Esse artigo é parte da
série "Parábolas de Jesus" e é muito recomendável que o leitor
procure conhecer todos os aspectos das verdades contidas nessa série, com
aplicações para os nossos dias. No final do artigo você encontrará links para
os outros artigos dessa série.
Sermão 027
A
PARÁBOLA DO SAMARITANO
lUCAS
10:25—37
25
E eis que se levantou um certo doutor da lei, tentando-o e dizendo: Mestre, que
farei para herdar a vida eterna?
26
E ele lhe disse: Que está escrito na lei? Como lês?
27
E, respondendo ele, disse: Amarás ao Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, e
de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu entendimento e
ao teu próximo como a ti mesmo.
28
E disse-lhe: Respondeste bem; faze isso e viverás.
29
Ele, porém, querendo justificar-se a si mesmo, disse a Jesus: E quem é o meu
próximo?
30
E, respondendo Jesus, disse: Descia um homem de Jerusalém para Jericó, e caiu
nas mãos dos salteadores, os quais o despojaram e, espancando-o, se retiraram,
deixando-o meio morto.
31
E, ocasionalmente, descia pelo mesmo caminho certo sacerdote; e, vendo-o,
passou de largo.
32
E, de igual modo, também um levita, chegando àquele lugar e vendo-o, passou de
largo.
33
Mas um samaritano que ia de viagem chegou ao pé dele e, vendo-o, moveu-se de
íntima compaixão.
34
E, aproximando-se, atou-lhe as feridas, aplicando-lhes azeite e vinho; e,
pondo-o sobre a sua cavalgadura, levou-o para uma estalagem e cuidou dele;
35
E, partindo ao outro dia, tirou dois dinheiros, e deu-os ao hospedeiro, e
disse-lhe: Cuida dele, e tudo o que de mais gastares eu to pagarei, quando
voltar.
36
Qual, pois, destes três te parece que foi o próximo daquele que caiu nas mãos
dos salteadores?
37
E ele disse: O que usou de misericórdia para com ele. Disse, pois, Jesus: Vai e
faze da mesma maneira.
Introdução
A. Como nas três parábolas anteriores
que podem ser vistas por meios desses links aqui:
024 — A Parábola dos Pássaros e da
Raposa
025 — A Parábola do Discípulo que
Desejava Sepultar Seu Pai
026 — A Parábola da Mão no Arado
essa também é parte de um diálogo
teológico. E nosso estudo irá tomar assumir — seguindo a opinião de vários
estudiosos — que a mesma possui uma unidade básica e trata-se de uma parábola
autêntica proferida por Jesus.[1]
B. Quando comparamos a estrutura dessa
parábola notamos que, ao contrário de outras parábolas de estrutura semelhante
— ver Lucas 7:36—50 e 18:18—30 — aqui o diálogo é consideravelmente curto
quando comparado com a extensão da parábola. Isso, muitas vezes, causa o sério
problema de levar o leitor a centra-se na parábola em si e a ignorar o diálogo
ao redor da mesma. Não é incomum revistas de escola dominical tratarem o texto
dessa maneira. Ao agirem assim transformam o mesmo apenas numa exortação ética,
voltada para suprir apenas as necessidades de pessoas que estejam precisando de
uma palavra de conforto.
C. Nosso interesse nesse estudo é entendermos
a parábola no contexto do diálogo em que a mesma está inserida.
D. A parábola do Samaritano é
precedida e, imediatamente, seguida por um diálogo entre Jesus e um doutor da
Lei.
E. Nos dois casos existem duas
perguntas e duas respostas.
F. Em cada um dos diálogos o doutor da
lei apresenta uma pergunta a Jesus, que invés de responder a pergunta
diretamente, responde fazendo outra pergunta para seu interlocutor.
G. Em cada um dos diálogos o doutor da
Lei responde à pergunta feita por Jesus.
H. Por fim, cada um dos diálogos
termina com uma resposta de Jesus.
I. Vamos começar analisando o primeiro
diálogo.
I.
O PRIMEIRO DIÁLOGO
A.
A narrativa se inicia com o doutor da Lei se colocando em pé — uma aparente
atitude de respeito — mas ele tem a intenção de colocara Jesus à prova — uma
atitude que revela a maldade intrínseca de seu coração — apesar de chamar Jesus
de “mestre” que é expressão geralmente usada por Lucas como equivalente do
hebraico rabi.
B.
O teste do doutor da Lei tem o propósito simples e direto de descobrir o
entendimento que Jesus tinha de como era possível alguém herdar a vida eterna.
C.
Na superfície a pergunta não faz muito sentido, porque apenas herdeiros podem
herdar alguma coisa, qualquer coisa que seja. Qualquer pessoa que seja herdeiro
legal de alguém poderá tomar parte da herança.
D.
No Antigo Testamento a ideia de herança estava vinculada, principalmente, ao
conceito do privilégio de Israel de herdar a terra prometida, que curiosamente,
continuava na posse do SENHOR, o qual considerava os judeus apenas como Seus
“inquilinos” — estrangeiros e peregrinos — de acordo com
Levítico
25:23 — Também a terra não se venderá em perpetuidade, porque a terra é minha;
pois vós sois para mim estrangeiros e peregrinos.
Ainda
com relação às palavras de
Isaías
60:21
E
todos os do teu povo serão justos, para sempre herdarão a terra; serão renovos
por mim plantados, obra das minhas mãos, para que eu seja glorificado.
E.
Já era entendimento dos rabinos que a “herança” era uma referência à
participação na salvação futura, portanto não guardava nenhuma relação com a
terra de Israel em si mesma.
F.
Nos dias do Novo Testamento, a frase “herdarão a terra” é aplicada pelo Senhor
Jesus à salvação que se estende a todo o seu povo. A ideia da terra prometida
ser concedida ao povo de Israel não é repetida no Novo Testamento.
G.
A herança, torna-se portanto, vida eterna. E a forma de se alcançar essa vida
eterna, era no entendimento dos judeus, por meio da estrita obediência da Lei.
H.
Diante dessas realidades tanto nas mentes dos seus ouvintes e do doutor da Lei,
bem como no própria mente do Senhor Jesus ele tinha dois caminhos para escolher
em sua resposta à pergunta que lhe foi dirigida:
1.
Jesus poderia seguir pelo caminho do argumento apresentado no Antigo Testamento
e insistir que a “herança de Israel” é um dom de Deus e que não se pode fazer
nada para se merecer a mesma. Essa abordagem criaria apenas uma oportunidade
para uma longa e estéril discussão acerca de filigranas da Lei quanto ao que
deve ou não deve ser feito para tentar “herdar” a vida eterna.
2.
Ou Jesus poderia adotar a opinião rabínica que a herança está, em realidade
atrelada à vida eterna conforme vimos acima, e esse é o caminho que Jesus
prefere seguir, até mesmo porque era parte do seu próprio ensinamento.
3.
Aqui ainda precisamos mencionar que naqueles dias alguns rabinos achavam que
era possível alcançar a vida eterna por meio da obediência estrita à Lei. Para
esse caso ver, especialmente, a literatura pseudoepigráfica conhecida como “Salmos de Salomão” nas seguintes
referências: 14:1—2; 9—10. O mesmo é ensinado no livro pseudoepigráfico do “Enoque Eslavônico” em seu nono capítulo.
I.
Mas a questão realmente preponderante estava atrelada a esse último aspecto que
mencionamos. A questão era: “Esse rabi — Jesus — acredita ou não acredita que a
herança de Israel poderia ser alcançada pela obediência estrita da Lei. Como
podemos ver aqui, a ideia de uma herança atrelada à terra já havia sido
abandonada há algum tempo pelos rabinos judaicos, algo que torna apenas mais
evidente a mentira propagada pelos judeus sionistas de que Deus deu a terra de
Israel como possessão perpétua do povo judeu.
J.
É obvio que Jesus não concordava com o entendimento dos rabinos dos seus dias e
sabia bem a armadilha que lhe havia sito montada pelo doutro da Lei. Então, em
vez de oferecer uma resposta que expusesse suas ideias, Jesus de modo genial,
reverte a armadilha pedindo que seu interrogador dê sua opinião acerca dessas
coisas.
K.
A pergunta de Jesus é simples: “Que está escrito na lei? Como lês?” Na última
parte da pergunta é como se Jesus dissesse: Gostaria muito de ouvir como as
autoridades judaicas interpretam isso. Mas o doutor da lei, parecia muito
seguro de si mesmo e oferece uma resposta a Jesus sem citar nenhuma autoridade
como apoio.
L.
A reposta do doutor da lei tem o seguinte teor:
Lucas
9: 27
Amarás
ao Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as
tuas forças, e de todo o teu entendimento e ao teu próximo como a ti mesmo.
M.
Em Mateus e Marcos a combinação das palavras de Deuteronômio 6:5 — amar a Deus
— com as de Levítico 19:18 — amar o próximo — são atribuídas ao próprio Senhor
Jesus Cristo. É possível que o doutor da Lei estivesse apenas repetindo de
volta as palavras que ele mesmo teria ouvido dos lábio de Jesus, o que lhe
teriam sido mencionadas por alguém.
N.
A resposta de Jesus, então não poderia ser muito diferente:
Lucas
9:28
E
disse-lhe: Respondeste bem; faze isso e viverás
O.
Alguns pontos que devemos considerar nesse contexto:
1.
De acordo com Karl Barth[2]:
“Jesus louva o doutor por seu bom conhecimento e fiel recitação do texto
sagrado”. De fato podemos afirmar que o doutor da Lei tinha uma teologia
correta, mas a pergunta que permanece é: ele estava disposto a viver à altura
daquilo que afirmava crer? Sua condição intelectual é excelente, mas sua
prática continua em jogo.
2.
Como já havia acontecido no caso da visita de Jesus à casa de Simão, o fariseu
— ver Lucas 7:43 — Jesus consegue arrancar do próprio doutor da Lei uma
resposta apropriada. Jesus não diz o que o doutor da Lei deve fazer, ele mesmo
responde sua própria pergunta.
3.
A pergunta do doutor da Lei estava volta para a vida eterna. Mas na resposta
que Jesus força o mesmo a dar, Jesus o obriga a incluir o todo da vida e não
apenas a vida eterna. É muito provável que a expressão de Jesus “viverás”, não
está tão relacionada ao futuro distante, mas sim ao futuro imediato. Ou seja,
Jesus está afirmando para o doutor da Lei que ele poderá começar a viver de
verdade, a partir do momento em que colocar essas coisas em prática. Ver
também:
João
17:3
E
a vida eterna é esta: que conheçam a ti só por único Deus verdadeiro e a Jesus
Cristo, a quem enviaste.
4.
Já o verbo “faze” está no imperativo presente,
cujo significado é: continue fazendo. Isso era muito mais do que o doutor da
lei poderia esperar. Tudo o que ele deseja ouvir do Senhor Jesus era algo na
linha de: uma vez tendo feito isso, você herdará o que procura. Em vez disso
ele recebe um mandamento no imperativo e que vale de forma contínua e inclui um
estilo de vida que requer um amor ilimitado e incondicional por Deus e pelo Seu
povo!
Tanto
Jesus quanto Paulo concordavam com seus contemporâneos que, se fosse possível,
podia-se alcançar a salvação eterna por meio de uma estrita obediência da Lei
apresentada nas Escrituras Sagradas. Mas tanto Paulo quanto Jesus sabiam também
que alcançar tal objetivo era impossível porque nosso ser humano encontra-se
enfermo pelo pecado o que torna, na prática, impossível alcançar aquele
objetivo — ser obediente a todos os mandamentos da Lei de Deus sem vacilar um
instante sequer. Esse foi a razão central porque Deus enviou Seu filho ao
mundo. Jesus viveu uma vida ser cometer nenhum pecado e assim: 1) enquanto por
um lado ele assume sobre si mesmo todos os nossos pecados e recebe o justo
castigo que os mesmo merecem da parte de um Deus absolutamente santo e justo;
2) por outro lado ele nos reveste com Sua própria santidade de tal maneira que
podemos comparecer diante de Deus como se nunca tivéssemos cometido um único
pecado durante todas nossas vidas.
Conclusão
da Primeira Parte
Com
isso está finalizada a primeira parte do diálogo entre Jesus e o doutor da Lei.
Mas o doutor da Lei é persistente e não se dá por vencido. Ele não está
disposto a abrir mão da possibilidade de alcançar a salvação eterna, por meio
de seus próprios esforços. A lei de Deus foi citada e agora é necessário que se
faça um comentário sobre a mesma. E ele espera que Jesus faça esse comentário.
O Deus mencionado ele presume conhecer, mas quem é esse “próximo” a quem ele
precisa amara como a si mesmo? Ele precisa, urgentemente, de uma definição. De
uma lista talvez. Se a tal lista não for muito longa ele talvez possa tentar
guardar suas ordenanças. É isso que o motiva a dar início à segunda parte da
nossa parábola.
O
doutor da Lei pergunta a Jesus:
Lucas
10:29
Ele,
porém, querendo justificar-se a si mesmo, disse a Jesus: E quem é o meu
próximo?
A
esperança da autojustificação é algo sempre entesourado pelo ser humano. Por
esse motivo a pergunta do doutor da lei, não tem a intenção de apresentar uma
desculpa para Jesus, uma vez que ele sabe muito bem o que Jesus pensa, mas tem
a intenção de manifestar sua mais profunda esperança de que exista alguma
coisa, qualquer coisa, que ELE possa fazer para ser merecedor da vida eterna.
O
opinião de Karl Barth é pertinente nesse contexto: “O doutor da Lei não entende
ainda, que é apenas por meio da misericórdia de Deus que se pode viver aqui e,
no futuro herdar a vida eterna. Mas ele não deseja viver amparado pela
misericórdia de Deus. De fato, ele não tem a menor ideia do que tal
misericórdia significa. Nesse exato momento o doutro da Lei está vivendo com
base em algo completamente diferente da misericórdia de Deus. Ele está baseando
sua vida em suas próprias intenções e habilidades em se apresentar diante de
Deus como um homem justo”.[3]
O
verdadeiro interesse do doutor da Lei ao fazer tal pergunta era tentar
conseguir alguma forma pela qual ele pudesse se apresentar, completamente
justo, diante de Deus. Ele sinceramente esperava que Jesus adota-se a postura
padrão dos rabinos judaicos acerca da interpretação de
Levítico
19:17—18
17
Não aborrecerás teu irmão no teu íntimo; mas repreenderás o teu próximo e, por
causa dele, não levarás sobre ti pecado.
18
Não te vingarás, nem guardarás ira contra os filhos do teu povo; mas amarás o
teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o SENHOR.
De
acordo com os rabinos as expressões: “teu
irmão, teu próximo, os filhos do teu povo e teu próximo” incluíam todos os judeus. Até
mesmo os prosélitos estavam incluídos nesse meio. Mas, de forma definitiva,
essas expressões não incluíam os gentios.
Assim,
a pergunta do doutor da Lei foi feita num contexto onde existiam muitas
interpretações acerca de quem era, realmente, o próximo de alguém.
E
é nesse contexto que Jesus apresenta sua parábola do Semeador com a intenção
específica de obter uma resposta do doutor da Lei, para a pergunta que o Senhor
Jesus tinha para fazer para ele.
II.
AS PARTES DA PARÁBOLA
A.
Os Ladrões
Descia
um homem de Jerusalém para Jericó, e caiu nas mãos dos salteadores, os quais o despojaram
e, espancando-o, se retiraram, deixando-o meio morto.
O
caminho que se estende entre Jerusalém e a cidade de Jericó serpenteia pela
encosta da montanha, com muitos pontos cegos e com condições imprevisíveis. Sua
extensão é de pouco mais de 27 quilômetros.
Em
sua narrativa Jesus não nos informa quem era o homem que descia para Jericó.
Nada sabemos acerca de sua idade, de sua profissão, se era casado ou não e etc.
Mas de alguma maneira a audiência judaica estava acostumada a entender que em
tais casos tratava-se, sem sombra de dúvida, de um homem judeu. Nosso texto é
claro: ele caiu nas mãos dos salteadores, foi despojado de seus pertences, foi
espancado e, por fim, abandonado como se estivesse morto.
O
fato dele ter sido espancado é uma indicação que esse homem entrou em luta
corporal contra os que queriam assaltá-lo. Eles o machucaram tanto que foi
deixado “meio morto” que é o estágio que os rabinos judeus qualificam como
sendo aquele que precede, imediatamente, a própria morte. O homem assim agredido
está inconsciente e não pode se identificar. Ele também não pode ser
identificado por nenhuma pessoa viajando pela mesma estrada.
A
descrição feita por Jesus não é acidental. Tudo o que Senhor menciona é
proposital e tem um objetivo: o homem está despido e inconsciente. Esses
detalhes são usados por Jesus para criar a tensão necessária para o drama à
medida que o mesmo vai se desenrolando.
A
Palestina naqueles dias estava repleta das mais variadas comunidades e nem
todos que trafegavam por suas estradas eram, necessariamente, judeus. Era
importante poder identificar o estranho na estrada, algo que poderia ser feito
por meio das roupas que ele usava e também por estabelecer algum tipo de
contato verbal. Mas nosso homem descrito na parábola está despido e não está em
condições de falar. Fica então muito difícil, senão impossível, identificá-lo.
