religiosidade, depende menos de um discurso
racional, elaborado. Você pode não saber ler ou escrever, pode ser alguém que
não ousaria fazer um discurso racional em público, mas sob influência do
Espírito você fala. Por isso pode-se dizer que a igreja pentecostal também tem
esse poder de inverter as hierarquias sociais”, explica o professor. E destaca:
“Por ser mais próxima da cultura do espetáculo e menos litúrgica, também são as
igrejas pentecostais que se dão melhor com as mídias”.
Nos gabinetes
“A Frente Parlamentar Evangélica
[FPE] tem exercido um papel muito importante em contribuir com o processo
legislativo porque ela priorizou algumas bandeiras que são relevantes para a
sociedade brasileira como, por exemplo, a defesa da família tradicional”, diz
João Campos, que recebeu a Pública em seu gabinete de número 315 no anexo IV da
Câmara, após muitos dias de negociação com seu assessor. “Outra bandeira nossa
é a defesa da vida desde a concepção, os direitos do nascituro, a proibição do
aborto, do infanticídio, os direitos da mulher também, mas principalmente os
direitos do ente humano que está sendo gerado”, continua o deputado.
O segredo do sucesso? “A gente
atua a partir desses temas, e isso faz com que a Frente seja ouvida no
Parlamento. A Frente nem é a que congrega o maior número de parlamentares, mas
é uma das mais ouvidas. Porque não é a quantidade, é a atuação dela”, diz com
orgulho. Pergunto sobre sua trajetória política e religiosa, em que momento as
duas se misturam. Ele me conta que aos 16 anos já era líder de jovens em sua
igreja (Assembleia de Deus) e há quase 20 foi ordenado pastor. Também fez
carreira na Polícia Civil de Goiânia. Começou como escrivão de polícia, se
tornou delegado, participou de greves – “sempre fui muito ativo”, diz. Passou a
atuar na classe, foi presidente da Associação dos Delegados de Polícia do
Brasil, até que “naturalmente” se candidatou a deputado federal. “Eu sempre
exerci liderança na igreja e na segurança pública. E essas duas vertentes
apoiaram minha candidatura e me elegeram”, resume Campos, 53 anos, atualmente
no quarto mandato como deputado federal. Quando pergunto se a igreja tem sido
um ambiente fértil para a formação de líderes políticos, ele desconversa: “A
igreja tem ocupado um espaço e se colocado mais na política tendo ela própria como
referência”.
Sua colega de bancada evangélica,
Clarissa Garotinho (PR), é uma jovem deputada federal que tem política e
religião no pedigree. A filha dos ex-governadores Anthony e Rosinha Garotinho é
da Igreja Presbiteriana, como todos de sua família. E, como fez a mãe, todas as
vezes que seu pai, Anthony Garotinho, mudou de partido, ela o acompanhou “mesmo
a contragosto”, confessa. E não foram poucas vezes: o radialista de sucesso
começou a carreira política no PT, depois foi para o PDT, para o PSB, PMDB e
PR.
Clarissa fala do jogo da política
com a naturalidade de quem viveu isso em casa desde pequena, mas faz questão de
dizer que nunca foi pedir voto em igreja. “Visitei algumas igrejas quando me
convidaram, mas não foi o foco da minha campanha.” Descreve o início de sua
carreira política como a de líder estudantil que se tornou diretora da UNE e
foi eleita vereadora – a contragosto do pai, sublinha. “Nessa época, eu tinha
me formado em jornalismo e fiz estágio com a Xuxa no programa dela a convite da
Marlene Matos. A Marlene me convidou para ir para um programa na rádio Globo,
eu já era gerente comercial da empresa dos meus pais, e ele não queria que eu
entrasse na política. Dizia que a vida dos políticos ficava muito exposta, que
dava muita dor de cabeça. Comecei a campanha sozinha, eu e a juventude do
partido. Pensava: ‘Meu pai foi governador, minha mãe foi governadora, eu não
posso perder uma eleição de vereadora porque, se eu perder, eu vou estar
comprometendo o nome deles”, conta.
