Uma abordagem baseada na história da reforma do século XVI e no texto bíblico de 1 Pedro 1:22—2:10.
Introdução
Dentro de alguns anos
— em 2017 — iremos comemorar o 500º aniversário da Reforma do Século XVI. Com
tantas mudanças que o mundo experimentou nestes últimos cinco séculos, seria o
caso de nos perguntarmos: Terá ainda
razão de ser o nosso movimento? Justifica-se ainda o protestantismo?
A realidade nos
mostra que, passados tantos anos, as verdades fundamentais e solenes
redescobertas pelos reformadores continuam sendo desprezadas, tanto fora quanto
dentro do movimento evangélico. Podemos exemplificar isso com um dos grandes
princípios acentuados pela Reforma: “Solo Christus” ou a plena centralidade e
exclusividade de Cristo como único e suficiente Salvador, o único mediador
entre Deus e a humanidade.
1
Timóteo 2:5
Porquanto
há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem.
Atos
4:12
E
não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro
nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos.
A igreja contra a
qual se insurgiram os reformadores continua hoje, quase meio milênio mais
tarde, a negar a Cristo um lugar exclusivo na fé, no culto e na devoção dos
seus fiéis. Por causa da ênfase antibíblica no culto a Maria e aos santos,
Jesus Cristo ocupa um lugar inteiramente secundário na vida e devoção de
milhões de brasileiros que se dizem cristãos.
Quando estudamos o desenvolvimento histórico
daquilo que a Igreja Católica Apostólica Romana chama de “dogmas marianos”, nós
podemos perceber um processo bastante evidente que visa tornar Maria igual ao
seu filho Jesus. A tabela abaixo não deixa nenhuma sombra de dúvida:
Ensinamentos
|
Relativos a Jesus
|
Relativos a Maria
|
Concepção sem mácula pelo pecado
original
|
Sim
|
Sim
|
Vida sem pecado
|
Sim
|
Sim
|
Trabalho
terminado como
Redentor
e Mediador
|
Sim
|
Sim
|
Subiu
ao Céu com corpo glorificado
|
Sim
|
Sim
|
Fonte
de vida
|
Sim
|
Sim
|
Senhor
e Rei
|
Sim
|
Sim
|
Dispensador
da graça de Deus
|
Sim
|
Sim
|
Alvo
de orações, confiança e devoção
|
Sim
|
Sim
|
A lista acima é cristalina no que diz respeito às
intenções da Igreja Católica Apostólica Romana de transformar Maria em alguém
igual ao próprio Filho de Deus. A situação se agrava quando percebemos, de
forma bastante descarada, que Maria ocupa um lugar, na prática do dia a dia,
muito mais central na devoção dos membros da Igreja Romana do que aquele
dedicado ao Filho de Deus. A Igreja Roamana, começando pelos exemplos
estabelecidos pelos seus sumos pontífices, tem permitido que o culto a Maria,
independente do nome atribuído a tal culto – Hiperdulia – se transforme em uma
verdadeira e inconveniente “Mariolatria”, que é promovida em todos os níveis da
sua instituição através das artes, das festas, das formas litúrgicas e da
adoração.
Mas as antigas
verdades essenciais recuperadas pelos reformadores também têm sido ignoradas
dentro das igrejas evangélicas. Se os reformadores voltassem à terra hoje,
ficariam chocados com certas doutrinas e práticas correntes entre os
evangélicos e com a sua falta de entusiasmo pelas importantes convicções
redescobertas no século 16.
Essas razões já são
suficientes para justificar a atual relevância e necessidade da obra
restauradora realizada pelos pioneiros da Reforma no século XVI. Um aspecto
interessante desses pioneiros é o fato que eles, embora compartilhassem os
mesmos princípios, tiveram diferentes experiências, que os levaram também a
diferentes ênfases nos princípios que defenderam.
Gostaríamos de
ilustrar três desses princípios através da experiência de três grupos
reformados, tomando como ponto de partida os capítulos iniciais da primeira
carta de Pedro.
Nessa carta, o
apóstolo lembra aos cristãos da Ásia Menor os fatos centrais da sua fé (1:3—12)
e suas implicações para a vida (1:13—17). Em seguida, ele fala sobre as
conseqüências disso para a sua identidade como grupo, como povo de Deus (1:22—2.10).