Nessas
condições esse homem não pode ser identificado como alguém pertencendo a algum
grupo seja étnico, seja religioso. Ele é apenas um home ferido à beira da
estrada. Ele está próximo da morte e precisa, desesperadamente, de socorro. A
grande questão é: quem irá socorrer esse homem nessas condições?
B.
O Sacerdote
E,
ocasionalmente, descia pelo mesmo caminho certo sacerdote; e, vendo-o, passou
de largo.
É
muito provável que o sacerdote mencionado por Jesus estivesse montado — em um
jumento — já que pertenciam à classe mais abastadas e tinham recursos para
adquirir animais que servissem como meio de transporte. Até hoje, na Palestina,
ninguém que tenha posses caminha 27 quilômetros. Apenas os pobres e os
destituídos andavam e andam até os dias de hoje. Então, parece que todos os
ouvintes de Jesus assumiam essa realidade tornando a menção da mesma
dispensável.
Por
outro lado, o samaritano também estava montado, mas esse fato não é revelado
logo de cara. O animal do samaritano terá um papel fundamental mais para
frente, mas quando ele surge no cenário seu animal não é mencionado.
Assim
temos motivos de sobra para assumir que a atitude do sacerdote é tanto mais condenável,
porque o mesmo tinha meios de transportar o homem caído à beira da estrada. Era
sua obrigação sepultar o homem caso estivesse morto, mesmo que isso
representasse ficar cerimonialmente impuro por 7 dias, ou socorrê-lo caso ainda se encontrasse vivo.
Os rabinos ensinavam que recusar ajuda a alguém machucado era tornar-se
responsável por tudo o que pudesse acontecer com aquela pessoa. Mas escritos
como o livro de Sabedoria de Ben Sirach — ver Sabedoria 12:1—7 — ensinava que
não se devia socorrer o “pecador” — odiado por Deus — sob nenhuma hipótese.
Então podemos entender que o sacerdote estivesse dividido, do ponto de vista
teológico entre esses dois ensinamentos, mas as Escrituras hebraicas exigiam
dele que socorresse o homem necessitado.
Mas
como podemos ler sua atitude não é nem uma nem a outra. A parábola assume que
aquilo que o samaritano fez era o mínimo que o próprio sacerdote também poderia
ter feito. Mas a impressão que temos é que o sacerdote montado vê o homem caído
a certa distância e decide dirigir seu animal no sentido de se afastar o mais
possível do necessitado.
O
maior problema do sacerdote está no fato dele não ter visto o que aconteceu.
Então como ele poderia ter certeza que aquele homem caído à beira da estrada
era realmente seu próximo, conforme as definições que mencionamos acima? Diante
de um corpo despido e mudo o sacerdote fica completamente paralisado, no que
diz respeito a fazer o bem. Consequentemente, ele opta por fazer o que é
errado. Além do mais, se o homem estivesse morto isso tornaria o sacerdote
cerimonialmente impuro e ele não poderia funcionar como sacerdote em sua cidade
— recebendo, distribuindo e se alimentando de dízimos — e isso poderia ser um
grande problema tanto para ele quanto para sua família como para seus servos.
Mas, no fundo, tudo isso prova que o sacerdote de Deus não confiava em Deus
para seu sustento!
O
dízimo de todos os dízimos era oferecido pelos levitas para o sustento dos
sacerdotes e de seus lares. Tais ofertas eram chamadas de “ofertas movidas”. Os
mesmos só poderiam ser recebidos e comidos num estado de pureza cerimonial.
Além disso, enquanto estivesse cerimonialmente impuro, por ter entrado em
contato com um cadáver, o sacerdote não podia executar nenhuma função
sacerdotal nem usar seus filactérios durante as orações diárias.
As
Escrituras apresentam uma lista de cinco coisas que tornam uma pessoa
cerimonialmente impura: entrar em contanto com um cadáver estava no topo da
lista — ver Números 19:11. Os judeus arrogantes como eram acrescentaram a essas
cinco, quatro outras coisas das quais a mais importante era entrar em contato
com algum gentio! Sendo assim, o sacerdote estava em vias de tornar-se
cerimonialmente impuro, da forma mais grave, tanto pelas Escrituras, quanto
pelas tradições orais dos judeus.
Aqui
entra a perversidade do coração humano. O sacerdote em todos esses seus
arrazoados deseja acalmar sua consciência que, na realidade, ao agir dessa
maneira ele está desejoso de viver em santidade para Deus e evitar qualquer
tipo de contaminação! Naqueles dias a purificação só podia ser realizada no
próprio templo em Jerusalém e a mesma representava uma profunda humilhação,
especialmente no caso do sacerdote que se deixara contaminar. Quanta
hipocrisia. Quanta cegueira. Quanta distância dos ensinamentos do Antigo
Testamento por desejarem obedecer a suas próprias invencionices! Se o sacerdote
estava indo de Jerusalém para Jericó, isso indica que o mesmo já tinha cumprido
suas duas semanas de serviços conforme a escala estabelecida. Agora seria muito
vergonhoso para tal homem, depois de ter servido durante duas semanas na
adoração do templo ter que retornar ao mesmo e se posicionar entre aqueles que
precisavam ser purificados.
A
lei oral também estabelecia que era necessário manter uma distância de 4
cúbitos — 2 metros aproximadamente — de um cadáver para não se deixar
contaminar pelo mesmo. E esse sacerdote teria que cruzar tal limite, apenas
para se certificar se o homem caído estava vivo ou morto. Caso o homem
estivesse morto, então o sacerdote deveria em primeiro lugar rasgar suas vestes
como uma forma de chamar a atenção para o fato que havia se tornado
cerimonialmente impuro.
O
certo é que sua família, seus servos e seus companheiros não o condenariam por
ter feito o que fez. Pelo contrário, eles iriam aplaudi-lo. Os fariseus também
achariam justificado o ato de não parar para ajudar o homem caído. Afinal de
contas, o mandamento de amar o próximo era condicional, enquanto que o
mandamento de manter-se puro cerimonialmente era incondicional.
Sem
desejar desculpar o sacerdote, temos que admitir que o mesmo era, por sua
própria opção, vítima das regras teológicas e éticas do sistema oral, inventado
para resolver as inúmeras novas questões que a vida insistia em apresentar a
cada novo dia. A vida do sacerdote era um código de “faça e não faça”. Essa
mentalidade ridícula é a mesma adotada pelas igrejas legalistas que pretendem
possuir uma resposta rápida e certeira para todas as perguntas e problemas da
vida. O seguidor de tais regras está sempre seguro de sua posição, até que
encontra um homem inconsciente caído à beira do caminho. Quando isso acontece
então a agenda religiosa assume o controle e ordena que o mesmo siga as
instruções recebidas para sua própria segurança, em vez de lançar mão da
liberdade do amor e se dispor a ajudar o necessitado. É essa dinâmica que
parece ter dominado o sacerdote e o faz dirigir seu animal para longe do homem
ferido.
C.
O Levita
Tanto
o Levita como o sacerdote são descritos por Cristo como agindo dentro de um
mesmo padrão que foi primeiro estabelecido pelos ladrões: eles veem, vêm e vão
embora. Pode não parecer mais tal descrição torna o sacerdote e o levita em
pessoas semelhantes aos ladrões! Eles contribuem para aumentar o mal e a dor do
homem ferido, por causa da negligência que demonstram.
A
expressão grega ὁμοίως — omoíos — traduzida por “de igual
modo” no verso 32, indica que o Levita estava seguindo na mesma direção do
sacerdote. Ou seja, ele estava indo de Jerusalém para Jericó. É muito provável
que o levita tivesse ciência que o sacerdote estava indo adiante dele. O autor
J. D. M. Darrett imagina que o próprio samaritano tinha conhecimento que os
outros dois — o sacerdote e o levita estavam indo à sua frente pelo caminho, e
que tinham passado pelo homem ferido à beira da estrada.[4]
A velha estrada romana ainda está visível e pode ser percorrida por turistas
mais aventureiros. Pelo fato da estrada ter sido criada nas encostas das
montanhas é possível, de qualquer parte mais alta, enxergar trechos da mesma
mais abaixo, como acontece, por exemplo, com a Via Anchieta em São Paulo ou a
estrada do Corcovado no Rio de Janeiro.
Além
do mais, todos os viajantes naqueles dias, tinham extremo interesse em saber
quem mais estava indo pelo caminho, exatamente, porque era possível a presença
de salteadores. Era sobre esse tipo de conhecimento que, muitas vezes, a vida e
a segurança de um viajante dependiam.
No
caso da parábola que estamos estudando, assumir o fato que os viajantes
mencionados tinham ciência da presença dos outros adiante deles, é, em nossa
opinião, parte da trama da estória que Jesus está contando.
