Essa é uma série estritamente
acadêmica, mas não existe na mesma absolutamente nada que impeça a leitura por
todas as pessoas. De fato, queremos incentivar que todos possam ler esses
artigos e compartilhar os mesmos com todos os seus contatos, parentes e
conhecidos.
ESTUDO 009 — ESCRIBAS E COPISTAS E
OS MANUSCRITOS QUE PRODUZIRAM — PARTE 001
Quando
os escribas da Antiguidade escreviam em papiros, eles costumavam usar as fibras
horizontais que se encontravam no lado chamado recto — o primeiro lado onde se escrevia na folha de papiro — como
linhas de guia para ajudá-los no processo de escrever. Antes de começarem a
escrever em papiros, todavia, eles tinham por hábito usar algum instrumento
pontiagudo o qual passavam pela superfície do material de escrita para definir
melhor as linhas horizontais. Além disso, eles também criavam duas ou mais
linha verticais com o objetivo de marcar as margens e separar as colunas. Em
muitos manuscritos feitos em papiro é possível vermos essas linhas até os dias
de hoje. Também é possível notarmos as marca dos alfinetes colocados nas
extremidades onde as linhas seriam traçadas, quando o material de escrita era o
couro de animais, chamado de vellum
ou pergaminho. Por mais incrível que pareça, existe uma ciência dedicada
exclusivamente a estudar as formas das alfinetadas nos materiais de escrita.
Diferentes
escolas de escribas empregavam os mais diversos métodos para traçar suas linhas
a ponto de, ocasionalmente, permitir aos estudiosos modernos determinar a
origem dum manuscrito recém-descoberto com base no tipo de linhas traçadas,
quando as mesmas são comparadas com outros manuscritos cujo lugar de origem
está, comprovadamente, estabelecido. Mas essa tarefa não é tão simples como
parece, porque já foram identificadas várias centenas diferentes de se traçar
as linhas.[1]
Outro
aspecto relevante aqui é que, como o lado onde ficavam os pelos no couro animal
era sempre mais escuro que o lado onde ficava a carne descobriu-se que os
leitores dos manuscritos compostos sobre couro de animais, gostavam mais da
página escrita sobre o lado da carne, do que o lado escrito sobre o lado do
pelos. Desse modo, os escribas encarregados de montar os cadernos com as folhas
antes de serem costuradas, cuidavam para que duas folhas escritas sobre o lado
dos pelos fossem espelhadas o mesmo acontecendo com o lado das folhas escritas
sobre o lado da carne. Somente depois que esse processo era cuidadosamente finalizado
é que o caderno estava, então, pronto para ser costurado. Essa característica
dos pergaminhos que conhecemos como códices
— ou formato de livro — foi descoberta por Caspar R. Gregory perto do final do
século XIX.
Pelo
que sabemos hoje, na Antiguidade existiam dois estilos de grego manuscrito
usado de forma geral. Primeiro temos a chamada forma cursiva ou escrita corrida que podia ser rapidamente produzida. Tal
forma de escrita era utilizada em documentos não literários usados no dia a
dia, tais como: cartas, registro contábeis, recibos, petições, escrituras e
outros documentos assemelhados a esses. Nessa forma de escrita era comum o uso
de contrações e abreviações em caso de palavras repetidas com frequência, como
os artigos definidos e certas preposições.
Por
outro lado, obras literárias eram grafadas numa escrita mais formal, que foi
chamada de uncial. Essa escrita, que
corresponde ao que chamamos de letras maiúsculas em nossos dias era padronizada
e, cada letra costumava ocupar 1/12 da linha numa determinada coluna. De acordo
com os estudiosos que tiveram a oportunidade de ver e trabalhar com esses
manuscritos os mais belos dentre eles são os manuscritos produzido em unciais entre o III e VI século. Com o
passar do tempo, entretanto, o belo estilo adotado nesses livros feitos de
pergaminho ou pele de animais, foi deteriorando até tornar-se algo grosseiro e
desajeitado. Desse modo, no início do século IX foi iniciada uma reforma na
forma da escrita. A forma cursiva foi adotada e a mesma é conhecida pelo termo minúsculas. Essa forma passou a ser a única utilizada na
produção dos livros a partir do século IX. Essa reforma tem sido, geralmente,
atribuída a um grupo de monges eruditos que trabalhavam num mosteiro em
Constantinopla. Todavia, em tempos mais recentes, tal reforma tem sido
atribuída ao trabalho de estudiosos humanistas que se encontravam em Constantinopla,
com a intenção de reviver a cultura clássica durante a época conhecida como a segunda onda iconoclasta. Essa maneira
reformada de escrever o cursivo foi imediatamente adotada através de todo o
mundo grego. A única exceção foram alguns livros litúrgicos que continuaram a
ser produzidos em unciais durante
cerca de dois séculos. Desse modo, todos os manuscritos do Novo Testamento se
encontram nessas duas, bem definidas, categorias:
1.