De vereadora Clarissa passou a
deputada estadual e em 2014 foi eleita deputada federal com a maior votação
obtida entre as mulheres. Sobre sua atuação na bancada evangélica, ela diz que
só participa das atividades quando acha necessário. “Quando houve algumas
manifestações na parada gay que satirizaram a imagem de Cristo. Nesse ponto, a
bancada reuniu inclusive católicos. Quando tem alguma causa que a gente entende
que precisa se unir, eu participo das reuniões.”
Pergunto sua opinião sobre o
aborto, e sua expressão se fecha: “Tem temas que para nós não são negociáveis.
Eu sou contra o aborto”. Sem que eu pergunte, emenda: “Mas você quer saber do
Cunha? Eu não apoiei o Eduardo Cunha para presidente da Câmara só porque ele
era evangélico. Não basta ser evangélico e eu presbiteriana para eu votar se
acho que a postura dele como político não é boa pra representar a Câmara e não
é boa para o Brasil. Fui uma das poucas deputadas evangélicas que não votou
nele. Fizeram reuniões com os membros da bancada pra apoiar, mas eu não participei.
Não gosto do estilo dele de fazer política. Ele usa chantagem pra conseguir
vantagens, é o chanteageador geral da República. O Eduardo é considerado um
deputado muito temido aqui. Dizem que ele é vingativo, que tem um temperamento
difícil. E ele ainda tem muito apoio aqui apesar dos escândalos”.
Eduardo Cunha
Quando estive no Congresso, cada
vez que Eduardo Cunha entrava em uma sala da Câmara dos Deputados era cercado
por um séquito e não raramente aplaudido de pé. Isso apesar dos escândalos, e
não apenas os mais recentes. Cunha começou sua carreira como tesoureiro do
comitê eleitoral de Collor e chegou à presidência da Telerj, de onde saiu em
1993 quando foi descoberto que ele havia assinado um aditivo de US$ 92 milhões
a um contrato da Telerj com a fornecedora de equipamentos telefônicos NEC do
Brasil (então controlada pelo empresário Roberto Marinho). Foi quando se
aproximou do então deputado mais votado do Rio de Janeiro e dono da rádio
evangélica Melodia, Francisco Silva. Por indicação de Silva, tornou-se
presidente da Companhia Estadual de Habitação na gestão de Anthony Garotinho,
da qual também foi afastado em meio a denúncias de irregularidades em contratos
sem licitação e favorecimento a empresas fantasmas. A passagem pelo rádio, onde
tinha boletins diários que acabavam com o bordão “O povo merece respeito”,
tornou sua voz conhecida e ele se candidatou a uma cadeira na Câmara dos
Deputados nas eleições gerais de 2002. Foi eleito com o apoio de Garotinho e
101.495 votos nas urnas. Em 2003, entrou no PMDB e hoje cumpre seu quarto
mandato consecutivo como deputado federal. Em 2014 foi o terceiro candidato
mais votado do Rio de Janeiro, com 232.708 votos.
O sociólogo Paul Freston, que
estuda as relações entre política e religião, pesquisou a biografia de Cunha e
de seu mentor, Francisco Silva. “Ele começa politicamente pela mão do Francisco
Silva, que já era uma pessoa estranha porque tinha uma identidade evangélica
pessoal muito tênue. O que ele tinha era uma rádio evangélica. E basicamente
usou a força da mídia para se lançar politicamente. Ele se dizia membro da
Congregação Cristã, o que não fazia muito sentido porque é a igreja mais
arredia, que não se envolve com política, com mídia, não paga pastor. E a
própria Congregação fez uma declaração na época dizendo que desconhecia esse
cidadão.”
O polêmico pastor, escritor e
psicanalista Caio Fábio – fundador e ex-presidente da Associação Evangélica
Brasileira (AEVB), líder e mentor da igreja Caminho da Graça – acrescenta
outras informações ao perfil de Cunha: “Eu o conheço há 20 anos, desde que o
pessoal o chamava de ‘Eduardinho’. Desde quando ele trabalhava para o deputado
Francisco Silva. Esse indivíduo de crente não tinha nada. Francisco comprou a
rádio Melodia, criou uma igreja radiofônica chamada Cristo em Casa que não
congregava ninguém, não reunia ninguém, não tinha relacionamento com ninguém.