Os
levitas não estavam obrigados aos mesmos e inúmeros regulamentos que
escravizavam os sacerdotes. O levita sempre poderia lançar mão de uma latitude
maior em suas ações do que aquelas que um sacerdote era capaz. O levita estava
obrigado a manter-se cerimonialmente puro somente durante os dias de serviço no
templo em Jerusalém. Por esse motivo, como ele já tinha cumprido seu período de
serviço, ele poderia muito bem prestar socorro ao homem caído à beira da
estrada. E, no caso do homem já estar morte, ou caso morresse em seus braços as
repercussões seriam de pouca importância.
É
curioso notarmos que Jesus nos diz que, ao contrário do sacerdote, o levita se
aproxima do homem caído. Isso está refletido na expressão “chegando àquele
lugar”. Enquanto, do sacerdote, Jesus diz apenas que: “vendo-o passou de
largo”. Não são poucos os comentaristas que concordam que a expressão “chegando
àquele lugar” indica que o levita se aproximou do homem caído. Desse modo, é possível
que o levita tenha ido além da linha limite da contaminação, que era de 4
cúbitos — algo entre 1,80 e 2 metros — com o objetivo de satisfazer sua
curiosidade. Mas depois de tudo isso, ele tomou a decisão de se afastar sem
fazer nada para ajudar. Medo de se contaminar, não pode ser aceito como uma
justificativa aceitável para a ação do levita. Medo de ladrões é possível. Mas
o mais provável é que ele esteja seguindo o “mau” exemplo estabelecido pelo
sacerdote que era seu superior. É fácil a gente racionalizar atitudes erradas
quando vemos pessoas superiores agindo de forma errada. Mas como diz R. C.
Trench: “o levita, por sua vez, pode ter pensado que não era sua obrigação se
envolver numa questão tão delicada e perigosa, situação essa, que até mesmo um
sacerdote tinha evitado se envolver. Não se tratava de uma questão de dever,
caso contrário o sacerdote jamais teria se omitido de oferecer socorro. Para o
levita se envolver agora nessa situação corresponderia a afrontar seu superior,
o sacerdote, que havia se recusado a fazer qualquer coisa, de ter um coração
duro e de praticar um ato desumano”[5].
Mas,
mais do que acusar o sacerdote de dureza de coração, se o levita tivesse
ajudado o homem caído estaria acusando o sacerdote de não saber a interpretar a
Lei de Deus, a qual ele, o sacerdote, era responsável de ensinar ao povo de
Israel.
Tal
qual o sacerdote, o levita também não tem como saber se o homem caído à beira
da estrada é seu próximo — no caso um judeu. Esse talvez seja um dos motivos
porque ele se aproxima do homem caído. Talvez o homem caído possa falar? Não
conseguindo fazer uma identificação positiva, ele prefere virar às costas ao
necessitado e seguir seu caminho. Seja qual for sua verdadeira motivação, o
resultado final é o mesmo; apesar de toda sua orientação religiosa, não existe
nada nessa orientação que o leve a ajudar o homem ferido e necessitado.
O
levita, sendo parte de uma classe social inferior à do sacerdote, está,
provavelmente, andando pelo caminho. Mesmo sem ter condições de transportar o
homem necessitado para um lugar seguro, ele ainda assim, poderia ter prestado
um mínimo de socorro ao mesmo. Mas em vez disso, ele apenas segue seu caminho.
D.
O Samaritano
Existem
outras passagens no evangelho de Lucas em que a narrativa se ocupa do progresso
de três personagens. Elas são:
Lucas
14:18—20
18
Não obstante, todos, à uma, começaram a escusar-se. Disse o primeiro: Comprei
um campo e preciso ir vê-lo; rogo-te que me tenhas por escusado.
19
Outro disse: Comprei cinco juntas de bois e vou experimentá-las; rogo-te que me
tenhas por escusado.
20
E outro disse: Casei-me e, por isso, não posso ir.
Lucas
20:10—14
10
No devido tempo, mandou um servo aos lavradores para que lhe dessem do fruto da
vinha; os lavradores, porém, depois de o espancarem, o despacharam vazio.
11
Em vista disso, enviou-lhes outro servo; mas eles também a este espancaram e,
depois de o ultrajarem, o despacharam vazio.
12
Mandou ainda um terceiro; também a este, depois de o ferirem, expulsaram.
13
Então, disse o dono da vinha: Que farei? Enviarei o meu filho amado; talvez o
respeitem.
14
Vendo-o, porém, os lavradores, arrazoavam entre si, dizendo: Este é o herdeiro;
matemo-lo, para que a herança venha a ser nossa.
O
mesmo ocorre na narrativa que temos diante de nós. Depois da passagem do
sacerdote e do levita a expectativa da audiência era o surgimento de um judeu
comum que iria surgir e “salvar” o dia.[6]
Essa seria, para os ouvintes a sequência natural, já que todos sabiam que
sacerdotes, levitas e pessoas comuns do povo subiam ao Templo para oficiar e
adorar. Portanto, era apenas natura que desses grupos o terceiro fosse um judeu
comum, alguém do povo e não um oficial religioso. Os ouvintes ouvem a narrativa
acerca do primeiro e do segundo personagem com uma expectativa cada vez maior
pelo terceiro personagem que seria alguém com um deles qualquer.
Todavia,
a sequência esperada é bruscamente interrompida por Jesus. Para o grande choque
e surpresa ainda maior da audiência, o terceiro homem que desce pela mesma
estrada, não é um judeu e sim, um odiado samaritano! No Israel daqueles dias.
Hereges e sismáticos, como os samaritanos eram considerados, eram vistos de
modo muito mais negativo que os próprios incrédulos! Nós podemos ter uma
percepção do verdadeiro sentimento que os judeus nutriam pelos samaritanos por
meio desse texto de —
Eclesiástico
50:25—26
25
Há duas nações que minha alma detesta e uma terceira que nem sequer é nação;
26
os habitantes da montanha de Seir, os filisteus e o povo estúpido que habita em
Siquém.
Pelo
que podemos entender da leitura acima, os samaritanos são equiparados aos
edomitas e aos filisteus. A Mishná[7]
declara o seguinte: aquele que come pão
de um samaritano é igual ao que come a carne de um porco. Nos dias de Jesus
a amargura existente entre judeus e samaritanos havia alcançados níveis
elevadíssimos, porque os samaritanos haviam, durante a celebração de uma Festa
da Páscoa, invadido a área do templo e espalhado ossos de mortos na mesma
tornando-a impura para a adoração. Isso causou enorme prejuízo para os que
exploravam comercialmente a área do templo e também para o povo que não pode
celebrar a páscoa depois de terem feito a viagem até Jerusalém[8].
Não
é à toa que quando os judeus quiseram ofender a Jesus disseram que ele tinha
demônio e era samaritano, conforme —
João
8:48
Responderam,
pois, os judeus e lhe disseram: Porventura, não temos razão em dizer que és
samaritano e tens demônio?
Jesus
poderia ter contado outra história, a de um nobre judeu ajudando um odiado
samaritano. Essa história poderia ser melhor assimilada, do ponto de vista
emocional, pela sua audiência naquele instante. Mas em vez disso, Jesus de um
odiado samaritano como o herói. Isso demonstra a vigorosa coragem de Jesus. O
autor do blog é grego de nascença e nunca me passou pela cabeça contar para
meus patrícios uma história onde o herói fosse um turco, já que existe um ódio
irreconciliável entre esses dois povos. Mas Jesus não, ele usou como herói de
sua história um personagem notoriamente odiado por aqueles a quem Jesus estava
falando!
A
atitude de Jesus assume uma dimensão maior ainda, quando Jesus transforma um
odiado inimigo em alguém moralmente superior aos líderes religiosos da
audiência.
A
expressão grega ἐσπλαγχνίσθη — esplanchnísthe — traduzida por compadeceu-se
tem um significado tocante na língua original que é: ser movido pelas
entranhas; daí, ser movido pela compaixão; ter compaixão — pois se achava que
as entranhas eram a sede do amor e da piedade. Jesus usa essa expressão para
indicar a profundidade dos sentimentos do samaritano pelo desconhecido ferido à
beira do caminho. É um verbo fortíssimo tanto no grego quanto nos idiomas
semíticos! O samaritano não é um gentio. Ele é um indivíduo que conhece a Torá
dos hebreus e sente-se obrigado a demonstrar compaixão pelo seu próximo
conforme —
Levítico
19:18
Não
te vingarás, nem guardarás ira contra os filhos do teu povo; mas amarás o teu
próximo como a ti mesmo. Eu sou o SENHOR.
O
samaritano está viajando pela Judéia. Então ele sabe que a maior probabilidade
é que o homem ferido seja um judeu. Mas isso não o impede de ajudar e socorrer
o necessitado.
O
texto torna-se cada vez mais claro e evidente à medida que Jesus desenvolve a
narrativa. O sacerdote apenas “descia” pela estrada. O levita, por sua vez,
“descia por aquele lugar”. Mas o samaritano “chegou-se até o homem”. Como os
outros dois, o samaritano também corria o risco de contaminar-se, contaminação
essa que incluiria seu animal e outros pertences! Além disso, ele é um
excelente alvo para os ladrões da estrada, que poderiam, por respeito evitar
atacar religiosos como o sacerdote e o levita, mas que não teriam nenhuma
consideração por uma samaritano.
Jesus
usa o samaritano, porque esse personagem tem uma vantagem. Como alguém de fora
ele não será influenciado como um judeu comum poderia ser influenciado pelo mau
exemplo daqueles que o precederam. Não sabemos em que sentido o samaritano
estava seguindo pela estrada. Mas se estivesse subindo a mesma, ele tinha
acabado de cruzar, primeiro com o sacerdote e logo em seguida com o levita, e
sabia muito bem o que eles tinham feito, ou melhor, deixado de fazer. Caso o
samaritano estivesse descendo, então como o levita ele tinha consciência de
quem estava indo à sua frente. Essas situações poderiam telo levado a arrumar
boas desculpas para não se envolver. Se os judeus não se interessaram em ajudar
um provável judeu, porque deveria ele, um samaritano fazê-lo? Além do mais
existe algo que não mencionamos até agora: caso o samaritano ajude o judeu ele
corre o risco de sofrer graves retaliações por parte de amigos e parentes do
homem ferido. Absurdo, mas, no entanto verdadeiro. Apesar de todas essas
considerações ele sente profunda compaixão pelo homem ferido e tal compaixão o
conduz a agir de modo eficaz para ajudar o necessitado.
E.
O Socorro
Lucas
10:34
E,
aproximando-se, atou-lhe as feridas, aplicando-lhes azeite e vinho; e, pondo-o
sobre a sua cavalgadura, levou-o para uma estalagem e cuidou dele;
O
momento central da narrativa de Jesus descreve o inesperado aparecimento de um
samaritano compassivo. O resto da ação, de agora em diante, é a manifesta
expressão dessa profunda e comovente compaixão. Na cena que iremos estudar hoje
o samaritano — que não tinha nenhuma obrigação legal — oferece ao homem ferido
o socorro que lhe havia sido negado tanto pelo sacerdote como pelo levita — os
dois tinham obrigações legais de ajudar.
Como
é comum nas parábolas de Jesus, a simplicidade da linguagem pode nos fazer
seguros do caminho que estamos seguindo, mas é maiss comum estarmos
completamente errados.
O
samaritano ao se aproximar do homem ferido, curiosamente, sabe o que precisa
fazer:
1.
Primeiro ele precisa limpar e amolecer as feridas com óleo.
2.
A seguir ele precisa desinfetar os machucados com vinho.
3.
Por fim, os ferimentos precisavam ser cobertos com ataduras.
Agora
se você olhar o verso acima verá que essa não foi a ordem em que Jesus
descreveu os acontecimentos. Sim, é necessário dizer que o texto no grego nos
dá uma visão dessas coisas acontecendo simultaneamente. Mas no texto grego é a
ação que envolve as ataduras que vem primeiro. Porque Jesus menciona as
ataduras primeiro? Certamente porque ele quer enfatizar a teologia por trás
desse gesto. Essa é a linguagem que os profetas estavam acostumados a usar no
relacionamento ente Deus e o povo de Israel.
Jeremias
30:17
Porque
te restaurarei a saúde e curarei as tuas chagas, diz o SENHOR; pois te chamaram
a repudiada, dizendo: É Sião, já ninguém pergunta por ela.
Note
essa detalhada descrição do profeta Oséias e como a mesma nos faz lembrar o
socorro do samaritano e também o desprezo do sacerdote e do levita para com a
Lei de Deus:
Oséias
6:1—10
1
Vinde, e tornemos para o SENHOR, porque ele nos despedaçou e nos sarará; fez a ferida e a ligará.
2
Depois de dois dias, nos revigorará; ao terceiro
dia, nos levantará, e viveremos diante dele.
3
Conheçamos e prossigamos em conhecer ao SENHOR; como a alva, a sua vinda é
certa; e ele descerá sobre nós como a chuva,
como chuva serôdia que rega a terra.
4
Que te farei, ó Efraim? Que te farei, ó Judá? Porque o
vosso amor é como a nuvem da manhã e como o orvalho da madrugada, que cedo
passa.
5
Por isso, os abati por meio dos profetas; pela
palavra da minha boca, os matei; e os meus
juízos sairão como a luz.
6
Pois misericórdia quero, e não sacrifício, e o conhecimento de Deus, mais do que holocaustos.
7
Mas eles transgrediram a aliança, como Adão;
eles se portaram aleivosamente contra mim.
8
Gileade é a cidade dos que praticam a injustiça,
manchada de sangue.
9
Como hordas de salteadores que espreitam alguém,
assim é a companhia dos sacerdotes, pois matam no
caminho para Siquém; praticam abominações.
10
Vejo uma coisa horrenda na casa de Israel: ali
está a prostituição de Efraim; Israel está contaminado.
Depois
de ferir, o primeiro ato do Deus ETERNO é “ligar” as feridas! De fato, a
narrativa de Oséias está tão próxima da parábola contada por Jesus, que o
início das palavras de Oséias serviriam perfeitamente como uma introdução para
a parábola. Cada parte das palavras de Oséias pode ser aplicada à história
contada por Jesus. De modo específico nos vemos no texto acima que Efraim é
ferido e clama pelo Senhor que então intervém e:
1.
Nos sarará
2.
Fez a ferida e a ligará.
3.
Nos revigorará.
4.
Nos levantará, e viveremos diante dele.
Deus,
Deus, Deus e Deus outra vez. Só Deus é Salvador e é Ele quem escolhe os
instrumentos que irá usar para realizar Sua vontade. É por isso, que na
parábola contada por Jesus a salvação de Deus vem por meio das mãos de um
odiado e desprezado samaritano. Como iremos ver a seguir, as duas narrativas
têm profundas implicações cristológicas.
Além
do mais, tanto o óleo quanto o vinho não eram apenas materiais para primeiros
socorros, eles eram também elementos importantes da adoração no templo. Assim
como o ato de derramar qualquer líquido na presença de Deus, também ara parte
da adoração. Essas eram chamadas de libações e estavam, intimamente, ligadas
aos sacrifícios. No entanto por muitos séculos o chamado ao povo de Israel
tinha ido muito além das obrigações relativas aos sacrifícios. Deus desejava
que seu povo oferecesse uma resposta adequada ao amor que tinham recebido de
Deus e que tal resposta se manifestasse na forma de amor perseverante e não
tanto na forma de sacrifícios:
Oséias
6:6
Pois
misericórdia quero, e não sacrifício, e o conhecimento de Deus, mais do que
holocaustos.
Miqueias 6:7—8
7
Agradar-se-á o SENHOR de milhares de carneiros, de dez mil ribeiros de azeite?
Darei o meu primogênito pela minha transgressão, o fruto do meu corpo, pelo
pecado da minha alma?
8
Ele te declarou, ó homem, o que é bom e que é o que o SENHOR pede de ti: que
pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu
Deus.
Nós
temos essa mesma linguagem e atitude na ação de Paulo descrita como uma libação
derramada sobre o sacrifício da fé dos filipenses:
Filipenses
2:17
Entretanto,
mesmo que seja eu oferecido por libação sobre o sacrifício e serviço da vossa
fé, alegro-me e, com todos vós, me congratulo.
Paulo
também desafia os cristãos em Roma a apresentarem seus próprios corpos como
sacrifícios vivos a Deus:
Romanos
12:1
Rogo-vos,
pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis o vosso corpo por
sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional.
É
desse modo que para os profetas a linguagem do altar evoca o autossacrifício de
amor. Para Paulo tal oferta está unida ao chamado que o cristão tem recebido
para servir o próximo de modo sacrificial. O sacerdote e o levita eram aqueles
que conheciam muito bem a ordem prescrita para os rituais e a liturgia do culto
no templo. Durante a adoração eles eram os que oficiavam os sacrifícios e as
libações. Eles eram os que derramavam o óleo e o vinho diante e sobre os
sacrifícios oferecidos ao Senhor. Na parábola que Jesus está contando aqui o
samaritano executas esses gestos simples que tanto o sacerdote quanto o levita
haviam evitado, apesar de estarem acostumados a realizarem os mesmos no templo.
