Diante de mais uma afirmação
despropositada afirmação de sua excelência o deputado Federal e dublê de pastor
Marco Feliciano de que não existe cultura do estupro no Brasil, achamos por bem
publicar o artigo abaixo de autoria do professor Wilson Roberto Vieira
Ferreira.
Cultura
do Estupro revela "machismo 2.0"
Wilson Roberto Vieira Ferreira
A grande mídia escandaliza-se com
o estupro coletivo de uma menina no Rio de Janeiro e clama por um país menos
machista e sexista. Mas por anos deu espaço para frotas e gentilis, enquanto
sua programação sempre foi patrocinada por anúncios onde a
mulher-objeto-fetiche é a isca principal para produtos e serviços. A chamada
cultura do estupro deve ser contextualizada no surgimento do “machismo 2.0”:
uma nova forma de sexismo cujas bases estão lá na velha ordem patriarcal, mas
que agora é repaginado e turbinado pelo complexo sociedade de consumo/indústria
publicitária/grande mídia, capazes de criar uma nova cadeia de produção
imaginária: voyeurismo-exibicionismo-sadismo. Imaginária, mas com sérias
repercussões no mundo real.
O que mais chama a atenção no
debate atual sobre a chamada “cultura do estupro”, principalmente com o impacto
das notícias sobre o episódio do estupro coletivo ocorrido em uma comunidade no
Rio de Janeiro, é que em todas as falas aponta-se unicamente para uma cultura
“machista e sexista” arcaica e retrógrada que seria a responsável pelas 50 mil
notificações anuais de crimes sexuais no País.
Mas são poucos aqueles que
lembram de fatores mais contemporâneos: a sociedade de consumo e a cultura
midiática. Aproxima-se a cultura do estupro de uma “cultura da superioridade”
resultante de uma educação onde para os meninos é mostrada a sua suposta
superioridade natural em relação às meninas. Porém, essa cultura machista é
restrita à crítica a uma ordem patriarcal e masculina. Uma reação da cultura
machista ao crescente protagonismo feminino na sociedade.
Como sempre, a grande mídia põe à
mostra sua natureza esquizofrênica ao repercutir o episódio:
(a) Escandaliza-se, mas por outro
lado nos últimos anos deu espaço midiático a frotas, gentilis, felicianos, a
chamada bancada da Bala, da Bíblia e do Boi no Congresso e toda sorte de
personagens mais retrógrados, retirados do fundo da caixa de Pandora para
afrontar, desestabilizar e finalmente derrubar o governo Dilma;
(b) Tem sua grade de programação
diária patrocinada por filmes publicitários que promovem produtos e serviços
onde a mulher é exposta como isca, objeto sexual ou colocada em plots onde é
apresentada como naturalmente submissa ao poder físico ou financeiro masculino.
O telejornal mostra âncoras e entrevistados indignados para pouco tempo depois
mostrar o anúncio do “vai verão, vem verão” de uma conhecida marca de cerveja
com uma mulher segurando uma bandeja em trajes sumários.
Produção imaginária
Acredito que é a partir dessa
natureza esquizoide da grande mídia que a questão da cultura do estupro deve
ser discutida. Mais precisamente, a partir da ordem sociedade de
consumo/indústria publicitária/grande mídia. Uma ordem mais poderosa e que se
sobrepôs à ordem patriarcal, a origem de todo o machismo, por assim dizer,
tradicional que estaria por trás do revoltante episódio do estupro coletivo.
Esse machismo da velha ordem
patriarcal deu lugar a um, digamos, machismo 2.0, dessa vez repaginado e
turbinado pela sociedade de consumo e indústria publicitária para ser veiculado
pela grande mídia.
Estupro não é uma questão de
prazer ou tesão, mas de poder: poder de dominar o corpo do outro (sadismo),
para mostrá-lo como uma conquista em vídeos ou fotos em redes sociais
(exibicionismo) para o prazer anônimo de onanistas (voyeurismo).
Essa cadeia de produção
imaginária é análoga a da promoção do consumo, mudando apenas a ordem dos
elementos da cadeia: pessoas que veem imagens distantes do objeto do desejo nos
anúncios (voyeurismo) sonhando possuí-los e ostentá-los (exibicionismo) como
moeda social para se impor sobre o outro (sadismo).
Freud explica?
Esse machismo 2.0 se fundamenta
nas mesmas origens da ordem patriarcal, em torno da chamada matriz fálica
descrita pela psicanálise freudiana – o primeiro simbolismo introjetado pela
criança, o simbolismo universal de poder sobre o qual o papel sexual masculino
será estruturado. O Falo como a “premissa universal do pênis”, a louca crença
infantil que não existe diferença entre os sexos, todos têm um pênis. Existe
apenas um órgão genital, e tal órgão é masculino.
Essa fantasia de origem narcísica
primária é diluída com a descoberta do outro: algumas crianças não têm pênis o
que para o homem corresponderá à fantasia da “perda do pênis” ou aquilo que
Freud descreveu como “complexo de castração”, o ponto frágil da afirmação
sexual masculina.