Era tudo no rádio e você dava o dízimo para esse ente abstrato. O Eduardo era o
assessor dessa figura. Ele teve função importante na loteria esportiva do Rio
de Janeiro, em autarquias diversas até chegar ao governo Garotinho. Ele dá nó
em pingo d’água. O mais inteligente deles é burro perto do Eduardo Cunha. Ele é
um dos caras mais ardilosos, mais jogadores, mais sutis que eu já conheci”.
Recentemente, Cunha trocou a
igreja Sara Nossa Terra, para qual foi levado por Silva, pela Assembleia de
Deus. A primeira tinha pouco mais de 1 milhão de fiéis, enquanto sua igreja
atual tem mais de 13 milhões de seguidores, segundo o IBGE. A ramificação da
igreja escolhida por Cunha foi a Madureira, cujo presidente é o bispo Manoel Ferreira, acusado de coronelismo por
membros de sua igreja por ter tornado seu cargo vitalício, e também denunciado
por um pastor de sua igreja em uma matéria da revista IstoÉ por usar laranjas para abrir a Faculdade Evangélica de Brasília, dar golpe nos
sócios e sonegar milhões em impostos (ele nega as acusações).
Ver a reportagem da IstoÉ por meio desse link aqui:
http://istoe.com.br/145461_OS+CALOTES+DO+BISPO/
Em agosto deste
ano, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, acusou Eduardo Cunha de
indicar a igreja do filho de Manoel, Samuel Ferreira, para receber parte da
propina de ao menos US$ 5 milhões destinada a ele referente aos contratos para
viabilizar a construção de dois navios-sonda usados pela Petrobras.
“Eu estou dizendo há 25 anos que
Manoel Ferreira já se envolveu com tudo. É um gângster religioso. E
curiosamente é para onde o Cunha foi”, acusa o pastor Caio Fábio.
O começo de tudo
A igreja pentecostal começou a se
envolver na política brasileira na década de 1960 através da Brasil para
Cristo, que elegeu um deputado federal em 1961 e um estadual em 1966. Depois
disso, porém, a igreja só voltaria a eleger candidatos na década de 1980, como
explica Paul Freston: “A maior participação vem em 1986, no fim do regime
militar, com a Assembleia Constituinte. A Assembleia de Deus é o motor disso
inicialmente, e se organiza desde a cúpula para ter um candidato oficial em
cada estado, um deputado. Eles se organizam e tentam apresentar esse candidato
nas igrejas, falar pras pessoas votarem nele. É o que dá origem à bancada
evangélica, é a primeira vez que se fala nisso. E a grande novidade é que a
maioria é pentecostal”.
Os pentecostais deslancharam na
política com a Igreja Universal do Reino de Deus, que criou um plano político
mais estruturado dentro da instituição, segundo a autora da tese “Religião e política: ideologia e ação
da ‘Bancada Evangélica’ na Câmara Federal”, Bruna Suruagy (ver link abaixo).
“No início da década de 1990, a Igreja Universal começou a atuar com um
plano político estruturado”, explica. Em sua pesquisa, Bruna chegou ao seguinte
desenho do plano político da Universal: “A cúpula da igreja, formada por um
conselho de bispos da confiança de Edir Macedo, indica candidatos em um
procedimento absolutamente verticalizado, sem a participação da comunidade. Os
critérios para a escolha desses candidatos geralmente têm base em certo
recenseamento que se faz do número de eleitores em cada igreja ou em cada
distrito. E cada templo, cada região, tem apenas dois candidatos que seriam o
candidato federal e o estadual. Ela desenvolve uma racionalidade eleitoral a
partir de uma distribuição geográfica dos candidatos e a partir de uma
distribuição partidária dos candidatos. Isso mudou um pouco agora porque existe
um partido que é da Universal, o PRB, que fica cada vez mais forte no
Congresso”, explica, destacando também a importância da mídia religiosa como
interface entre a igreja e a política.
A Pública fez contato com a
assessoria de imprensa da Igreja Universal e obteve como resposta a que a
instituição não se pronunciaria a respeito “porque não se envolve com
política”. Ao insistir para obter a entrevista, a assessoria pediu que as
perguntas ao bispo Edir Macedo fossem feitas por e-mail e não respondeu mais.
