sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

JOSÉ MANOEL DA CONCEIÇÃO: UM CRENTE VERDADEIRO

José Manoel da Conceição - o "Padre Protestante".

O artigo abaixo foi publicado no site da escola Charles Spurgeon e é de autoria de Franklin Ferreira.

José Manoel da Conceição

Nos séculos XVI e XVII, houve duas tentativas para estabelecer colônias protestantes no Brasil, mas o protestantismo brasileiro se originou de um duplo avanço: a imigração estrangeira, de anglicanos ingleses, luteranos alemães e reformados suíços, e a vinda de missionários ingleses e americanos. O protestantismo começou a ser implantado de fato no Brasil com a chegada de um missionário congregacional, o escocês Robert Reid Kalley, ao Rio de Janeiro, em 1855. E o primeiro missionário presbiteriano a chegar ao Brasil foi Ashbel Green Simonton, em 1859. Seu cunhado, Alexander Blackford, chegou em 1860, e Francis Schneider em 1861. Todos eles foram enviados pelas igrejas presbiterianas do norte dos Estados Unidos (PCUSA). Em pouco tempo, já havia igrejas presbiterianas no Rio de Janeiro e em São Paulo, e em 1870 foi fundada o que hoje é uma das mais importantes universidades brasileiras, a Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo.

Mais tarde, chegaram missionários metodistas (em 1867) e batistas (em 1881) ao Brasil. Em 1865, foi ordenado o primeiro ministro evangélico brasileiro, José Manoel da Conceição.

O padre protestante

José Manoel da Conceição nasceu em São Paulo, em 15 de março de 1822, filho de Manoel da Costa Santos e de Cândida Flora de Oliveira Mascarenhas. Logo depois, a família mudou-se para Sorocaba, onde Conceição foi educado por seu tio-avô, o padre José Francisco de Mendonça. Ele escreveu mais tarde:

Fui muito devoto até os 16 anos. Depois que a religião começou a influir no meu coração, comecei a sofrer de melancolia pelo retrospecto que fazia sobre a minha vida passada. [...] Aos 18 anos, comecei a ler a Bíblia. Apenas tinha lido os três primeiros capítulos do Gênesis, quando notei que a prática e a doutrina da igreja romana faziam oposição direta e irreconciliável com aquilo que [eu] amava ou tinha por verdadeiro.

Nessa época, conheceu algumas famílias de protestantes ingleses e alemães que o impressionaram por sua devoção e estudo da Bíblia. Depois de se destacar no estudo da teologia, tendo sido influenciado pelos ensinos jansenistas, José Manoel da Conceição foi ordenado padre, em 1845:

Eu estava destinado ao sacerdócio, mas a leitura da Bíblia e os meus contatos com os protestantes tornaram-me um mau candidato e, depois, um pobre, muito pobre padre católico romano. Todos os outros padres, exceto o bispo, chamavam-me de padre protestante.

A hierarquia católica não confiava nele, de forma que Conceição veio a ser transferido ao gosto das autoridades. Ele foi enviado para Limeira e depois passou a ser transferido de uma paróquia a outra; durante quinze anos serviu em Monte Mor, Piracicaba, Taubaté, Ubatuba, Santa Bárbara e, finalmente, em 1860, em Brotas. Como observou Boanerges Ribeiro, sem que percebesse, o bispado traçava o percurso da Reforma na sua diocese. Em cada uma dessas igrejas, ele se dedicava a reavivar a espiritualidade cristã, centralizando-a na pregação e leitura da Bíblia. Em meados de 1863, Conceição passou por uma profunda crise espiritual, centrada na questão da salvação pela graça e no lugar das obras na vida cristã. Como Martinho Lutero, séculos antes, Conceição condenava as indulgências que proporcionavam uma falsa paz, que “implica e explica a negação da graça de Jesus”. Não sendo possível permanecer no exercício do ministério, foi dispensado de suas funções, indo viver numa casa perto de São João do Rio Claro. “Estudaria primeiro as doutrinas reformadas no sossego da chácara; depois, publicamente professaria a fé em Cristo e enfrentaria a controvérsia subsequente e inevitável.” Alexander Blackford, que ouvira falar do padre protestante, encontrou-o aí. Ele foi batizado na Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro, em 23 de outubro de 1864:

Ao som do harmônio e de vozes humanas que cantavam hinos, eu fui conduzido a uma fonte de águas puras. Imaginem dois anjos... [...]. Tais eram os dois ministros de Deus [Blackford e Simonton] que velavam em meu favor. Levaram-me e me cobriram de bênçãos. Este foi para mim um momento solene.