Vemos nessa passagem três grandes ênfases da Reforma.
1.
Graça e Fé
Martinho Lutero
O fundamento da vida
cristã é o fato que somos salvos pela graça de Deus, recebida por meio da fé.
Deus nos amou e por isso nos deu seu Filho; crendo nesse amor e nesse Filho,
somos salvos. Essa é uma das ênfases mais importantes do capítulo inicial de 1
Pedro, especialmente nos versos 18—21, mas também em vários outros versículos.
Esse ponto reúne três grandes princípios esposados pelos reformadores: “solo
Christus”, “sola Gratia” e “sola Fide”. Embora não encontremos aqui uma
referência explicita à justificação pela fé, como acontece nas cartas aos
Romanos e aos Gálatas, a mesma está pressuposta em todo o contexto.
O reformador que teve
uma experiência pessoal e profunda dessas verdades foi Martinho Lutero.
Inicialmente, seu pai desejou que ele seguisse a carreira jurídica. Num dia de
intensa tempestade, ao escapar por pouco da morte, fez um voto a “Santa Ana”,
de que entraria para a vida religiosa se saísse ileso daquela situação. Logo
depois de acalmada a tempestade, Lutero, fiel à promessa que fizera, ingressou
em um mosteiro agostiniano e pôs-se a lutar pela sua salvação. Por anos buscou
a mesma através de rezas e penitências, incluindo uma vista à cidade de Roma,
mas sem conseguir alcançara a paz interior que tanto almejava. Isso durou até
que, ao estudar a Epístola aos Romanos, deparou-se como a promessa que “o justo viverá pela fé” (Rm 1:17). Através
desse texto Lutero teve uma nova visão de Deus e da salvação. Essa já não era o
alvo da vida, mas o seu fundamento. Essa nova convicção o levou a questionar a
teologia medieval e a iniciar o movimento da Reforma.
Isso nos mostra a
importância de uma vida de fé, na plena
dependência da graça de Deus, mas também de uma vida de compromisso, que se
manifesta na forma de frutos que honram a Deus.
2.
A Palavra de Deus
João Calvino
A seção seguinte de 1
Pedro contém outra ênfase importante dos reformadores: a centralidade da
Palavra de Deus ou “Sola Scriptura” (1:23—25). A Palavra de Deus é a mensagem
que nos fala da graça de Deus e da redenção realizada por Cristo, e nos convida
a crer nesse amor. Essencialmente, é o “evangelho” — verso 12 — também descrito
como a “verdade” — verso 22. Essa palavra ou evangelho é viva, permanente e
eficaz porque é a própria “Palavra do Senhor”.
Se o item anterior
nos faz pensar em Lutero, esse nos lembra de modo especial João Calvino.
Calvino não teve uma experiência dramática de conversão como Lutero. Sua
experiência foi profunda, mas sem grandes lutas interiores. Ele mesmo pouco
escreveu sobre o assunto, dizendo apenas que teve uma conversão repentina —
chamada de conversio subita. Mas
desde o início esse reformador foi tomado por uma forte convicção acerca da
majestade de Deus e da importância da Sua Palavra. Calvino foi, dentre todos os
reformadores, aquele que mais energias dedicou ao estudo e à exposição
sistemática das Escrituras – nas Institutas, nos seus comentários bíblicos, em
suas preleções e em seus sermões. Suas obras escritas são extensas e Calvino
pregou um sermão em cada capítulo da Bíblia, com exceção do Livro do Apocalipse,
o qual ele considerava um livro “fechado”.
Nos seus escritos,
Calvino insiste na suprema autoridade das Escrituras em matéria de fé e vida
cristã — Sola Scriptura. Essa autoridade decorre do fato que Deus mesmo nos
fala na sua Palavra. Ele faz uma distinção interessante entre Escritura e
Palavra de Deus, ao dizer que é somente através da atuação do Espírito Santo é
que a Escritura é reconhecida pelo pecador como a Palavra de Deus viva e
eficaz.
