Essa é uma série estritamente
acadêmica, mas não existe na mesma absolutamente nada que impeça a leitura por
todas as pessoas. De fato, queremos incentivar que todos possam ler esses
artigos e compartilhar os mesmos com todos os seus contatos, parentes e
conhecidos.
ESTUDO 011 — ESCRIBAS E
OS MANUSCRITOS QUE PRODUZIRAM — PARTE 003
CONTINUAÇÃO...
No
começo da expansão da fé cristã, os manuscritos de documentos bíblicos, tanto
do Antigo quanto do Novo Testamento, eram encomendados por indivíduos que
tinham recursos para uso próprio e também para serem doados para congregações
de cristãos. Por causa do crescimento acelerado do número de cristãos, a
demanda por mais e mais cópias de livros, especialmente do Novo Testamento,
tornou-se cada vez maior. Com isso o inevitável aconteceu. Inúmeras cópias
foram produzidas com grande rapidez em detrimento da qualidade que a tarefa
exigia. Agostinho de Hipona chegou a reclamar de tal produção massiva dizendo
que: pessoas com pouco conhecimento do grego e do latim se metiam a fazer
traduções e cópias de qualidade muito abaixo da esperada.
Todavia,
durante o quarto século, quando os cristãos receberam a aprovação imperial,
então tornou-se comum a produção de manuscritos de forma comercial. Essas
cópias manuscritas eram produzidas por empresas comerciais em locais chamados
de scriptoria — lugar em que se
escreve. As mesmas eram produzidas, simultaneamente, por um grupo de escribas
distribuídos pelo recinto com o material necessário para executar a tarefa.
Isso, por sua vez, era feito por meio de um indivíduo que lia — lector — o material de forma pausada
para que fosse devidamente escrito, simultaneamente, por todos os copistas
contratados. Dessa forma, diversas cópias eram produzidas ao mesmo tempo, como
resultado dos copistas contratados pelo scriptorium.
Não é difícil imaginar que esse meio de reprodução de manuscritos favorecia o
cometimento dos mais diversos erros. Não era incomum que um dos escribas não
estivesse 100% atento num ou noutro momento. Um espirro ou qualquer outro tipo
de ruído era suficiente para impedir a audição correta daquilo que estava sendo
lido. Além disso, a língua grega, por suas peculiaridades, não auxiliava nesse
processo. Um caso notável é Romanos 5:1. Algumas cópias trazem o verbo grego
como estando no presente do indicativo e outras, como estando no presente do
subjuntivo. A diferença é causada por uma única e mesma letra em grego. No caso
da forma indicativa a escrita é ἔχομεν — échomen — temos. Já no caso do
subjuntivo, a forma escrita é ἔχωμεν
— échOmen — tenhamos. Note que a diferença é que no primeiro caso se usa um
ômicron e no segundo um ômega. O som das duas palavras é praticamente idêntico.
Essa duplicidade aparece em versões em português.
Romanos 5:1 na
Almeida Revista e Atualizada
Justificados,
pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo.
Romanos 5:1 na
Almeida Revisada de acordo com os melhores textos
Justificados,
pois, pela fé, tenhamos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo.
Nota:
os chamados “melhores textos” mencionado acima são alegadamente e não
necessariamente “melhores”.
Visando
minorar esses erros, os manuscritos produzidos em scriptoria eram revisados por um indivíduo especialmente treinado
para detectar os erros e corrigi-los. Mais adiante falaremos dos erros mais
comuns cometidos pelos copistas, pois os mesmos eram bem conhecidos e estavam
catalogados. As anotações do revisor são facilmente perceptíveis por causa do
tipo de escrita e também por meio do uso duma tinta especial usada para esse
fim.
Os
escribas contratados por um scriptorium
eram pagos de acordo com o número de linhas que tinham produzido. A extensão
das linhas era padronizada e para isso, usava-se ou o hexámetro homérico ou o
trímetro lírico. Quando cópias em prosa eram produzidas — como é o caso dos
manuscritos do Novo Testamento — uma linha, que era chamada de stichos tinha dezesseis — às vezes
quinze — sílabas, e era usada como padrão para os pagamentos. No ano 301 um
decreto promulgado pelo imperador Diocleciano fixou o salário a ser pago pelos
serviços de cópias em: 25 denários para cada 100 linhas de cópia de primeira
qualidade e 20 denários para cópia de segunda qualidade. O que, exatamente,
diferenciava uma cópia das outras não foi especificado. Para se produzir uma
cópia da Bíblia inteira em grego — Antigo e Novo Testamento — o investimento
necessário era da ordem de 30.000 denários.
