O artigo abaixo foi publicado por
Pablo Villaça em sua página no Facebook
Por Pablo Villaça, em seu
Facebook
Em 23 anos de carreira, nunca
recomendei seriamente aos leitores que deixassem de assistir a algo. Por mais
que eu deteste uma obra, não acho que seja uma função do crítico dizer o que o
leitor deve ou não ver - e, além disso, acredito que aprendemos sobre linguagem
mesmo com os filmes ruins (nem que seja pelo contra-exemplo).
No entanto, chegou a hora de
abrir uma exceção e é isto que farei agora. Não porque a produção em questão
seja narrativamente medíocre (embora ela seja, como aponto na crítica), mas
porque é simplesmente perigosa.
Estou falando de Os 13 Porquês,
projeto da Netflix.
Não repetirei aqui tudo o que
falei em meu texto sobre a série e no qual explico porque a considero perigosa
e acredito que, mesmo com boas intenções, tem um potencial imenso de
desequilibrar aqueles que estão lutando para manter o próprio balanço. (Se
tiver interesse em ler, a crítica está em:
Numa campanha de marketing
inteligente (e, de novo, que pode até ser bem intencionada), a Netflix fez uma
parceria de divulgação com o CVV-Centro de Valorização da Vida, cuja
importância já discuti neste espaço várias vezes. No entanto, acho extremamente
cínica a postura da plataforma de usar o aumento das ligações ao CVV como
"comprovação" de que Os 13 Porquês exerce um efeito
inquestionavelmente positivo.
Em primeiro lugar, é ÓBVIO que as
ligações aumentariam: este é o efeito esperado de QUALQUER campanha de
divulgação. Em segundo lugar, as ligações comprovam também algo que venho
afirmando desde o princípio: que Os 13 Porquês tem um imenso potencial para
disparar gatilhos.
Irresponsável em sua abordagem
(de novo: discuto na crítica) e ao encenar com detalhes o suicídio de Hannah, a
série vai de encontro a várias das recomendações feitas pela própria OMS quanto
à forma com que o suicídio deve ser tratado pela mídia.
E, infelizmente, os efeitos
negativos do projeto já podem ser inferidos na prática. Em minha timeline no
Twitter, por exemplo, diversos psicólogos registraram uma preocupação com a
reação de pacientes à série (é só conferir minhas mentions em @pablovillaca), o
mesmo se aplicando a professores do ensino médio. Ainda mais trágica foi a
notícia do suicídio de uma jovem cujo último post no Facebook informava
justamente estar assistindo a 13 Porquês. (Obviamente, não vou mencionar seu
nome ou as circunstâncias específicas, mas confirmei a informação depois de
alertado por um leitor amigo da família.) É claro que apenas o fato de estar
assistindo à série antes de se matar não é algo que estabeleça relação causal,
mas é sugestivo - especialmente se considerarmos a força já estabelecida do
Efeito Werther (se alguém quiser saber mais sobre a origem do termo, sugiro
este artigo
E é por isso que abro a exceção
mencionada no início deste artigo e, como alguém que já escreve há anos sobre
depressão neste e em outros espaços, sugiro enfaticamente aos leitores que
lidam com a doença que NÃO assistam a Os 13 Porquês.
Se você viu a produção e extraiu
dela boas lições, ótimo; mas seja responsável e alerte as pessoas que lidam com
a depressão crônica para o fato de que ela dispara muitos gatilhos.
A ideação suicida já é, por si
só, suficientemente nociva; reforçá-la com narrativas maniqueístas e
irresponsáveis é algo não só desaconselhável, mas também perigoso.
Fiquem bem, mantenham os pés no
chão e lembrem-se: a ajuda está a um clique ou a um número de telefone de
distância: www.cvv.org.br ou 141.
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ATUALIZAÇÃO (EM 09/04/2017, ÀS
15H48):
As centenas de depoimentos
presentes nos comentários abaixo comprovam que a preocupação com os efeitos da
série sobre quem sofre de depressão encontra respaldo na prática. Negar isso
seria negar a coragem de todos aqueles que se expuseram nos comentários
enquanto relatavam suas histórias e suas próprias experiências com a série.
No entanto, há quem ainda assim
prefira se concentrar na academia e em estudos sobre o tema; acho
compreensível, pois também tenho um fraco pela Ciência.
Assim, para contemplar estes
últimos, decidi incluir as referências abaixo. Se você não tem interesse pelos
estudos (analíticos ou descritivos) sobre o tema, apenas ignore o restante
deste post, que trará referências acadêmicas específicas:
Um dos artigos mais citados em
estudos do tipo, por exemplo, é "The impact of suicide in television
movies. Evidence of imitation." (GOULD, MS; SHAFFER, D.), que analisou
estatisticamente a incidência de suicídios entre adolescentes antes e após a
exibição na tevê de filmes que traziam personagens se matando, comprovando,
para além da possibilidade de aleatoriedade estatística, uma relação causal
entre ambos.
(Este estudo, por sinal, foi
publicado no The New England Journal of Medicine.)
Outro estudo relativo ao efeito
Werther é "Clustering of teenage suicides after television news stories
about suicide." (PHILLIPS, DP, CARSTENSEN, LL), que, embora parta da
análise da influência de notícias sobre suicídios, também aborda o possível
impacto entre histórias envolvendo suicídios e aumento de ideação suicida - e
correlações estatísticas foram encontradas em ambos os casos.