1 Coríntios 2:12—16
12 Não foi o espírito
deste mundo que nós recebemos, mas o Espírito mandado por Deus, para que
possamos entender tudo o que Deus nos tem dado.
13 Portanto, quando
falamos, nós usamos palavras ensinadas pelo Espírito de Deus e não palavras
ensinadas pela sabedoria humana. Assim explicamos as verdades espirituais aos
que são espirituais.
14 Mas quem não tem o
Espírito de Deus não pode receber os dons que vêm do Espírito e, de fato, nem
mesmo pode entendê-los. Essas verdades são loucura para essa pessoa porque o
sentido delas só pode ser entendido de modo espiritual.
15 A pessoa que tem o
Espírito Santo pode julgar o valor de todas as coisas, porém ela mesma não pode
ser julgada por ninguém.
16 Como dizem as
Escrituras Sagradas: “Quem pode conhecer a mente do Senhor? Quem é capaz de lhe
dar conselhos?” Mas nós pensamos como Cristo pensa — NTLH.
Esse ponto nos mostra
a necessidade de obediência à Palavra do Senhor para vivermos uma vida cristã
genuína e frutífera.
3.
Sacerdócio Real
Menno Simons
Finalmente, Pedro
fala da grande dimensão comunitária da nossa fé. Unidos a Cristo e alimentados
por sua Palavra (2:2—4), somos chamados a viver como edifício de Deus e como
povo de Deus (2:5, 9). Nas duas referências, os cristãos são descritos como
sacerdócio: “sacerdócio santo” e “sacerdócio real”. A conclusão é óbvia: todo
cristão é um sacerdote. Não existe mais a distinção entre “sacerdotes” e “não
sacerdotes” ou “leigos” como existia no Antigo Testamento, mas agora todos têm
acesso livre e direto à presença de Deus, por meio de Cristo.
Hebreus
10:19—22
19
Tendo, pois, irmãos, intrepidez para entrar no Santo dos Santos, pelo sangue de
Jesus,
20
pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou pelo véu, isto é, pela sua
carne,
21
e tendo grande sacerdote sobre a casa de Deus,
22
aproximemo-nos, com sincero coração, em plena certeza de fé, tendo o coração
purificado de má consciência e lavado o corpo com água pura.
Esse sacerdócio deve
ser exercido principalmente em duas áreas: no culto e na proclamação. Todos os
crentes podem e devem oferecer “sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por
intermédio de Jesus Cristo” — verso 5; todos os cristãos devem proclamar as
virtudes daquele que o chamou das trevas para a sua maravilhosa luz — verso 9).
Os que conhecem
alguma coisa sobre a Reforma reconhecem facilmente aqui o princípio do
“sacerdócio universal dos crentes”. Um grupo reformado que ilustra muito bem
essa verdade são os menonitas. Todos os protestantes valorizaram o sacerdócio
universal dos crentes, mas essa realidade foi especialmente importante para
esse grupo que dura até os dias de hoje. Os menonitas insistem que a igreja
devia ser uma associação voluntária de crentes, inteiramente separada do Estado
e caracterizada pela mais plena igualdade e solidariedade entre todos. Uma bela
aplicação do ensino de que todo cristão é um sacerdote de Deus.
Esse aspecto nos
mostra a importância da comunhão cristã no corpo de Cristo.
Conclusão
A Reforma do Século
16 foi, mais que uma simples reforma, uma obra de restauração. Restauração de
antigas verdades que haviam sido esquecidas ou obscurecidas ao longo dos
séculos, e que agora foram recuperadas. Essa obra deve continuar a cada nova
geração, seguindo um lema dos reformadores: “Ecclesia reformata, semper
reformanda” ou igreja reformada, sempre se reformando.
Louvemos a Deus e
honremos a memória dos nossos antepassados na fé resgatando esses valores e
vivendo de acordo com os mesmos nos dias atuais. Tornemos nossa fé relevante
para os nossos contemporâneos, sem fazer concessões que comprometam a pureza do
evangelho de Cristo.
Somos herdeiros de
uma herança majestosa através desse movimento que brotou no coração do próprio
Deus.
Que Deus Abençoe a
Todos
Alexandros Meimaridis
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Desde já agradecemos a todos.
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