Os
scriptoria também criaram uma régua
de medida que foi chamada de sticômetro
— media o número de linhas numa coluna. Uma coluna que não tivesse o número
correto de linhas, com base no sticômetro, era considerada defeituosa, por
razões óbvias. Todavia a contagem de linhas não impedia que outros erros permanecessem
no texto. Nos Evangelhos que foram produzidos usando o sticômetro o número
padrão que sobressai é — em números arredondados: 2600 linhas para Mateus, 1600
linhas para Marcos, 2800 linhas para Lucas e 2300 linhas para João. Tal contagem
implica a presença de Marcos 16:9—20 no Evangelho de Marcos e a ausência de
João 7:53—8: no Evangelho de João em cópias aferidas.
Mais
adiante, já no período bizantino, as cópias eram produzidas por monges. Nos
mosteiros não existia a pressão comercial que existia nos scriptoria. Em vez de copiarem os manuscritos a partir de algum
ditado, os monges trabalhavam sozinhos em suas celas copiando os mesmos para si
próprios ou para algum benfeitor do mosteiro. Tal tipo de reprodução massiva de
cópias não estava sujeito aos mesmos tipos de erros que aconteciam por meio do
método do ditado. Mas existiam outros fatores que também dificultavam a
produção de cópias isentas de erros. O ato de copiar dentro da cela de um
mosteiro tinha a seguinte ordem: 1) a autoleitura em tom de voz moderado; 2) a
memorização temporária do material a ser copiado; 3) a recitação do material a
ser copiado; 4) o movimento da mão na execução da cópia. Apesar desses passos
serem realizados simultaneamente, ainda assim havia muitas oportunidades para a
mente do copista divagar e fazer surgir graves erros.
Questões
fisiológicas também concorriam para o surgimento de erros. O ato de copiar algo
exige muita atenção e concentração. O leitor pode experimentar isso na prática
selecionando uma passagem do Novo Testamento, digamos de apenas dez versículos,
e tentar copiá-la. Você ficará surpreso com o resultado. Um dos maiores
problemas enfrentado pelos copistas daqueles dias era a posição usada para se
fazer a cópia. Geralmente a cópia era feita com o escriba sentado, com o
original colocado sobre suas pernas e a cópia que estava sendo produzida se
encontrava num nível mais alto. Tal posição exigia grande firmeza muscular e
produzia intensa fadiga. Como disse um dos próprios copistas: “aquele que não
domina a arte da escrita, imagina que a mesma não dever dar trabalho. É fato
que usamos apenas três dedos para escrever, mas o corpo inteiro está envolvido
nesse processo”. Não é incomum, encontrarmos no final dos manuscritos a
expressão: “graças a Deus”, como uma forma de manifestação de alívio
representada pelo término do trabalho.
CONTINUA...
OUTROS ARTIGOS DE COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS
COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 001 – MATERIAL DE ESCRITA ANTIGO
COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 002 – MATERIAL DE ESCRITA ANTIGO — O PAPIRO
COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 003 – MATERIAL DE ESCRITA ANTIGO — O PAPIRO — FINAL
COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 004 – MATERIAL DE ESCRITA ANTIGO — OS PERGAMINHOS
COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 005 – MATERIAL DE ESCRITA ANTIGO — PAPEL E BARRO
COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 006 – ARQUÉTIPOS E AUTÓGRAFOS — PARTE 001
COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 007 – ARQUÉTIPOS E AUTÓGRAFOS — PARTE 002
COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 008 – ARQUÉTIPOS E AUTÓGRAFOS — PARTE 003 – FINAL
COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 009 – OS ESCRIBAS E OS COPISTAS E OS MANUSCRITOS QUE ELES PRODUZIRAM — PARTE 001
COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 010 – OS ESCRIBAS E OS COPISTAS E OS MANUSCRITOS QUE ELES PRODUZIRAM — PARTE 002
COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 011 – OS ESCRIBAS E OS COPISTAS E OS MANUSCRITOS QUE ELES PRODUZIRAM — PARTE 003
COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 012 – OS ESCRIBAS E OS COPISTAS E OS MANUSCRITOS QUE ELES PRODUZIRAM — PARTE 004
COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 013 – OS ESCRIBAS E OS COPISTAS E OS MANUSCRITOS QUE ELES PRODUZIRAM — PARTE 005
COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS — PARTE 014 — OS ESCRIBAS E OS COPISTAS E OS MANUSCRITOS QUE ELES PRODUZIRAM — PARTE 006
COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS — PARTE 015 — OS ESCRIBAS E OS COPISTAS E OS MANUSCRITOS QUE ELES PRODUZIRAM — PARTE 007
Que Deus abençoe a todos.
Alexandros Meimaridis
PS. Pedimos a todos os nossos leitores que puderem que “curtam” nossa
página no Facebook através do seguinte link:
Desde já agradecemos a todos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário