Ilustração de Jesus fazendo uma refeição junto com pecadores e pessoas simples do povo
Esse artigo é parte da série "Parábolas de Jesus" e é muito
recomendável que o leitor procure conhecer todos os aspectos das verdades
contidas nessa série, com aplicações para os nossos dias. No final do artigo
você encontrará links para os outros artigos dessa série.
A
Parábola da Ovelha perdida
INFORMAÇÕES CULTURAIS PERTINENTES À PARÁBOLA DA OVELHA PERDIDA
Conforme várias passagens do Novo
Testamento registram os fariseus se recusavam a manter qualquer tipo de
associação com o que eles chamavam de pecadores.
Algumas dessas passagens já foram citadas nos estudos anteriores de Lucas 15.
Mais há outras como, por exemplo:
Marcos 2:15—17
15 Achando-se Jesus à
mesa na casa de Levi, estavam juntamente com ele e com seus discípulos muitos
publicanos e pecadores; porque estes eram em grande número e também o seguiam.
16 Os escribas dos
fariseus, vendo-o comer em companhia dos pecadores e publicanos, perguntavam
aos discípulos dele: Por que come e bebe ele com os publicanos e pecadores?
17 Tendo Jesus ouvido
isto, respondeu-lhes: Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes; não vim
chamar justos, e sim pecadores.
Mateus 11:16—19
16 Mas a quem hei de
comparar esta geração? É semelhante a meninos que, sentados nas praças, gritam
aos companheiros:
17 Nós vos tocamos
flauta, e não dançastes; entoamos lamentações, e não pranteastes.
18 Pois veio João, que
não comia nem bebia, e dizem: Tem demônio!
19 Veio o Filho do
Homem, que come e bebe, e dizem: Eis aí um glutão e bebedor de vinho, amigo de
publicanos e pecadores! Mas a sabedoria é justificada por suas obras.
Quando lemos a literatura
judaica, não é difícil perceber que a recusa dos fariseus em se associar com os
pecadores estava firmemente arraigada em suas próprias tradições. Exemplo disso
podem ser vistos na Melkita Amalek
que diz o seguinte em 3:55—57: “Com
relação a isso os sábios dizem:Que um homem nunca se associe com uma pessoa
perversa, nem mesmo com o propósito de aproximá-lo da Torá”. Em muitas
citações os sentimentos manifestados eram muito intensos, como vemos em:
Eclesiástico 13:17 — O que pode haver de comum entre o lobo e o
cordeiro? O mesmo acontece entre o pecador e o piedoso.[1]
Texto rabínico M. Demai 2:3 — Todo aquele que decide tornar-se
associado não deve vender para um Am-haaeretz — literalmente, povo da terra,
i.e. pessoas comuns — alimentos sejam secos ou molhados, nem comprar os mesmos
de tais pessoas; também não deve aceitar o convite para participar numa
refeição na casa dum Am-haaeretz, e nem recebê-lo em sua casa com tais
propósitos.
Texto rabínico M. Hagigah 2:7 — Para
um fariseu, até mesmo as roupas de um Am-Haaeretz são suficientes para
contaminá-lo e torná-lo impuro.
Texto rabínico B. Pesahim 49:b,
depois de apresentar uma lista das qualidades desejáveis numa esposa, temos
essa advertência: Mas que não se case com a filha dum Am-haaretz, porque são detestáveis
e suas mulheres não passam de vermes. Também se diz o seguinte de suas
filhas: Maldito seja aquele que se deitar com qualquer tipo de besta. E
mais: É permitido esfaquear um Am-haaretz até mesmo no dia da expiação,
mesmo que esse dia seja um sábado... Ninguém deve se associar com Am-haaretz como companheiro de
viagem...Um devoto pode partir um Am-haaretz
como faz com um peixe... Qualquer um que dá sua filha em casamento com um Am-haaretz faz o mesmo que amarrá-la e
colocá-la diante dum leão; do mesmo modo que um leão não se envergonha de estraçalhar
e devorar sua presa, assim também um Am-hararetz
que ataca e coabita não tem nenhuma vergonha... Qualquer que estuda a Torá na
presença de um Am-haaretz faz o mesmo
que manter uma relação sexual com sua noiva na presença dele... Seis coisas são
afirmadas acerca dos Am-haaretz: Não
damos testemunho a favor deles; não aceitamos o testemunho deles a nosso favor;
não revelamos nenhum tipo de segredo para eles; não os designamos com
protetores de nossa crianças órfãs; não os indicamos como administradores de
fundo de caridade; e não devemos compartilhar da companhia deles andando pelos
caminhos.
Diante desse quadro, fica bem
mais fácil entender o ódio que os fariseus sentiam pelos publicanos e pelos Am-haaretz e também por Jesus, por se
associar com eles e ainda comer com os mesmos.
Nos dias de Jesus as refeições
tinham grande importância no desenvolvimento duma amizade e também na
identificação daquele que oferecia a refeição com aqueles que participavam da
mesma. Isso fica bem evidente no Novo Testamento em passagens, tais como —
Lucas 14:7—14
7 Reparando como os
convidados escolhiam os primeiros lugares, propôs-lhes uma parábola:
8 Quando por alguém
fores convidado para um casamento, não procures o primeiro lugar; para não
suceder que, havendo um convidado mais digno do que tu,
9 vindo aquele que te
convidou e também a ele, te diga: Dá o lugar a este. Então, irás, envergonhado,
ocupar o último lugar.
10 Pelo contrário,
quando fores convidado, vai tomar o último lugar; para que, quando vier o que
te convidou, te diga: Amigo, senta-te mais para cima. Ser-te-á isto uma honra
diante de todos os mais convivas.
11 Pois todo o que se
exalta será humilhado; e o que se humilha será exaltado.
12 Disse também ao que
o havia convidado: Quando deres um jantar ou uma ceia, não convides os teus
amigos, nem teus irmãos, nem teus parentes, nem vizinhos ricos; para não
suceder que eles, por sua vez, te convidem e sejas recompensado.
13 Antes, ao dares um
banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos;
14 e serás bem-aventurado,
pelo fato de não terem eles com que recompensar-te; a tua recompensa, porém, tu
a receberás na ressurreição dos justos.
Além disso, o ofício de pastorear
era muito desprezado pelas elites judaicas como podemos perceber, claramente,
no midrash do Salmos 23:2 feito pelo rabino José bar Hanina, que diz: “No mundo inteiro é impossível encontrar uma
profissão mais desprezível do que a do pastor de ovelhas, pelo fato dele
caminhar o dia inteiro com seu bordão e sua algibeira”. Entretanto, tanto
Jacó quanto Davi e Asafe chamam Deus de “pastor”,
conforme podemos ler em —
Gênesis 49:24
O seu arco, porém,
permanece firme, e os seus braços são feitos ativos pelas mãos do Poderoso de
Jacó, sim, pelo Pastor e pela Pedra de Israel.
Salmos 23:1
O SENHOR é o meu pastor; nada me faltará.
Salmos 80:1
Dá ouvidos, ó pastor de Israel, tu que conduzes a José como um
rebanho; tu que estás entronizado acima dos querubins, mostra o teu esplendor.
O escrito rabínico M. Qidusin
4:14 assume que os pastores são todos ladrões, porque conduzem seus rebanhos
para pastar nas terras de outras pessoas.
Já o escrito rabínico B.
Sanhedrin 25b inclui os pastores de ovelhas na lista de pessoas inelegíveis
como testemunhas e associa os mesmos com os cobradores de impostos —
publicanos. Além disso, o escrito rabínico B. Baba Qamma 94b afirma que é muito
difícil para pastores se arrependerem e fazerem restituição de qualquer coisa
que seja. Apesar de existirem várias outras passagens, cremos que essa são
suficientes para os nossos propósito. Todavia, gastaríamos de citar apenas mais
uma, por causa de sua relevância:
Texto rabínico de M. Qiddusin
4:14 — “Um homem não deve ensinar seu
filho a se tornar condutor de jumentos ou de camelos, nem barbeiro ou
marinheiro, nem pastor de gado miúdo — ovelhas, cabras e etc. — e nem mesmo
proprietário dum comércio, porque esses trabalhos são todos trabalhos
executados por ladrões”.
A afirmação de Jesus em Lucas 15:4 — Qual, dentre vós, é o homem que, possuindo cem ovelhas
— era suficiente para causar nos escribas e fariseus enormes preocupações
quanto a pureza cerimonial quando Jesus pede para que se vejam como pessoas
envolvidas num tipo de comércio que consideravam impuro. Tal expressão nos
lábios de Jesus era proposital e seria devidamente notada por esses hipócritas,
mas fazia parte da estratégia retórica de Jesus[2]. Mas
temos que enfatizar que, do ponto de vista bíblico, a figura do pastor é usada
para se referir a Deus como aquele que tem profunda compaixão pelo seu povo. E
essa mesma figura é usada para descrever a liderança do povo de Israel e do
judaísmo no Antigo Testamento, incluindo-se ai a figura do grande libertador
escatológico. Pessoas sem líderes ou submetidos a uma liderança ruim são
caracterizados como ovelhas que não têm
pastor. Para tudo isso basta ver as seguintes referências:
Salmos 28:9
Salva o teu povo e
abençoa a tua herança; apascenta-o e exalta-o para sempre.
Jeremias 31:30
Ouvi a palavra do
SENHOR, ó nações, e anunciai nas terras longínquas do mar, e dizei: Aquele que
espalhou a Israel o congregará e o guardará, como o pastor, ao seu rebanho.
Ezequiel 34:15, 31
15 Eu mesmo
apascentarei as minhas ovelhas e as farei repousar, diz o SENHOR
Deus.
31 Vós, pois, ó ovelhas
minhas, ovelhas do meu pasto; homens sois, mas eu sou o vosso Deus, diz o
SENHOR Deus.
Miquéias 7:14
Apascenta o teu povo
com o teu bordão, o rebanho da tua herança, que mora a sós no bosque, no meio
da terra fértil; apascentem-se em Basã e Gileade, como nos dias de outrora.
Marcos 6:34
Ao desembarcar, viu
Jesus uma grande multidão e compadeceu-se deles, porque eram como ovelhas que
não têm pastor. E passou a ensinar-lhes muitas coisas.
Mateus 26:31
Então, Jesus lhes
disse: Esta noite, todos vós vos escandalizareis comigo; porque está escrito:
Ferirei o pastor, e as ovelhas do rebanho ficarão dispersas.
Retornando à parábola da ovelha
perdida nós temos a impressão que o pastor citado é, também, o proprietário do
rebanho mencionado. O tamanho do rebanho também indica que ele era um homem de
posses consideráveis. Ele não era um homem rico, mas um rebanho composto de 100
ovelhas era dum tamanho digno de nota.
De acordo com o conhecimento que
temos da vida das ovelhas, uma ovelha perdida, quando exausta, abre mão de
continuar procurando o caminho de volta e se deita no chão com o abdômen
tocando o solo e as quatro patas abertas, também sobre o chão. Ali ela fica
esperando por socorro, ou até mesmo por algo pior[3].
Esse talvez seja o motivo porque o pastor se vê obrigado a deixar as outras 99
ovelhas em lugar seguro e partir em busca da ovelha perdida.[4]
O arrependimento mencionado por
Jesus em Lucas 15:7 era o pilar central de todo o pensamento judaico dos seus
dias. De acordo com o estudioso George Foot Moore “o arrependimento é a única, porém inexorável condição, para se obter o
perdão de Deus e a restauração de seu favor e o perdão e favor divinos nunca
são recusados para qualquer pecador genuinamente arrependido”.[5]
A parábola da ovelha perdida é
bastante realista com exceção do convite feito aos vizinhos para virem e
celebrarem junto com o pastor, que pare certa liberdade poética adicionada à
narrativa pelo próprio Jesus. Isso é ainda mais verdadeiro no caso da parábola
da moeda perdida, porque tal ajuntamento implicaria num gasto adicional para
bancar a celebração que poderia ir muito além do valor do bem encontrado. Por
outro lado, as palavras de Jesus servem para enfatizar a realidade do fato de
que Jesus estava, de fato, tendo refeições com pecadores, algo que serve para
dar um destaque cada vez maior ao tema da verdadeira alegria ou júbilo,
inclusive no céu.
CONTINUA...
OUTRAS PARÁBOLAS DE JESUS PODEM SER ENCONTRADAS NOS LINKS ABAIXO:
001 – O Sal
002 – Os Dois Fundamentos
003 – O Semeador
004 – O Joio e o Trigo =
005 – O Credor Incompassivo
006 — O Grão de Mostarda e o Fermento
007 — Os Meninos Brincando na Praça
008 — A Semente Germinando Secretamente
009 e 010 — O Tesouro Escondido e a Pérola de Grande Valor
011 — A Eterna Fornalha de Fogo
012 — A Parábola dos Trabalhadores na Vinha
013 — A Parábola dos Dois Irmãos
014 — A Parábola dos Lavradores Maus — Parte 1
014A — A Parábola dos Lavradores Maus — Parte 2
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027A — A Parábola do Bom Samaritano — Parte 1
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033 — A Parábola do Grande Banquete
034 — A Parábola do Construtor da Torre e do Grande Guerreiro
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036 — Introdução a Lucas 15 — Parábolas Acerca da Condição Perdida da Raça Humana — Parte 002
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037 — Parábolas de Jesus — Mateus
18:12—14 e Lucas 15:4—7 — A Parábola da Ovelha Perdida — Completa
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037A — Parábolas de Jesus — Mateus 18:12—14 e Lucas 15:4—7 — A Parábola da Ovelha Perdida — Parte 001
037B — Parábolas de Jesus — Mateus 18:12—14 e Lucas 15:4—7 — A Parábola da Ovelha Perdida — Parte 002
037C — Parábolas de Jesus — Mateus 18:12—14 e Lucas 15:4—7 — A Parábola da Ovelha Perdida — Parte 003
037D — Parábolas de Jesus — Mateus 18:12—14 e Lucas 15:4—7 — A Parábola da Ovelha Perdida — Parte 004 — A Influência do Antigo Testamento
037E — Parábolas de Jesus — Mateus 18:12—14 e Lucas 15:4—7 — A Parábola da Ovelha Perdida — Parte 005 — Características Cristológicas da Parábola da Ovelha Perdida
037F — Parábolas de Jesus — Mateus 18:12—14 e Lucas 15:4—7 — A Parábola da Ovelha Perdida — Parte 006 — A importância das pessoas perdidas.
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037H — Parábolas de Jesus — Mateus 18:12—14 e Lucas 15:4—7 — A Parábola da Ovelha Perdida — Parte 008 — Conclusão.
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037 — Parábolas de Jesus — Mateus 18:12—14 e Lucas 15:4—7 — A Parábola da Ovelha Perdida — Completa
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038A — PARÁBOLAS DE JESUS — A PARÁBOLA DA DRACMA PERDIDA — LUCAS 15:8—10 —— PARTE 001
Que Deus abençoe a todos.
Alexandros Meimaridis
PS. Pedimos a todos os nossos leitores que puderem que “curtam” nossa
página no Facebook através do seguinte link:
Desde já agradecemos a todos.
[1]
A Bíblia de Jerusalém, Eclesiástico 13:17. Edições Paulinas, São Paulo, 1980.
[2] Bailey, Kenneth E. Poet and Peasant: A Literary Cultural Approach to the Parables in Luke. William B. Eerdmans Publishing Company, Grand Rapids, 1983.
[3] Fitzmyer, A. Joseph. The Gospel According to Luke in Two Volumes — The Anchor Bible Series volumes 28 e 28A. Double day and Company, Garden City, 1981.
[4] Jeremias, Joachim. As Parábolas de Jesus na Nova Coleção Bíblica. Paulus, São Paulo, 1997.
[5] Moore, Foot George. Judaism in the First Centuries of The Chistian Era: The Age of the Tanaim. Harvard University Press, Cambridge, 1950.
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