A batatlha de Tetuão de Mariano Fortuny, óleo sobre tela (MNAC)
Referiu
Samuel todas as palavras do SENHOR ao povo, que lhe pedia um rei, e disse: Este
será o direito do rei que houver de reinar sobre vós: ele tomará os vossos
filhos e os empregará no serviço dos seus carros e como seus cavaleiros, para
que corram adiante deles; e os porá uns por capitães de mil e capitães de
cinqüenta; ... e outros para fabricarem suas armas de guerra e o aparelhamento
de seus carros. ... As vossas sementeiras e as vossas vinhas dizimará, para dar
aos seus oficiais e aos seus servidores. ... Dizimará o vosso rebanho, e vós
lhe sereis por servos. Então, naquele dia, clamareis por causa do vosso rei que
houverdes escolhido; mas o SENHOR não vos ouvirá naquele dia. Porém o povo não
atendeu à voz de Samuel e disse: Não! Mas teremos um
rei sobre nós. Para que sejamos também como todas as nações; o nosso rei poderá
governar-nos, sair adiante de nós e fazer as nossas guerras. Ouvindo,
pois, Samuel todas as palavras do povo, as repetiu perante o SENHOR — 1 Samuel
8: 10—21.
Porque
as armas da nossa milícia não são carnais, e sim poderosas em Deus, para
destruir fortalezas, anulando nós sofismas — 2 Coríntios 10:4
Tomai
também o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus —
Efésios 6:17.
No artigo anterior[1]
começamos a falar das contradições da cristandade[2]
e nos referimos diretamente aos problemas causados pela atração da política e
do poder. Para a manutenção do poder um dos componentes essenciais é o uso da
força. E é exatamente do uso da força, especialmente a força militar, com o que
iremos nos ocupar neste artigo.
Na Roma antiga o império cobrava, das nações
subjugadas, pesados impostos visando especialmente, a manutenção de seu
poderoso exército de mercenários. Ou seja, os povos dominados eram quem
financiavam a manutenção da ordem estabelecida pelos romanos. Além de serem
subjugados ainda tinham que pagar pesados impostos para ajudar a manter os
dominadores como tais. Este foi um dos principais motivos porque os cristãos da
igreja primitiva se recusavam a servir nos exércitos dos césares. Nossos irmãos
do passado percebiam as graves implicações em servir nos exércitos de César.
Eles sabiam que o serviço militar não era para a defesa da nação e sim para a
expansão imperialista e a manutenção permanente da superioridade do império
Romano e a conseqüente subjugação e exploração permanente dos povos
conquistados. Nos dias modernos temos os dois casos: temos exércitos para a
defesa das próprias pátrias e temos exércitos mercenários chamados, de modo
eufemístico, de “exércitos profissionais” pagos apenas para fazerem guerras.
I - OUVINDO A VOZ DE LÚCIFER
Este processo de deterioração, entre a postura dos
cristãos primitivos e a postura da cristandade atual é descrita de forma
magistral por Franz J. Hinkelammert: “... o
Império Cristão, tem um mecanismo infalível para estabelecer a culpa de suas
vítimas e a divindade e a inocência dos vitimadores. As vítimas são vitimadas
porque escutaram a voz de Lúcifer, e, conseqüentemente, merecem o castigo. Os
perseguidores se sentem sem culpa. Perseguem os culpados, e, por persegui-los,
são perdoados deles, os perseguidores, todas as suas culpas. O sangue das
vítimas é sangue redentor para os vitimadores. É sangue de Deus que lava a
culpa dos vitimadores e não das vítimas. O Império é a mão de Deus. O que
resulta disso é uma cultura de agressão e dominação”[3].
