041A. José Deseja ser Lembrado.
Antes do copeiro do Faraó ser restaurado ao seu posto, José lhe fez o
seguinte pedido:
Gênesis
40:14
Porém
lembra-te de mim, quando tudo te correr bem; e rogo-te que sejas bondoso para
comigo, e faças menção de mim a Faraó, e me faças sair desta casa.
O apóstolo Paulo ao ensinar a igreja em Corinto como deveria proceder
para celebrar a ceia do Senhor escreveu àqueles irmãos as seguintes palavras:
1
Coríntios 11:23—25
Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão; e, tendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim. Por semelhante modo, depois de haver ceado, tomou também o cálice, dizendo: Este cálice é a nova aliança no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim.
Em poucas palavras: Jesus também desejava ser lembrado!
Existe somente uma única referência nos evangelhos sinóticos que
registram a expressão “em memória de mim”. Trata-se de Lucas
22:19. Não fosse por essa referência não teríamos nenhum outro registro de
Jesus proferindo tais palavras durante a instituição da Ceia do Senhor. É por
causa das palavras registradas em Lucas que Paulo pode afirmar: “Eu recebi do
Senhor”. Com isso Paulo não está dizendo que tenha recebido tal instrução
diretamente do Senhor, mas que Jesus é, em última instância, a fonte daquela
tradição. É muito provável como defende I. Howard Marshal[1],
que Paulo tenha recebido essa tradição na Igreja em Antioquia que havia sido
fundada por discípulos vindos de Jerusalém, e onde o próprio Paulo trabalhou
por alguns anos. Outro aspecto que certamente está envolvido nessa afirmação de
Paulo é que, o agora ressuscitado e exaltado Jesus continua sendo o responsável
último, por meio do Espírito Santo, pela transmissão dessa tradição dentro da
igreja. Dessa maneira, as refeições praticadas pelos coríntios, não eram
verdadeiras celebrações da Ceia do Senhor, porque as mesmas não refletiam nem
proclamavam o verdadeiro significado daquele evento, como o mesmo havia sido
ensinado pelo próprio Senhor. Independente desse fato, ainda precisamos
entender o verdadeiro significado das palavras de Jesus, quando ele disse: “fazei isso
em memória de mim”. A santa Ceia que os cristãos celebram é de fato
uma continuação da última ceia que Jesus fez com seus discípulos que, no caso
deles, era a celebração da páscoa judaica.
Durante a celebração da ceia, Jesus reinterpretou o valor simbólico do
pão e do vinho, de modo que os mesmos passaram a representar seu sangue e seu
corpo que, em breve, seria pregado e morto na cruz do Calvário. Durante aquela
última refeição Jesus anunciou tanto o fato que seus discípulos o abandonariam
como antecipou a traição de Judas. Uma das características mais marcantes das
palavras usadas por Jesus durante a instituição da Ceia do Senhor, como foram
depois incorporadas pela liturgia da igreja primitiva, é o contexto singular
que foi transmitido juntamente com as mesmas, i.e., “na noite em que foi traído”.
É essa pequena frase que supre o contexto em que tais palavras foram
proferidas. Paulo é o único a usar essa expressão e não podemos ter certeza se
as mesmas já pertenciam à tradição litúrgica ou se Paulo recebeu as mesmas como
revelação.
A expressão grega παρεδίδετο — paradídeto
— traduzida por “traído” é bastante ambígua, na língua grega, já que significa:
1) entregar nas mãos (de
outro).
2) tranferir para a
(própria) esfera de poder ou uso: 2a) entregar a alguém algo para guardar,
usar, cuidar, lidar; 2b) entregar alguém à custódia, para ser julgado,
condenado, punido, açoitado, atormentado, entregue à morte; 2c) entregar por
traição.
2c1) fazer com que alguém
seja levado por traição; 2c2) entregar alguém para ser ensinado, moldado.
3) confiar, recomendar.[2]
Mas, creio que nesse caso específico, Paulo está fazendo uma referência
direta ao ato traiçoeiro de Judas, que teve como consequência direta a prisão,
a condenação, a crucificação e a morte de Jesus. Dessa forma, os cristãos
primitivos eram constantemente lembrados que mesmo que o Senhor Jesus tenha
sido crucificado por ordem e poder do império romano, ele foi, em última
instância, traído por alguém que pertencia ao seu grupo mais próximo de
discípulos. Tudo isso deve nos servir como uma forte lembrança que essa é a
mesa onde podemos experimentar, de modo sempre renovado, o perdão e a verdadeira
vida.
