domingo, 25 de novembro de 2012

INTRODUÇÃO AO PENTATEUCO - PARTE 2



Este estudo é parte de uma breve introdução ao Antigo Testamento. Nosso interesse é ajudar todos os leitores a apreciarem a rica herança que temos nas páginas da Antiga Aliança. No final de cada estudo o leitor encontrará direções para outras partes desse estudo 

Capítulo 4 – Introdução ao Pentateuco — Parte 2

O Nascimento do Povo de Deus
     
שְׁמַע יִשְׂרָאֵל יְהוָה אֱלֹהֵינוּ יְהוָה אֶחָד
                    Ehad   Adonai  Eloheinu   Adonai   Israel     Shemá
              
                   Um é  O SENHOR Nosso Deus O SENHOR Israel Ouve

Deuteronômio 6:4

III. Quais são os principais temas do Pentateuco?

Diversos temas importantes são desenvolvidos ao longo do Pentateuco. O primeiro deles é fundamental para o restante.

 
O Universo foi criado por Deus

A. Soberania de Deus.

O Pentateuco se inicia dando ênfase à soberania de Deus. A história da criação como apresentada por Moisés em Gênesis capítulos 1 e 2 é diferente das histórias da criação de outras culturas do antigo Oriente Próximo. Enquanto outros povos especulavam sobre a origem das divindades, Gênesis parte do pressuposto de que Deus sempre existiu e é eterno.

Além disso, o Deus dos israelitas criou todo o universo sem a ajuda de ninguém — um conceito singular na literatura antiga. Ele o criou sem usar matéria preexistente e o fez sem esforço, por meio do poder de sua palavra falada. Séculos atrás, a igreja primitiva já percebia a importância da idéia de “criação a partir do nada” — creatio ex nihilo — e criação por decreto divino - fiat. Estas sempre foram doutrinas centrais da fé cristã. Assim, o estilo simples de Gênesis 1 estabelece, de forma poderosa, a soberania de Deus sobre a criação. As histórias seguintes do dilúvio — Gênesis 6—9 — e da Torre de Babel — Gênesis 11 — só reforçam esse conceito.

O Pentateuco dá outras demonstrações do domínio supremo de Deus mostrando como ele lidou com indivíduos como Abraão, Isaque, Jacó, José e Moisés. Ao longo de suas vidas, para onde quer que eles fossem em todo o antigo Oriente Próximo, Deus os assegurava de sua presença, proteção e orientação. O escopo universal desse domínio contrasta de forma gritante com as outras divindades do antigo Oriente Próximo cuja jurisdição tinha limites geográficos definidos.

Ele chamou Abraão para deixar Ur na Mesopotâmia, ou seja, na extremidade leste do mundo antigo. Ele o protegeu e guiou até a Palestina, o futuro lar de seu povo. Mas será que Moisés e os israelitas poderiam confiar na ajuda de Deus contra os egípcios, a nação mais avançada e sofisticada daquele tempo? Deus mostrou de forma dramática o seu domínio soberano sobre o Egito. As pragas foram demonstrações espetaculares de que Deus era Senhor sobre o Egito e, de fato, sobre toda a terra. A aparição exuberante de Deus no monte Sinai — ver Êxodo 19 — e seu domínio sobre Israel enquanto vagavam pelo deserto serviu para reforçar o conceito de que sua soberania não tinha limites, quer fossem geográficos ou de outra natureza.

B. História.

Deus é o Senhor da História

Um segundo tema predominante no Pentateuco é a importância da História. Ao contrário dos escritos de certas religiões como o Confucionismo ou Budismo, a fé do Antigo Testamento atribuiu significado especial à História desde o principio. Outras religiões do Antigo Oriente expressavam sua teologia em termos de mitos, nos quais acontecimentos importantes ocorriam além do tempo e do espaço. Mas no Antigo Testamento, Deus criou a História e trabalhou por meio de seus acontecimentos. Isso se torna mais evidente na singular narrativa Mosaica da criação.

Além de estabelecer a soberania de Deus, a narrativa da criação descreve o começo da história ao relatar a formação do tempo e do espaço — ver Gênesis 1:5, 9, 10. Tendo em vista que a História é parte da criação de Deus, segue-se que ele é soberano sobre a história humana e pode alterá-la, se assim desejar. Dessa forma, os israelitas viam sua história nacional como uma arena para a intervenção divina. Eles vieram a conhecer melhor a Deus por meio do estudo de Seus atos ao longo da História. Acontecimentos como as pragas do Egito ou a aliança no Sinai são mais que simplesmente herança histórica nacional. São verdades teológicas reconhecidamente únicas, são em toda acepção da palavra, revelação divina.