Por entender que não era suficiente ter abandonado a Igreja Católica, a que ele serviu por tantos anos, uma nova crise começou, por causa da advertência bíblica de não zombar de Deus. Durante algum tempo, Conceição evitou os missionários, fugindo de suas visitas, até que ele ouviu estas palavras:

“O sangue de Jesus Cristo purifica de todo pecado.” Dia a dia, essas palavras tornaram-se mais claras e tiveram mais atração sobre mim. Como despertado de um longo sono, eu sentia que se firmavam em meu espírito essas incríveis palavras e, ao mesmo tempo, operou-se o meu restabelecimento.

A reforma evangélica em Brotas

Brotas foi a última paróquia onde Conceição serviu como padre. Muitos de seus paroquianos haviam conhecido suas lutas espirituais e alguns partilhavam delas. Por isso, depois de ser batizado na Igreja Presbiteriana, Conceição mudou-se para Brotas, a fim de pregar de casa em casa. Como resultado desses esforços, onze adultos e dezessete crianças foram batizados. A Igreja Presbiteriana de Brotas, a terceira fundada no país, desenvolveu-se de maneira extraordinária. Em 1867 possuía sessenta e um membros; cento e dezesseis membros, em 1871, e cento e quarenta membros, em 1874. Esses cristãos pertenciam a diversas famílias da região, sendo que alguns eram ex-escravos. A Igreja de Brotas era, nessa época, uma das maiores igrejas protestantes do Brasil, ao lado da Igreja do Rio de Janeiro. Essa igreja plantou duas outras igrejas presbiterianas, entre elas a da Borda da Mata, fundada em 1869, com o batismo de quinze adultos e vinte crianças, e a de Dois Córregos, constituída de dezenove membros adultos e quinze crianças. O missionário Francis Schneider relatou que dava gosto ver o desejo do povo de Brotas de ouvir e aprender o evangelho. Poucas daquelas pessoas sabiam ler; contudo, muitas faziam um rápido progresso na vida espiritual, e com muito zelo propagavam o conhecimento do evangelho entre os parentes e conhecidos. Era admirável ver gente que não sabia ler falar com tanto acerto e animação sobre a graça de Deus e a salvação que Jesus nos adquiriu. “Foi para mim uma prova evidente de que o evangelho de Jesus Cristo é uma virtude de Deus para tornar sábios os simples, capaz de encher duma sabedoria divina os mais ignorantes que o recebem em seu coração.” Em 16 de dezembro de 1865, Simonton, Blackford e Schneider organizaram, em São Paulo, o Presbitério do Rio de Janeiro, constituído de três igrejas, Rio de Janeiro, São Paulo e Brotas, e ligado ao Sínodo de Baltimore, nos Estados Unidos. No dia seguinte, 17 de dezembro de 1865, Conceição foi ordenado ao ministério pastoral. Ashbel Simonton escreveu:

José Manoel da Conceição, que se achava presente, participou seu desejo de ordenar-se ministro do evangelho de Jesus Cristo. Resolveu o presbitério, respondendo à consulta do moderador, proceder aos exames indispensáveis, interrogando o candidato sobre os motivos que o levaram a desejar o Ministério da Palavra. Feitas várias perguntas sobre as provas que possuía de sua vocação, bem como sobre se adotava cordialmente a confissão de fé presbiteriana, a todas Conceição respondeu [de modo satisfatório], professando-se levado unicamente pelo sentimento de dever e pelo desejo de contribuir para a salvação das almas e a glória de Jesus Cristo.

O evangelista itinerante

Brotas, entretanto, não havia sido a única paróquia em que Conceição serviu. Logo que uma igreja se tivesse constituído, ele passava a visitar outras cidades nas quais havia servido como padre, pregando para auditórios de cem a duzentas pessoas, sem oposição. Em nova viagem, dirigiu-se a Sorocaba, onde ocorreu impressionante resposta ao evangelho — ele enviou a Blackford uma lista com os nomes de noventa pessoas que deveriam ser visitadas como resultado de sua pregação ali. Depois, Conceição regressou a Brotas, começando nova viagem, pregando em Limeira, Campinas, Bragança e Atibaia. Iniciou nova viagem, após chegar a São Paulo, no começo de junho. Ele pregou em São José dos Campos, Caçapava, Taubaté, Pindamonhangaba, Aparecida, Guaratinguetá, Queluz, Rezende, Barra Mansa e Piraí. Daí, foi ao Rio de Janeiro, onde participou da ordenação pastoral de George Chamberlain, mas em meados de julho retomou em sentido inverso sua viagem pelo Vale do Paraíba, chegando a São Paulo no começo de outubro.

