Essa é uma série cujo
propósito é estudar, com profundidade, os ensinamentos da Bíblia acerca do
pecado, com uma ênfase especial na questão do chamado “pecado para a
morte”.
6. Pecado e
Livre Arbítrio
O assim chamado Livre-Arbítrio — liberum arbitrium — é uma das
mais antigas discussões no seio da igreja cristã. Somente a ignorância da
história e a persistente insensatez humana continuam mantendo viva esta
possibilidade filosófica já que seu início pode ser traçado diretamente aos
dias de Pelágio Brito ou Britannicus[1], que foi um monge — não
ordenado — e que viveu entre 354 e 445 a.D.
O Pelagianismo é considerado por muitos como a primeira tentativa
de reformar a Igreja Católica. Pelágio acreditava que os seres humanos podiam
satisfazer os mandamentos de Deus sem a ajuda da graça de Deus. Pelágio escreveu
inúmeras obras. A grande maioria não existe mais. Entre suas obras nós podemos
citar as seguintes:
A. De Fide Trinitatis — perdido.
B. Eclogarum ex Divinis Scripturis líber unus — coletânea de
passagens bíblicas comentadas.
C. Commentarii Epistolas S. Paulii — este livro continha muitos
dos seus desvios doutrinários e estes foram usados pela igreja para condená-lo
tanto no Ocidente — Concílio de Cartago em 418 a.D. — como no Oriente — Concílio
de Éfeso em 431 a.D.
Em seus escritos, Pelágio negava o estado de inocência de nossos
primeiros pais bem como a idéia do primeiro pecado cometido por eles. Pelágio
defendia a idéia de que:
1. A concupiscência é algo natural e inerente aos seres humanos.
2. Nossos primeiros pais morreriam como qualquer outro humano
mesmo que não tivessem pecado.
3. A atual existência e universalidade do pecado eram fruto do mau
exemplo dado por Adão ao pecar pela primeira vez.
As idéias de Pelágio estavam profundamente enraizadas, não nas
escrituras, mas em antigas filosofias pagãs, especialmente no popular sistema
defendido pelos Estóicos[2]. Pelágio
acreditava no livre arbítrio incondicional dos seres humanos. Considerava ainda que a força moral da vontade humana, por ele
referida como “liberum arbitrium”— poderia ser fortalecida pelo asceticismo,
que é a moral que desvaloriza os aspectos corpóreos e sensíveis do homem, e
isto a ponto de fazê-la desejar e obter os mais elevados ideais de virtude.
Para Pelágio o valor do sacrifício de Jesus estava limitado às instruções,
referidas como “doctrina”, e ao exemplo, que ele chamava de “exemplum”, e que o
Salvador nos deixou como uma contrapartida ao mau exemplo deixado por Adão.
Pelágio foi realmente o primeiro indivíduo a idealizar Jesus como um “perfeito
rotariano”. Dessa maneira, para Pelágio, a natureza, incluindo a raça humana, retém
a habilidade de conquistar o pecado e de alcançar a vida eterna sem o auxílio
da graça divina. A favor de Pelágio precisamos destacar que ele aceitava o fato
de sermos purificados de nossos pecados no processo de justificação mediante a
fé. Mas o perdão justificador de Deus não implicava em uma renovação interna ou
santificação de nossas almas e/ou espíritos.
Os ensinos de Pelágio foram, em grande parte, confrontados por
Aurelius Augustinos — 354 — 430 a.D — conhecido como santo Agostinho e que se
tornou bispo da cidade portuária de Hipona no norte da África. As obras de
Agostinho que trataram destas questões são:
1. De Peccatorum Meritis et Remissione.
2. De Spiritu et Letera.
Pelágio provavelmente morreu na Itália entre os anos 441 a 445
a.D., durante o reinado de Valentiniano III.
Apesar das idéias acima terem sido condenadas por dois concílios —
especialmente ecumênico foi o de Éfeso em 431 a.D. — elas não desapareceram e
são sempre recicladas.
Somente a ignorância da história e a persistente insensatez humana,
manifesta na defesa de interesses outros e não da verdade, continuam mantendo
viva esta possibilidade filosófica. Para entendermos melhor esta questão,
falemos um pouco sobre o binômio “pecado e liberdade”.
Em primeiro lugar precisamos dizer que o conceito de liberdade não
explica o pecado. Ou seja, o pecado não existe porque alguém possui liberdade
para pecar. Mesmo admitindo que o pecado está relacionado com o conceito de
liberdade, este conceito, ainda assim, não explica como o pecado surgiu. Deus mesmo
é o único que possui genuína liberdade e Ele também não pode pecar. Isto deve
deixar mais do que evidente que o conceito de liberdade não serve para explicar a existência
do pecado.
Deus criou o homem — como homem e mulher — com uma liberdade que era
moralmente qualificada. Isto quer dizer que ele era livre para obedecer e se
submeter voluntariamente a Deus. Quer dizer também que a continuidade daquela
liberdade dependia da decisão de evitar o pecado. Este é o ensino das
Escrituras tanto do Antigo quanto do Novo Testamento. O homem, como
originalmente criado por Deus, tinha a habilidade de não pecar, e o homem
recriado em Jesus não vive em pecado — ver 1 João 5:18 — e está destinado, a
viver por toda eternidade, livre da própria presença do pecado. O que estamos
querendo dizer é que a habilidade de pecar não faz parte da essência daquilo
que a liberdade representa. A verdadeira liberdade no homem criado por Deus e depois
re-criado em Cristo, constitui-se na habilidade, moralmente qualificada, de
fazer o bem. E não na capacidade, moralmente não
qualificada, de fazer ou o bem ou o mal. Este tipo de dualismo não está
presente onde a liberdade existe. A verdadeira liberdade pertence à essência
daquilo que o homem é como criado por Deus e como re-criado em Jesus. Em
nenhuma destas duas situações anteriores — criação original e re-criação em
Jesus — a liberdade é uma instância moralmente neutra e não qualificada da
humanidade. De fato, o efeito que o pecado humano produz sobre a liberdade é
definido pela Bíblia, não como qualquer outra forma de liberdade, maior, ou
melhor, ou mais sofisticada, e sim, como pura e simples ESCRAVIDÃO.
É importante entendermos que o homem, como criado por Deus, não
tinha mais liberdade para pecar, da mesma maneira que, uma vez tendo pecado e
caído em escravidão moral, ele não é livre para voltar e tornar a ser o que ele
era antes. Para tal, o mesmo está sujeito à graça de Deus, para restaurá-lo,
mediante a recriação em Cristo, à liberdade que foi perdida por causa da
transgressão do pecado. O pecado, como vimos na análise de Gênesis 3:1—6 num
estudo anterior da série, constitui uma perda mesmo quando aparenta ser uma
ganho. Por esse motivo o pecado não pode nunca ser considerado como consequência
do exercício da liberdade. Infelizmente, para aqueles que querem ver no pecado
o resultado do exercício da liberdade humana, temos a dizer apenas que: o pecado é
realmente um mistério; como tal, o mesmo é tanto imoral como irracional. Todas as vezes que se tentou usar o conceito de liberdade para
se explicar o pecado, o resultado foi sempre um desvio da sã doutrina como
manifestado no “Pelagianismo”, e nas suas formas posteriores do
“Semi-Pelagianismo” e “Arminianismo”. Os maiores representantes destas escolas
de pensamento nestes primeiros anos do século XXI são a Igreja Católica
Apostólica Romana e a grande maioria das igrejas Pentecostais de todas as
ondas, bem como algumas igrejas batistas. Estas igrejas, apesar de se chamarem
de cristãs, possuem em comum a crença de que a salvação pode ser perdida, pois
depende da própria pessoa e não de Deus exclusivamente.
Agora, de acordo com o relato bíblico da queda, o homem, ao
transgredir, além de perder o seu direito de viver no Jardim do Éden, pois foi
expulso de lá; perdeu também seu direito a vida e o direito de ser ele mesmo:
nu e não envergonhado. Com isto, a partir da queda, no relato bíblico, o homem, como pecador,
é mostrado como não sendo livre. Pelo contrário, ele é um escravo do pecado e
está sob o poder da morte. Uma das mais dramáticas consequências
dessa falta de liberdade é que o homem caído é devotado aos ídolos. E nesta
devoção aos ídolos, ele acaba por se transformar em um ser subumano e igual aos
ídolos aos quais ele se devota —
Salmos
115:1—8
1 Não a
nós, SENHOR, não a nós, mas ao teu nome dá glória, por amor da tua misericórdia
e da tua fidelidade.
2 Por que
diriam as nações: Onde está o Deus deles?
3 No céu
está o nosso Deus e tudo faz como lhe agrada.
4 Prata e
ouro são os ídolos deles, obra das mãos de homens.
5 Têm boca
e não falam; têm olhos e não vêem;
6 têm
ouvidos e não ouvem; têm nariz e não cheiram.
7 Suas mãos
não apalpam; seus pés não andam; som nenhum lhes sai da garganta.
8 Tornem-se
semelhantes a eles os que os fazem e quantos neles confiam.