Portanto, o Antigo Testamento apresenta sistematicamente verdades teológicas por meio da História. Assim como todo o Novo Testamento relata o nascimento, a vida, a morte e a ressurreição de Jesus, a mensagem do Antigo Testamento também não pode ser separada dos acontecimentos históricos. Na Bíblia, a verdade espiritual sempre se materializa mediante realidade histórica.

C. A condição da humanidade decaída.

O ser humano desobedeceu Deus e sofre as consequências até hoje

Um terceiro tema importante do Pentateuco é sua avaliação sistemática da condição humana. A mensagem é dolorosamente simples: a humanidade é decaída. Deus fez Adão e Eva como o ponto alto de sua perfeita criação. Eles estavam em paz com Deus, tinham livre acesso à sua presença e gozavam do seu favor. Eles também estavam em paz com a criação ao seu redor e podiam aproveitar de sua riqueza e plenitude perfeitas. Esse retrato do paraíso é a definição bíblica de שָׁלוֹם shalom — paz. שָׁלוֹם shalom significa mais que a ausência de conflito. Refere-se a uma vida na qual totalidade no sentido de pleno, completo e bem-estar estão presentes. A paz enquanto shalom está presente quando Deus não é impedido pelo pecado humano e tem liberdade de dar significado a uma existência que, de outra forma, seria insignificante.

Mas o pecado[1] entrou no jardim do Éden e mudou imediatamente esse quadro perfeito – ver Gênesis 3. Pela primeira vez, os pais da humanidade experimentaram a separação da graça de seu Criador. A perda de um relacionamento de paz com Deus também afetou sua relação com a natureza e um com o outro. Esses efeitos do pecado foram acumulando-se e ficando cada vez piores, tornando clara a mensagem: a humanidade é incapaz de consertar seus próprios erros. A condição decaída da humanidade faz com que cada indivíduo tenha necessidades específicas que só podem ser supridas por Deus.

D. Salvação.

Deus é um Deus de amor e compaixão

O quarto tema principal do Pentateuco é a salvação. Ela não é apenas uma doutrina do Novo Testamento. O Pentateuco relata a salvação de Deus na forma de História.  O amor e a graça de Deus o levaram a tomar determinados passos para remediar o dilema humano. Os acontecimentos mais importantes dessa história — o chamado de Abraão, o chamado de Moisés, as pragas do Egito, a aliança, etc — demonstram Seu amor e graça. E a redenção é o que amarra todos esses acontecimentos formando uma unidade.

Tendo em vista os outros pontos principais discutidos acima, especialmente a soberania de Deus e a natureza decaída da humanidade, esse tema chama a atenção de modo particular. Deus não foi forçado por outra pessoa ou por circunstâncias externas a estender sua mão à humanidade. Sua soberania significa que ele não tem necessidades, incluindo a necessidade do amor e da adoração de suas criaturas. O único fator que motiva sua ação redentora pode ser encontrado em sua natureza amorosa e compassiva — João 3:16. Esse fato, juntamente com a percepção de que o homem encontra-se em uma situação desesperadora, nos ajuda a compreender quão grande é a sua salvação — ver Hebreus 2:1—4.

E. Santidade.

קָדוֹשׁ קָדוֹשׁ קָדוֹשׁ

Deus é Santo, Santo Santo

A ênfase do Pentateuco sobre a graça soberana de Deus na redenção nos leva naturalmente ao quinto tema principal. A única resposta apropriada do ser humano para a graça e o amor de Deus é a santidade pessoal. Assim, o Pentateuco enfatiza fortemente o conceito de santidade. O Deus soberano é supremo em seu caráter moral. Quando Deus traz o Seu povo para perto de Si, Ele os convida a imitar o seu caráter — Levítico 11:45. Ele tirou Israel do Egito e o fez Seu próprio povo. Mas Deus esperava que o novo relacionamento do povo com Ele trouxesse mudanças de conduta para sempre. A santidade pode ser descrita como a apropriação humana da graça de Deus.

No Pentateuco, bem como em outras partes da Bíblia, a graça de Deus é seguida da lei. Deus não se satisfaz ao relacionar-Se com seu povo se este não está fazendo nenhum esforço no sentido de imitar o caráter divino. Assim, a lei tem por finalidade não limitar a vida, mas sim instruir o povo de Deus nos “caminhos da retidão”. A lei tem um papel dominante no Pentateuco, mas de forma alguma serve como um instrumento de escravidão do povo de Deus. Pelo contrário, a lei os protege de suas próprias atitudes autodestrutivas e, como meio de graça, os torna mais semelhantes a Ele.