O homem ferido é a perfeita oportunidade para o sacerdote e o levita
manifestarem o sacrifício vivo, algo que o samaritano demonstra cumpre,
satisfazendo assim a perfeita vontade de Deus. É o doado Samaritano quem
derrama a libação sobre o altar das feridas do homem atacado. Não existe
nenhuma maneira de demonstrar חֶסֶד —
chesed — bondade, fidelidade ou
benignidade para com o homem caído à beira da estrada do que esses simples
gestos do samaritano de derramar óleo e vinhos sobre as feridas do mesmo. São
esses gestos simples que demonstram toda a misericórdia e compaixão que Deus
sente por cada um de nós, suas criaturas. Era isso pelo que clamavam os últimos
profetas enviados ao povo de Israel. Mas é o samaritano quem derrama a
verdadeira oferta aceitável a Deus.
Todavia,
diante situação de relacionamento existente entre judeus e samaritanos naqueles
dias, era bem possível que se o homem ferido fosse um judeu, ainda se desse o
direito de insultar àquele que lhe fizera bem e lhe salvara a vida. Óleo e
vinho são totalmente proibidos para os judeus se a origem dos mesmos for
samaritana. E isso por dois motivos: 1) primeiro porque os samaritanos eram
pessoas consideradas impuras; 2) Depois era necessário que o dízimo desses
elementos tivesse sido paga, algo que, evidentemente, o samaritano não tinha
feito, até porque se tentasse fazer seria rejeitado de pronto. Assim, o judeu
quando despertasse também teria que pagar o dízimo corresponde ao óleo e ao
vinho usado pelo samaritano. Como ele tinha acabado de ser assaltado, ele não
tinha dinheiro sequer para pagar sua própria hospedagem numa hospedaria. Alguém
já disse que o mestre da lei que havia iniciado a conversa com Jesus sentiria
verdadeiro prazer se o homem ferido tivesse despertado e gritado: longe de mim
seu samaritano imundo que eu aceite óleo e vinho de tuas mãos impuras. Bem,
durma-se com um barulho desses.
F.
O Transporte até a hospedaria
E,
pondo-o sobre a sua cavalgadura, levou-o para uma estalagem e cuidou dele —
verso 34b.
Como
tivemos oportunidade de notar, tudo isso poderia ter sido feito pelo sacerdote
que também passou por aquele local, montado em seu próprio animal. A frase
acima “a sua cavalgadura”,
provavelmente serve para nos indicar que além desse animal o samaritano tinha
outros animais consigo, provavelmente transportando mercadorias. Se for mesmo
esse o caso, então ele se arriscou muito além do que podemos imaginar, porque
certamente, suas mercadorias seriam um chamariz adicional para os mesmos
ladrões ou para outro bando qualquer.
Depois
de acomodar o homem sobre seu próprio animal, um jumento com quase toda certeza,
o samaritano conduziu o seu animal, transportando o homem ferido para uma
estalagem.
Como
não é incomum para os jumentos daquela região transportarem duas pessoas, é
possível que o próprio samaritano também estava montado no animal o que lhe
permitia segurar melhor o homem a quem estava socorrendo. Isso, certamente
fazia o animal caminhar mais lentamente o que aumentava em muito as chances de
um novo ataque. Mas o samaritano sabia o que tinha que fazer e não tinha outras
considerações!
Naquela
sociedade o ato de apenas conduzir um animal e o ato de montá-lo indicavam uma
distinção social que todos entendiam. Um exemplo clássico disso está registrado
em
Ester
6:7—11
7
E respondeu ao rei: Quanto ao homem a quem agrada ao rei honrá-lo,
8
tragam-se as vestes reais, que o rei costuma usar, e o cavalo em que o rei
costuma andar montado, e tenha na cabeça a coroa real;
9
entreguem-se as vestes e o cavalo às mãos dos mais nobres príncipes do rei, e
vistam delas aquele a quem o rei deseja honrar; levem-no a cavalo pela praça da
cidade e diante dele apregoem: Assim se faz ao homem a quem o rei deseja
honrar.
10
Então, disse o rei a Hamã: Apressa-te, toma as vestes e o cavalo, como
disseste, e faze assim para com o judeu Mordecai, que está assentado à porta do
rei; e não omitas coisa nenhuma de tudo quanto disseste.
11
Hamã tomou as vestes e o cavalo, vestiu a Mordecai, e o levou a cavalo pela
praça da cidade, e apregoou diante dele: Assim se faz ao homem a quem o rei
deseja honrar.
Tais
atitudes sociais permanecem inalteradas por séculos.
No
caso do samaritano, talvez, ele tivesse decidido apenas conduzir o animal com o
homem ferido em cima, seguindo ele mesmo, a pé. Isso seria outra demonstração
de humildade, de um homem que priorizava ser vir os outros acima de qualquer
outra convenção social.
Sua
atitude de levar o homem até a estalagem e ficar ali, a noite toda, cuidando
dele é mais uma demonstração de amor sacrificial.
Onde
ficava essa estalagem? Certamente não no deserto nem à beira do caminho. Mais
provável que a mesma estivesse localizada dentro da cidade de Jericó. Diante da
“lei do talião” — ver Números 34 e Deuteronômio XIX — o samaritano ao permitir
ser identificado transportando um homem, possivelmente um judeu ferido,
colocava-se numa condição precária, mas como já dissemos ele sabia de suas
responsabilidades para com o outro ser humano — e é isso que Cristo quer
enfatizar na história — que todas as outras considerações, inclusive correr
risco de vida, são consideradas pelo samaritano como secundárias ou, realmente,
sem importância. Na questão da aplicação da “Lei do Talião”, ao existe nenhum
tipo de lógica. O clã agredido pode tentar agredir de volta o agressor
original, ou um parente próximo, um parente distante e, até mesmo alguém
remotamente conectado com o agressor. É tudo muito ilógico e até mesmo imoral.
Todavia tal situação ainda é aceita e legislada em certos países do Oriente
Médio. O fato do samaritano pertencer a uma minoria odiada apenas amplia a
gravidade da sua situação diante de uma possível intenção de vingança por parte
dos parentes do homem ferido. O ato de amor do samaritano não faria a menor
diferença se fosse descoberto por parentes do homem ferido. Ele não teria a
menor chance e seria massacrado. Inobstante todas essas coisas, ele não abre
mão de cumprir o que o senso comum de ser humano lhe ordena: cuidar do ferido
com toda a dedicação possível.
Se
o samaritano estivesse levando em consideração os perigos que acabamos de
mencionar, ele teria abandonado o homem ferido na porta da estalagem e teria
ido embora. Estando o homem inconsciente desde o início da narrativa que
envolve o samaritano, o mesmo, estaria completamente protegido se apenas
tivesse abandonado o pobre homem ferido e partido. O samaritano era um perfeito
anônimo para o homem ferido. Jamais poderia ser reconhecido. Mas quando ele
decide ficar na estalagem a noite inteira, cuidando do homem e sendo visto pelo
menos pelo estalajadeiro, a anonimidade se evapora por completo.
A
coragem do samaritano pode ser vista nos seguintes pontos:
1.
Quando ele para na beira da estrada para socorrer um desconhecido ferido e
inconsciente, pois os ladrões ainda poderiam estar nas proximidades.
2.
Mas sua verdadeira coragem se manifesta nesse último ato, ao entrar em Jericó e
se dirigir para a estalagem e passar a noite toda cuidando do homem ferido.
Mas
a questão fundamental não é tanto a coragem e sim o preço que ele está disposto
a pagar por se atrever ser tão compassivo. Esse preço ele ira continuar pagando
na próxima parte da nossa exposição.
G.
O Pagamento Final
E, partindo ao outro dia, tirou dois
dinheiros, e deu-os ao hospedeiro, e disse-lhe: Cuida dele, e tudo o que de
mais gastares eu to pagarei, quando voltar — verso 35.
E
assim a história se completa. É a inversão de temas nas estrofes dessa balada
parabólica que deixa bem clara a razão e a intenção de Jesus nessa última cena.
Como história, a parábola poderia muito bem ter terminado quando o homem ferido
foi levado para um local seguro. Mas não é isso o que acontece. Depois de ter
compensado as atitudes pecaminosas e criminosas — omissão de socorro — do
levita e também do sacerdote, o samaritano, por fim, oferece uma compensação
inclusive pelo que os ladrões haviam levado! A forma como o samaritano reverte
o dano causado pelos ladrões pode ser visto no quadro abaixo:
Os Ladrões
|
O Samaritano
|
Roubam
o homem
|
Paga
pelas despesas do homem
|
Deixam
o homem como morto
|
Cuida
do homem e toma providências para que o cuidado continue
|
Abandonam
o homem
|
Promete
retornar
|
Essa
comparação revela toda a beleza da forma como Jesus construiu a parábola e a
transmitiu a seus ouvintes. O local mais óbvio para levar o homem ferido seria
a casa de algum conhecido ou até mesmo à sua própria casa. Mas a forma como a
parábola é desenvolvida é que cria a possibilidade para o surgimento dessa
última cena. É óbvio que o samaritano não poderia pagar nem aos parentes nem
aos amigos do homem para que cuidassem dele. E também não faria nenhum sentido
ele prometer que voltaria, caso a história tivesse terminado com o homem ferido
em segurança.
Todavia,
não devemos entender a narrativa de Jesus aqui como alguém que deseja apenas
preencher um espaço vazio. Todos os fatos narrados por Jesus são retirados da
vida real da Palestina do primeiro século. O homem ferido não tem dinheiro —
foi roubado. Se ele não puder pagar sua conta na estalagem quando sair da
mesma, ele poderá ser denunciado e até mesmo preso. Estalajadeiros do primeiro
século tinham uma fama muito ruim. Dessa forma, o homem ferido não pode esperar
que lhe seja estendido qualquer favor, como um ato de nobreza, vindo do dono do
local onde ele estava hospedado. De outra parábola de Jesus não sabemos de
pessoas que são lançadas na prisão por não conseguirem pagar suas dívidas — ver
Mateus 18:23—35.
É
claro que o homem roubado e ferido não tinha nenhum recurso que pudesse usar
para pagar pela sua dívida. Dessa forma, se o samaritano não assumisse o
compromisso de saldar a dívida total do homem ferido, ele não teria condições
de sair da hospedaria até alguém aparecer para quitar sua dívida. A atitude do
samaritano supre a verdadeira condição de liberdade para o homem ferido. E
mais, se a relação fosse entre judeus, o que ajudou poderia cobrar o valor da
ajuda daquele que foi ajudado. Mas sendo o ajudador um samaritano, e o ajudado,
provavelmente um judeu, tal opção estava completamente descartada. O samaritano
não tem nenhuma forma legal de exigir ser reembolsado por quem quer que seja. O
samaritano é apenas um desconhecido estranho. Independentemente, do tempo
gasto, do empenho e do esforço físico, do dinheiro gasto e do risco que
assumiu, ainda assim, o samaritano demonstrou amor para um desconhecido em
necessidade. Não é exatamente esse o mesmo tipo de amor que Deus nos oferece
graciosamente em Jesus?
A
exegese dos primeiros séculos identificou o samaritano com a própria pessoa de
Jesus. De fato, em João 8:48, nós podemos ler as seguintes palavras proferidas
contra Jesus pelos judeus com os quais debatia um assunto:
João
8:48
Responderam,
pois, os judeus e disseram-lhe: Não dizemos nós bem que és samaritano e que
tens demônio?
Mas
o que deve nos chamar mais a atenção é o fato da custosa demonstração de amor
demonstrada de forma totalmente inesperada. O samaritano surge na cena de forma
totalmente surpreendente e inesperada, vindo de fora para agir de modo a salvar
o perdido. Os líderes tradicionais da comunidade judaica são um fracasso
vergonhoso, mas o agente enviado por Deus entra na cena, para trazer o socorro
necessário.
Comentando
sobre essa entrada súbita do samaritano na cena, Karl Barth diz o seguinte:
“O bom samaritano... não está muito distante
do próprio doutor da lei. A exegese primitiva do texto estava,
fundamentalmente, correta. O doutor da lei encontra-se presente diante daquele
que se encarnou em forma humana; apesar de estar oculto aos olhos do doutor da Lei,
na forma de alguém a quem ele acha que deveria odiar, como os judeus odiavam os
samaritanos”.[9]
Em
outras parábolas já tivemos a oportunidade de notar cerca cristologia funcional
— ver, por exemplo, Lucas 7:36—50. Nessa parábola, todavia, os tons marcantes
da cristologia encontram-se na própria parábola, e não na estrutura da mesma
suprida pelo evangelista ou pela fonte que ele tenha usado. Aqui, com certeza
podemos entrar em contato e até mesmo tocar o entendimento que o Senhor Jesus
tinha acerca da exclusividade do ministério que Deus lhe havia atribuído como
servo sofredor.
De
que maneira essa parábola funciona no diálogo entre Jesus e o mestre da Lei?
H.
O DIÁLOGO FINAL ENTRE JESUS E O DOUTOR DA LEI
29
Ele, porém, querendo justificar-se a si mesmo, disse a Jesus: E quem é o meu
próximo?
36
Qual, pois, destes três te parece que foi o próximo daquele que caiu nas mãos
dos salteadores?
37
E ele disse: O que usou de misericórdia para com ele. Disse, pois, Jesus: Vai e
faze da mesma maneira.
No
centro desse diálogo nós vemos como Jesus, sabiamente, redireciona a pergunta
do doutor da Lei de tal maneira que
obriga o mesmo a fornecer a resposta certa para, a pergunta que havia feito no
início — verso 29 —, e cujo intuito era evitar assumir qualquer
responsabilidade pelo próximo. Note que Jesus não está disposto a fornecer ao
doutor da Lei uma lista de coisas para fazer. Cristo também se recusa a afirmar
quem é e quem não é o verdadeiro próximo de qualquer um de nós. Pelo contrário:
a pergunta original — que é o meu próximo? — torna-se agora: De quem eu devo me
tornar próximo. É a essa pergunta que, talvez até sem perceber, que o doutor da
Lei supre sua tão preciosa resposta — verso 37a.
Agora
nós não podemos nos deixar enganar nesse ponto crucial. A última afirmação de
Jesus — verso 37b — não é uma admoestação geral para se fazer boas obras e sim,
a única resposta adequada à pergunta feita pelo doutor da Lei, que dizia
respeito, originalmente, à questão da autojustificação.
O
diálogo inicial — versos 25—28 — termina com um mandamento para fazer algo. Da
mesma forma, assim também termina o segundo diálogo — verso 37. No primeiro
diálogo o doutor da Lei está interessado em saber QUANTAS pessoas ele precisa
amar para alcançar a justificação diante de Deus por seus próprio méritos. Mas
a resposta de Jesus deixa bem claro que se
não considerarmos qualquer pessoa ao alcance das nossas mãos como nosso próximo, jamais poderemos herdar a
vida eterna. Esse é o verdadeiro significado do amor ao próximo: estar
disponível para ajudar qualquer pessoa em necessidade que esteja ao alcance das
nossas mãos. Sem essa disposição pode esquecer qualquer esperança de ir para o
céu.
Mas
a pergunta que precisamos fazer agora é: Quem é suficiente para essas coisas?
Quem pode, realmente, viver de acordo com esse padrão? Nossa reação pode ser
muito semelhante àquela da multidão que se perguntava: “Quem, então, pode ser
salvo”? — conforme Lucas 18:26. Nessa parábola, cada metade dos dois diálogos
caminha nessa direção e dessa forma os dois terminam, exatamente, com a mesma
conclusão. O que posso fazer para herdar a vida eterna? O que posso fazer para
me autojustificar? A única e honesta conclusão a que podemos chegar é: Tudo
isso está muito além da minha capacidade. Em não tenho como me justificar a mim
mesmo, MAS todas as coisas são possíveis para Deus — conforme Lucas 18:27.
Conclusão:
A
que conclusão o doutor da Lei pode chegar? O que Jesus deseja, exatamente,
ensinar a ele e a todos nós ao contar essa história? Somos todos pressionados a
entender o seguinte:
1.
A parábola deixa claro que toda e qualquer tentativa de autojustificação está
fadada ao mais completo fracasso. O padrão é elevado demais. A vida eterna não
pode ser conquistada ou adquirida.
2.
Por outro lado, a parábola nos mostra um padrão ético que devemos procurar
alcançar e manter, mesmo que não seja possível concretizá-lo por inteiro. È
como o mandamento “Sê perfeito”. É um padrão, mas que não pode ser manifestado
em toda sua plenitude, por ser excessivamente alto.
3.
Um livro contendo um código de ética como os fariseus estavam desenvolvendo é
completamente inadequado.
4.
O samaritano, um odiado estrangeiro, demonstra o amor compassivo que a situação
requeria; Dessa forma a parábola transforma-se em um agudo ataque contra todo
tipo de preconceito seja de uma comunidade ou racial. É esse tipo de
preconceito que está guiando o atual primeiro ministro do Estado de Israel a
propor a transformação de Israel de uma “democracia” — que não é de fato — num
estado puramente racial judeu.
5.
Para Jesus, o amor se manifesta em ações práticas acompanhadas ou não de
profundos sentimentos de compaixão.
6.
A parábola nos supre com uma definição dinâmica de “próximo”. A pergunta “Quem
é meu próximo”?, é transformada em: “ De
quem eu preciso me tornar próximo”? A resposta, por sua vez é: de qualquer um
que esteja precisando de minha ajuda, mesmo que seja meu inimigo.
7.
