Palestinos em fuga por suas vidas.
O artigo abaixo foi escrito pela
jornalista israelense Amira Haas e publicado no jornal israelense Haaretz. Hoje os mortos na faixa de Gaza passam de MIL e os feridos de 6000! Mas
Israel insiste em dizer que é a vítima e que tem o direito de se defender.
COLHENDO O QUE NÓS
PLANTAMOS EM GAZA
Aqueles que transformaram Gaza
num campo de concentração para 1.8 milhão de pessoas, não deveriam se
surpreender que seus habitantes estejam cavando túneis por baixo da terra.
Por Amira Hass
July 22, 2014 -
"Haaretz"
Eu já levantei a bandeira branca.
Já me cansei de procurar no dicionário pela palavra que descreve um menino ao
qual falta metade da cabeça, enquanto seu pai grita: “Acorda, acorda, eu
comprei um brinquedo novo para você” Como foi mesmo que Angela Merkel, a
primeira ministra da grande Alemanha, disse? “Israel tem o direito de se
defender”.
Eu continuo lutando com a
necessidade de compartilhar detalhes do sem número de conversas que tive com
amigos em Gaza, com o objetivo de documentar como é aguardar sua vez de ir para
o matadouro. Por exemplo, a conversa que tive sábado pela manhã com J., do
campo de refugiados de al-Bureij, enquanto seguia para Dir-alBalah, com sua
esposa. Os dois têm cerca de 60 anos. Naquela manhã, sua velha mãe recebeu uma
chamada telefônica e ouviu a gravação instruindo os residentes do campo de
refugiados a irem para Dir-al-Balah.
Um livro escrito acerca da
psicologia do exército israelense deveria ter um capítulo inteiro dedicado a
esse sadismo, que está disfarçado sob a ideia de misericórdia: uma mensagem
gravada exigindo que centenas de milhares de pessoas deixem seus lares que já
são alvos, para outro local, igualmente perigoso cerca de 10 quilômetros de
distância. Por que, eu perguntei a J., vocês estão indo embora. “O quê, por
que”? Ele disse: “Nós temos uma pequena casa próxima da praia, com um pedaço de
terra e alguns gatos. Nós vamos lá para alimentar os gatos. Depois que dermos
comida para os gatos retornaremos. Nós vamos juntos. Se nosso carro for
explodido, morreremos juntos”.
Se eu estivesse usando o chapéu
de um analista, eu escreveria: Em contraste com o israelense “diplomático”, o
Hamas não está forçando nenhum habitante de Gaza a permanecer em suas casas,
nem a deixá-las. A decisão é deixada nas mãos dos próprios cidadãos. Para onde
eles podem ir? “Já que temos mesmo que morrer, é algo mais digno morrer dentro
de nossas próprias casas, em vez de morrermos enquanto estamos tentando fugir”
me diz de modo direto o secular J.
Eu continuo convencida que uma
frase como essa vale mais do que mil análises. Mas quando se trata de
palestinos a maioria das pessoas prefere os resumos.
Eu estou farta de mentir para mim
mesma — como se eu fosse capaz de, remotamente, reunir as informações
necessárias para narrar aquilo que os jornalistas que estão lá dentro da Faixa
de Gaza estão narrando. De qualquer forma, essas informações são importantes
para um pequeno grupo da população que fala hebraico em Israel. Na maioria dos
casos essas pessoas estão buscando notícias nos canais estrangeiros ou na
internet. Eles não dependem, daquilo que é escrito em Israel para serem
informados, por exemplo, acerca das curtas vidas de Jihad (11 anos), Wassim (8
anos) Shuhaibar ou seu primo Afnan (de 8 anos) que habitavam em Sabra, na Faixa
de Gaza. Como eu eles também podem ler as notícias escritas pelo jornalista
Jesse Rosenfeld no The Daily Beast.
“Issam Shuhaibar, o pai de Jihad
e Wassim, curvou-se próximo ao túmulo onde seus filhos foram sepultados, com
seus olhos marejados, olhando perdidos para o nada. Seu braço tinha um curativo
depois dele ter feito uma doação de sangue na tentativa de tentar salvar sua
família. O sangue de seus filhos ainda manchava sua camisa”, escreve Rosenfeld.
