Concepção Artística da Tentação no Éden
Este estudo é parte de uma Análise do Livro do
Gênesis. Nosso interesse é ajudar todos os leitores a apreciarem a rica herança
que temos nas páginas da História Primeva da Humanidade. No final de cada
estudo o leitor encontrará direções para outras partes desse estudo
O Livro do Gênesis
O Princípio de Todas as Coisas
בְּרֵאשִׁית בָּרָא אֱלֹהִים אֵת הַשָּׁמַיִם וְאֵת הָאָרֶץ
Eretz ha
ve-et Hashamaim et
Elohim Bará Bereshit
Terra a
e céus os
Deus criou princípio No
Gênesis 1:1
VII. Gênesis 3 a 11.
Os
capítulos 3 a 11 do livro do Gênesis, através de uma série de histórias
aparentemente não relacionadas, descrevem de forma vívida o fracasso moral da humanidade. Estes capítulos contêm mais informações acerca
daquilo que somos do que a soma de todos os compêndios de psicologia,
antropologia e sociologia juntos. Eles nos revelam a brutalidade daquilo que
somos, independente daquilo que fazemos, de tal forma que torna-se fácil
entender a animosidade de todos os incrédulos com relação aos 11 primeiros
capítulos do livro Gênesis. Nestes capítulos nós temos que encarar a triste e
medonha realidade de que somos maus, maus, maus!
Gênesis
capítulo 3 nos informa acerca de todas as mudanças que aconteceram e que
acabaram por reverter ou perverter tudo o que nos foi apresentado nos dois
primeiros capítulos. Aqui temos a introdução de um novo personagem que é
chamado de serpente — ver acerca deste termo mais adiante. Esta serpente é
chamada no Antigo Testamento de שָּׂטָן— satan —
e, como substantivo, a palavra satan significa adversário ou alguém que se
opõe, um opositor; já como nome próprio pode ser traduzido como Satã ou
Satanás. Este mesmo ser é também chamado no Novo Testamento de διάβολος — diábolos —
diabo que significa dado à calúnia, difamador, que acusa com falsidade ou
caluniador, que faz falsas acusações, que faz comentários maliciosos — ver
Apocalipse 12:9. A natureza, bem como os propósitos desse ser cheio de revolta
ficam bem evidentes pelas ações que ele perpetra como o grande enganador. Adão e Eva, como
veremos, não são vítimas inocentes ou desamparadas de uma força persuasiva do
mal, são sim, colaboradores no mal praticado.
A. A Queda.
Os
crentes, independentemente da denominação a que pertencem, e até mesmo muitos
incrédulos, concordam que nós temos na história do Antigo Testamento, que
descreve a queda de Adão e Eva, um relato eternamente verdadeiro da maneira
como o pecado entrou no mundo — ver detalhes de Gênesis 3:1 a 6 mais adiante. O
próprio Senhor Jesus reconheceu a veracidade histórica de Adão e Eva — ver
Marcos 10:6—8 - onde Jesus repete as palavras que encontramos Gênesis 1:27;
2:24 e 5:2. O autor não consegue entender, e acha muito difícil aceitar, o
argumento de pessoas que, chamando-se de cristãs, ensinam que a história de
Adão e Eva não é verdadeira e sim apenas uma lenda ou mito. As palavras de
Jesus contradizem completamente esta “estranha teoria”. Como veremos, se a
história de Adão e Eva não for 100% verídica, então a própria história da
salvação não faz absolutamente nenhum sentido.
A
essência de Gênesis 3:1—6 é que tanto o homem como sua mulher desobedeceram
a uma ordem expressa de Deus, apesar de a ordem ter sido dada diretamente ao homem somente —
ver Gênesis 2:16—17. A sedução da tentação não é mostrada, de maneira mais
enfática, em nenhum outro lugar da Bíblia do que nesta passagem. Vamos analisar
este texto mais profundamente:
Verso 1:
Mas a serpente, mais sagaz que todos os animais selváticos que o SENHOR Deus
tinha feito, disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda
árvore do jardim?
Este capítulo não se refere explicitamente a Satanás. O tentador é
simplesmente chamado de נְחַשׁ —
nehash — que na sua forma
substantiva é a palavra comumente usada para descrever uma serpente no idioma
hebraico — ver Números 21:7—9; Deuteronômio 8:15 e Provérbios 23:32. A palavra נְחַשׁ – nehash — ocorre 31 vezes no Antigo Testamento de acordo com a
concordância de J. Strong.
Possivelmente existe uma relação entre nehash — serpente e a expressão נְחֹשֶׁת - nehoset
— bronze. De fato, em Números
21:9 nós lemos que Moisés fez uma serpente de bronze נְחֹשֶׁת נְחַשׁ —
nehash
nehoset. Séculos depois de Moisés e
da geração que havia saído do Egito, nos dias de Ezequias, filho de Acaz, rei
de Judá, nós vamos descobrir que aquela “serpente de bronze” ainda existia e
que as pessoas se referiam a ela comoנְחֻשְׁתָּן
—
nehushetan - Neustã – ver 2 Reis 18:4. A
relação entre as palavras “serpente e bronze”, no original hebraico, parece
querer indicar certa aparência luminosa e brilhante. Esta aparência, tão
significativa, certamente serviu para atrair a atenção de Eva.
Neste contexto existe, todavia, uma nuança que possui
implicações bem mais sinistras. A expressão hebraica נַחֵשׁ — nahash — pode também funcionar como
verbo e, neste sentido, significa — praticar adivinhação, agourar etc — ver
Gênesis 44:5 e 15; Levítico 19:26 e Deuteronômio 18:10. Este verbo aparece 11
vezes no Antigo Testamento sempre no Piel que é a forma ativa intensa
dos verbos no hebraico. Para entender melhor esta idéias vejam o exemplo a
seguir: vamos tomar como ilustração, o verbo שְׁבָּר — shebad — quebrar. Na forma Qal,
que faz o ativo simples, seria traduzido por “ele quebrou”. Já no Piel,
que faz o ativo intenso, seria traduzido por “ele destruiu completamente,
esmagou etc.” O substantivo relacionado ao verbo nahash significa adivinhação —
ver Números 23:23 e 24:1. Estudos de outras culturas do Oriente Médio
nos ensinam que era comum, entre as práticas adivinhatórias, o uso frequente de
procedimentos que incluíam serpentes.
No relato que temos em Gênesis 3:1, nós não encontramos
nenhum nome atribuído à serpente. Em vez disso, o texto nos fornece dois outros
tipos de informação. Neste versículo nós somos informados tanto acerca do caráter
da serpente, bem como recebemos alguma informação acerca da sua origem.
Primeiro, seu caráter. A serpente é definida como sendo עָרוּם —
earum — mais sagaz que todos os animais selváticos. עָרוּם — earum — mais sagaz não aparece em nenhuma outra passagem do livro de Gênesis mas é muito frequente
no livro de Provérbios onde é traduzido na ARA,
de forma consistente, por “prudente”. A pessoa que possui esta
qualidade, sagacidade, é elogiada e contrastada:
1. com o אֱוִיל — ewil — insensato — ver Provérbios 12:16.
2. com כְּסִיל — kesil — estulto — ver Provérbios 12:23; 13:16; 14:8.
3. E com os infiéis que são chamados de פֶּתִי — peti — simples — ver Provérbios 14:15, 18; 22:3 e 27:12.
De forma contrastante, as duas vezes que a palavra עָרוּם — earum — mais sagaz aparece no livro
de Jó — ver 5:12 e 15:5 — são pejorativas. Desta maneira temos que a expressão
hebraica עָרוּם
— earum — mais sagaz é ambivalente e pode descrever tanto
características desejáveis como indesejáveis.
Mas, porque teria Moisés, o autor do livro de Gênesis,
usado esta expressão tão ambivalente? Talvez o motivo esteja exatamente na
própria ambivalência da expressão earum — mais sagaz. Esta palavra era neutra, isto é, não tinha
nenhuma conotação moral especial definida — ver versos de provérbios acima. A
intenção do autor e o contexto indicavam o sentido que a palavra deveria ter.
Isto torna nossa pergunta ainda mais pertinente: por que aplicar uma palavra
que não tem conotação moral definida a um ser que é consistentemente mau, nas
páginas das Escrituras? Talvez a melhor maneira de entendermos o porquê de
Moisés, o autor do capítulo 3 de Gênesis, ter se utilizado de uma expressão
ambivalente, no hebraico, seja aceitarmos o fato de que, ao se utilizar da
expressão earum — mais sagaz, sua intenção fosse apenas descrever, de
maneira mais simples possível e isenta de conotações morais, a estratégia
realmente “prudente” adotada pela serpente, ao engajar um diálogo com a mulher.