Não podemos ignorar a gravidade destas palavras
citadas acima. Os cristãos, fundamentalistas fanáticos, encastelados em
Washington, nestes dias, são mais perversos ainda que os fundamentalistas e
fanáticos muçulmanos. Isto se deve a uma simples razão: eles detêm um poder de
fogo e destruição que não pode ser oposto por nenhum ser humano. Aliás, faz
parte da doutrina atual do pentágono que os Estados Unidos se dão o direito de
atacar e destruir qualquer ameaça à sua supremacia atual. Esta doutrina é
conhecida como “Preemtive Strike” que pode ser traduzida como “Ataque
Preventivo”. Os senhores da guerra encastelados em Washington certamente nada
aprenderam nos livros de história já que acreditam piamente que os Estados
Unidos dominarão o mundo de hoje até a eternidade. E muitos cristãos
estadunidenses acreditam que a guerra no Afeganistão e contra o Iraque foi apenas um ensaio completo para a
próxima e grande batalha, a batalha do Armagedom. Isto explica o sucesso do
livro de Hal Lindsey “Blood Moon”, inédito ainda no Brasil, e da série de Tim
LaHaye e Jerry Jenkins, “Deixados para trás”, editada e publicada no Brasil, originalmente
pela United Press.
Robert Zimmerman, poeta estadunidense, colocou em
palavras o que certamente seria o sentimento dos verdadeiros cristãos com
relação a servir em exércitos mercenários e lutar guerras injustas como as que
temos comentado acima:
Senhores
da Guerra
Venham
agora, Senhores da Guerra
Vocês
que fabricam todas as armas
Vocês
que constroem todos os aviões para a matança
Vocês
que constroem as grandes bombas
Vocês
que se escondem atrás das paredes
Vocês
que se escondem atrás das mesas
Eu
só quero que vocês saibam que
Eu
posso ver através das máscaras de vocês
Vocês
que nunca fazem nada
Que
não seja para destruir
Vocês
brincam com meu mundo
Como
se fosse um brinquedinho
Vocês
põem uma arma em minhas mãos
E se
escondem dos meus olhos
E
vocês se viram e fogem para longe
Enquanto
as balas passam tinindo
Como
o Judas de antigamente
Vocês
mentem e enganam
Vocês
querem que eu acredite
Que
uma guerra mundial pode ser vencida
Mas
eu vejo dentro dos olhos de vocês
Eu
vejo dentro do cérebro de vocês
Exatamente
como eu vejo a água
Que
escorre pela minha privada
Vocês
armaram os gatilhos
Para
outros dispararem
Vocês
se sentam na retaguarda e observam
Enquanto
o número de mortos não para de crescer
Vocês
se escondem em suas mansões
No
mesmo instante em que o sangue de jovens
Flui
de seus (dos jovens) corpos e enlameia a terra
Vocês
inventaram o pior tipo de medo possível
O
medo de trazer filhos para este mundo
Ameaçando
assim ao meu filho
Ainda
não nascido e sem nome ainda
Vocês
não são dignos
Do
sangue que corre em suas veias
Mas
quem sou eu
Para
falar deste jeito
Vocês
podem dizer que eu sou jovem
Vocês
podem dizer que eu sou ignorante
Mas
tem uma coisa da qual eu tenho certeza absoluta
Mesmo
sendo mais jovem que vocês
Nem
Jesus Cristo vai perdoar
As
coisas que vocês fazem
Deixem-me
fazer-lhes uma pergunta
O
dinheiro de vocês é tão bom assim?
Será
que ele pode comprar o perdão para vocês?
Vocês
acham mesmo que ele pode?
Mas
eu quero lhes dizer que vocês irão descobrir
Quando
a morte de vocês chegar
Todo
o dinheiro que vocês conseguiram
Não
conseguirá comprar de volta a alma de vocês
E eu
espero mesmo que vocês morram
E a
morte de vocês vai chegar rápido
Eu
acompanharei o caixão de vocês
Numa
tarde pálida
E eu
vou ficar lá olhando enquanto o caixão é abaixado
No
leito de morte de vocês
E eu
vou ficar em pé sobre o túmulo de vocês
E
ter certeza de que vocês estão mesmo mortos[4]
É tudo uma questão de poder. Por hora, o poder se
encontra firmemente seguro nas mãos de George W. Bush a quem o jornalista
Carlos Dorneles chamou, de maneira apropriada, de “homem truculento e trapalhão[5]”.
Barack Obama tem se revelado tão ou mais truculento e trapalhão que o cowboy do
Texas.
Além disso, os cidadãos estadunidenses,
incentivados pelo seus presidentes e muitos pastores, confundem chauvinismo[6]
com patriotismo. Não precisamos ir muito longe para sabermos onde isto tudo vai
dar. No século XIX, o alemão Otto Von Bismarck-Schönhausen transformou um
ajuntamento de pequenos estados no que hoje é a Alemanha. De acordo com os
historiadores e biógrafos de Bismarck, ele era um homem cristão, que costumava
ler a Bíblia e acreditava que Deus responde as orações e que guia nossas vidas.