É possível, porém, argumentar que
os estudos anteriores datam da década de 80 e que, portanto, podem não refletir
o mundo contemporâneo. Ok, seria um argumento válido.
Assim, recomendo o estudo
"Exposure to Suicide Movies and Suicide Attempts." (STACK, Steven;
KRAL, Michael; BOROWSKI, Teresa), publicado em 2014. Neste estudo, os autores
avaliaram não só a exposição de adolescentes a filmes que retratavam o estudo,
mas tiveram o cuidado de incluir controles importantíssimos como religião,
histórico de depressão e outros aspectos demográficos.
O achado deste estudo? "Uma
análise de regressão logística multivariada determinou que, já incluindo outros
fatores de controle, para cada EXPOSIÇÃO ADICIONAL A UM FILME (QUE RETRATA O
SUICÍDIO) O RISCO DE TENTATIVA DE SUICÍDIO AUMENTAVA EM 47,6%". Agora o
elemento mais importante do estudo: a variável recorrente empregada no estudo foi
"tentativa anterior de suicídio".
Em outras palavras: EXATAMENTE o
grupo que alertei para o risco de assistir à série.
Para finalizar, recomendo também
o estudo "Suicide and the entertainment media" (PIRKIS, Jane; BLOOD,
Warwick). O que este estudo em particular tem de curioso é o fato de que se
concentrou na tarefa de quantificar e avaliar os achados de dezenas de outros estudos
sobre o tema para definir se havia alguma consistência entre eles. (Este estudo
é de 2010; portanto, não considera o que citei logo acima, que veio quatro anos
depois.)
Para isso, eles consultaram TODOS
os estudos publicados nas seguintes bases desde o momento de sua criação até a
data da análise (2010): MEDLINE, PSYCHLIT, COMMUNICATION ABSTRACTS, ERIC,
DISSERTATION ABSTRACTS e APAIS. Eles avaliaram também, além da influência de
filmes, a de séries para a TV, de músicas e de peças de teatro. Eles levaram em
consideração as metodologias de CADA estudo, sua natureza (descritiva ou
analítica), e conferiram pesos a pontos como consistência, temporalidade,
especificidade e coerência. Ao todo, avaliaram quase 50 estudos: 27 sobre
filmes e séries; 19 sobre música e o único encontrado sobre teatro. A
conclusão: "Estudos adicionais são necessários, mas "há evidências da
associação entre a representação de suicídio na MÍDIA DE ENTRETENIMENTO e
comportamento suicida real".
Agora, MESMO depois de todas
estas evidências, é claro que alguém pode dizer "Mas não há uma
comprovação definitiva, 'apenas' a (forte) indicação da existência de uma
correlação!".
E minha resposta seria: isto já é
o suficiente para adotar a atitude de alertar aqueles que sofrem de depressão
para o perigo em potencial de 13 Porquês. A vida é preciosa demais para esperar
comprovações "definitivas".
Abraços,
Pablo
------------------------------
ATUALIZAÇÃO 2 (em 09/04, às
21h25):
Quero recomendar dois textos
adicionais: um do site The Mighty
(https://themighty.com/…/thirteen-reasons-why-jay-asher-sui…/)
e outro escrito pelo psiquiatra brasileiro
Luís Fernando Tófoli:
O artigo original poderá ser
visto por meio do link abaixo:
https://www.facebook.com/pablovillaca01/posts/1069416173163608
ARTIGO QUE TRATAM DO SICÍDIO
http://ograndedialogo.blogspot.com.br/2016/09/suicidio-falar-e-melhor-solucao.html
http://ograndedialogo.blogspot.com.br/2015/10/suicidio-uma-seria-questao-de-saude.html
http://ograndedialogo.blogspot.com.br/2016/09/suicidio-e-mesmo-uma-saida.html
http://ograndedialogo.blogspot.com.br/2016/09/pastores-que-cometem-suicidio.html
http://ograndedialogo.blogspot.com.br/2013/12/pastor-de-mega-igreja-em-orlando-comete.html
http://ograndedialogo.blogspot.com.br/2015/11/suicidas-potenciais-sao-ensinados.html
http://ograndedialogo.blogspot.com.br/2017/01/o-relogio-mundial-mortes-por-acidentes.html
ARTIGO QUE TRATAM DO SICÍDIO
http://ograndedialogo.blogspot.com.br/2016/09/suicidio-falar-e-melhor-solucao.html
http://ograndedialogo.blogspot.com.br/2015/10/suicidio-uma-seria-questao-de-saude.html
http://ograndedialogo.blogspot.com.br/2016/09/suicidio-e-mesmo-uma-saida.html
http://ograndedialogo.blogspot.com.br/2016/09/pastores-que-cometem-suicidio.html
http://ograndedialogo.blogspot.com.br/2013/12/pastor-de-mega-igreja-em-orlando-comete.html
http://ograndedialogo.blogspot.com.br/2015/11/suicidas-potenciais-sao-ensinados.html
http://ograndedialogo.blogspot.com.br/2017/01/o-relogio-mundial-mortes-por-acidentes.html
Que Deus abençoe a todos.
Alexandros
Meimaridis
PS. Pedimos a
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através do seguinte link:
Desde já
agradecemos a todos.
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