Mesmo o site do PRB, que tem grande parte dos filiados ligados à Universal,
incluindo o presidente do partido, Marcos Pereira, não deixa clara essa conexão
entre o partido e a igreja. Mas, entrevistado pelo deputado federal Celso Russomanno
ao vivo durante a festa de dez anos do PRB, no dia 25 de agosto, diante da
plateia do auditório Nereu Ramos, Pereira revelou que sua carreira e o PRB
caminharam de braços dados com Edir Macedo. Ele contou que é bispo da igreja
desde 1999, foi vice-presidente da Rede Record de Televisão em 2003, ano em que
também se tornou sócio da LM Consultoria Empresarial – holding que controla
todos os negócios da Igreja Universal do Reino de Deus – e então se tornou
presidente do PRB em 2011.
Modelo brasileiro
Ainda segundo a pesquisadora
Bruna Suruagy, a Universal se tornou um modelo para outras igrejas brasileiras
justamente porque a cada novo mandato havia um aumento significativo dos
parlamentares. Ela explica que isso não significa que o funcionamento institucional
da Assembleia de Deus, por exemplo, seja igual ao da Universal. “A Assembleia é
uma igreja com muitas dissidências e muitas divisões internas, por isso não é
possível estabelecer hierarquicamente os candidatos oficiais. As igrejas têm
fortes lideranças regionais e uma fragilidade do ponto de vista nacional. A
sede não tem tanta força e, por isso, eles criam prévias eleitorais. As pessoas
se apresentam voluntariamente ou são levadas pela própria igreja, e ainda há a
ideia de que alguns são indicados por Deus porque mobilizam grandes multidões,
ou contagiam, como dizia Freud, o que também termina sendo um critério. Então
tem uma lista, depois uma pré-seleção que passa por um conselho de pastores –
isso em cada ministério, porque a Assembleia é uma igreja que tem várias
subdivisões internas. É interessante que os que pretendem se candidatar assinam
um documento se comprometendo a apoiar o candidato oficial caso ele não seja
escolhido, para evitar candidaturas independentes e para manter a fidelidade que
se tem na Universal.”
O sistema de escolha de
candidatos é confirmado pelo pastor Caio Fábio, enquanto conversamos no belo
jardim de sua casa, em Brasília. “A maioria dos políticos que temos hoje foi
produzida em berço pentecostal. Portanto, eles nascem do único poder que habita
esse ambiente que é o do carisma pessoal. E esse carisma não tem absolutamente
nada a ver com inteligência, instrução ou cultura. Por carisma entende-se a
capacidade de comunicação popular intensa, tanto mais poderosa quanto menos
escrupulosa seja. São em geral pastores, bispos e apóstolos. A Universal é um
caso à parte, assim como as igrejas neopentecostais, que são igrejas
pós-macedianas, porque o projeto político lá é totalitário, vem do Macedo a
determinação de quem é e quem não é”, critica. “As igrejas reformadas [também
conhecidas como protestantes históricas] são democrático-representativas. A
cada cinco anos no máximo, tem uma eleição de pastores. As episcopais
[pentecostais] são mais por sucessão, indicação do bispo. E, se os demais
acolherem, eles são afirmados. Nas pentecostais, os pastores vão colocando seus
filhos na linha sucessória na igreja e na política. Aconteceu assim com
Malafaia, por exemplo. O pai dele era pastor e o filho também é. Os
protestantes históricos são mais silenciosos, mas não quer dizer que não sejam
homofóbicos, por exemplo. O Bolsonaro frequenta uma igreja batista e é… O
Bolsonaro.”
Freston, por sua vez, não vê
influência do modelo americano, como os chamados cinturões bíblicos, na
política brasileira. Para ele, o crescimento da bancada evangélica tem mais a
ver com nosso modelo político. “Quando a imprensa e os acadêmicos começaram a
notar a presença dos pentecostais na política, houve algumas interpretações
sobre ser cópia dos Estados Unidos, que já tinha a direita cristã, e a ideia de
que isso estava surgindo no Brasil, incentivado por esse modelo. Mas eu sempre
achei que correspondia muito mais às peculiaridades do sistema eleitoral
brasileiro. Porque você tem o crescimento pentecostal em muitos países do
mundo, na América Latina toda, em muitos lugares na África, em alguns lugares
da Ásia. Mas só no Brasil você tem esses fenômenos de bancadas nos Congressos.