A refeição tradicional judaica tinha início quando o pai da família
proferia uma bênção costumeira sobre o pão, partindo-o em seguida e oferecendo
um pedaço a cada um que estivesse, junto com ele, ao redor da mesa. Jesus, como
o “mestre” certamente tinha esse mesmo papel nas refeições comunitárias com
seus discípulos. Durante a celebração da Páscoa a bênção e o compartilhar do
pão aconteceram durante a própria refeição pascal, logo após algum ato
litúrgico de celebração da mesma. Isso era algo fora dos padrões, já que na
celebração da Páscoa não deveria existir nenhum pão feito com fermento, como
eram os pães do dia a dia —
Marcos
14:18
Quando
estavam à mesa e comiam, disse Jesus: Em verdade vos digo que um dentre vós, o
que come comigo, me trairá.
Lucas
22:17—19
17
E, tomando um cálice, havendo dado graças, disse: Recebei e reparti entre vós;
18
pois vos digo que, de agora em diante, não mais beberei do fruto da videira,
até que venha o reino de Deus.
19
E, tomando um pão, tendo dado graças, o partiu e lhes deu, dizendo: Isto é o
meu corpo oferecido por vós; fazei isto em memória de mim.
Mas tal ato inusitado recebe uma explicação conforme mencionamos acima.
Dessa forma, o ato de Jesus tomar um pão com fermento, abençoá-lo e parti-lo
durante a celebração da Páscoa, parece seguir o rumo natural dos
acontecimentos. Seu ato, fora dos padrões precisava ser interpretado e é isso
mesmo que Jesus faz comparando o pão e o vinho com os elementos da sua morte.
A expressão: “Isto é o meu corpo, que é dado por vós”
deve ser analisado com todo cuidado, porque a mesma foi transformada em muitas
coisas através dos séculos.
1. A identificação do pão com o
corpo de Cristo é um semitismo em sua forma mais absoluta.
Semitismos semelhantes podem ser encontrados em:
1
Coríntios 10:4 — “a pedra era Cristo”
Gálatas
4:25 — “Agar é o monte Sinai, na Arábia”.
Como em todas as identificações desse tipo, o que Jesus quer dizer é:
“esse pão significa ou representa meu corpo”. Agora, é importante que deixemos
bem claro, que estava além da intenção de Jesus, bem como da compreensão dos
apóstolos, qualquer ideia que pudesse ser imaginada no sentido que alguma
mudança, independente do tipo, mudança essa real ou intencionada, aconteceria
com aquele pedaço de pão. O pão era pão antes de ser partido e repartido e
continuou como pão depois de ser consumido. A visão que passou a enxergar algum
tipo de transformação no pão, só poderia acontecer em estágios futuros da vida
da Igreja, quando ideias semíticas foram alteradas e substituídas por ideias
gregas.
2. O uso da expressão σῶμα — sôma
— corpo, produziu discussões consideráveis.
Será que Jesus queria dizer “ele mesmo”, em sua essência, ou estava se
referindo à Sua própria carne? O mais provável é que Jesus não tinha a intenção
de indicar nem uma coisa nem outra, mas apenas uma referência ao seu próprio
corpo, que em breve seria entregue para ser sacrificado pelos pecados do mundo.
Se existe algum tipo de analogia aqui, então a mesma tem tudo a ver com o
cordeiro do sacrifício, cuja carcaça era colocada sobre o altar para ser
queimada, após o mesmo ter sido sangrado de forma completa — ver a afirmação de
João Batista em
João
1:29
No
dia seguinte, viu João a Jesus, que vinha para ele, e disse: Eis o Cordeiro de
Deus, que tira o pecado do mundo!
É dessa maneira também que Deus espera que consagremos nossos corpos a
Ele conforme
Romanos
12:1
Rogo-vos,
pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis o vosso corpo por
sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional.
3. A expressão “que é dado
por vós” é única na versão de Paulo e Lucas nesse exato momento da
narrativa, não sendo mencionada nem por Mateus nem por Marcos.
