CONTINUAÇÃO... PARTE 005
53:7—9: A submissão do
Servo
Os v.7—9 focalizam a morte
voluntária do Servo. Apesar das humilhações sofridas, o Servo seria honrado por
ETERNO.
7 Foi oprimido,50 mas
livremente ele se humilhou,51 e não abriu a boca;
como cordeiro foi
levado ao matadouro;
e, como ovelha muda
perante os seus tosquiadores,
não abriu a boca.52
8 Depois do
aprisionamento e do julgamento, foi arrebatado,53
e de sua linhagem, quem
dela cogitou?
Porquanto foi cortado
da terra dos viventes;
por causa da
transgressão do meu povo,54, 55 foi ferido.56
9 Designaram57 a sua sepultura com os ímpios,
mas com o rico58 esteve na sua morte,59
ainda que não
praticasse violência,
e nem engano se achasse
em sua boca.
O v.7 descreve a morte submissa
do Servo, que, como um “cordeiro” conduzido ao “matadouro”, “não abriu a boca”.
O termo “oprimido” é a tradução da forma verbal niggas, nifal perfeito de
nagas, “ser duramente pressionado”. Apresenta o sentido de ser “maltrato” (BJ).
A mesma forma verbal é empregada em Êxodo 3.7, referindo-se à opressão dos
egípcios sobre os israelitas. “Não era apenas uma coerção ou uma leve angústia
emocional. Denota uma situação real, concreta, de sofrimento pesado.”60
A sentença seguinte inicia-se pela partícula adversativa “mas61 ele
livremente se humilhou”. Enfatiza-se assim que o maltrato sofrido é voluntário.
No texto hebraico, o sujeito da ação verbal é o pronome independente terceira
pessoa masculina hu’, “ele”, que precede o nifal partícipio ‘anah “ser
humilhado”, “ser afligido”. Normalmente a língua hebraica não
utiliza o pronome pessoal antes das formas verbais. Quando utiliza, é porque
focaliza o sujeito da ação. No caso, o pronome aqui em Isaías 53.7
enfatiza a voluntariedade do Servo; ou seja, se sofreu, é porque “ele
livremente se humilhou”. A terceira
sentença, por sua vez, descreve o silêncio do Servo: “e não abriu a boca”.
É difícil não identificar aqui o
Servo apresentado na nova aliança. As páginas do Novo Testamento apresentam
tanto a submissão,
Lucas 9:51
Aconteceu que, ao se
completarem os dias em que devia ele ser assunto ao céu, manifestou, no
semblante, a intrépida resolução de ir para Jerusalém
como o silêncio,
Mateus 27:11, 14
11 Jesus estava em pé
ante o governador; e este o interrogou, dizendo: És tu o rei dos judeus?
Respondeu-lhe Jesus: Tu o dizes.
14 Jesus não respondeu
nem uma palavra, vindo com isto a admirar-se grandemente o governador.
do Servo. O seu silêncio
evidencia sua submissão. Cristo entregou-se voluntariamente. É verdade que Ele
foi condenado à cruz por meio de um julgamento injusto e calunioso —
Mateus 26:59—61
59 Ora, os principais
sacerdotes e todo o Sinédrio procuravam algum testemunho falso contra Jesus, a
fim de o condenarem à morte.
60 E não acharam,
apesar de se terem apresentado muitas testemunhas falsas. Mas, afinal,
compareceram duas, afirmando:
61 Este disse: Posso
destruir o santuário de Deus e reedificá-lo em três dias.
Lucas 23:2—4, 13—16.
2 E ali passaram a
acusá-lo, dizendo: Encontramos este homem pervertendo a nossa nação, vedando
pagar tributo a César e afirmando ser ele o Cristo, o Rei.
3 Então, lhe perguntou
Pilatos: És tu o rei dos judeus? Respondeu Jesus: Tu o dizes.
4 Disse Pilatos aos
principais sacerdotes e às multidões: Não vejo neste homem crime algum.
13 Então, reunindo
Pilatos os principais sacerdotes, as autoridades e o povo,
14 disse-lhes:
Apresentastes-me este homem como agitador do povo; mas, tendo-o interrogado na
vossa presença, nada verifiquei contra ele dos crimes de que o acusais.
15 Nem tampouco
Herodes, pois no-lo tornou a enviar. É, pois, claro que nada contra ele se
verificou digno de morte.
16 Portanto, após
castigá-lo, soltá-lo-ei.
Contudo, não foram essas coisas
que levaram Jesus à morte. Ele morreu porque se entregou a si mesmo —
1 Pedro 2:23
Pois ele, quando
ultrajado, não revidava com ultraje; quando maltratado, não fazia ameaças, mas
entregava-se àquele que julga retamente.
Alguém já disse que não foi o
ódio dos judeus que matou Jesus, nem o poder dos romanos. Foi Deus, o Pai, que
entregou o Filho, e este voluntariamente se entregou como oferta pelos nossos
pecados.