O Pentateuco conta a história do povo de Deus. Mas há muito mais que apenas um relato de como Deus relacionou-se com esse povo da antiguidade. Há muito tempo, a igreja reconhece que esses textos são parte das Escrituras Sagradas. Como acontece com toda a Escritura, Deus quer que essa história — a história de sua graça salvífica oferecida gratuitamente aos homens necessitados — torne-se também a nossa história. Pois, de fato, essa é a história de todos aqueles que seguem a Cristo.

Para os cristãos, a salvação pessoal é muito semelhante à história do Pentateuco. Deus, o Soberano do universo, entra em nossa história pessoal e nos dá a solução para nossa natureza caída. Por causa da Sua graça e Seu amor Ele oferece salvação por meio de sua própria revelação na História — a encarnação. Deus nos dá profetas e mestres para interpretar seus atos históricos e nos ajuda a manter nosso relacionamento com ele. O resto da história é sobre o crescimento na graça e a imitação de nosso Salvador. Portanto, o evangelho de Jesus Cristo também foi o evangelho dos israelitas.

F. Eleição.

 
Deus nos elegeu para a salvação

O Antigo Testamento foi escrito para o povo de Israel — um povo que olhava para trás até chegar em Jacó que recebeu um novo nome da parte de Deus i. e., Israel — ver Gênesis 32:28. Este Jacó era o ancestral comum de todos os israelitas sendo ele mesmo —Jacó — neto de Abraão que foi quem deu início ao povo de Israel. Da mesma maneira todos os crentes do Novo Testamento também olham para trás, para o mesmo Abraão, já que ele é o pai de todos aqueles que dependem exclusivamente da fé e de nenhuma outra coisa que possam fazer, por si mesmos, para se acertarem com Deus — ver Romanos 4:16. Dessa maneira quando lemos a história do chamamento de como Abraão se tornou o ancestral do povo escolhido de Deus o fazemos não como alguém que está considerando algum evento ocorrido em um tempo remoto e distante e sim como alguém que está considerando algo que tem profundo significado e importância para nós nos dias de hoje.

A idéia da Eleição — o fato que Deus escolhe de maneira especial certas pessoas — possui duas implicações subjacentes: promessa e responsabilidade. Quando lemos Gênesis capítulos 12—22 encontramos inúmeras promessas feitas a Abraão por Deus. Entre estas nós podemos encontrar a promessa que a posteridade de Abraão seria “como as estrelas do céu” – ver Gênesis 15:5. Deus também prometeu dar a terra de Canaã a Abraão e aos seus descendentes — ver Gênesis 13:13—15. Mas certamente a mais importante promessa dada a Abraão foi a de que através dele Deus iria abençoar a todas as famílias de terra – ver Gênesis 12:1—3.

Assim sendo, as promessas feitas por Deus a Abraão não foram dadas apenas para o deleite pessoal de Abraão e de uns poucos protegidos. As mesmas deveriam ser utilizadas de forma correta de tal maneira que outros pudessem também se beneficiar das mesmas. No centro da eleição soberana do povo de Israel por Deus, nós encontramos a verdade de que Deus possui um objetivo missionário. A história de Israel precisa ser lida da perspectiva de como o povo de Israel lutou para cumprir este objetivo. Ao fazermos essa leitura nós vamos encontrar alguns sucessos e muitas e bem evidentes falhas.

Outros artigos acerca da Introdução ao Antigo Testamento

A. O Texto do Antigo Testamento

001 – O CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

002 – A INSPIRAÇÃO DA BÍBLIA

003 – A TRANSMISSÃO TEXTUAL DA BÍBLIA — Parte 1 = Os Escribas e O Texto Massorético — TM

004 – A TRANSMISSÃO TEXTUAL DA BÍBLIA — Parte 2 = O Texto Protomassorético e o Pentateuco Samaritano

005 – A TRANSMISSÃO TEXTUAL DA BÍBLIA — Parte 3 = Os Manuscritos do Mar Morto e os Fragmentos da Guenizá do Cairo

006 - A TRANSMISSÃO TEXTUAL DA BÍBLIA — Parte 4 = A Septuaginta ou LXX

007 - A TRANSMISSÃO TEXTUAL DA BÍBLIA — Parte 5 = Os Targuns e Como Interpretar a Bíblia

B. A Geografia do Antigo Testamento

001 – INTRODUÇÃO E MESOPOTÂMIA

002 – O EGITO

003 – A SÍRIA—PALESTINA

C. A História do Antigo Testamento

001 — OS PATRIARCAS DA NAÇÃO DE ISRAEL

002 — NASCE A NAÇÃO DE ISRAEL

003 — A NAÇÃO DE ISRAEL: O REINO UNIDO

004 — O REINO DIVIDIDO E O CATIVEIRO BABILÔNICO

D. A Introdução ao Pentateuco

001 — O PENTATEUCO — O QUE É E DO QUE TRATA O PENTATEUCO

Que Deus abençoe a todos.