Todavia, este homem, além de dar forma ao país Alemanha, ia muito além na sua
visão da Alemanha unificada. Ele foi o idealizador do conceito “Alemanha Acima
de Tudo - Deutschland Uber Alles”, que não passava de uma visão chauvinista que
acabou por arrastar a Alemanha para iniciar as duas maiores guerras do século
XX. As similaridades com o chauvinismo estadunidense dos dias de hoje não podem
ser ignoradas. O problema central reside no fato de homens serem corrompidos
pelo poder, enquanto acreditam que possuem um mandato divino. Seus crimes são
então cometidos em nome de Deus. Quando o presidente dos Estados Unidos declara
que “deus está do nosso lado” ele age da maneira descrita por Franz J.
Hinkelammert acima. Note que “deus está do nosso lado” e não “nós estamos do
lado de Deus”, indicando que “nós” somos aqueles ao lado de quem deus quer
estar. Suas vítimas odeiam o deus que ele representa, neste caso, o deus da
cristandade. Esta mistura de política com religião com a conseqüente
divinização de personalidades políticas compõe uma das formas mais perversas
das contradições que encontramos na cristandade. Da mesma maneira que inúmeras
igrejas alemãs, se alinharam com o movimento chauvinista ultranacionalista dos
Nazistas nos anos 30, a ponto de um membro de uma destas igrejas considerar os
nazistas como “dom e milagre de Deus”[7],
nos dias de hoje os fundamentalistas cristãos, capitaneados pelo senhor Barack
Houssein Obama acreditam que podem impor tudo que sua visão distorcida entende
ser a vontade revelada de deus, ao resto do mundo. O mundo precisa se segurar,
pois estamos vivendo dias em que a cristandade não contente em dominar o mundo
ocidental se volta agora para uma dominação total do oriente próximo, médio e
extremo[8].
Esta dominação é geralmente denominada de forma branda como “globalização”.
II. O CRISTÃO E AS GUERRAS
Desde Woodrow Wilson que presidiu os Estados Unidos
de 1913 até 1921 os presidentes daquele país costumam se referir às guerras em
que os Estados Unidos da América se envolvem, incluindo a do Afeganistão,
Iraque e contra o terror, como “a guerra para acabar com todas as guerras”. É
apenas uma frase de efeito já que o complexo militar-industrial que manda nos
Estados Unidos, hoje acabou se reinventando com os acontecimentos de 11 de
Setembro de 2001. Essa frase foi usada pela primeira vez com referência à
Primeira Guerra Mundial, que terminou em 1918. Na ótica de Wilson a guerra para
acabar com todas as guerras visava “tornar o mundo mais seguro para a
democracia” que curiosamente é outra frase muito utilizada por George Walker
Bush e Barak Obama para justificar suas guerras sem tréguas ao terrorismo. Como
todos sabem, infelizmente, as guerras continuaram e continuam a acontecer. Mas,
deve um cristão pegar em armas? Talvez um pouco de história nos ajude a colocar
esta questão em perspectiva, antes de analisarmos o que o Senhor Jesus ensinou
e a igreja primitiva praticou.
A. A Guerra da Criméia
A península da Criméia é uma extensão de terra que
se projeta para dentro do Mar Negro e se liga ao sul da Ucrânia através do
istmo de Perekop. A sensação que experimentamos quando escalamos as montanhas
ao sul da Ucrânia que chegam a 1500 metros acima do nível do mar nos deixa
duplamente sem fôlego. Primeiro porque a subida é extremamente aguda e em
segundo lugar porque, uma vez lá em cima, percebemos que o outro lado é ocupado
pelo magnífico Mar Negro. A península em si mede meros 27.000 Kilômetros
quadrados e boa parte dela está ocupada por cemitérios dos antigos Citas[9].
A história nos diz que muitos e diferentes povos ocuparam a península da
Criméia através dos séculos. Entre estes nós podemos citar: os godos, os hunos, os citas, os cazares,
os gregos, os mongóis e os turcos otomanos. Foram estes últimos que
conquistaram a península em 1475.