A soberania de Deus não está limitada pela liderança espiritual da comunidade,
seja qual for a mesma. Quando tal liderança fracassa, como aconteceu com o
sacerdote e o levita, Deus ainda é soberano para levantar outros agentes para
satisfazer seus propósitos.
8.
Dois tipos de pecado e dois tipos de pecadores são apresentados na narrativa de
Jesus — os ladrões e os líderes religiosos. Os ladrões ferem o homem pelo uso
da violência. Os líderes religiosos o machucam pela negligência. A história
deixa clara a culpa de todos eles. A oportunidade desperdiçada para se fazer o
bem torna-se num mal inominável e terrível.
9.
Essa passagem de Lucas também faz uma afirmação acerca da salvação. A salvação
alcança o homem ferido por meio de uma custosa e inesperada manifestação de
amor compassivo. Nesse meio, parece fazer uma referência ao próprio Salvador.
Conforme João 1:11 Jesus veio para os seus, mas foi considerado como um
estranho e endemoninhado! Jesus é a própria personificação do estrangeiro
rejeitado, e ele não se envergonha de assumir esse papel, que lhe permite
surgir, de forma dramática e inesperada na cena, cuidar do homem ferido como o
enviado EXCLUSIVO de Deus, com uma custosa demonstração do amor de Deu.
Outras
Parábolas de Jesus Podem ser encontradas nos Links abaixo:
001 – O Sal
002 – Os Dois Fundamentos
003 – O Semeador
004 – O Joio e o Trigo =
005 – O Credor Incompassivo
006 — O Grão de Mostarda e o
Fermento
007 — Os Meninos Brincando na
Praça
008 — A Semente Germinando
Secretamente
009 e 010 — O
Tesouro Escondido e a Pérola de Grande Valor
011 — A Eterna
Fornalha de Fogo
012 — A
Parábola dos Trabalhadores na Vinha
013 — A
Parábola dos Dois Irmãos
014 — A Parábola dos Lavradores
Maus — Parte 1
014A — A Parábola dos Lavradores
Maus — Parte 2
015 — A
Parábola das Bodas —
016 — A
Parábola da Figueira
017 — A
Parábola do Servo Vigilante
018 — A
Parábola do Ladrão
019 — A
Parábola do Servo Fiel e Prudente
020 — A Parábola das Dez Virgens
021 — A
Parábola dos Talentos
022 — A
Parábola das Ovelhas e dos Cabritos
023 — A
Parábola dos Dois Devedores
024 — A
Parábola dos Pássaros e da Raposa
025 — A Parábola do Discípulo que
Desejava Sepultar Seu Pai
026 — A Parábola da Mão no Arado
027 — A Parábola do Bom
Samaritano — Completo
027A — A Parábola do Bom
Samaritano — Parte 1
027B — A Parábola do Bom
Samaritano — Parte 2 — Os Ladrões e o Sacerdote
027C — A Parábola do Bom
Samaritano — Parte 3 — O Levita
027D — A
Parábola do Bom Samaritano — Parte 4 — O Samaritano
027E — A
Parábola do Bom Samaritano — Parte 5 — O Socorro
027F — A
Parábola do Bom Samaritano — Parte 6 — O transporte até a hospedaria
027G — A
Parábola do Bom Samaritano — Parte 7 — O pagamento final
027H — A
Parábola do Bom Samaritano — Parte 8 — O diálogo final entre Jesus e o doutor
da Lei
028 — A
Parábola do Rico Tolo —
029 — A
Parábola do Amigo Importuno —
030 — A
Parábola Acerca de Pilatos e da Torre de Siloé
031 — A
Parábola da Figueira Estéril
032 — A
Parábola Acerca dos Primeiros Lugares
033 — A
Parábola do Grande Banquete
034 — A
Parábola do Construtor da Torre e do Grande Guerreiro
035 —
Introdução a Lucas 15 — Parábolas Acerca da Condição Perdida da Raça Humana —
Parte 001
036 — Introdução a Lucas 15 —
Parábolas Acerca da Condição Perdida da Raça Humana — Parte 002
http://ograndedialogo.blogspot.com.br/2015/11/parabolas-de-jesus-lucas-15-uma-exegese.html
037 — Parábolas de Jesus — Mateus
18:12—14 e Lucas 15:4—7 — A Parábola da Ovelha Perdida — Completa
http://ograndedialogo.blogspot.com.br/2017/06/parabolas-de-jesus-sermao-037-parabola.html
037A — Parábolas de Jesus —
Mateus 18:12—14 e Lucas 15:4—7 — A Parábola da Ovelha Perdida — Parte 001
037B — Parábolas de Jesus —
Mateus 18:12—14 e Lucas 15:4—7 — A Parábola da Ovelha Perdida — Parte 002
037C — Parábolas de Jesus —
Mateus 18:12—14 e Lucas 15:4—7 — A Parábola da Ovelha Perdida — Parte 003
037D — Parábolas de Jesus —
Mateus 18:12—14 e Lucas 15:4—7 — A Parábola da Ovelha Perdida — Parte 004 — A
Influência do Antigo Testamento
037E — Parábolas de Jesus —
Mateus 18:12—14 e Lucas 15:4—7 — A Parábola da Ovelha Perdida — Parte 005 —
Características Cristológicas da Parábola da Ovelha Perdida
037F — Parábolas de Jesus —
Mateus 18:12—14 e Lucas 15:4—7 — A Parábola da Ovelha Perdida — Parte 006 — A
importância das pessoas perdidas.
http://ograndedialogo.blogspot.com.br/2016/11/parabolas-de-jesus-mateus-181214-e.html
037H — Parábolas de Jesus — Mateus 18:12—14 e Lucas 15:4—7 — A Parábola da Ovelha Perdida — Parte 008 — Conclusão.
http://ograndedialogo.blogspot.com.br/2017/05/parabolas-de-jesus-sermao-037h-parabola.html
037 — Parábolas de Jesus — Mateus 18:12—14 e Lucas 15:4—7 — A Parábola da Ovelha Perdida — Completa
http://ograndedialogo.blogspot.com.br/2017/06/parabolas-de-jesus-sermao-037-parabola.html
038A — PARÁBOLAS DE JESUS — A PARÁBOLA DA DRACMA PERDIDA — LUCAS 15:8—10 —— PARTE 001
Que
Deus abençoe a todos.
Alexandros
Meimaridis
PS.
Pedimos a todos os nossos leitores que puderem que “curtam” nossa página no Facebook através do seguinte link:
Desde
já agradecemos a todos.
[1] Ver os livros de Joachim Jeremias nas Parábolas de Jesus, de T. W. Manson
intitulado The Sayings of Jesus que
tratam das parábolas de Jesus e o comentário de I. Howard Marshall no livro de
Lucas escrito para a série: The New
International Greek Testament Commentary.
[2] Barth, Karl. The Doctrine of the Word of God, Volume
I, Parte II, em Church Dogmatics. Hendrickson Publishers,
Marketing, LLC, Peabody, 2010.
[3] Barth, Karl. The Doctrine of the Word of God, Volume
I, Parte II, p. 417 em Church Dogmatics.
Hendrickson
Publishers, Marketing, LLC, Peabody, 2010.
[4] Darret, J. D. M. Law in The
New Testament. Darton, Longman and Todd, London, 1970.
[5] Trech. Richar Chenevix. Notes
on The Parables of Our Lord. D. Appleton and Company, New York, 1881.
Citado por Bailey, Kenneth E., em Through
Peasant Eyes – More Lucan Parables. William B. Eerdmans Publishing Company, Grand
Rapids, 1980.
[7] Mishná que também pode ser escrito como
Mishnah significa em hebraico “estudo repetido” e cujo plural é Mishnayot. O Mishná
é a mais antiga e autoritativa coleção e codificação da legislação judaica pós
Antigo Testamento. Esta coleção foi sistematizada por inúmeros estudiosos,
chamados de “tannanim”, durante um período superior a duzentos anos. Esta
codificação assumiu sua forma definitiva no início do século III d.C. pelas
mãos do estudioso conhecido como Judah ha-Nasi. O objetivo da coleção
encontrada no Mishná era suplementar as leis escritas que estão registradas no
Pentateuco. No Mishná podemos encontrar, na forma escrita, a interpretação
seletiva de inúmeras tradições que haviam sido preservadas na forma oral, com
algumas destas tradições sendo bastante antigas e datando dos dias de Esdras c.
450 a.C.
[8] Josefo, Flávio. Antiguidades Judaicas. Casa Publicadora das Assembleias de
Deus, Rio de Janeiro, 8ª edição: 2004.
[9] Barth, Karl. The Doctrine of the Word of God. Volume I Parte II em Churrch Dogmatics. Nova Edição por Hendrikson Publishing Company, Peabody, 2012.
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