Alexandros Meimaridis

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Desde já agradecemos a todos.

O material contido neste estudo foi, em parte, adaptado e editado das seguintes obras, que o autor recomenda para todos os interessados em aprofundar os conhecimentos acerca do Antigo Testamento:

Bibliografia

Arnold, Bill T. e Beyer, Bryan E. Descobrindo o Antigo Testamento. Editora Cultura Cristã, São Paulo, 2001.

Archer, Gleason L. Jr. A Survey of the Old Testament. The Zondervan Corporation, Grand Rapids, 1980.

Champlin, Russel Norman. Enciclopédia de Bíblia, Teologia, e Filosofia. Editora Hagnos, São Paulo, 6ª Edição, 2002.

Francisco, Edson de Faria. Manual da Bíblia Hebraica – Introdução ao Texto Massorético. Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, São Paulo, 1ª Edição, 2003.

Harrison, Roland Kenneth. Introduction to the Old Testament. William B. Eerdmans Publishing Company, Grand Rapids, 1979.

The Fundamentals. Edição Eletrônica disponível na Internet, 2006.

Walton, John H. Chronological Charts of The Old Testament. The Zondervan Corporation, Grand Rapids, 1978.

Würthwein, Ernst. The Text of the Old Testament. William B. Eerdmans Publishing Company, Grand Rapids, Reprinted, 1992.

Enciclopédias e Softwares

__________Biblioteca Digital da Bíblia. Sociedade Bíblica do Brasil, Barueri, 2006.

__________The Lion Handbook to the Bible. Lion Publishing, Herts, 1978.

__________The New Encyclopaedia Brtannica. Encyclopaedia Britannica Inc., Chicago, 15th Edition, 1995.





[1] Pecado - Falta de conformidade com a lei de Deus, em estado, disposição ou conduta. Para indicar isso, a Bíblia usa vários termos, tais como pecado – ver Salmos 51:2; desobediência – ver Hebreus 12:2; transgressão – ver Hebreus 2:2; iniqüidade – ver Mateus 7:23; mal, maldade, malignidade – ver Romanos 1:19; perversidade – ver Atos 3:26; rebelião, rebeldia – ver Jeremias 14:7; engano – ver Sofonias 1:9; injustiça – ver Jeremias 22:13; erro, falta – ver Romanos 1:27; impiedade – ver Romanos 1:18; concupiscência – ver Isaías 57:5; depravidade, depravação – ver Ezequiel 16:27, 43, 58.  O pecado atinge toda a raça humana, a partir de Adão e Eva.

4 comentários:

  1. A tradução na linha do shemá está incorreta, não é "ehat" senão "echad". Ehat seria "אהת".

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    1. Caro Paulo,

      Muito obrigado por tomar interesse em algo que escrevemos. Todavia nossa política ao transliterar palavras do grego ou do hebraico ou do aramaico para o português segue o forma com as palavras são pronunciadas e não como são transliteradas. É apenas isso, portanto não existe nenhum erro na tradução e sim apenas uma adaptação na sonoridade da transliteração.

      Abraço,

      Irmão Alex

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    2. Obrigado, sr Alex por responder, espero que não tenha se ofendido, mas de fato "אהת" está no feminino e a pronúncia é "achat", como no salmo dizzia David "achat sha'alti meet Adonai". Não se ofenda ainda, mas na oração do Shemá a pronúncia é "echad", que está no masculino. O sr já participou de um serviço religioso judaico? Ali o sr vai se inteirar do que estou dizendo.

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    3. Caro Paulo,

      Não há nenhuma ofensa, já que ouvi muitas vezes um amigo judeu pronunciar o "shemá" quando se hospedava em nossa casa,Então farei isso: quando tiver oportunidade de conversar com ele pedirei esclarecimento quanto à forma como ele pronuncia a mesma. Tenho plena consciência que o som de "d" e "t" são muito próximos, especialmente quando formam o final da palavra. Em todo caso farei um ajuste na transliteração acima, para deixá-la mais coerente com o que está escrito.

      Não costumo frequentar serviços religiosos judaicos, mas já assisti ao casamento de vários amigos, porque morei por décadas no Bom Retiro em São Paulo.

      Obrigado por tua ajuda.

      Abraço,

      irmão Alex

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