Em 1783 toda a região da Criméia foi anexada ao
Império Russo. A Rússia montou uma monumental base naval na cidade de Sebastopol.
Em 1853 a Turquia iniciou uma guerra
contra a Rússia visando retomar a península da Criméia. O que deveria ter sido
mantido como um conflito localizado assumiu proporções monumentais, pois a Grã
Bretanha - Império Colonial Britânico e a França - Império Colonial Francês -
tomaram lado com a Turquia - Império
Otomano - para se opor à Rússia - Império Russo. O início oficial da assim
chamada Guerra da Criméia foi 28 de Março de 1854. Naqueles dias já fazia 39
anos que Napoleão havia sido derrotado na batalha em Waterloo – em 1815 - e a
Primeira Guerra Mundial ainda estava 60 anos no futuro - teria início em 1914.
Entre os combatentes do lado russo encontrava-se um
jovem segundo tenente que atendia pelo nome de Leon Tolstói. Este Tolstói lutou
na primeira fase da guerra na cidade de Sebastopol onde se encontrava, como já
dissemos, uma enorme base naval russa. Retornando a São Petersburgo Tolstói
produziu e legou para a humanidade uma extensa obra literária. Entre seus
livros encontramos um longo romance intitulado “Guerra e Paz[10]”.
Este romance que foi publicado entre os anos de 1865 e 1869 possui incríveis
365 capítulos. Em muitos destes capítulos Tolstói relata de maneira viva e
realista inúmeras cenas de batalhas como as que havia presenciado na Guerra da
Criméia. Sem exageros, em muitas partes a leitura se torna extremamente
angustiante.
O motivo político do porque a Guerra da Criméia
existiu deve-se ao fato de que com a débâcle do Império Turco Otomano no leste
da Europa, um enorme vácuo de poder estava sendo criado. Mas o verdadeiro
motivo foi religioso. Isto é o que acontece sempre que a separação que deve
existir entre o estado e a igreja não é respeitada. Assim é que a Rússia
ortodoxa se via como protetora dos locais sagrados na Palestina - contra a
dominação da França católica - e como protetora dos cristãos ortodoxos vivendo
sob o domínio do sultão otomano. Desta forma a Rússia exigiu que um protetorado
fosse criado dentro do Império Turco Otomano para acomodar e proteger os
cidadãos de fé cristã ortodoxa. O sultão turco, evidentemente, se recusou a
anuir com este pedido. Como reação à negativa turca a Rússia invadiu dois
estados vassalos do sultão na região da Romênia: a Walachia - chamada de Iflak
pelos turcos - e a Moldávia - chamada de Bogdan pelos otomanos. A Turquia
declarou guerra à Rússia em 1853.
Guerras entre o Império Otomano e o Império Russo
não eram muita novidade como provam as três outras guerras Russo - Turcas
anteriores entre 1768—1774; 1787—792 e 1828—1829. Estas guerras eram acompanhadas
com vivo interesse pelas potências européias. Após a invasão dos estados
vassalos pela Rússia a mesma recebe uma ordem dos poderosos impérios Britânico
e Francês para devolver os mesmos. Os Russos se recusam e a Grã Bretanha e a
França entram oficialmente na guerra com as tropas que já haviam enviado anteriormente
ao Mar Negro.
Temos que nos lembrar que os Impérios Britânico e
Francês eram inimigos ferrenhos e competiam ombro a ombro pela dominação do
mundo. Mas, usando a desculpa de ajudar a Turquia os dois rivais se associam
para combater a Rússia mais ou menos na mesma linha em que Pilatos se
reconciliou com Herodes no dia em que condenou Jesus à morte - ver Lucas 23:1—12).
A guerra da Criméia se concentrou na península por causa da base naval russa na
cidade de Sebastopol. Com a queda de Sebastopol e a destruição da armada ali
localizada a Rússia se viu derrotada e forçada a assinar o chamado “Tratado de
Paris” em 30 de Março de 1856, exatos dois anos e dois dias após o início das
hostilidades. Desta forma os impérios Britânico e Francês “salvaram” o império
Turco Otomano, império este que destruiriam completamente durante a assim
chamada Primeira Grande Guerra Mundial de 1914 a 1918.
