O artigo abaixo foi escrito por
Timothy Keller e publicado pela Revista Cristianismo Hoje.
O
advento da humildade
A humildade é tão tímida! Se
começamos a falar sobre ela, já não existe mais. Se nos perguntarmos 'sou
humilde?', já não o somos mais.
Inúmeros teólogos, estudiosos e
admiradores ressaltam as circunstâncias humildes do nascimento de Jesus: entre
pastores, num tosco estábulo, um cocho servindo de berço. Quando Jesus tentou
resumir por que as pessoas deveriam tomar a sua cruz ao segui-lo, disse que era
por ele ser manso e humilde (Mt 11:29). Raramente, no entanto, exploramos todas
as implicações da humildade radical de Jesus para nosso viver diário.
A humildade é crucial aos
cristãos. Só podemos receber Cristo por meio da mansidão e humildade (Mt 5:3,5;
18:3,4). Jesus humilhou-se a si mesmo e foi exaltado por Deus (Fl 2:8-9);
portanto, a alegria e a força por meio da humildade é a verdadeira dinâmica da
vida cristã (Lc 14:11; 18:14; I Pe 5:5).
O ensino parece simples e óbvio.
O problema é que precisamos de muita humildade para entender a humildade e de
muito mais para resistir ao orgulho que vem tão naturalmente com a discussão
deste assunto.
Estamos num terreno escorregadio,
pois a humildade não pode ser alcançada diretamente. Uma vez que nos tornamos
conscientes do veneno do orgulho, começamos a percebê-lo ao nosso redor, tanto
nos tons sarcásticos e peçonhentos das colunas de jornais e blogs quanto nos
nossos vizinhos e alguns amigos ciumentos, autopiedosos e ostensivos.
Então prometemos não falar ou
agir dessa forma. Se percebermos “uma modesta mudança de atitude” em nós
mesmos, imediatamente nos tornamos presunçosos – mas isso é o orgulho em nossa
humildade. Se nos pegamos fazendo a mesma coisa de novo, ficaremos
particularmente impressionados com quão sugestivos e sutis nos tornamos.
A humildade é tão tímida! Se
começamos a falar sobre ela, já não existe mais. Se nos perguntarmos “sou humilde?”,
já não o somos mais. Examinar nosso próprio coração, até por orgulho,
geralmente nos leva a ter orgulho de nossa diligência e circunspecção.
A humildade cristã não significa
pensar menos em si. É pensar menos de si, como tão memoravelmente disse C.S.
Lewis. É não ficar o tempo todo observando a si próprio ou como você está se
saindo com alguma coisa ou de que forma está sendo ameaçado. É um “autoesquecimento
abençoado”.
A humildade é subproduto de
crermos no evangelho de Cristo. No evangelho, temos uma confiança não baseada
em nosso desempenho, mas no amor de Deus em Cristo (Rm 3:22-24). Isso nos
liberta de ter de ficar sempre nos avaliando. Porque Jesus teve de morrer por
nós, colocamo-nos abaixo de nosso orgulho. Porque Jesus teve prazer em morrer
por nós, amamo-nos além da necessidade de provar qualquer coisa a nós.
Graça, não benevolência
Corremos riscos quando discutimos
sobre a humildade, pois a religião e a moralidade inibem a humildade. É comum
na comunidade evangélica conversar sobre o ponto de vista mundano – um conjunto
de crenças básicas e promessas que permeiam a maneira como vivemos em cada
circunstância. Outros preferem o termo “identidade narrativa”. É um conjunto de
respostas às perguntas “quem sou eu? O que é a minha vida? Por que estou aqui?
Quais são as principais barreiras que me impedem de me sentir pleno? Como posso
lidar com essas barreiras?”.
Há duas
identidades narrativas básicas em voga entre os que professam ser cristãos. A
primeira é o que chamo de identidade narrativa de desempenho moral: as pessoas
que dizem do fundo de seus corações “eu obedeço, portanto, sou aceito por
Deus”. A segunda é o que vou chamar de identidade narrativa da graça. O
princípio básico dessa operação é “sou aceito por Deus por meio de Cristo,
portanto, obedeço”.
As pessoas que vivem sobre as
bases desses dois princípios diferentes podem superficialmente se parecerem
iguais. Podem se sentar bem ao lado uma da outra num banco de igreja,
esforçando-se para obedecer à lei de Deus, orar, dar dinheiro generosamente,
ser bom com os membros familiares. Mas, no fundo, estão fazendo por motivos
radicalmente diferentes, com inspirações radicalmente diferentes, resultando em
caracteres de personalidade radicalmente diferentes.
Quando as pessoas que vivem
baseadas numa narrativa de desempenho moral são criticadas, ficam furiosas ou
devastadas, porque não conseguem tolerar as ameaças às suas autoimagens de
serem “boas pessoas”.
No evangelho, nossa identidade
não é construída sobre esse tipo de imagem e temos um peso emocional de ter que
lidar com a crítica sem dar o troco. Quando as pessoas vivem firmadas na
narrativa de desempenho moral, baseiam seu valor próprio por serem
trabalhadoras ou teologicamente irrepreensíveis e, então, precisam desprezar
aquelas que são consideradas preguiçosas ou teologicamente fracas.
Mas há aqueles que entendem que,
de acordo com o evangelho, não se pode desprezar ninguém, pois foram salvas por
pura graça, não por suas doutrinas perfeitas ou forte caráter moral.
O fedor do moralismo
Outra marca da narrativa de
desempenho moral é a constante necessidade de encontrar falhas, vencer
argumentos e provar que todos os seus oponentes não estão somente enganados,
mas são traidores desonestos. No entanto, quando o evangelho é compreendido
profundamente, nossa necessidade de vencer argumentos é dispensada e nossa
linguagem se torna graciosa. Não precisamos ridicularizar nossos oponentes e
passamos a lidar com eles respeitosamente.
As pessoas que vivem baseadas na
narrativa de desempenho moral se valem de um humor sarcástico e farisaico ou
não têm nenhum senso de humor. Lewis fala de “uma concentração sisuda sobre si
próprio, que é a marca do inferno”. O evangelho, entretanto, cria um senso
gentil da ironia. Encontramos motivos para rir, a começar pelas nossas
fraquezas. Elas já não nos ameaçam mais, pois nosso valor derradeiro não está
baseado em nossos recordes ou bons desempenhos.
Um discernimento básico de
Martinho Lutero foi que o moralismo é um defeito do coração humano. Mesmo os
cristãos que acreditam no evangelho da graça em primeira instância podem
continuar a operar como se tivessem sido salvos por seus próprios méritos. Em
“O grande pecado”, na obra Cristianismo puro e simples, Lewis escreve: “Se
achamos que a nossa vida religiosa está nos fazendo sentir que somos bons – e
acima de tudo, que somos melhores que os outros – creio que podemos ter a
certeza de estar agindo não de acordo com Deus, mas com o diabo”.
Graça e humildade que nos levam a
esquecer de nós mesmos deveriam ser as coisas preliminares a distinguir os
cristãos de muitos outros tipos de pessoas morais e decentes do mundo. Mas acho
que é justo dizer que a humildade, principal marca diferenciadora do cristão, está
muito em falta na igreja. Os não crentes, ao detectar o fedor do moralismo, vão
embora.
Alguns podem dizer “o farisaísmo
e o moralismo não são nossos maiores problemas culturais no momento. Nossos
problemas são a liberdade e o antinomianismo. Não há necessidade de falar sobre
a graça o tempo todo para pós-modernizar as pessoas”. Mas as pessoas
pós-modernas têm rejeitado o cristianismo durante anos, achando que não é
diferente do moralismo. Somente se você mostrar-lhes que há uma diferença – o
que eles rejeitaram não era o verdadeiro cristianismo – talvez, então, elas
comecem a ouvir novamente.
Renove sua humildade
aqui
Esse é o ponto em que o autor
deve apontar soluções práticas. Não tenho nenhuma. Aqui vão os porquês.
Primeiro, o problema é muito
grande para soluções práticas. A ala da igreja que está mais preocupada com a
perda da verdade e com comprometimentos é, na verdade, infame em nossa cultura
por seu farisaísmo e orgulho. Entretanto, há muitos em nossos círculos que,
reagindo ao que eles entendem por arrogância, desviam-se das muitas doutrinas
protestantes clássicas (como Justificação Legal e Reparação Substitutiva) que
são cruciais e insubstituíveis – e também dos melhores recursos possíveis para
a humildade.
Segundo, falar diretamente sobre
maneiras práticas de se tornar modesto, tanto a indivíduos como comunidades, é
sempre um tiro pela culatra. Afirmei que as principais alas da igreja
evangélica estão erradas. Então quem sobra? Eu? Estou começando a pensar que
somente poucos, os poucos felizes, alcançaram o equilíbrio de que tanto a
igreja precisa? Acho que estou ouvindo algo murmurando em meus ouvidos: “sim,
apenas você pode realmente ver as coisas com clareza”.
Realmente espero esclarecer, ou
nem teria escrito sobre esse assunto. Mas não há maneira de se começar a falar
às pessoas sobre como se tornar modesto sem destruir os fragmentos de humildade
que elas possam já possuir.
Terceiro, a humildade só é
alcançada como um produto derivado do entendimento, da crença e do
maravilhamento sobre o evangelho da graça. Mas o evangelho não nos modifica de
modo mecânico. Recentemente, ouvi um sociólogo dizer que, para a maior parte,
as estruturas de significado para as quais direcionamos nossas vidas estão tão
profundamente intrínsecas em nós que operam “pré-refletivamente”. Não existem
apenas como uma lista de proposições, mas também como temas, motivos e
atitudes. Quando ouvimos o evangelho sendo pregado ou meditamos nas escrituras,
estamos sendo levados tão profundamente aos nossos corações, imaginações e
pensamentos que começamos a instintivamente “viver” o evangelho.
Então vamos pregar sobre a graça
até que a humildade comece a crescer em nós.
Tim Keller é pastor da Igreja
Presbiteriana Redeemer em Manhattan, Nova York, e autor de The Reason for God.
Copyright © 2011 por Christianity
Today International
O artigo original poderá ser
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Que Deus abençoe a todos.
Alexandros Meimaridis
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