Os manuscritos mais antigos foram produzido em caracteres chamados de unciais.
Cópia do Códice Sinaiticus do IV século grafado com UNCIAIS. Bíblia inteira
2.
Os manuscritos menos antigos — mais recentes — foram produzidos em caracteres
chamados de minúsculos.
Cópia de manuscrito composto em letras minúsculas e cursivas contendo os quatro evangelhos
Cópia de manuscrito composto em letras minúsculas e cursivas contendo os quatro evangelhos
A
vantagem de produzir manuscritos usando o formato cursivo deve ser óbvia para
todos. As letras minúsculas, como o próprio nome sugere, eram menores que os
caracteres unciais, o que permitia
uma escrita mais compacta, economizando o precioso material de escrita. Desse
modo, os livros produzidos eram menores, mais leves, mais fáceis de serem
manuseados e mais baratos, tanto no que diz respeito ao custo de produção como
também, quanto a valor final em que eram comercializados. Outra vantagem é que
a escrita cursiva permitia uma produção mais veloz dos livros quando comparada
com a demorada produção de unciais,
que tinham que ser produzidos letra por letra. Também não deve ser difícil
entendermos que a mudança na forma de escrever, de unciais para a forma cursiva, teve um profundo impacto na tradição
textual da Bíblia em grego.
A
partir do século IX a posse de cópias das Escrituras — em seu todo ou em partes
— ficou acessível, até mesmo para pessoas de poucas posses. Durante os séculos
em que os livros eram produzidos exclusivamente em unciais, as pessoas de posses limitadas tinham que contentar-se com
o acesso a livros de terceiros ou de bibliotecas, desde que existisse uma
próxima. Dessa maneira, a produção massiva de livros grafados com caracteres
cursivos teve um papel da maior importância na difusão da literatura clássica
em geral, e da literatura Bíblica em particular. A quantidade de manuscritos
produzidos em caracteres minúsculos ultrapassou o número total de manuscritos
grafados em unciais, numa razão
superior a 10 contra 1. Isso, junto com a destruição dos manuscritos mais antigos
pelo simples passar dos anos, serve para explicar a grande disparidade que
existe entre a quantidade de manuscritos unciais
e cursivos. Algumas pessoas em nossos dias gostam de argumentar que Deus
preservou sua palavra na quantidade maior de manuscritos, contra os que
defendem — como esse escriba aqui — que os manuscritos mais antigos —
antiguidade — refletem melhor os autógrafos originais devido à proximidade com
os mesmos.
CONTINUA...
OUTROS ARTIGOS DE COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS
COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 001 – MATERIAL DE ESCRITA ANTIGO
COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 002 – MATERIAL DE ESCRITA ANTIGO — O PAPIRO
COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 003 – MATERIAL DE ESCRITA ANTIGO — O PAPIRO — FINAL
COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 004 – MATERIAL DE ESCRITA ANTIGO — OS PERGAMINHOS
COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 005 – MATERIAL DE ESCRITA ANTIGO — PAPEL E BARRO
COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 006 – ARQUÉTIPOS E AUTÓGRAFOS — PARTE 001
COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 007 – ARQUÉTIPOS E AUTÓGRAFOS — PARTE 002
COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 008 – ARQUÉTIPOS E AUTÓGRAFOS — PARTE 003 – FINAL
COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 009 – OS ESCRIBAS E OS COPISTAS E OS MANUSCRITOS QUE ELES PRODUZIRAM — PARTE 001
COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 010 – OS ESCRIBAS E OS COPISTAS E OS MANUSCRITOS QUE ELES PRODUZIRAM — PARTE 002
COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 011 – OS ESCRIBAS E OS COPISTAS E OS MANUSCRITOS QUE ELES PRODUZIRAM — PARTE 003
COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 012 – OS ESCRIBAS E OS COPISTAS E OS MANUSCRITOS QUE ELES PRODUZIRAM — PARTE 004
COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 013 – OS ESCRIBAS E OS COPISTAS E OS MANUSCRITOS QUE ELES PRODUZIRAM — PARTE 005
COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS — PARTE 014 — OS ESCRIBAS E OS COPISTAS E OS MANUSCRITOS QUE ELES PRODUZIRAM — PARTE 006
Que Deus abençoe a todos.
Alexandros Meimaridis
PS. Pedimos a todos os nossos leitores que puderem que “curtam” nossa
página no Facebook através do seguinte link:
Desde já agradecemos a todos.
[1] Lake, Kinsopp. Dated Greek
minuscule manuscripts to the year 1200, in Monumenta palaeographica vetera. American
Academy of Arts and Sciences, Cambridge, 1934
Nenhum comentário:
Postar um comentário