A guerra da Criméia representou um avanço brutal na
chamada “arte da guerra”, pois pela primeira vez foram utilizados rifles com
miras de precisão, as linhas férreas foram usadas de forma tática pelos
estrategistas o mesmo acontecendo com o telégrafo. Surgiram também as minas
marítimas e os combates em trincheiras. Inúmeros progressos foram alcançados
nas práticas médico-cirúrgicas para tratamento de combatentes feridos e os
cigarros - grande novidade em meados do século XIX - alcançavam os soldados de
forma mais veloz que as balas dos inimigos. Todavia uma inovação, em um produto
já existente, foi o que de mais significativo aconteceu durante aqueles dois
anos de guerra: a fotografia.
A fotografia - escrita feita pela luz - havia sido
inventada entre 1826 e 1827 pelo francês Joseph-Nicéphone Niepce – 1765—1833. Seu
método exigia um tempo de exposição de 8 horas aproximadamente. Alguns anos
mais tarde, em 1839, um associado de Niepce, Louis-Jacques-Mandé Deguerre – 1787—1851
introduziu um novo método de fotografia, descrito como daguerreótipo. Este
método reduzia o tempo de exposição drasticamente para algo em torno de 20 a 30
minutos. A partir daí os próximos desenvolvimentos são devidos aos ingleses. O
primeiro aconteceu já no ano seguinte, em 1840, quando William Henry Fox Talbot
– 1800—1877 inventou o “colótipo”, que foi patenteado em 1841 com o nome de
“talbótipo”. A invenção de Talbot criou, na prática, o primeiro negativo, e
possibilitou a reprodução de uma mesma fotografia. Agora, o tempo entre
exposição e revelação estava reduzido a poucos minutos. Em 1850, outro inglês,
Frederick Scott Archer – 1813—1857 - introduziu outro processo de confecção de
negativos. Sua invenção afetou profundamente a prática da fotografia. A
invenção de Frederick fez com que o processo de revelação que levava minutos
passasse a ser executado em segundos. Estamos agora bem próximos do início da
guerra da Criméia. Era inevitável que os avanços fotográficos fossem utilizados
nos campos de guerra.
Correspondentes de guerra britânicos trabalhando
para o “The Times” de Londres estavam reportando, por escrito, os horrores da
guerra da Criméia. Estas reportagens foram lidas pelo proprietário de uma
editora chamada Thomas Agnew & Sons. Este Thomas Agnew resolveu enviar
então o fotógrafo oficial da família imperial Britânica, Roger Fenton – 1819—1869
- para produzir uma história fotográfica da zona de guerra. Roger Fenton ficou
3 meses e meio na Criméia de onde retornou com 360 fotografias na bagagem e o
bacilo da cólera nos intestinos. Curiosamente apesar de sabermos que a Guerra
da Criméia deixou um saldo de aproximadamente 200.000 mortos nenhum deles foi
fotografado por Fenton. Sua exposição fotográfica acerca da guerra, inaugurada
em Londres em 20 de Setembro de 1855, mostrava, basicamente, suprimentos
militares, os líderes da forças aliadas e cenas pitorescas mais apropriadas a
um turista do que a um repórter fotográfico de guerra. De forma surpreendente,
entre as 312 fotografias expostas, não havia nenhuma fotografia sequer, isto
mesmo, zero, zipo, de cenas de combates, de destruição e da devastação tão
comum em regiões de conflitos armados.
A guerra da Criméia sim devia ter sido a guerra
para acabar com todas as guerras. Devia, mas infelizmente o uso que se fez das
fotografias de Roger Fenton em vez de servir como desestímulo a novas guerras
serviu apenas como propaganda para o esforço de guerra. A elite britânica - que
se denominava “cristã”, tinha medo de que fotos mostrando atrocidades pudessem
desestimular o interesse do povo de apoiar a guerra. Por este motivo somente
fotos mostrando aspectos de “não combate” foram liberadas para a apreciação do
público. É uma pena que uma oportunidade única como esta fosse jogada pelo ralo
e justamente por quem? Por uma nação que se dizia cristã em plena Era Vitoriana
quando os ingleses nas palavras de Michael Griffith “estavam muito próximos da
beira do abismo que confunde respeitabilidade com santidade”[11].
B. A Cristandade e as Guerras
Como vimos anteriormente[12],
tão logo a Igreja saiu das catacumbas ela passou a fazer parte da formidável
força que era representada pelo exército romano. A partir daí a história foi
somente morro abaixo.
Olhando para a história da Cristandade o holandês
Hugo Grotius (Hugo de Groot) escreveu o seguinte: “Eu tenho visto em todo o mundo chamado cristão uma licença para guerrear
que faria corar de vergonha as nações mais bárbaras que já existiram! Guerras
foram iniciadas baseadas em motivos banais ou até mesmo sem nenhum motivo que
as justificassem e foram levadas adiante sem nenhuma consideração às leis
humanas ou divinas[13]”.
Este comentário poderia parecer contemporâneo devido sua atualidade. Mas temos
que destacar, caso o leitor seja levado ao erro, que Hugo Grotius não escreveu
estas palavras recentemente e sim em 1625!
Na mesma linha de pensamento outro holandês mais famoso
que Grotius, Desiderius Eramus, que estava muito longe de poder ser rotulado
como um pacifista dos tempos modernos costumava dizer: “A guerra pode ser aceitável entre as bestas, pois lhes falta a
iluminação da razão, mas entre seres humanos a mesma é uma grande aberração,
pois todos os males que acontecem durante e após as guerras podem ser
compreendidos com o uso da razão somente. Agora entre aqueles que se dizem
“cristãos” a guerra é completamente inconcebível não somente por ser
racionalmente discutível, mas pelo que é ainda muito mais importante, ser
eticamente inadmissível”.
Em tempos mais recentes um Major General dos U.S.
Marine Corps, o Sr. Smedley Buttler em um pequeno livro intitulado “War is a
Racket” escreveu o seguinte: “A guerra é
um esquema fraudulento. Sempre foi. É possivelmente o mais antigo, facilmente o
mais rentável e certamente o mais brutal. É o único completamente internacional
em seu escopo. É o único em que o lucro é contabilizado em dólares e as perdas
em vidas humanas[14]”.
Acerca de citações que apóiam ou justificam as
guerras feitas por cristãos, o autor como cristão, se sente envergonhado de fazê-las.
Única exceção será feita a uma frase proferida pelo Sr. George Walker Bush já
citada no capítulo 1 - ver nota # 12. Disse o Sr. Bush “Nós iremos exportar a morte e a violência aos quatro cantos da terra em defesa da
nossa grande nação[15]”.
O autor deste artigo pede encarecidamente que todos
os leitores que já estiverem devidamente armados com todo o arsenal de
versículos do Antigo Testamento visando tentar justificar atos de guerra, que
poupem seu tempo e do autor não enviando nenhum e-mail ou fazendo comentários
que não seja fruto de profunda reflexão sobre o que está escrito aqui. O autor
se dispõe, todavia, a considerar devidamente todo e qualquer argumento baseado
no Novo Testamento. Quero aclarar porque não aceito argumentos baseados no
Antigo Testamento. A condição que existia durante os dias do Antigo Testamento é
nas palavras do autor da epístola aos Hebreus, semelhante à de se mover entre
sombras, figuras e tipos. A realidade pertence ao Senhor Jesus. Os dias do Antigo
Testamento não correspondiam à realidade que passamos a possuir desde o
primeiro advento do Nosso Senhor e Salvador Jesus o qual seja bendito por todas
as eras sem fim. O reino de Nosso Senhor Jesus não é uma teocracia como a que
existia nos dias do Antigo Testamento. Aquele reino tinha fronteiras bem
delimitadas. Esse não possui fronteiras. Nada me entristece mais do que ver
irmãos na fé referindo-se a algum país, mas principalmente aos Estados Unidos
da América, como sendo uma nação cristã. Este conceito de nação cristã não
existe dentro do Novo Testamento. Não adianta nem procurar porque não existe o
menor traço desta idéias dentro do Novo Testamento. Jesus e os apóstolos tinham
plena consciência de que somos cidadãos não de algum país desta terra e sim
cidadãos dos Céus.
III – DEVE O CRISTÃO PEGAR EM ARMAS?
