domingo, 25 de outubro de 2015

A CRISTANDADE E A ESCRAVIZAÇÃO DA RAÇA NEGRA


O artigo abaixo foi publicado pelo CRI — Christian Reserach Intstitute — e é de autoria do professor de história Jeffrey B. Russell. O material foi traduzido pelo blog “O Grande Diálogo”.

CRISTANDADE E ESCRAVIDÃO DOS NEGROS

A escravidão tem existido em praticamente todas as sociedades desde o início do que chamamos de civilização até os dias de hoje. Mesmo em nossos dias, quando tal prática é universalmente considerada ilegal, a mesma continua sendo praticada ilegalmente em todos os lugares.  Escravos podem ser cativos conquistados numa guerra, ou os filhos desses povos conquistados nessas mesmas guerras. Como escravos são tratados como “mercadorias” e podem ser comprados e vendidos. Algumas vezes encontramos famílias que vendem seus filhos como escravos. As condições da escravidão variam de acordo com o tempo e o lugar. Muitos não têm nenhum direito e podem ser torturados e mortos de acordo com a vontade de seus proprietários. Outros têm certos direitos garantidos, e alguns, especialmente na Antiguidade, podiam alcançar a libertação e, ocasionalmente, adquirirem fortunas e poder, mas a crueldade e a indiferença é sempre a maior das características. As condições de transporte em navios negreiros europeus e caravanas árabes eram degradantes no limite máximo. Os que morriam eram descartados como “lixo” e nas rotas marítimas os tubarões conheciam os navios negreiros e os seguiam de perto aguardando o lançamento de corpos ao mar. A persistência de tamanha perversidade é uma das maiores característica da queda da raça humana no pecado.

A história da cristandade com relação à escravidão pode ser dividida em quatro períodos:

1) Dos dias de Cristo até o ano 400 d.C aproximadamente.

2) De 400 d.C até 1500 d.C.

3) De 1500 até 1750.

4. De 1750 em diante.

ESCRAVIDÃO E A CRISTANDADE PRIMITIVA

A escravidão era comum entre os antigos israelitas, como também na grande maioria das sociedades daqueles dias. Não temos nenhum registro de Cristo ter falado qualquer coisa acerca da escravidão, mas suas atitudes e suas palavras acerca do amor de Deus por suas criaturas tinham fortes implicações quanto a tal prática. Paulo afirmou que senhores e escravos têm a mesma importância diante de Deus — ver Efésios 6:9. Os apóstolos enfrentaram uma situação nos impérios persa e romano, onde a cristandade se estabeleceu primeiro e onde a escravidão era universalmente praticada. O ensino apostólico, como o do próprio Senhor Jesus, não possuía uma agenda social ou política específica. O objetivo de Jesus e dos apóstolos era trazer todas as pessoas de todas as nações, condição social e cor da pele para dentro do reino de Deus. Uma vez que a escravidão era uma realidade social, os apóstolos ensinavam que o s senhores deveriam tratar bem seus escravos e que os escravos deveriam ser obedientes aos seus senhores — ver Efésios 6:5; Colossenses 3:22; 4:1; 1 Timóteo 6:1; 2 Pedro 2:18.

A compra e a venda de escravos — dando a eles desse modo o mesmo tratamento de objetos ou animais foi condenado no Novo Testamento como um pecado egrégio — ver 1 Timóteo 1:10. Os próprios escravos consideravam a cristandade um certo progresso em sua condição, uma vez que um bom número de escravos estavam entre os primeiros convertidos à fé cristã. Uma vez que a maioria dos cristãos eram relativamente pobres, poucos tinham condições de manter escravos. Os ensinamentos cristãos contra a prática da escravidão foram gradualmente crescendo até os anos 300 d.C. e a escravidão como instituição foi condenada como pecaminosa por Agostinho de Hipona — 354—430 — no Oriente e por João Crisóstomo — 347—407 — no Ocidente e também por outros líderes cristãos. A cristandade se estabeleceu como religião no império romano no ano 395 d.C., e por volta do ano 400 d.C., a escravidão se encontrava num declínio acelerado. Essa melhora foi causada em parte por causa da moralidade cristã; em parte por causa do crescimento da população germânica que não tinha escravos e, parcialmente, porque o declínio militar do império romano estava produzindo menos prisioneiros e, consequentemente menos escravos. Nesse meio tempo os cristãos começaram a pressionar as autoridades a favor dos direitos dos escravos. Os escravos podiam participar juntamente com outros cristãos dos momentos de adoração do povo de Deus sem que se fizesse nenhuma distinção entre eles e as pessoas livres. Escravos podiam servir o povo na capacidade de diáconos e presbíteros, e não foram poucos os que chegaram a ser nomeados bispos. O casamento dos escravos era reconhecido e permitia-se o casamento de escravos com pessoas livres.