Após um mês de pregação em São Paulo, Conceição inicia, no fim de outubro, a evangelização do norte do estado: Cotia, Ibiúna, Piedade, São Roque, Piracicaba, Porto Feliz, Itu e Brotas, onde permaneceu durante algumas semanas, para voltar por Itaquari, Rio Claro, Limeira, Piracicaba, Capivari, Campinas, Bragança, Atibaia, Nazaré, Santa Isabel, chegando em dezembro a São Paulo.

Em fins de janeiro de 1867, começou nova viagem para Jacareí, Taubaté, Pindamonhangaba, voltando por Caçapava, São José, Jacareí, Taubaté e São Paulo. Permaneceu em São Paulo durante uma semana, dirigindo-se, em fevereiro, para o sul de Minas, pregando em Santa Isabel, Nazaré, Santo Antônio da Cachoeira, Bragança, Amparo, Mogi Mirim, Ouro Fino, chegando a Borda da Mata e, depois, a Santa Ana. Em 2 de abril, Conceição recebeu sua sentença de excomunhão, em São Paulo, para onde havia regressado. Ele escreveu uma resposta a essa sentença, dizendo:

A Reforma veio, mas veio de Deus, de Quem só podia vir. Os instrumentos, porém, de que Deus se quis servir, foram os seus servos eleitos, que conhecem, professam e ensinam as puras doutrinas de sua santa Palavra. [...] Quando a Bíblia correr pelas mãos de todos os povos, então se hão de realizar as promessas do Salvador, que a religião dele prevalecerá em toda a terra. Manifestarse-á, então, a universalidade de sua igreja. Gozar-se-ão a paz, a felicidade e prosperidade, prometidas por Deus ao mundo, e aneladas agora pelas nações. Não há reforma possível que não comece por reafirmar: que Cristo crucificado uma só vez no Calvário é a única e suficiente expiação pelo pecado, e já não há mais oferenda pelo pecador; que os méritos de Cristo estão ao alcance de toda a alma contrita e crente; que a essência de uma vida cristã está na reabilitação do homem interior, e não há força capaz de efetuar tal transformação, exceto o Espírito de Deus, com quem estamos em contato imediato. Pedindo, receberemos; buscando, acharemos; batendo, abrir-se-nos-á.

Em maio, partiu novamente em viagem pelos arredores de São Paulo. Depois, dirigiu-se ao Rio de Janeiro, pregando e evangelizando em Copacabana, São Cristóvão e Cascadura. Apresentou, numa reunião do presbitério que se realizava no Rio de Janeiro, no Campo de Santana, um relatório detalhado, no qual seu entusiasmo é evidente:

Nós, porém, que temos visto (com os nossos próprios olhos e ouvido, com os nossos próprios ouvidos) o poder da Palavra de Deus na conversão das almas, quer em sua letra, quer em seu espírito; nós que temos visto as crianças irem, cantando e saltando, quebrar os ídolos de seus pais, e outras, pregando com a Bíblia nas mãos a seus pais e vigários; nós sabemos, e com júbilo vos anunciamos que a evangelização em nosso país é a realidade mais benéfica em todos os resultados; e temos confiança, e ansiosamente desejamos vê-la progredir, concorrendo com quanto houver em nossas poucas forças para que mais e mais Jesus Cristo ganhe almas para sua glória.

Conceição fez várias viagens no decurso de um ano. Mas seu estado de saúde começou a declinar. Os membros do presbitério, que acabavam de ouvir seu relatório, entenderam ser necessário que ele descansasse e o enviaram para os Estados Unidos, para que expusesse lá o trabalho realizado no Brasil. Conceição partiu em agosto de 1867. Nos Estados Unidos, ele esteve pregando durante oito meses nas igrejas portuguesas de Jacksonville e Springfield, em Illinois. Ele também se dedicou a preparar traduções de livros e a revisão de uma versão em português do Novo Testamento, para a Sociedade Bíblica Americana.