Durante os “anos de chumbo[16]”
tivemos que aprender a lidar com um conceito confuso e nunca precisamente
definido que era o conceito envolvido na expressão “segurança nacional”. Fosse
o que fosse o significado daquela expressão, hoje sabemos que o mesmo não tinha
nada a ver com justiça e o direito. Aqueles foram anos tumultuados e para um
adolescente que havia acabado de ser converter ao Senhor Jesus. Tal situação
apresentava inúmeros desafios e muitos questionamentos. Seria lícito a um
crente prender, torturar e matar mesmo em nome do estado? Seria lícito se
rebelar e juntar-se a algum movimento que visasse derrubar os militares pelo
uso da força? Ou se quisermos colocar de outra maneira: Seria lícito a um
crente, sob qualquer hipótese, tomar uma arma em suas mãos para com ela tirar a
vida de outro ser humano? Ficam excluídos aqui aqueles que precisam, por força
da lei, portarem armamentos para sua defesa pessoal, e da sociedade.
Os compêndios de história da igreja estão repletos
de dados acerca dos fatos de que a resposta fornecida pelos cristãos primitivos
à pergunta feita acima seria um retumbante não.
Os primeiros registros históricos a mencionarem
cristãos nas fileiras dos exércitos romanos são do ano 175 da era cristã. Mas
não deve ser assumido por ninguém que cristãos pertencendo aos exércitos de
César fossem a norma na igreja primitiva - do pentecostes até o final do século
I - ou mesmo durante o século subseqüente. Alguns escritores cristãos[17]
a partir do terceiro séculos
deixaram registros deveras interessantes a este respeito como podemos notar
pelas seguintes citações:
- “Seria lícito a qualquer cristão fazer do uso de uma espada sua profissão quando o próprio Senhor nos adverte que todos aqueles que lançam mão da espada à espada morrerão” - Tertuliano (155/160—220) citando Mateus 26:52.
- “Pois nós não mais tomamos da espada para combater outra nação nem nos inclinamos mais na direção da guerra, pois nos tornamos filhos da paz, por amor a Jesus que é o nosso líder” - Orígenes (185—254)
- Talvez as palavras do Bispo de Cartago, Cipriano (200—258), que foi martirizado pela sua fé em Jesus Cristo traduzam melhor o sentimento que existiam nos cristãos primitivos acerca de tomar uma espada e matar um semelhante. Ele disse: “Se um homem tomar uma espada e matar um semelhante em secreto isto é considerado um crime, mas se o mesmo ato, o assassinato de um semelhante, for cometido com as bênçãos do governo então tal ato é chamado de “ato de coragem”.
A leitura dos escritos de Cipriano de Cartago
atinge níveis realmente incômodos quando o ouvimos dizer que: “aos cristãos não é concedido matar outro ser
humano, pelo contrário, os cristãos precisam estar dispostos a entregar suas
próprias vidas”. Estas palavras são perturbadoras porque foram proferidas
por um homem que viveu à altura do que ensinava já que, como mencionamos, ele
foi morto por causa da sua fé.
Todavia muito mais importante do que a atitude dos cristãos primitivos
com relação aos crentes pegarem em armas para matar semelhantes é o ensinamento
do Novo Testamento a este respeito.
O Senhor Jesus foi bem categórico a este respeito durante o assim
chamado Sermão do Monte. Em Mateus capítulos 5 a 7 e outras passagens nós
encontramos Jesus ensinando que:
- Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus – Mateus 5:9.
- Eu, porém, vos digo: não resistais ao perverso; mas, a qualquer que te ferir na face direita, volta-lhe também a outra; e, ao que quer demandar contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa. Se alguém te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas – Mateus 5:39 – 41.
- Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; para que vos torneis filhos do vosso Pai celeste, porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos – Mateus 5:44 – 45.
- Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles; porque esta é a Lei e os Profetas – Mateus 7:12.
- Respondeu Jesus: O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus ministros se empenhariam por mim, para que não fosse eu entregue aos judeus; mas agora o meu reino não é daqui - João 18:36.
O apóstolo Paulo também deixa claro que as armas da
nossa milícia não são carnais - 2 Coríntios 10:4, e que a verdadeira espada de
cada cristão é a do Espírito Santo, i.e. a Palavra de Deus - Efésios 6:17.
Talvez a contribuição mais significativa do apóstolo Paulo a toda esta questão
tenha sido mostrar o que Jesus queria dizer ao ensinar “amai vossos inimigos”, conforme registrado em Mateus 5:44. O
comentário de Paulo acerca do que significa amar está registrado em 1 Coríntios
13: 4 – 8a onde lemos:
O amor é paciente, é benigno; o amor não arde em
ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não
procura os seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal; não se
alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade; tudo sofre, tudo crê,
tudo espera, tudo suporta. O amor jamais acaba.
A pergunta que não quer calar é: Fazer guerra e
promover a matança desenfreada de seres humanos é compatível com a descrição
que Paulo fez acima do que implica o mandamento do próprio Senhor Jesus de que
devemos amar nossos inimigos? Não me canso de me chocar vendo reportagens
televisivas em que as mesmas pessoas que gritam o mais alto possível contra o
aborto dos inocentes sejam os mesmos que gritam a favor da pena de morte e de
se manter um poderio militar acima de qualquer outra coisa. É uma contradição
típica da cristandade se dizer pró vida ao mesmo tempo em que apóia a matança
generalizada em campos de guerra.
É tempo de tomarmos uma decisão baseada exclusivamente na ética ensinada
no Novo Testamento. E a ética de Jesus é em suas próprias palavras a seguinte: o
Filho do Homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para salvá-las –
Lucas 9:56.
Que Deus abençoe a todos.
Alexandros Meimaridis
Desde já agradecemos a todos.
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[1] Ver:
“http://ograndedialogo.blogspot.com.br/2011/07/as-contradicoes-da-cristandade.html
– Política e Poder” também disponível nesse site.
“http://ograndedialogo.blogspot.com.br/2011/07/as-contradicoes-da-cristandade.html
– Política e Poder” também disponível nesse site.
[2] Por Cristandade o autor se refere a este sistema completamente falido representado por todos os grupos que se denominam cristãos e que pretendem estar seguindo os ensinamentos Bíblicos e imitando a Jesus.
[3]
Franz J. Hinkelammert, sacrifícios
humanos e sociedade ocidental: LÚCIFER E A BESTA, Paulus, São Paulo, 1995.
[4] Bob Dylan, Lyrics 1962 – 1985, Alfred A. Knopf, New York 1992. (Letra publicada no álbum “The FreeWheelin’ Bob Dylan”. Tradução livre do autor.
[8] É importante destacarmos aqui, as palavras do cidadão holandês, conhecido como irmão André, quando em entrevista à revista Enfoque de Junho de 2003 ao ser perguntado acerca de como a guerra entre os EUA e o Iraque prejudica o trabalho missionário disse o seguinte: “Antes da guerra, eu poderia afirmar que o coração do povo mulçumano estava bem aberto ao Evangelho. Agora o espaço para o Evangelho retrocedeu mil anos. Se Bush tivesse demonstrado perdão ao que aconteceu em 11 de Setembro, poderíamos ter alcançado o mundo mulçumano para Jesus. O que pode atrair os mulçumanos para Jesus é a prática do amor do Cristianismo, pois eles estão cansados de palavras”.
[9] Citas, povo nômade, notável na arte e na guerra, desaparecido por volta do séc. II a.C., e que entre os séculos V e II a.C. habitou a Cítia, denominação dada pelos antigos gregos a regiões próximas ao mar Negro e ao mar Cáspio.
[11] Michael Griffiths. God's Forgetful Pilgrims. William B. Eerdmans Publishing Company, Grad Rapids, 1978.
[14] Major General Smedley Darlington Butler (1881 – 1940). War is a Racket. Publicado na Internet, 2006.
[16] A expressão “anos de chumbo” é usada aqui como uma referência aos anos da ditadura militar que se seguiram à revolução de 31 de Março de 1964 e que foi, curiosamente, chamada pelos militares de “a Redentora”.
[17] Todas as citações dos assim chamados “pais da igreja” foram retiradas de: Schaff, Philip e Roberts, Alexander, editores. The Early Church Fathers, 38 Volumes. Hendricson Publishers, Inc., Peabody, 2005. Obra monumental que cobre os escritos dos pais da igreja até o sétimo concílio genuinamente ecumênico realizado em Nicéia no ano 787 da era cristã.
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