No que diz respeito à origem da serpente, nós somos informados,
de maneira bem clara, que ela era um animal criado por Deus. Tal afirmativa remove,
de forma completa e imediata, qualquer possibilidade da serpente ser vista como
algum ser sobrenatural ou mesmo com poderes divinos, apesar do fato de que
existem muitos defensores destas ideias. Não, a serpente é uma criatura do
único Deus. Nem aqui em Gênesis 3:1, bem como em nenhum outro
lugar da Escrituras Sagradas, existe qualquer espaço, por menor que seja, para
a mais ínfima possibilidade de um conceito dualista de bem e mal. Os capítulos 1 a 3 do livro de Gênesis não admitem
nenhuma idéia de que no princípio havia duas forças opostas. Somente Deus
existia “no princípio”. A serpente, como de resto todas as coisas, é criatura!
A serpente dirige, então, suas primeiras palavras à
mulher. Por que ela fala com a mulher em primeiro lugar em vez de falar com o
homem, ou com ambos, não está claro. Em certo sentido a serpente, apesar de
estar falando diretamente à mulher, faz referência aos dois — homem e mulher. E
isto é tacitamente reconhecido pela mulher como pode ser visto pelo uso dos
verbos — no plural — em:
1. Não comereis de toda árvore do jardim — verso
1.
2. Do fruto das árvores do jardim podemos comer —
verso 2.
3. Dele não comereis, nem tocareis nele,
para que não morrais — verso 3.
4. É certo que não morrereis — verso 4.
5. Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes
se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem
e do mal — verso 5.
Nos versículos acima podemos notar que as formas verbais
estão todas no plural, portanto, a conversa entre a serpente e a mulher inclui
o homem. E a mulher, aparentemente com o consentimento do homem, age como
porta-voz deles dois. Opiniões acerca do por que a serpente falou com a mulher
variam grandemente. Estas opiniões podem ser agrupadas em dois campos básicos. De
um lado, há aqueles que defendem a idéia de que a serpente procurou a mulher
por ser a mesma mais fraca ou mais vulnerável. No outro extremo, nós encontramos
aqueles que dizem que a mulher era, pelo menos neste capítulo, mais atraente, e
não estamos falando de beleza somente. Para estes últimos, “assim como a
serpente era o mais sagaz dos animais, a mulher era mais bonita, mais
inteligente, mais agressiva e muito mais sensível do que seu parceiro do sexo
masculino”.
De qualquer maneira, as intenções das primeiras palavras
da serpente são bem evidentes. As palavras usadas pela serpente quando disse:
“É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim?”, expressam muito mais choque e surpresa
do que questionamento. Para tentar manter a expressão de surpresa por parte da
serpente, como acabamos de mencionar, a Nova Tradução na Linguagem de Hoje,
traduz Gênesis 3:1 da seguinte maneira: “A cobra era o animal mais esperto que
o SENHOR Deus havia feito. Ela perguntou à mulher: — É verdade que Deus mandou
que vocês não comessem as frutas de nenhuma árvore do jardim?”. Como pode ser
facilmente constatado, para traduzir o aspecto de “choque e surpresa”, mencionado
logo acima, uma considerável quantidade de palavras – são 7 palavras na ARA
contra 16 na NTLH
- precisam ser colocadas na “boca da serpente”.
Só poderemos entender o que segue, se entendermos a
maneira astuta e sagaz com que a serpente se aproximou de Adão e Eva,
manifestando “verdadeira” surpresa diante do mandamento de Deus que,
literalmente, dizia o seguinte: “E o SENHOR Deus lhe — a Adão — deu esta ordem:
De toda árvore do jardim
comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás
— Gênesis 2:16—17. Esta realidade sozinha deve chamar nossa atenção para o fato
de que a serpente exagera, de maneira grosseira e proposital, a proibição dada
por Deus. Note como a serpente, apesar do tom interrogativo faz, realmente, uma
afirmação de que Deus não lhes havia permitido ter acesso às árvores do pomar!
Como poderiam se alimentar então? A mulher não levou em
conta que a afirmação da serpente não passava de uma distorção proposital das
palavras do Deus Eterno. A intenção final da serpente, ao manifestar aquela
atitude de “choque e surpresa”, visava algo muito mais abrangente do que apenas
as palavras usadas não dão a entender. As palavras da serpente queriam causar,
como de fato causaram, na mente da mulher, uma impressão de que o Deus Criador é
um ser cheio de malícia, maldoso até e, obsessivamente ciumento e autoprotetor
de Si mesmo. Isto pode ser visto e, trataremos deste aspecto nos próximos
parágrafos com maiores detalhes, na tentativa que percebemos em Eva de defender
o Senhor Deus. Tal tentativa é um claro indicativo de que a isca lançada havia
sido abocanhada.
Continua....
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Que
Deus abençoe a todos.
Alexandros
Meimaridis
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