Francisco de Assis do Brasil

Em 1868, Conceição regressou ao Brasil, participando da reunião do presbitério realizada em São Paulo. Mas ele retomou as viagens e, no fim de outubro, foi ao Rio de Janeiro, passando por Angra dos Reis e Parati. Depois, pregou em Cunha e Lorena, onde houve perseguição. Em janeiro de 1869, partiu para Atibaia, Bragança, Amparo, Socorro e São José dos Campos. Em julho, voltou a São Paulo, onde participou de mais uma reunião do presbitério. Mas, como disse Alderi Matos, “o trabalho havia mudado durante a estada de Conceição no exterior. A ênfase era outra: não mais o febril desbravamento, mas a consolidação em torno de alguns centros. Seu relatório foi considerado demasiado longo e recebido com certo desinteresse”. Assim, daí por diante, Conceição fazia sozinho suas viagens de pregação, como havia feito no começo. Ainda de acordo com Alderi Matos, “nunca mais ele teve companheiros de estrada; nunca mais compareceu ao presbitério nem lhe prestou relatório”. Não ocorreu um rompimento entre ele e seus companheiros, mas Conceição agora se dedicava integralmente à evangelização itinerante. Em 1870, Conceição esteve em São Paulo e, em 1872, no Rio de Janeiro, Queluz, Caldas e outras cidades de Minas Gerais. Depois, esteve no litoral de São Paulo, em Areias e Mambucaba. Em 1873, esteve novamente em Queluz, São Paulo, Rio de Janeiro, Piraí, Campo Belo e Caraguatatuba, sempre enfrentando perseguições e ataques pessoais. Certa vez, escreveu Boanerges Ribeiro:

Aproximava-se a hora do destino em que a jovem igreja nacional criaria seu próprio método de desbravamento e propagação evangélica: a luta árdua e exaustiva das estradas, de fazenda em fazenda; o contato pessoal e direto com a pessoa evangelizada; a oração de joelhos na salinha de chão batido e, sobretudo, o poder de um homem possuído do Espírito Santo e disposto a matar-se, pregando a cada família, de casa em casa, de indivíduo a indivíduo, de alma a alma.

Nessa época, nas poucas vezes em que encontrou os missionários, Conceição se mostrou afetuoso, mas com saúde cada vez mais frágil. No fim de 1873, Blackford convenceu-o a repousar no Rio de Janeiro, numa casa que foi alugada para esse fim, em Santa Teresa. Dessa vez, Conceição tomou um trem, mas numa baldeação em Piraí, por estar descalço e malvestido, foi preso pela polícia. Passou três dias na prisão e, depois de liberto, não tinha dinheiro para comprar uma nova passagem. Continuou a pé seu caminho, sob o sol, caindo prostrado, na noite de 24 de dezembro, na estrada da Pavuna. Foi levado para a Enfermaria Militar do Campinho, onde o major Augusto Fausto de Souza, chefe da enfermaria — que se converteu ao evangelho depois — conseguiu-lhe um leito e alimentos. Tendo agradecido aos que o haviam socorrido, pediu que o deixassem “só com seu Deus” e morreu, vítima de insolação, privações e fadiga de suas longas viagens, na madrugada de 25 de dezembro de 1873. “Conceição era de uma simplicidade incrível”, escreve Elben Lenz César, “não obstante fosse muito preparado: sabia comunicar-se com os estrangeiros em suas próprias línguas, traduzia livros do inglês, do francês e do alemão, e tinha noções de medicina. Chegava a se vestir mal, roupa surrada demais. A herança que recebeu da família foi toda distribuída com obras de beneficência. Preocupava-se demais com os outros e muito pouco consigo mesmo. Embora desimpedido do voto do celibato por ter se desligado de Roma, o Padre José, como era chamado, nunca se casou, e sua pureza de vida sempre estava fora do alcance de qualquer maledicência. Não era servil aos missionários americanos, não obstante ser o único obreiro nacional no meio deles. Por causa de sua experiência na Igreja Católica, morria de medo de uma igreja excessivamente organizada.

(...) Conceição sonhava com um movimento profundo de reforma nos sentimentos e experiência religiosa do povo, aliado ao esclarecimento bíblico, que tornasse possível a criação de um cristianismo brasileiro puro e evangélico, mas enraizado nas tradições e hábitos populares”. José Manoel da Conceição foi sepultado no cemitério de Irajá, mas três anos depois, em 1877, seu corpo foi transferido para o Cemitério dos Protestantes de São Paulo, sendo sepultado ao lado do túmulo de Ashbel Simonton. Em sua lápide está gravado: “Não me envergonho do evangelho de Cristo”, numa referência a Romanos 1.16. Durante vinte anos Conceição foi sacerdote católico e durante oito anos foi pastor protestante. São suas estas palavras:

O bem-estar de minha pátria, a moralização da sociedade, cuja felicidade só o evangelho pode assegurar, e a salvação eterna dos homens são os fins que tenho em vista. Estou nas mãos de Deus, e à disposição de todos a quem possa servir no evangelho de Jesus Cristo.

Autor: Franklin Ferreira

Franklin Ferreira é bacharel em Teologia pela Universidade Mackenzie e mestre em Teologia pelo Seminário Batista do Sul (RJ).

O artigo original poderá ser visto por meio desse link aqui:


Que Deus abençoe a todos.

Alexandros Meimaridis


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