Se a mesma pertencia à frase original proferida por Jesus, tem sido
objeto de grandes debates. Estudiosos se dividem entre os que negam tal
possibilidade de forma terminante, até os que a sustentam com todas as forças,
com muitos assumindo uma posição de completa indecisão. De qualquer forma que
seja, a mesma une o pão e o cálice, e faz com que os mesmos se tornem uma
referência à morte de Jesus. As palavras “por vós” são uma adaptação da linguagem que
encontramos em Isaías 53:12 onde lemos que o Servo Sofredor do ETERNO “levou sobre
si o pecado de muitos”. Dessa maneira, esse ato de Jesus
representava para Ele mesmo um ato profético simbólico, por meio da qual Ele
antecipa Sua morte interpretando-a à luz de Isaías 53, como algo feito a favor
de outras pessoas. Ao oferecer aos seus discípulos a oportunidade de
compartilharem de “seu corpo” dessa maneira, Jesus os convidou a participarem
no significado e nos benefícios de sua morte.
4. Podemos afirmar, com uma
pequena chance de estarmos errados, que foi dessa maneira que o apóstolo
entendeu a frase de Jesus “que é dado por vós”.
Dizemos isso, pois todas as vezes que Paulo usa essa preposição, com
referência a Cristo, sua intenção é fazer ou uma referência a Cristo no sentido
de Sua expiação a nosso favor, por meio de Sua morte —
Romanos
5:6—8
6
Porque Cristo, quando nós ainda éramos fracos, morreu a seu tempo pelos ímpios.
7
Dificilmente, alguém morreria por um justo; pois poderá ser que pelo bom alguém
se anime a morrer.
8
Mas Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido
por nós, sendo nós ainda pecadores.
1
Coríntios, 15:3
Antes
de tudo, vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu pelos nossos
pecados, segundo as Escrituras.
ou de sua morte como nosso substituto, i.e., “em nosso lugar” —
2
Coríntios 5:21
Aquele
que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos
feitos justiça de Deus.
Gálatas
3:13
Cristo
nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele próprio maldição em nosso lugar
(porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado em madeiro).
Dessa maneira, podemos concluir que para Paulo, as palavras de Jesus
acerca do pão representar Seu corpo, fazem uma referência direta ao fato desse
mesmo corpo estar sendo entregue à morte “a favor/ou em lugar daqueles que
agora se encontram participando de sua mesa”. Paulo é fiel em repetir as
próprias palavras instituídas pelo próprio Cristo. A frase acerca do pão irá
receber plena atenção no verso 29, como ele já havia feito em 1 Coríntios
10:16—17.
Outra coisa que também é exclusiva do “partir o pão” como registrado
por Lucas e Paulo é o mandamento de repetir aquela ação: “fazei isso em memória de mim”.
A ausência de tal frase em Mateus e Marcos tem levantando dúvidas quanto à sua
autenticidade. Mas a história da própria Igreja Cristã vem ao nosso socorro,
pois logo no seu início — depois da ressurreição do Senhor e da vinda do
Espírito Santo — ela começou a ensinar que a morte de Jesus foi “a nosso favor”
ou “por nós”. Além do mais, como dizem alguns comentaristas, tais palavras
talvez foram omitidas de Marcos — o primeiro Evangelho a ser escrito — porque
tal mandamento estava implícito na continuação da celebração da Ceia do Senhor
em si mesma.
A frase “em memória de mim” tem sido vista como um paralelo de ideias
helenísticas de refeições pagãs comemorativas em homenagem a algum morto. As
dificuldades com tal posição são as seguintes:
1. A refeição de Jesus com seus discípulos precisa ser entendida à luz
de refeições judaicas, especialmente da Páscoa, e não ser comparada com
qualquer refeição pagã.
2. A refeição em honra a Jesus não é realizada para homenagear um herói
morto, mas sim para um Senhor ressuscitado e vivo, por meio de quem — da sua
morte — a salvação é oferecida a todos e recebida por aqueles que exercitam fé na
Sua pessoa.
Todavia, a questão mais importante envolvendo a expressão “em memória
de mim”, especialmente diante do uso que os judeus fazem da mesma, é
a natureza da própria expressão em si mesma. A questão é dupla. Ela faz uma
referência a Deus no sentido de que a mesma ajuda o Senhor a se lembrar de nós
e nos alcançar com suas tenras misericórdias? Ou a mesma faz uma referência aos
seres humanos, que devem lembrar-se de Jesus e, junto com isso, de todas as
tenras misericórdias do Senhor a nosso favor? É certo que a leitura a que
estamos acostumados aponta sempre para nós, os seres humanos, mas a questão não
é tão simples assim e isso, por três motivos:
1. No judaísmo existe uma dimensão bastante ampla do uso dessa
expressão.