Esta imagem da perda permanecerá
para sempre associada ao psiquismo masculino de forma traumática e o medo da
castração continuará perseguindo a realização sexual como um fantasma. No
adulto, o medo da castração não se manifestará dessa forma tão literal: a
castração se manifestará no medo da impotência (seja sexual, financeira ou
social). Por isso, o homem estará condenado a ter que provar continuamente que
jamais será castrado, será empurrado para situações onde terá de,
continuamente, provar a masculinidade e a potência fálica: no desempenho sexual
atlético, nos ganhos financeiros, na habilidade em manipular símbolos de status
e prestígio, etc.
Esta ansiedade vai marcar
negativamente a qualidade das relações com o sexo oposto. A forma de o homem
perceber a mulher será prejudicada ao ver nela nada mais do que um campo de
provas da potência fálica. A ansiedade da comprovação fálica empurrará o
psiquismo masculino a procurar não a mulher, mas mulheres, num sentido genérico
e abstrato. O investimento afetivo toma‑se difícil e transitório.
A simples presença da mulher
torna‑se uma ameaça à segurança fálica
masculina. Ela significa, per si, a cobrança de uma tomada de posição ou
a castração em potencial: a possibilidade do fracasso. Por isso ela deve ser
dominada, neutralizada. O corpo feminino deve ser reduzido a fragmentos, a
objetos, para ser melhor dominado. É o surgimento do fetichismo sexual. O corpo
real feminino é neutralizado pelo fascínio por fragmentos: pés, olhos, cabelos,
ou acessórios associados a alguma destas partes como sapatos, luvas, etc.
Machismo 2.0 e a
cultura do estupro
O que era fragilidade e ansiedade
originada no medo da castração, com o complexo sociedade de
consumo/publicidade/mídia tudo isso é amplificado com o pânico da castração.
A presença constante da mulher
como objeto promotor de mercadorias de luxo ou de marcas corresponde ao desafio
da potência masculina: “quer uma mulher como essa? Pois então compre um carro
como esse. Prove que jamais será castrado!”. Para Freud a ansiedade da
castração jamais é resolvida no psiquismo masculino, tornando-se uma inesgotável
ferramenta de promoção de consumo de bens com alto valor agregado.
A cada anúncio de cerveja com
mulheres que servem aos homens com uma bandeja, a cada filme com uma mulher
fascinada olhando para um carro dirigido por um homem vitorioso e a cada feira
ou exposição com atraentes modelos se oferecendo como isca ou miragem, a mulher
torna-se na atualidade num suporte/meio/condutor da promessa de realização da
potencia fálica.
Se na antiga ordem patriarcal, a
mulher sempre foi uma ameaça que tinha de ser neutralizada como um objeto (seja
como dona de casa sem direitos, seja como prostituta reduzida à condição de
objeto-fetiche), hoje com a ordem globalizada de consumo a mulher foi promovida
a uma moeda genérica de troca.
Neutralizar a ameaça
feminina
Essa generalização da mulher na
publicidade como estratégia para explorar o pânico da castração é visível com a
regressão das fantasias fálicas às fantasias orais. Se no imaginário masculino
isso esteve sempre latente (em expressões “comer a mulher”, “mulher gostosa”
etc.) hoje é ampliado ao associar essa experiência ao próprio produto: a
cerveja é a mulher que você bebe, o sundae com fritas do Mac Donald’s é a
experiência da primeira namorada, a compra impulsiva com o cartão de crédito
que a modelo tem próximo à boca etc.
O medo da castração cresce
exponencialmente com a promoção da mulher a isca generalizada de produtos e
serviços. A mulher submetida a uma nova cadeia de produção imaginária na
seguinte sequência: voyeurismo-exibicionismo-sadismo.
As formas de perversão sexual e
de objetos-fetiche sempre foram estratégias do psiquismo para neutralizar a
ameaça que a mulher representa à segurança fálica masculina. Mas hoje, quando a
mulher tornou-se onipresente através de voz, corpos e olhares, a cobrança à fragilidade
do medo da castração tornou-se muito maior.
A crescente violência masculina é
a revanche contra a ameaça da impotência que a sociedade de consumo o ameaça ao
tornar todo produto ou serviço numa promessa fálica nunca realizada. Impotentes
e castrados, homens veem mulheres e produtos inalcançáveis, restritos apenas a
uma elite de vencedores.
O medo da castração global
transforma-se em revanche masculina local: o estupro, o assédio, a violência -
encoxar uma mulher no metro lotado, espancar a namorada por ciúmes, o estupro
oportunista de uma mulher alcoolizada, a separação hipócrita das mulheres em
tipo “para casar” e daquelas que são “para comer” e assim por diante.
O artigo original poderá ser
visto por meio desse link aqui:
Que Deus abençoe a todos.
Alexandros Meimaridis
PS. Pedimos a todos os nossos leitores que puderem que “curtam” nossa
página no Facebook através do seguinte link:
Desde já agradecemos a todos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário