De acordo com a reportagem
assinada por Talita Zaparolli para o portal Terra, o Procurador da República há
16 anos em Marília, interior de São Paulo, Jefferson Aparecido Dias, sofreu
ameaças de morte após entrar com uma ação contra o Banco Central do Brasil para
que sejam removidas da notas de reais, a malfadada expressão “Deus Seja Louvado”,
uma invenção dos dias do governo José Sarney, quando a inflação, que beneficiava
os ricos e castigava todo o resto do país, chegou a ultrapassar os 80% ao mês.
O procurador está de parabéns
pela sua iniciativa porque o Brasil é uma nação laica e não uma República
religiosa, e porque tal frase, em última análise, coloca Deus e as riquezas
em um mesmo contexto algo que o próprio Senhor Jesus condenou:
Mateus 6:24
Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há
de aborrecer-se de um e amar ao outro, ou se devotará a um e desprezará ao
outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas.
Apesar de não sabermos exatamente
de onde partiram as ameaças de morte, temos grandes motivos para aceitar que as
mesmas tenha se originado no meio de pseudo-cristão. Inclusive algumas da
ameaças mencionam a palavra “deus”.
Segue a notícia do portal Terra,
inclusive com uma entrevista do procurador — que também poderá ser acessada
através desse link:
Procurador é ameaçado após pedido para retirar
expressão em cédulas
TALITA
ZAPAROLLI
Direto de
Marília
Procurador
da República há 16 anos em Marília, interior de São Paulo, Jefferson Aparecido
Dias foi destaque na mídia nacional e internacional após uma ação contra o
Banco Central exigindo a retirada da expressão "Deus seja louvado"
das cédulas de Real. Ele também é autor de outras ações polêmicas, como uma
ajuizada em 2009 que pedia a retirada de símbolos religiosos que estivessem
expostos em repartições públicas federais. O argumento proposto era o de que,
apesar de ter uma população majoritariamente cristã, o Brasil é um País laico
e, por isso, não poderia haver vinculação entre o poder público e qualquer
igreja ou crença religiosa.
Em outra
ação judicial, desta vez contra a prefeitura de Marília, Dias exigia que a cor
da bandeira do município, adotada há quase três décadas, voltasse a ter a cor
vermelha. Na época, o então prefeito Mário Bulgarelli, alegou que a mudança
ocorreu em razão da cor do uniforme do time de futebol da cidade, o Mac
(Marília Atlético Clube) e pelo fato dos prédios públicos municipais ostentarem
a cor azul. Para Dias, a mudança lesava o patrimônio cultural da cidade, além
do que, a população não havia sido consultada sobre a alteração. O pedido foi
aceito pela Justiça e houve a troca do azul pelo vermelho.
O
procurador moveu ainda duas ações contra uma das maiores emissora de TV do
País. Em uma delas, a exigência era para que a emissora explicasse, durante um
reality show, as formas de transmissão do HIV. A medida foi tomada depois que
um participante do programa disse que heterossexuais não contraíam aids. Já na
outra, Dias ajuizou uma ação civil pública para que cenas que pudessem estar
relacionadas a crimes não fossem exibidas. A ação foi motivada depois que a
emissora exibiu imagens de um suposto estupro ocorrido no mesmo programa.
Além de
ocupar o cargo de procurador da República em Marília, no interior de São Paulo,
Jefferson Dias também responde pela Procuradoria Regional dos Direitos do
Cidadão (PRDC), com sede na capital. O mandato à frente da PRDC é de dois anos,
podendo haver reeleição. Ele encerra quatro anos no comando da procuradoria no
início de 2013. A escolha do sucessor será feita mediante eleições internas.
Em
entrevista exclusiva ao Terra, ele fala sobre os motivos que o
levaram a propor a ação, se diz católico e
revela que vem sofrendo ameaças de
morte.
Como
surgiu essa ação?
Jefferson
Dias - Uma pessoa ateia entrou com uma
representação na PRDC questionando a existência do "Deus seja
louvado". Na procuradoria, as queixas são distribuídas e, dependendo da
temática, vai para a PRDC. Toda essa temática de liberdade religiosa vai para a
PRDC e aí eu passo a investigar. A reclamação era só no aspecto de laicidade do
Estado, um estado laico. E aí nós constatamos também que não tem uma lei
autorizando, que era um pedido pessoal do ex-presidente da República num
primeiro caso e, depois, um pedido pessoal do ministro da Fazenda. Então aí a
ação é proposta sob dois aspectos: violação da legalidade e violação do
princípio da laicidade do Estado.
A
pessoa que entrou com a representação se sentia incomodada com a expressão?
Jefferson Dias - Ela relata que se
sentia afetada na sua liberdade religiosa pelo fato dela não crer em Deus e ter
que conviver com a manifestação estatal de predileção por uma religião. Se
chegar uma representação pra mim, independente de qual for a temática, eu sou
obrigado a investigá-la. É uma obrigação legal minha.
A
substituição das cédulas vai gerar despesas ao Banco Central?
Jefferson Dias - Não vai gerar nenhum
gasto. As cédulas vão se danificando e vão sendo substituídas gradativamente.
Ela tem um tempo de vida útil e aí ela acaba se deteriorando e sendo substituída.
Na ação nós pedimos que, nessa substituição de cédulas, elas sejam trocadas sem
a expressão. Nem que demore 10, 15 ou 20 anos. Mas acredito que demore menos.
Um
ateu entrou com a representação por se sentir ofendido, mas fato de retirar a
expressão "Deus seja louvado" das cédulas não vai ofender uma
população 64% católica, além das demais religiões cristãs?
Jefferson
Dias - O Estado não pode manifestar
predileção religiosa. O Brasil optou em 1890 por ser um estado laico. O mais
grave que um eventual sentimento dos católicos, é o fato de ser ilegal. Por
exemplo, eu não gosto de pagar impostos, então não quero pagar impostos, mas é
ilegal. Mesmo sendo católico, eu ouso discordar um pouco. Porque, se você for
estudar a Bíblia, Jesus nunca teve uma posição materialista. Jesus disse que,
quando lhe é perguntado se ele deveria dar dinheiro, pagar imposto a César, ele
fala "A César o que é de César, a Cristo o que é de Cristo". Quando
ele encontra vendedores no templo, ele os expulsa de lá dizendo que "A casa
do Senhor não é casa de comércio". Perguntado sobre o rico, ele fala que
"seria mais fácil um camelo passar pelo buraco da agulha do que um rico
entrar no reino dos céus". Então, em nenhum momento Jesus deu a atender,
para quem é cristão, que o dinheiro deveria trazer o nome dele ou o nome de
Deus. Acho que é uma inversão de valores.
Com
tantas injustiças e violência, essa não seria uma forma de ressaltar certa
religiosidade, pregar o cristianismo?
Jefferson
Dias - Mas essa é uma injustiça e uma
violência. Eu estou sendo ameaçado por causa dessa ação, por cristãos. Recebi
alguns emails com ameaças, em nome de Deus.
Ameaças
em que sentido?
Jefferson
Dias - De que vão me matar. A religião
é usada para violação de direitos humanos também. Acho um pouco de hipocrisia
do religioso que usa um discurso, mas não usa uma prática condizente. Eu tenho
uma religiosidade, a minha, mas acho que o Estado não pode ter religiosidade.
Cada cidadão tem direito de optar pela sua.
O
senhor já foi abordado na rua, questionado sobre essa a ação?
Jefferson Dias - Na sexta-feira, em um
jantar, fui bastante abordado. Mas para ser elogiado pela iniciativa. As
pessoas me questionam mais pelo Twitter.
O
senhor responde aos comentários?
Jefferson
Dias - Em alguns casos eu respondo. Só
não quando a pessoa falta com a educação porque a abordagem está sendo
agressiva, desrespeitosa.
O
senhor poderia divulgar o seu endereço no Twitter?
Jefferson
Dias - Claro, é @jeffdiasmpf.
Qual a
posição do senhor com relação à crítica do ex-presidente e presidente do Senado
José Sarney (PMDB-AP) que disse "eu acho que isso é uma falta do que
fazer"?
Jefferson Dias - Eu acho que as pessoas
não se dão ao trabalho de pesquisar sobre o trabalho da PRDC. Só nos últimos
seis meses, por exemplo, nós fizemos um acordo com o INSS (Instituto Nacional
da Seguridade Social) em uma ação nossa, que é o maior acordo da história do
instituto. Em torno de 3 milhões de pessoas serão beneficiadas e R$ 15 bilhões.
Nós conseguimos obrigar o governo federal a fornecer remédios para o AVC
(acidente vascular cerebral), em abril desse ano. Temos uma ação contra a Anac
(Agência Nacional de Aviação Civil) para que ela obrigue as empresas aéreas a
transportar cadeiras de rodas sem custo, porque ela cobra. Na página da
Procuradoria nós temos relatórios semestrais. Há uma PRDC por Estado e nós
somos a que mais tem demanda, a que mais tem ações, a que mais produz. Então eu
estou um pouco acostumado. Se eu entro com uma ação defendendo portadores de
necessidades especiais, falam que eu não tenho o que fazer. Se eu entro com uma
ação defendendo homossexuais, falam que eu não tenho o que fazer. Então, isso é
desculpa de quem se sente incomodado com alguma das nossas medidas. Sempre as
pessoas acham que o outro problema é mais importante.
O
senhor foi procurado por algum representante do Banco Central, do governo
federal ou até mesmo por algum religioso para que a ação fosse retirada?
Jefferson Dias - Até o momento não.
Na
moeda americana, o dólar, também há a expressão religiosa "In God we
trust" (Nós confiamos em Deus) e também uma em latim "annuit
coeptis" (Deus ajudou na nossa empreitada). O senhor é contra essas
manifestações?
Jefferson Dias - A história do dólar é
um pouco diferente. Essas expressões foram colocadas no dólar em 1.776 pelos
maçons porque eles ajudaram na independência do País. Existe toda uma história.
Mas no Brasil foi mandado colocar pelo ex-presidente José Sarney em 1986. Não
tem história nenhuma. E da forma como está hoje, um presidente poderia mandar
colocar "Vai Corinthians", por exemplo. E se a maioria entender que é
para colocar essa expressão? Aí o restante vai ter que aceitar? Pelo discurso
do Banco Central, poderia colocar isso.
Então
se quisermos escrever alguma outra expressão nas cédulas, como "Pague seus
impostos em dia", por exemplo, poderia?
Jefferson
Dias - Pela tese do Banco Central, sim.
Segundo o governo federal, pode ser colocada a mensagem que quiser. E é contra
isso que eu estou lutando.
Por se
tratar de uma ação demorada, sua saída da PRDC (no início de 2013 devido ao
término do mandato) enfraqueceria esse pedido?
Jefferson
Dias - Em tese não. Mas pode ser que
haja alguma decisão e ninguém recorra. Não tem como prever o que vai acontecer.
Principalmente porque, em tese, é uma ação que pode ser levada até o Supremo
Tribunal Federal. E as decisões do Supremo são bem interessantes. O ministro
Marco Aurélio Mello quando foi julgar o caso do aborto de anencéfalos, no voto
dele, ele fala muito sobre as cédulas. Ele já fala que ele acha que deveria ser
retirada a expressão. Tanto que a ação foi baseada muito no voto dele também.
Inclusive, ele conseguiu dados que o Banco Central se recusava a me informar.
Porque o BC foi muito reticente em me dar informações sobre por que havia sido
incluído, quem mandou, e quem conseguiu
foi ele.
O
Banco Central dificultou de alguma forma?
Jefferson
Dias - O Banco Central dificultou sim a
obtenção de informações, acho que, já desconfiado de que ia ter alguma medida
judicial. Num primeiro momento ele respondeu única e exclusivamente que a
expressão foi incluída porque estava no preâmbulo da constituição, só. Aí
depois que o ministro Marco Aurélio descobriu tudo e colocou no voto dele, aí
sim o Banco Central começou a reconhecer que não era bem assim, que existiam
pedidos pessoais.
Mas a
expressão usada no preâmbulo da Constituição não é feita em nome de Deus?
Jefferson Dias - Sim, é outra.
Inclusive o Supremo já decidiu que a palavra Deus no preâmbulo não tem força
normativa, não gera efeitos jurídicos. Pessoalmente, acho que estamos
abstraindo um problema de sentimentos pessoais. Acho que é inevitável. O
Brasil, mais cedo ou mais tarde, vai ter que fazer essa separação efetiva entre
Estado e governo. O interessante é que a própria Igreja Católica tem documentos
dirigidos aos países muçulmanos. Quando diz respeito a países muçulmanos, a Igreja
Católica defende a separação de Estado da igreja. Mas quando é do lado dela,
ela defende outra coisa.
Essas
expressões não são utilizadas apenas pela Igreja Católica, mas por outras
igrejas cristãs também.
Jefferson
Dias - Mas tudo indica que foi incluída
pela Igreja Católica. Além de ser uma expressão que não vai incorporar os
politeístas e os ateus. Vamos supor que o próximo presidente da República seja
ateu e ele queria escrever "Deus não existe". Pela regra que eles
falam, poderia.
Como
senhor avalia as decisões tomadas pelo Supremo, já que o citou, diante de temas
polêmicos como o aborto de anencéfalos, o uso de células tronco e a união
homoafetiva?
Jefferson
Dias - O Supremo está decidindo
juridicamente e não de acordo com religião. Acho isso importante. São decisões
acertadas que debatem a partir de preceitos legais, funcionais, e acho que é o
caminho. Esses são os grandes temas discutidos hoje em que os argumentos não
são jurídicos, são religiosos. Esse desejo da Igreja Católica de continuar
pautando decisões a partir de visões religiosas e não legais, acho que não tem
mais espaço. Superamos essa fase. Muitas pessoas vão ficar incomodadas, mas
acho que é um preço muito pequeno a se pagar pela democracia.
Apesar de não concordarmos 100%
com o procurador — como, por exemplo, nos casos envolvendo abortos, uso de
embriões para pesquisas e união homo afetiva — nesse caso específico, envolvendo
a frase “Deus Seja Louvado” no papel moeda do Brasil, ele tem nosso apoio.
Que Deus abençoe a todos.
Alexandros
Meimaridis
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