“Eles estavam alimentando galinhas quando o petardo os atingiu, ele disse. Eu
ouvi um grande barulho no telhado e corri para encontrá-los. Eles eram apenas
pedaços de carne, ele engasgou antes de desatar a chorar”, continua o artigo de
Rosenfeld. Nós assassinamos essas crianças duas horas e meia depois que o cesar
fogo terminou na última quinta feira. Dois outros irmãos, Oudeh (16 anos) e
Bassel (8 anos) foram feridos. Bassel foi ferido gravemente.
O pai contou para Rosenfeld que
houve um míssil de advertência. Antes do ataque eles ouviram o barulho do drone
israelense marcando os locais a serem atingidos como se fosse uma “batida no
telhado”. Então eu perguntei a Rosenfeld: “Se o míssil era uma míssil de
misericórdia, como os que são enviados como tiros de advertência, porque a casa
foi bombardeada logo em seguida”? Por pura sorte eu consegui encontrar a
resposta para minha pergunta numa reportagem feita pela CNN. Uma câmera do
canal estadunidense conseguiu capturar a imagem da explosão que veio logo
depois do tiro de advertência: o mesmo derrubou parte da casa, causou um
incêndio, muita fumaça e levantou muita poeira. Mas não foi a casa de Shuhaibar
que foi atingida e sim outra casa. Isso deu ocasião para o exército israelense
afirmar que a bomba que matou as crianças foi um foguete perdido do próprio
Hamas. Mas eu chequei com Rosenfeld e outras pessoas e todas elas foram
unânimes em afirmar que o míssil que matou as crianças foi o míssil de
advertência do exército de Israel. Issam Shuhaibar é um policial palestino que
recebe seu salário da Autoridade Palestina localizada em Ramalá.
Também desisti de tentar receber
uma explicação das Forças de Ataque de Israel. Será que eles advertiram, por
engano, a casa errada, e assim mataram aquelas crianças? (2 entre as 84
crianças mortas na manhã de domingo).
Eu estou cheia com os esforços
fracassados de competir com a abundância de comentários orquestrados acerca dos
objetivos e das ações do Hamas, vindos de pessoas que pretendem que estiveram
sentadas com Mohammed Deif e Ismail Haniyeh, em vez de alguma fonte do Shin Bet
— polícia israelense — ou das forças de ataque de Israel. Todos os que
rejeitaram a proposta feita pelo Fatah de Yasser Arafat, para a criação de dois
Estados, agora precisam lidar com Haniyeh, com o Hamas e com o BDS Movement —
Freedom, Justice, Equality. Todos os que ajudaram a transformar Gaza em um
campo de prisioneiros para 1.8 milhão de seres humanos não deveriam se
surpreender com os túneis que estão sendo cavados. Todos aqueles que semearam o
estrangulamento, o cerco e o isolamento, colhem agora os foguetes. Aqueles que têm, nos últimos 47 anos cruzado a linha verde, de forma
sistemática, para expropriar as terras dos palestinos, ferindo e machucando a
população civil palestina com ataques, tiroteios e o estabelecimento de
colônias — possuem algum direito de virar os olhos e falar da prática de terror
dos palestinos contra civis israelenses?
O Hamas tem, de forma cruel e
assustadora, destruído o duplo padrão mental que Israel é “senhor”. Todas essas
cabeças brilhantes da espionagem e do Shin Bet realmente não entendem que fomos
nós mesmos – os israelenses – que criamos a receita perfeita para a nossa
versão da Somália. Você querem evitar a escalada da violência? Agora é a hora: Libertem a Faixa de Gaza do cerco imposto, deixem as pessoas voltarem
para o “mundo”, para a Cisjordânia, para suas famílias em Israel. Deixe-os
respirar e eles descobrirão que viver é melhor do que morrer.
© 2014 Haaretz
O artigo original poderá ser
visto por meio desse link aqui
Todos os
comentários, especialmente os que são fruto de ódio, devem ser dirigidos
diretamente para o site do jornal israelense Haaretz por meio do seguinte link:
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Alexandros Meimaridis
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