Essa aproximação com a direita é mais recente e tem a ver com essa nova
direita, que não tem medo de se chamar de direita”, diz o sociólogo.
Outra característica de nosso
sistema eleitoral, a de representação proporcional com listas abertas, favorece
os candidatos carismáticos, os “puxadores de voto”, que passam a ser cobiçados
pelos partidos. “Eles dizem ‘vamos por o pastor candidato que ele traz mais 2
ou 3 mil votos para a gente’. Mas esse cara traz 60 mil votos e se elege
sozinho! Esse sistema favorece a eleição desses pentecostais. E muitos países
que tem crescimento pentecostal não têm isso. No Chile, por exemplo, onde o
pentecostalismo também cresceu muito, você quase não teve políticos evangélicos
porque é outro sistema eleitoral. Aqui os líderes pentecostais souberam
maximizar suas possibilidades dentro desse sistema.”
E o que querem os
políticos evangélicos?
Mais do que os temas morais como
aborto, violência, drogas e sexualidade, são os interesses institucionais que
unem a bancada evangélica segundo os pesquisadores. “A conquista de dividendos
para as igrejas como a manutenção de isenção fiscal, a manutenção das leis de
radiodifusão, a obtenção de espaços para a construção de templos e a
transformação de eventos evangélicos em culturais para obtenção de verbas
públicas estão nesse páreo”, explica Bruna Suruagy. Paul Freston dá um exemplo:
“Na época da Constituinte, teve a questão do mandato do Sarney, do quinto ano.
Para conseguir esse quinto ano, ele comprou muita gente no Congresso. A moeda
de troca para muitos pentecostais era uma rádio, coisas ligadas à mídia”.
Um estudo realizado pelo
Instituto de Estudos da Religião (Iser) em 2009 mostrou que de 20 redes de
televisão que transmitiam conteúdo religioso, 11 eram evangélicas e 9
católicas. Apenas a Igreja Universal controla mais de 20 emissoras de
televisão, 40 de rádio, além de gravadoras, editoras e a segunda maior rede de
televisão do país – a Rede Record.
O pastor Silas Malafaia / Foto:
Reprodução
Larissa Preuss, autora da tese de
doutorado “As telerreligiões no telespaço público: o programa Vitória em Cristo
e a estratégia de mesclar evangelização e preparação política”, destaca a
enxurrada de pastores eletrônicos na televisão brasileira nas décadas de 1980 e
1990. “O RR Soares é o mais antigo, está no ar desde o fim dos anos 70, e o
Silas Malafaia entra em 1982. Ele é quem fala mais explicitamente sobre
política na televisão, apesar da maior articulação política ser da Universal”,
lembra.
A pesquisadora conta que estudou
os programas de Malafaia de 2014 para entender a relação de seus discursos com
as eleições. “Ele assume que existe uma briga política e deixa claro que quer
influenciar e por isso não se candidata. Ele fala diretamente ao público, mas
também fala muito aos líderes religiosos, tanto que Malafaia dá cursos de
formação de pastores em locais como a Escola de Líderes da Associação Vitória
em Cristo (Eslavec) e está construindo um império, hierarquizando igrejas
dentro da Assembleia de Deus, que não tem essa cultura. O Malafaia se coloca no
lugar do profeta, que é aquela autoridade que unge o rei e denuncia o
sacerdote, e isso é muito forte. Ele incentiva os líderes a influenciar seus
fiéis para que Deus possa agir na política.”
A hipótese de Larissa é que os
pastores midiáticos migram para a política justamente para garantir as
concessões de radiodifusão. “Porque as outorgas são ratificadas ou podem ser
abolidas pelo Congresso. Então é uma retroalimentação: eles estão na televisão,
influenciam a eleição de certos candidatos que vão garantir sua permanência na
televisão. A informação hoje é poder. A imagem é uma moeda valiosa. E os
evangélicos estão na política como nunca. Basta dizer que o tema da última
Marcha para Jesus foi ‘faxina ética’”.