Ídolos, neste conceito, não são apenas as imagens de escultura e
sim tudo aquilo que seduz e engana o homem, a fim de transformá-lo e reduzi-lo
a ser menos do que Deus intencionava. É de fato curioso que o resultado
direto da transgressão, que visava levar o homem a ser mais do que Deus
intencionava, acabou por levá-lo a ser exatamente o oposto. Mas nem tudo está perdido, porque o Deus Criador continua firme
no controle de todas as coisas. Desta maneira, o homem como escravo do pecado,
pode se tornar cativo da graça de Deus e, através dessa mesma graça, receber de
volta sua verdadeira liberdade como um dom de Deus. Essa nova liberdade,
concedida pela graça divina, permite ao homem experimentar tanto a libertação
do poder do pecado como o perdão do seu passado pecaminoso através do dom da
graça de Deus, que justifica o direito humano de viver de uma maneira aberta um
futuro eterno —
Efésios 1:3—14
3 Bendito o
Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte
de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo,
4 assim
como nos escolheu nele antes da fundação do mundo, para sermos santos e
irrepreensíveis perante ele; e em amor
5 nos
predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo,
segundo o beneplácito de sua vontade,
6 para
louvor da glória de sua graça, que ele nos concedeu gratuitamente no Amado,
7 no qual
temos a redenção, pelo seu sangue, a remissão dos pecados, segundo a riqueza da
sua graça,
8 que Deus
derramou abundantemente sobre nós em toda a sabedoria e prudência,
9
desvendando-nos o mistério da sua vontade, segundo o seu beneplácito que
propusera em Cristo,
10 de fazer
convergir nele, na dispensação da plenitude dos tempos, todas as coisas, tanto
as do céu, como as da terra;
11 nele,
digo, no qual fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito
daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade,
12 a fim de
sermos para louvor da sua glória, nós, os que de antemão esperamos em Cristo;
13 em quem
também vós, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa
salvação, tendo nele também crido, fostes selados com o Santo Espírito da
promessa;
14 o qual é
o penhor da nossa herança, ao resgate da sua propriedade, em louvor da sua
glória.
OUTROS ESTUDOS SOBRE O PECADO
O PECADO — ESTUDO —001 — TERMOS GREGOS E HEBRAICOS E PALAVRAS INTRODUTÓRIAS
O PECADO — ESTUDO —002 — A QUEDA — UMA INTERPRETAÇÃO DE GÊNESIS 3 — PARTE 1
O PECADO — ESTUDO —003 — A QUEDA — UMA INTERPRETAÇÃO DE GÊNESIS 3 — PARTE 2
O PECADO — ESTUDO —004 — A QUEDA PROPRIAMENTE DITA — UMA INTERPRETAÇÃO DE GÊNESIS 3 — PARTE 3 — FINAL
O PECADO — ESTUDO 005 — A VERDADEIRA LIBERDADE
O PECADO — ESTUDO 006 — PECADO E LIVRE ARBÍTRIO
O PECADO — ESTUDO 007 — A BÍBLIA E O PELAGIANISMO
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O PECADO — ESTUDO 009 — HISTÓRIA E QUEDA
O PECADO — ESTUDOS 010 E 011 — O PECADO ORGINAL E A DEPRAVAÇÃO TOTAL
O PECADO — ESTUDOS 012 — PECADO E A GRAÇA DE DEUS
O PECADO — ESTUDOS 013A — PECADO E O CASTIGO PARTE A
O PECADO — ESTUDOS 013B — PECADO E O CASTIGO PARTE B — JESUS NO GETSÊMANI — PARTE 001
O PECADO — ESTUDOS 013C — PECADO E O CASTIGO PARTE C — JESUS NO GETSÊMANI — PARTE 002
O PECADO — ESTUDOS 013D — PECADO E O CASTIGO PARTE D — JESUS NO GETSÊMANI — PARTE 003
O PECADO — ESTUDOS 013E — PECADO E O CASTIGO PARTE E — JESUS NO GETSÊMANI — PARTE 004
O PECADO — ESTUDOS 013F — PECADO E O CASTIGO PARTE F — JESUS NO GETSÊMANI — PARTE 005
O PECADO — ESTUDOS 014A — O PECADO PARA A MORTE — PARTE A — INTRODUÇÃO — QUESTÕES HERMENÊUTICAS
O PECADO — ESTUDOS 014B — O PECADO PARA A MORTE — PARTE B —DIFERENTES TIPOS DE PENAS E CASTIGOS PARA O PECADO IMPERDOÁVEL
O PECADO — ESTUDOS 014C — O PECADO PARA A MORTE — PARTE C —DIFERENTES TIPOS DE PESSOAS QUE PODEM COMETER O PECADO IMPERDOÁVEL
http://ograndedialogo.blogspot.com.br/2015/08/um-estudo-sobre-o-pecado-parte-014_13.html
Grande Abraço e que Deus possa abençoar a todos.
Alexandros Meimaridis
PS. Pedimos a todos os nossos leitores que puderem que “curtam”
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Desde já agradecemos a todos.
[1] Pelágio Brito ou Britannicus —
sabemos muito pouco acerca do início da sua vida e o mesmo ocorre com o final
da mesma. Acredita-se que tivesse nascido na Inglaterra, apesar de alguns
escritores da época tentarem denegrir sua imagem dizendo que ele era escocês.
Para complicar ainda mais esta questão, hoje sabemos que entre os séculos IV e
V a.D. as pessoas, no mundo romano, costumavam chamar de escoceses aqueles
nascidos na Irlanda. Ou seja, a única coisa que o vincula às ilhas britânicas
era seu epíteto de Brito ou Britannicus. Talvez tenha mesmo emigrado para Roma
partindo do sul da Grã Bretanha.
[2] Os
Estóicos ensinavam que o homem torna-se virtuoso através do conhecimento, que o
capacita a viver em harmonia com a natureza e, assim, conseguir um senso
profundo de felicidade — chamada eudamonia em grego — e a libertação da emoção —
apatheia — que o isola das vicissitudes da vida.
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