2. A intenção do próprio Jesus à luz do contexto judaico da mesma.
3. A palavra grega ἀνάμνησιν — anáminesin
— lembrança ou lembrete, ocorre apenas 5 vezes na LXX — Levítico 24:7; Números
10:10; Salmos 37, no título; Salmos 69 no título e Sabedoria 16:6 — mas a
expressão cognata mnemosynon — memorial,
algo feito para despertar a lembrança de alguém, ocorre inúmeras vezes, como
acontece também com o verbo “lembrar”. No Antigo Testamento existem vários e
fortes exemplos em que essas expressões são usadas para fazer referência tanto
a Deus como aos seres humanos, No entanto, só podemos dizer que a mesma é feita
com respeito a Deus, quando isso está declarado de forma explícita.
No Antigo Testamento “em memória” ou “como lembrança” raramente
expressam o sentido que temos em português, de uma simples atividade mental. É
normal que “lembrança” e “atividade” — não mental — andem juntas. Deus, por
exemplo, se “lembra” e “visita”, ou “perdoa”, ou “não se esquece dos pecados” —
ver Gênesis 8:1; 19:29; 30:22; Êxodo 2:24—25; Salmos 98:3; Apocalipse 16:19.
Da mesma maneira, Israel precisa relembrar certas coisas levantando
memoriais ou repetindo certas atividades — ver Êxodo 13:7—10; Josué 4:4—7. Das
diversas possibilidades que o Antigo Testamento levanta, a mais óbvia é a da
Páscoa e a da Festa dos Pães sem Fermento onde a mesma é mencionada,
especificamente, como um sinal e um memorial diante dos olhos dos judeus.
Assim, como a Páscoa servia como um memorial da libertação da vida de
escravidão no Egito, assim também a celebração da Ceia do Senhor deveria servir
de memorial para o verdadeiro Israel, que se reúne ao redor da mesa, em Seu
nome, para “relembrar” sua própria libertação da condenação e do poder do
pecado — Romanos 6:17—23. Esse é o motivo porque Jesus diz “em memória
de mim” Mas devemos participar da Ceia do Senhor não apenas como
alguém que participa de algo que precisa ser lembrado, mas precisamos tomar e
comer do pão e tomar e beber do cálice, como um verdadeiro memorial da salvação
que Jesus nos proporciona por meio de sua amarga morte na cruz e de sua
gloriosa ressurreição.
Isso, faz perfeito sentido com as palavras de conclusão de Paulo como
as encontramos registradas em
1
Coríntios 11:26
Porque,
todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do
Senhor, até que ele venha.
Essas palavras devem sempre nos lembrar de “lembrar” de tudo o que
Jesus fez por nós e como é duradoura sua obra através dos séculos e por toda a
eternidade. A libertação da condenação e do poder do pecado — REDENÇÃO — que
Jesus alcançou a nosso favor não é apenas para o tempo, mas sim para toda a
eternidade —
Hebreus
9:12
Não
por meio de sangue de bodes e de bezerros, mas pelo seu próprio sangue, entrou
no Santo dos Santos, uma vez por todas, tendo obtido eterna redenção.
Afinal de contas, essa deve mesmo ser a intenção maior do apóstolo já
que as refeições de “amor” dos coríntios haviam se transformado em um grande
fiasco e motivo de vergonha para eles e de condenação por parte de Paulo.
Naquilo que deveria ser uma celebração do ato de compartilhar a própria vida —
como Jesus fez — os coríntios ricos traziam para essas festas comida abundante,
mas a mesma não era compartilhada com os irmãos pobres que podiam trazer pouco
ou quase nada mesmo. Assim, enquanto uns se exercitavam na glutonaria, outros
passavam fome em uma reunião chamada de “reunião de amor” dentro da própria
igreja. Que vergonha!
CONTINUA...
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Estudos 025 e 026A — José como Tipo de Cristo — José é Vendido por Seus Irmãos e o Sangue de José é Derramado
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Que Deus
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Alexandros
Meimaridis
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