Cristãos no Egito: Em Borg
El-Arab, cidade vizinha a Alexandria, cristãos fazem procissão em homenagem às
vítimas do terror
Os coptas são um grupo de
cristãos egípcios que surgiu ainda durante o século I. O material abaixo foi
publicado pelo site da Revista CartaCapital e é da autoria de José Antônio
Lima.
Não
há luz no fim do túnel para os cristãos coptas no Egito
Por mais brutais que sejam, os
ataques do Estado Islâmico em Alexandria e Tanta são apenas uma amostra da
situação dramática dos coptas
José Antonio Lima
Durante a chamada Primavera
Árabe, cenas de cristãos e muçulmanos protestando juntos no Cairo, a capital do
Egito, e se protegendo mutuamente das forças de segurança, causaram comoção no
mundo. A esperança daqueles dias de 2011 há muito se tornou uma lembrança
saudosa para quase todos os egípcios, mas as minorias, entre as quais os
cristãos coptas são a mais numerosa, sofrem de maneira desproporcional. Seis
anos depois do levante contra Hosni Mubarak, a comunidade copta é vítima de
níveis de violência sem precedentes em sua história.
No Domingo de Ramos (9 de abril),
uma das datas preparatórias para a Páscoa cristã, os coptas sofreram um ataque
de grande repercussão. A igreja de São Jorge, em Tanta (100 km ao norte do
Cairo), e a catedral de São Marcos, em Alexandria, foram alvo de ataques
simultâneos, que deixaram 44 mortos e centenas de feridos.
O atentado terrorista foi
reivindicado pelo Estado Islâmico. Ativo na Península do Sinai, o ISIS, como
também é conhecido o grupo, age no Egito da mesma forma que faz na Síria e no
Iraque. Ataca o governo, mas também as minorias religiosas.
O atentado provocou condenações
internacionais, em especial no Ocidente. Há pouco, entretanto, que europeus e
norte-americanos podem fazer pelos cristãos egípcios enquanto sua política
externa apoiar o autoritarismo no Oriente Médio.
A igreja copta, uma denominação
da ortodoxia oriental que teria sido fundada pelo apóstolo Marcos, existe desde
o século I. Essa comunidade cristã, que hoje compõe cerca de 10% da população
egípcia, sobreviveu ao Império Bizantino, à conquista muçulmana do que hoje é o
Egito e experimentou seu momento mais próspero durante a dinastia de Muhammad
Ali (1805-1952), na qual o Egito moderno foi fundado.
No século XIX e na primeira
metade do século XX, os coptas exerceram papéis de destaque na política e na
sociedade egípcias. Era um período no qual o cristianismo e o islã conviviam de
forma harmoniosa. No levante nacionalista contra o Império Britânico, em 1919,
por exemplo, imãs oraram em igrejas e padres realizaram celebrações em
mesquitas, em uma prova de solidariedade local contra os invasores. Os ventos
mudaram quando a monarquia foi derrubada no golpe que levou Gamal Abdel Nasser
ao poder. A partir de 1952, os coptas foram marginalizados pelo Estado, uma
situação que se agravou em 1970, quando o pan-arabista Nasser foi substituído
por Anwar al-Sadat.
Em Borg El-Arab, mulheres choram
durante funeral de vítimas da catedral de São Marco (Foto: Mohamed El-Shahed /
AFP)
A ascensão de Sadat coincidiu com
o empoderamento dos islamistas, os adeptos do islã político, uma ideologia segundo
a qual o islã pode e deve resolver todos os problemas da sociedade. A intenção
de Sadat era fortalecer os religiosos para contrapor o peso dos socialistas
apoiadores de Nasser. Esta política, associada ao ganho de poder político e
econômico por parte da Arábia Saudita naquele período, e ao intercâmbio entre
islamistas sauditas e egípcios, foi uma das molas propulsoras da radicalização
do islã no Oriente Médio.
O Egito foi um dos países que
mais sofreu com a radicalização e os coptas, em particular, se tornaram um alvo
primordial. Com Hosni Mubarak (1981-2011), o Egito se transformou no principal
exemplo do processo que Peter Demant chama de “acomodação de determinadas
exigências das populações e dos islamistas por meio de uma democratização
limitada”.
Pressionado por forças políticas
e sociais radicalizadas, o governo cede a extremistas religiosos em assuntos
que são caros a esses (como por exemplo, a forma de lidar com uma minoria
religiosa) para manter o controle sobre a sociedade. Este é um processo comum
em todo o Oriente Médio. Partidos políticos, sindicatos, entidades estudantis e
outras associações são fracas ou não existem. As mesquitas, entretanto, estão
sempre disponíveis e muitas vezes lideradas por radicais.
Este ciclo de autoritarismo e
radicalização religiosa provoca o crescimento e a legitimação de uma tendência
fundamentalista, que gera uma “islamização rastejante da sociedade, cuja
tendência política é antidemocrática ou pelo menos antiliberal”, como também
afirma Demant. É o caldo político, social e cultural no qual viceja o
jihadismo. É de onde o Estado Islâmico retira suas forças, ao se postar como
único e legítimo defensor dos muçulmanos contra os regimes autoritários e
"infiéis" de Sissi.