A CONQUISTA ISLÂMICA E A ESCRAVIDÃO

Durante a Idade Média, havia pouca escravidão em terras da cristandade. Entretanto, durante os anos 600 e 700, a conquista de territórios controlados pela cristandade pelo Islã, que começando no Oriente Médio se estendia pela África, Espanha e Ilhas do Mediterrâneo, acabou por reintroduzir a escravidão onde a cristandade havia erradicado a mesma.

As únicas terra da cristandade que mantinham escravos eram os territórios adjacentes às terras controladas por muçulmanos. Chamamos essas áreas de infectadas pelos vizinhos. O próprio Maomé tinha escravos, e os muçulmanos estavam acostumados tanto com escravos brancos como negros. A escravidão foi algo legal em muitos países árabes tendo sido abolida na Arábia Saudita apenas em 1962 e na Mauritânia em 1981. Estima-se que cerca de 15 milhões de escravos foram levados para países árabes oriundos da região do Saara e regiões mais ao sul da África. Na Europa a escravidão tornou-se praticamente extinta depois de 700 d.C. Todavia, ao que parece, alguns escravos continuavam existindo em partes da Europa, pois nos anos 800 ouvimos falar duma rainha francesa que tentou abolir a escravidão por completo.

A “servidão” que era muito comum na Europa era tanto essencialmente quanto na prática, diferente da escravidão. Esses servos eram, quase sempre, trabalhadores agriculturais. Apesar dos servos estarem ligados a seus senhores para produzir bens e serviços a favor dos mesmos, e mesmo que não pudessem se ausentar dos domínios de seus senhores sem a autorização expressa dos mesmos, ainda assim tinham certos direitos fundamentais garantidos: eles podiam se casar, podiam comprar e vender bens que lhes pertencessem e não podiam nem ser torturados ou mortos. Teólogos da cristandade, especializados na história da Idade Média, raramente abordam a questão da escravidão uma vez que a mesma era, de fato, muito rara, mas quando escreveram acerca desse assunto eles foram bem claros em afirmar que tal prática era um grave pecado, tanto contra a lei natural quanto com relação a Lei divina. Tomás de Aquino que viveu entre 1225—1274, afirmou que a escravidão era contrária à lei natural por causa do fato de que Jesus morreu por todos os seres humanos de forma igual.

O AUMENTO DA ESCRAVIDÃO POR MEIO DA INSTALAÇÃO DE PORTOS

A partir dos anos 1400, os interesses econômicos e políticos triunfaram sobre a moralidade, pois a escravidão, mais uma vez, tornou-se algo muito lucrativo, e passou a ser praticada em grande escala. Durante a Idade Média o comércio com as Índias e com a China era conduzido através da, assim chamada, Rota da Seda, que atravessava o Oriente Médio e a Ásia Central. Mas esse caminho era longo, perigoso e frequentemente bloqueado por forças hostis. No século XV os portugueses, pioneiros marítimos da Europa, estabeleceram uma rota marítima dando a volta pelo sul da África e seguindo em direção para o Leste, o que se tornou na maior rota comercial com o Oriente.

Tal rota passava por muitos portos onde existiam escravos negros. O fato de que negros africanos mantinham escravos é atualmente considerado como algo politicamente incorreto de ser mencionado, mas trata-se de fato, e ninguém está aqui fazendo qualquer tipo de afirmação quanto a depravação por parte dos africanos, uma vez que, praticamente quase todas as sociedades — chineses, maias, astecas, árabes, nativos estadunidenses, mongóis, gregos, romanos — tinham escravos. Os negros africanos, como os romanos e os persas antes deles, faziam escravos de territórios conquistados. Os portugueses não tinham nenhum tipo de escrúpulo de comprar esses escravos negros e foi, exatamente, um navio português que trouxe os primeiros escravos negros para a Europa em 1441. A partir daí, a vasta maioria de escravos na Europa eram duma única raça: negra. Assim que os africanos souberam que os europeus estavam dispostos a adquirir escravos negros, eles trouxeram cada vez mais e mais negros para serem vendidos nos portos da África. Por volta de 1600 os próprios europeus haviam se instalado nas costas da África e passaram a “produzir” seus próprios escravos no Oeste daquele continente. A perversidade da escravidão moderna da raça negra teve, então, seu início.