Municipal
E não é só em âmbito federal que
a bancada evangélica tem se fortalecido. O número de projetos de leis temáticos
também tem crescido entre os vereadores e deputados estaduais evangélicos, que
recentemente também barraram a discussão de gênero em planos municipais de
educação em várias cidades, incluindo a capital paulista. E não é só isso. A
pastora e deputada estadual Liziane Bayer, do PSB do Rio Grande do Sul,
protocolou em abril o PL 124/2015, que prevê o ensino do criacionismo nas
escolas públicas e privadas do estado. Liziane, cujo slogan de campanha foi
“compromisso com a fé, a família e a vida”, conta que começou a se interessar
por política e a conversar sobre o assunto no grupo de mulheres de sua igreja.
Ela diz que sabe que o projeto é polêmico, mas defende o ensino do criacionismo
para dar uma opção aos alunos. “Eu acho o comunismo ruim, mas ele é ensinado
nas escolas. O criacionismo pode ser visto da mesma forma, mas, até pra que tu
digas que não é correto, tem que saber”, opina.
Em Cuiabá, o vereador Marcrean
dos Santos (PRTB) criou um projeto que virou lei instituindo um feriado
evangélico na cidade (Lei n° 5.940/15); em Itapema (SC), o vereador Mouzatt
Barreto (DEM) também criou um PL para obrigar a leitura da Bíblia nas aulas de
história das escolas públicas e particulares; em São Paulo, o vereador Carlos
Apolinário, que em 2011 conseguiu que a Câmara aprovasse o “Dia do Orgulho
Heterossexual”, vetado pelo então prefeito Gilberto Kassab, apresentou um
projeto de lei para criar banheiros públicos em restaurantes, shoppings,
cinemas e em casas noturnas para gays, lésbicas, bissexuais e transexuais.
Chegou a declarar: “não é possível minha mãe entrar em um banheiro e encontrar
um homem vestido de mulher”.
Em Manaus, a vereadora Pastora
Luciana (PP), que prefere ser chamada de
pastora – “vereadora é só uma promessa, pastora é pra eternidade” –, é autora
de três projetos temáticos: o PL 125/15, que visa autorizar por lei
manifestações religiosas como palestras e pregações nos terminais de ônibus da
capital com o uso de caixas de som; o 075/15, que propõe a instituição de uma
capelania na Guarda Civil Metropolitana, e o PL da Cristofobia, que prevê
multas para quem tiver “atitudes discriminatórias em face da religião cristã,
palavras e práticas agressivas contra a figura de Jesus Cristo, ameaças,
estereótipos pejorativos, induzir ou incitar a discriminação contra a Bíblia
Sagrada”. Mas o projeto de lei mais bizarro é do vereador de Santa Bárbara do
Oeste Carlos Fontes (PSD). O PL 29/2015 proíbe a implantação de microchips em
seres humanos, comparando-os à marca da besta prevista no livro de Apocalipse
(veja a entrevista em vídeo que gravamos com o vereador).
A MARCA DA BESTA from Agência
Pública on Vimeo.
“Se a presença de um evangélico
na política melhorasse a política, humanizasse a política, as igrejas seriam
édens, oásis, paraísos de bondade humana, altruísmo, inclusão, tolerância,
misericórdia, de amor de verdade, equidade, solidariedade. Mas, enquanto o
diabo continuar a existir pra eles da forma como existe, eles podem continuar
roubando porque o diabo pagará a conta das acusações. Em nome de Deus, a
canalhice é santificada”, conclui Caio Fábio.
Colaborou Guilherme Peters
O artigo original poderá ser visto por meio desse link aqui:
Leia também:
O dia em que caí do berço
evangélico
http://apublica.org/2015/10/o-dia-em-que-cai-do-berco-evangelico/
Afinal,
o que os evangélicos querem da política?
http://apublica.org/2015/10/afinal-o-que-os-evangelicos-querem-da-politica/
Que Deus abençoe a todos.
Alexandros Meimaridis
PS. Pedimos a todos os nossos
leitores que puderem que “curtam” nossa página no Facebook através do seguinte
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Desde já agradecemos a
todos.
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