Em um contexto no qual a força
dominante é o Estado autoritário e em que a principal contestação vem do islã
político (islamismo), a única escolha dos coptas é buscar alguma proteção no
Estado, ainda que este seja o promotor de uma discriminação sistemática que
gere em muitos cristãos a sensação de serem cidadãos de segunda classe. Esta
complexa realidade ficou evidente após a Primavera Árabe.
A abertura política pós-Mubarak
catapultou a Irmandade Muçulmana e os salafistas (ambos islamistas, de
diferentes vertentes) para um papel de proeminência na política egípcia. Em
2013, após um ano de presidência da Irmandade Muçulmana, veio o golpe liderado
por Abdel Fattah al-Sissi. Muitos coptas apoiaram a nova ditadura.
Quase quatro anos depois, o apoio
minguou. Parte significativa da atuação de Sissi é perseguir o islã político em
todas as suas formas, onde for possível. Em um único dia de agosto de 2013, seu
regime assassinou cerca de mil irmãos muçulmanos a luz do dia, no Cairo, em uma
carnificina comparável ao Massacre da Praça da Paz Celestial, em Pequim, em
1989. Ações como essa exacerbaram a violência sectária no Egito, ampliando a
vulnerabilidade da comunidade copta, uma vez que o Estado, preocupado em
garantir a existência do regime, é incapaz de proteger seus cidadãos.
Coptas
Coptas fazem celebração em igreja incendiada em Minya, em julho de 2016 (Foto: Twitter / @copticulture)
Desde 2013, inúmeras igrejas
foram vandalizadas, mas as comunidades cristãs não receberam autorização para
repará-los. O Estado prometeu se responsabilizar por isso, mas jamais levou a
promessa a cabo. Muitos templos seguem em ruínas e os coptas também não
conseguem erguer novas igrejas.
O processo de autorização é
burocrático a ponto de, na prática, inviabilizar o surgimento de novos templos
cristãos. Uma nova lei aprovada no governo Sissi deveria corrigir isso, mas
acabou dando ainda mais poder para o Estado gerir a comunidade copta.
A violência estatal contra a
religião se junta aos ataques aos fiéis. Em 2016, alguns episódios aterradores
atingiram a comunidade copta. Em maio, uma mulher cristã de 70 anos cujo filho
era "acusado" de ter uma relacionamento com uma muçulmana foi despida
e arrastada pela rua de Minya.
No mês seguinte, famílias cristãs
foram atacadas, um jardim da infância foi incendiado e um padre foi
assassinado. Em julho, uma freira e um farmacêutico coptas foram assassinados.
Em novembro, uma vila cristã foi atacada por uma gangue de 2 mil pessoas após a
notícia de que uma residência funcionaria improvisadamente como templo
religioso.
Todos esses episódios acirraram
os ânimos da comunidade copta, que tem realizado inúmeros protestos contra o
regime. Ocorre que o Egito tem hoje uma das ditaduras mais draconianas do
mundo, que reprime a liberdade de expressão e reunião de maneira contumaz. O
governo teme sua própria população e, dessa forma, os coptas, como o restante
dos egípcios, têm poucas formas de manifestar sua indignação.
Há ainda dois agravantes
importantes. O primeiro é que a cúpula da igreja copta é cada vez mais vista
com suspeição pela própria comunidade. O papa Tawadros II é um ferrenho
apoiador de Sissi, mas suas ações e declarações não escondem a clivagem
existente entre o establishment religioso e a massa.
Sissi e Trump
Sissi e Trump na Casa Branca em 3 de abril. Ao manter apoio a ditadores, o Ocidente patrocina o terror
O segundo complicador é a própria
postura de Sissi. O ditador vende a si mesmo como um campeão do nacionalismo
egípcio, protetor de muçulmanos e cristãos. Seus atos são, no entanto,
meramente simbólicos. Sissi condena a violência contra os cristãos e, em
janeiro de 2015, se tornou o primeiro presidente do Egito desde 1952 a
participar da celebração do Natal copta, festejado em 7 de janeiro.
Na prática, seu regime continua
incapaz de proteger os coptas, mantém a marginalização da comunidade e impede
manifestações por mudanças. Sua "solução" para o ataque do Domingo de
Ramos foi restabelecer o Estado de Emergência, que no Egito é sinônimo de ainda
mais repressão contra toda a população.
De Washington, o presidente dos
Estados Unidos, Donald Trump, que recebeu Sissi na Casa Branca na semana
passada, condenou o ataque. E disse ter "grande confiança de que o
presidente Sissi vai lidar com a situação corretamente". Não vai. Sissi
continuará sendo um bastião do autoritarismo que, em combinação com invasões
estrangeiras e com o radicalismo religioso, transforma o Oriente Médio em um
caldeirão prestes a explodir, como comprova a existência do Estado Islâmico. É
uma situação que penaliza a todos, especialmente os coptas.
O artigo original poderá ser
visto por meio do link abaixo:
Que Deus tenha misericórdia de
todos.
Alexandros Meimaridis
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