Na primeira frase do v.8, é
difícil saber o sentido da preposição min “de”, prefixada no substantivo ‘oser
“aprisionamento”. Neste texto, ela pode apresentar três sentidos: o sentido
separativo (o Servo foi arrebatado/ “separado da terra”[grifo nosso]62
/libertado da opressão e do juízo – ou seja, foi liberto da morte e levado ao
céu pela ressurreição, após sua morte), o sentido causativo (Servo foi
libertado por causa dessas coisas) ou sentido temporal (o Servo foi libertado
depois dessas coisas). Possivelmente o texto indica a prisão e o julgamento
seguidos da prisão. A tradução da Bíblia de Jerusalém apoia essa interpretação:
“Após detenção e julgamento, foi preso”. O termo ‘oser “aprisionamento” também
apresenta o sentido de sofrimento ou angústia,63 sugerindo um
aprisionamento acompanhado de torturas; o significado de ‘oser é “restrição”,
“coerção” (Strong) ou “encerrar”, “aprisionar”.64 Esta palavra
hebraica só ocorre em outras duas passagens do Antigo Testamento: Pv 30:16
(referindo à esterilidade); Salmos 107:39 (possivelmente referindo ao
“aprisionamento”, como em Isaías 53:8). Na sequência do texto isaiano, lê-se o
substantivo mixpat “julgamento”. No fim da frase, o verbo traduzido pela BJ
como “foi preso” é o hebraico luqah qal perfeito, de laqah “arrebatar”, “tomar
e levar embora”, traduzido mais literalmente como “foi arrebatado” (como na
ARA). O sentido dessa primeira frase do v.8 é que após a detenção violenta
(‘oser) e após o processo de julgamento (mixpat), o Servo foi condenado
(luqah).
A sentença seguinte é uma
indagação: “e de sua linhagem, quem dela cogitou?”. A palavra hebraica dor
“significa geração que está viva num determinado período de tempo” 65
Dessa forma, o texto de Isaías refere-se aos contemporâneos de Jesus que não
entenderam a razão de sua morte.66
O significado teológico da morte do Servo só é possível mediante a
iluminação do Senhor.67 A
sabedoria deste mundo é incapaz de reconhecer a cruz —
1 Coríntios 2:8
Sabedoria essa que
nenhum dos poderosos deste século conheceu; porque, se a tivessem conhecido,
jamais teriam crucificado o Senhor da glória;
A frase seguinte afirma que o
Servo “foi cortado da terra dos viventes”. A raiz verbal gazar “cortar”,
empregada em outros textos para o corte de árvores (2 Reis 6:4), descreve uma
morte violenta. Isso é evidenciado na última frase do v.8: “foi ele ferido”,
literalmente “um golpe para ele” (nega’ lamo). A morte do Servo é evidenciada
na tradução da LXX: “ele foi levado à morte” (sugerindo a retroversão para o
hebraico lammawet “para a morte”, em lugar lamo “para ele” ).68 O
hebraico nega‘ “golpe”, “ferida”, é um ato de Deus (Êxodo 11:1) contra o Servo.
Muitos comentaristas salientam que a violência descrita nesse texto é
semelhante ao Salmo 22. Portanto, o “golpe” “representava mais que mera doença,
ou mera violência, ou mera perseguição, mas seria a combinação de tudo que é
mais terrível em todas elas: o total abandono da parte de Deus (Salmos 22:1
[TM: 22:2]) que o Novo Testamento chama de ‘segunda morte’ (Ap 2.11)”.69
Pela frase “por causa da
transgressão do meu povo”, o texto novamente reitera, como em 53:4—6, que a
morte do Servo é substitutiva. Foi a “transgressão/rebelião” (pexa‘) do seu
“povo” que conduziu o Messias à morte.
Na primeira frase do v.9, o verbo
“designaram” é tradução de yiten “ele designou”, qal com waw consecutivo imperfeito
terceira pessoa masculina singular, de natan “dar”, “pôr”, “estabelecer”.
Provavelmente trata-se do singular coletivo daqueles que crucificaram o Servo.
A segunda frase, “mas com o rico esteve na sua morte”, apresenta problemas de
tradução. Seguimos aqui o TM: ‘axir,“rico” (adjetivo) e bemotayw “em sua morte”. Os inimigos do Servo planejaram uma morte
desonrosa para Ele. Crucificaram-no entre dois salteadores —
Lucas 23:32—33
32 E também eram
levados outros dois, que eram malfeitores, para serem executados com ele.
33 Quando chegaram ao
lugar chamado Calvário, ali o crucificaram, bem como aos malfeitores, um à
direita, outro à esquerda.
No entanto, a profecia de Isaías
haveria de se cumprir. Por isso, Deus levantou um homem rico de Arimateia, chamado
José, que sepultou o Servo num túmulo novo, entre os ricos. Assim o Servo foi
honrado, mesmo em sua humilhante morte.
As duas últimas frases do v.9
descrevem a inocência do Servo. Ele foi morto, “ainda que não” (‘al lo’ )70
tenha praticado (verbo ‘asah “fazer”) nenhuma “violência” (hamas). A palavra
hamas “violência”, “injustiça” (ARA), essencialmente apresenta a ideia de
violência pecaminosa, denotando maldade extrema.71 Também, não havia
“engano” em sua boca. O substantivo mirmah, “engano”, “traição”, comumente é
empregado no Antigo Testamento para se referir às palavras traiçoeiras e
enganosas (Gn 27.35; 34.13; Sl 10.7; 17.1; 24.4; etc.).72 Quer dizer, somente os malfeitores,
enganadores e traidores é que mereciam a morte violenta descrita nesses versos.
No entanto, o Servo inocente esteve entre os “ímpios”. Foi tratado como um
malfeitor. É assim que Cristo foi considerado por seus algozes.
Portanto, a estrofe composta por
53.7—9 apresenta a entrega voluntária do Servo (v.7), sua prisão, julgamento,
condenação e morte (v.8, 9).
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O texto original poderá ser
acessado por meio desse link aqui:
Luciano R. Peterlevitz
Bacharel em Teologia (FTBC e
FATEO/UMESP); Mestre e Doutor em Ciências da Religião, na área de Literatura e
Religião no Mundo Bíblico, pela Universidade Metodista de São Paulo.
Coordenador Acadêmico da Faculdade Teológica Batista de Campinas, onde também
leciona Hebraico, Antigo Testamento e Hermenêutica Bíblica nos cursos de
Bacharelado em Teologia e Pós-graduação em Exposição Bíblica.
Que Deus abençoe a todos.
Alexandros Meimaridis
PS.
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Desde
já agradecemos a todos.
NOTAS
50 nagas nifal perfeito “ser
duramente pressionado”.
51 wehu’ na‘aneh “mas ele
livremente se humilhou”: pronome independente terceira pessoa masculina hu’
“ele”, com ‘anah nifal particípio “ser humilhado”.
52 BHS: provavelmente esta frase
precisa ser deletada.
53 laqah qal perfeito
“arrebatar”, “tomar e levar embora”.
54 TM: ‘ammi “meu povo”. 1QIsa:
‘amo “seu povo”. Westermann sugere a primeira pessoa comum plural “nosso povo”.
Claus Westermann, Isaiah 40-66, p. 254.
55 TM: mippexa‘ ‘ammi “por causa
da transgressão do meu povo”. BHS:
provavelmente mippix‘am “por causa da transgressão deles”.
56 TM: nega‘ lamo “um golpe para
ele”. 1QIsa: nugga‘ ou nigga‘ (pual?) “ele é ferido”. LXX: “ele foi levado à
morte”, propondo a retroversão para o hebraico lammawet “para a morte” em lugar
de lamo “para ele”.
57 TM: wayyiten “e ele designou”,
qal com waw consecutivo imperfeito terceira pessoa masculina singular de natan
“dar”, “pôr”, “estabelecer”. 1QIsa: wayitnu “eles designaram”. BHS: wayuttan.
58 TM: ‘axir adjetivo masculino
singular “rico”. BHS: provavelmente se‘irim
“demônios”. No entanto, tanto a LXX como o Targum traduzem “rico”, e,
portanto, o TM não precisa ser alterado. Gary V. Smith, Isaiah 40-66, p. 456.
59 TM: bemotayw “em sua
morte”. 1QIsa: bwmtw “o seu túmulo” ou
“seu lugar alto”. Para uma defesa da tradução “seu lugar alto”, veja Betty
Bacon, Estudos na Bíblia Hebraica, São Paulo, Vida Nova, 1991, p. 258.
60 Isaltino Gomes Coelho Filho.
Isaías, p. 172.
61 Waw conjuntivo, aqui no
sentido adversativo.
62 J. Ridderbos, Isaías, p. 433.
63 Joseph Addison Alexander, Commentary on
Isaiah, Grand Rapids, Kregel Publications, 1982, p. 300.
64 John N. Oswalt, Comentário do
Antigo Testamento: Isaías, p. 478.
65 J. Ridderbos. Isaías, p.434,
nota 30.
66 Isaltino Gomes Coelho Filho.
Isaías, p. 172.
67 Gary V. Smith, Isaiah 40-66, p. 454.
68 Veja BHS.
69 John N. Oswalt, Comentário do
Antigo Testamento: Isaías, p. 477.
70 A preposição ‘al “sobre”,
seguida pelo advérbio de negação lo’ “não”, essencialmente significa “porque
não”. Nelson Kirst et. al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português,
p. 179. Abre-se assim a possibilidade de as duas últimas frases serem
traduzidas como “porque não praticou violência, nem dolo algum se achou em sua
boca”, indicando que a honraria que o Servo receberia por ocasião de sua morte
(“com o rico esteve na sua morte”) ocorreria em virtude de sua inocência.
71 R. Laird Harris; Gleason L.
Archer Jr.; Bruce K. Waltke (organizadores), Dicionário internacional de
teologia do Antigo Testamento, p. 485.
72 R. Laird Harris; Gleason L.
Archer Jr.; Bruce K. Waltke (organizadores), Dicionário internacional de
teologia do Antigo Testamento, p. 1431.
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