Logo a Espanha, França, Inglaterra e outros países de Europa estavam participando do tráfico de escravos. Nos 1500 os europeus fizeram diversas tentativas para  escravizar os povo indígenas das Américas do norte e do sul, mas isso provou-se uma atividade de pouco lucratividade, o que fez com que os negros africanos se tornassem, quase que exclusivamente, nos seres favoritos para servirem como escravos. Os primeiros escravos vindos da África chegaram na América do Norte a bordo de um navio holandês que aportou na cidade de Jamestown, na Virgínia, em 1619. Até a proclamação da abolição da escravatura nos EUA, cerca de 15 milhões de escravos negros e escravas negras foram transportados, como animais, através das águas do Atlântico. Outro tanto foi transportado para o norte pelos mercadores árabes. O número de trinta milhões excede até mesmo os piores genocídios. E esse número não inclui a enorme quantidade de seres humanos negros que morreram antes de chegarem nos portos de destino. Seus corpos mortos eram lançados no mar, de forma inclemente, onde eram devorados por tubarões que costumavam seguir os navios desde a saída e ficavam atrás dos mesmos durante toda a viagem. Holandeses e ingleses eram bem mais ativos no tráfico de negros do que portugueses e espanhóis, apesar dos portugueses terem levado cerca de três milhões e meio de negros até o Brasil. Em 1849 quase metade da população do Rio de Janeiro era de negros africanos.

OS CRISTÃOS CONDENAM A ESCRAVIDÃO

A condenação da escravidão pelos verdadeiros cristãos seguiu, imediatamente, o renascimento de tal prática desumana e imoral. Apesar do Papa Nicolau V ter concedido permissão em 1452 para que “cristãos” escravizassem muçulmanos e prisioneiros pagãos, essa era uma verdadeira aberração papal. Em 1435 Eugênio IV excomungou os “cristãos” que estavam escravizando os habitantes das ilhas canárias — o mais antigo reduto português e espanhol no Atlântico —; em 1462 Pio II declarou a escravidão como “um grande crime”; em 1537, Paulo III exigiu a libertação de todos os índios estadunidenses, como também fez Gregório XIV em 1591. Urbano VIII — 1623—1644 — condenou toda espécie de escravidão, incluindo a de pessoas negras e a santa inquisição adotou a mesma postura em 1686. Apesar da cristandade declarar a escravidão como algo imoral, muitos “cristãos” preferiam o lucro à teologia moral.
  
A ação melhor sucedida, do ponto de vista prático, contra a escravidão foi feita por Jesuítas católicos no Paraguai, onde de 1609 até 1768 eles criaram uma República livre para os índios guaranis. Essa república foi completamente destruída por ordem das coroas da Espanha e Portugal atendendo a exigências de escravagistas locais.

Condenações teológicas e até mesmo oficiais tiveram pequeno ou nenhum impacto em um comércio que não parava de crescer e se tornava cada vez mais lucrativo, por causa das extensas plantações de cana e de tabaco nas Índias Ocidentais e também nas ilhas do mar do Caribe, onde as condições dos escravos era bastante agravada, pois tinham que trabalhar em grupos, sob os olhares de feitores a serviço dos proprietários, que se encontravam na Europa. Dentre os códigos civis europeus que regulavam a escravidão o Código Negro Espanhol era o mais leniente, pois permitia o gozo de feriados, o direito de vender o excesso produzido além daquilo exigido pelos proprietários e também respeitava o casamento entre os escravos.  Já o Código Noir dos franceses era bem mais restrito e o Código de Barbados, dos ingleses, nas Índias Orientais era o mais perverso, pois permitia a tortura e até mesmo o assassinato dos escravos. Tudo isso, apesar do entendimento cristão, que os ingleses alegavam seguir, afirmar que a escravidão violava a liberdade de consciência e a integridade da alma e do corpo.

Teólogos podem ter debatido, se algum deles participou, de fato nesse debate, se os negros tinham alma, mas na prática os negros eram tratados como se não tivessem alma. De fato, muitos senhores de escravos procuravam conduzi-los à cristandade, para que aprendessem a colocar a esperança da liberdade no outro mundo. Depois da proclamação da independência dos EUA, quando a cultura do algodão tornou-se a principal do sul da daquele país, o uso da mão de obra escrava e negra se transformou em algo muito maior e bem mais abusivo. Enquanto muitos escravos da casa grande eram tratados relativamente bem, os escravos no campo eram tratados de forma desumana, como engrenagens na enorme máquina industrial que necessitava cultivar e vender algodão, de forma lucrativa. Por volta 1790 havia mais de 292.000 escravos na Virgínia, e mais de 694.000 em todo o país. Apenas o estado de Massachusetts havia abolido a escravidão. O tráfico de escravo nos EUA  tornou-se, então, praticamente, um tráfico interno, ao longo dos rios do interior, particularmente ao longo do rio Mississipi, onde a expressão          "descer o rio" significava seguir numa direção de miséria e morte nos campos de algodão.

À medida que o tráfico de escravos tornava-se cada vez mais e mais desumano, reiteradas vozes começaram a serem ouvidas contra o mesmo a partir de 1750. O iluminismo secular estava divido quanto a questão que envolvia a escravidão. Thomas Jefferson tinha escravos e foi incapaz de libertá-los mesmo quando de sua morte. Para efeitos do censo e do direito de votar, a constituição estadunidense, tão elogiada, originalmente considerava os negros apenas como representando 3/5 de um ser humano. Iluministas como Voltaire, o barão de Montesquieu, o marquês de Mirabeau e Edmund Baker continuavam aceitando a escravidão. Por outro lado, figuras como Adam Smith, Dennis Diderot, Jacques Turgot, Samuel Johnson e o marquês de Condorcet condenavam a mesma. Nessa época verdadeiros cristãos se encontravam sempre nas frentes de luta contra o comércio de escravos, bem como da própria escravidão. Em 1754, o quacre John Woolman lançou uma cruzada contra o comércio de escravos dentro dos EUA, e já em 1771 o estado de Massachusetts tornou ilegal a importação de escravos. Em 1791 o estado da Carolina do Norte declarou a morte de um escravo como assassinato, e o estado da Geórgia fez o mesmo em 1816. Na Inglaterra, William Wilbeforce — 1759—1833 —fundou a Sociedade pela Abolição do Tráfico de Escravos em 1787, algo que teve todo o apoio de John Wesley — 1703—1791 — fundador do metodismo.

O movimento contra a escravidão teve duas fases: primeiro, a abolição do tráfico. E, segundo — depois do primeiro objetivo ter sido alcançado — a abolição da instituição da escravatura e a consequente libertação de todos os escravos. Sob uma pesada pressão moral por parte dos cristãos, países protestantes tornaram ilegal o tráfico de escravos: a Dinamarca em 1803; o Reino Unido em 1807; os EUA  em 1808; e a Holanda em 1848. Do lado católico romano, Pio VII exigiu a abolição de todo o tráfico em 1815 e em 1839 Gregório XVI enviou uma carta pastoral endereçada a todos os católicos condenando todo tipo de escravidão. A França aboliu o tráfico de escravos em 1831.

Os reformadores agora se voltaram para a abolição da escravatura. A Sociedade Contra a Escravidão dos EUA foi fundada em 1833 — a maioria dos seus membros eram pastores protestantes — e o Partido do Solo Livre foi fundada em 1848. Em 1833 o Reino Unido aboliu a escravidão por completo, como também fez a França em 1848. Nas repúblicas espanhol-americanas a escravidão foi abolida primeiro na Argentina em 1813 e por último na Venezuela em 1854. Notoriamente, os Estados Unidos da América não aboliu a escravidão até 1865, mas escritores abolicionistas tais como Lyman Beecher, Lucy Stone, Charles Finney e William Lloyd Garrison agitaram as consciências do protestantes do norte do país.

Um dos mais severos golpes contra a escravatura foi a obra escrita pela filha de Lyman Beecher, Harriet, intitulada "A Cabana do Pai Tomás" em 1852. Sejam quais tenham sido as várias causas da Guerra Civil nos EUA, a mesma foi em primeiro lugar uma guerra contra a escravidão. A Espanha não aboliu a escravidão em Cuba até 1886, e o Brasil foi a última nação chamada cristã a abolir os escravos em 1888.

Historiadores seculares, geralmente por questões ideológicas procuram diminuir, de maneira grosseira, a importância da fé cristã nos processos de abolição da escravidão. É muito importante notar que a escravidão era imensamente lucrativa tanto no Caribe quanto no sul do EUA, e isso custou aos governos enormes valores a título de compensação pelo "confisco" de suas propriedades. Os interesses econômicos e políticos seguiram o dinheiro, por isso havia pouco ou nenhum interesse na abolição dos escravos. O verdadeiro interesse estava centrado, quase que exclusivamente, na moral dos líderes cristãos que deram início e alimentaram os movimentos de direitos civis até os anos 1960 do século XX. Agora, uma vez que a escravidão continua a existir em muitas outras formas, ainda há muito para ser feito.

Jeffrey B. Russell é professor de história e publicou 19 livros. Sua última obra foi "Exposing Myths About Chistianity" ou "Expondo os Mitos Acerca da Cristandade". O livro foi publicado pela Inter-Varsity Press em 2012.

O arquivo original poderá ser visto por meio desse link aqui:


A tradução do material acima é do Blog O Grande Diálogo.

Que Deus abençoe a todos.

Alexandros Meimaridis

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