terça-feira, 24 de março de 2015

RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS CONQUISTAM ADEPTOS DA CLASSE MÉDIA


As religiões afro conquistam a classe média

O artigo abaixo foi publicado pelo site da revista ISTOÉ. O autor é Paulo Rocha.

As religiões afro conquistam a classe média

Os cultos de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, atraem cada vez mais a população escolarizada do País

Paula Rocha (paularocha@istoe.com.br)

Em uma noite fria na cidade de São Paulo, um grupo composto por advogados, engenheiros, médicos e empresários se reúne em um salão amplo e bem iluminado no segundo andar de um prédio, na zona leste da capital. Vestidos de branco e carregando flores e velas, cada um deles está ali por motivos distintos, mas com um objetivo em comum: louvar os orixás – divindades africanas – e oferecer seus corpos como “casa” temporária para espíritos de caboclos e outras entidades. Esse ritual, ou “gira” na linguagem da umbanda, acontece quinzenalmente ao som de tambores e cânticos e sob a orientação do médium Rubens Saraceni, sacerdote umbandista. Além das profissões de prestígio dos frequentadores, outro detalhe chama a atenção: entre os mais de 200 médiuns, de ambos os sexos, presentes naquela noite, apenas três eram negros. A superioridade branca desse terreiro é um sintoma da nova composição de fiéis das religiões afro-brasileiras. Antes frequentados majoritariamente por pessoas de origem humilde, baixa escolaridade e negros — grupo ligado à origem desses ritos —, os cultos de matriz africana, como a umbanda, o candomblé e a religião dos orixás (leia quadro com as características de cada religião abaixo), conquistam cada vez mais a classe média branca e escolarizada do País. Segundo os últimos dados do IBGE, 47% dos adeptos das religiões afro no Brasil são brancos e 13% do total de fiéis têm nível superior completo — índice acima da média nacional, de 11%.


A advogada Flora de Almeida, 29 anos, é o retrato desse crescente tipo de devoto. Criada por pais católicos não praticantes, ela sempre sentiu falta de professar uma religião. “Mas não me sentia à vontade em instituições cheias de dogmas e regras nas quais não acredito”, diz Flora. Em 2012, enquanto enfrentava o término de um relacionamento amoroso, ela decidiu buscar apoio na umbanda, fez um curso e começou a trabalhar em um terreiro. Meses depois, no entanto, conheceu o candomblé e se apaixonou. Hoje ela é “filha” do sacerdote Armando de Ogum e ainda está assimilando os conceitos de sua nova fé. “É como se eu voltasse a ser criança. Tenho que aprender tudo do zero, e é um aprendizado muito bonito. Fui acolhida dentro de uma família”, diz.

As religiões de matriz africana chegaram ao Brasil entre os séculos XVI e XIX, trazidas pelos escravos, alguns deles sacerdotes, que eram traficados para cá. Como, naquela época, a única religião aceita no País era o catolicismo, os devotos dos orixás tiveram que se comportar como cristãos, frequentando ritos e cultuando santos católicos. Dessa mistura entre tradição africana e influência europeia nasceu o candomblé – que une a devoção aos orixás com conceitos da religião católica – e posteriormente a umbanda, misto de culto aos orixás, com preceitos kardecistas e crenças indígenas. “As religiões afro-brasileiras nasceram marginalizadas e, ao longo do tempo, foram estabelecendo laços com pessoas influentes, que ajudavam a diminuir o preconceito na sociedade em geral”, diz Reginaldo Prandi, professor-sênior do departamento de sociologia da Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro “Mitologia dos Orixás”. “As pessoas de classe média e alta já vêm se integrando aos cultos afro há muito tempo, mas são discretas devido às suas posições sociais”, conta o sacerdote Rubens Saraceni. “Mas essa integração, principalmente à umbanda, cresce cada vez mais.”

01.jpg

Na esteira do aumento do grau de instrução dos fiéis das religiões afro surgiram escolas e cursos de umbanda e candomblé, que ensinam os conceitos teológicos por trás das atividades praticadas nos centros religiosos. Já existe até uma faculdade de teologia umbandista reconhecida pelo Ministério da Educação (MEC), a Faculdade de Teologia Umbandista (FTU). Outro setor que prospera com a inserção dos mais abastados nos cultos de matriz africana é o do comércio de artigos afro. Só a loja Mãe África, considerada a maior do País, oferece mais de dois mil itens em 340 m2 de área — o mais caro deles, uma peça em bronze que reproduz uma rainha iorubá (grupo étnico africano), custa R$ 15 mil. “A ideia de que as religiões afro são coisa de gente pouco instruída ou pobre está totalmente errada”, diz Prandi. “Hoje, a camada mais pobre do Brasil, a base da pirâmide, é, em sua maioria, evangélica.”

02.jpg

Nascida em uma família de classe média católica e com ascendência oriental, a empresária Juliana Ogawa, 37 anos, presenciou de perto a mudança no perfil dos fiéis afro. Aos 13 anos, levada por um tio, ela procurou a umbanda pela primeira vez, atrás de uma cura ou explicação para as dores de cabeça que sentia constantemente, e que não foram diagnosticadas. Durante os sete anos seguintes, ela se dedicou à religião, descobriu-se médium, mas abandonou os rituais, procurou outras formas de exercer sua espiritualidade e só voltou para a umbanda em 2009. “Antes, era raríssimo encontrar alguém com ensino superior. Hoje, todas as pessoas da casa que frequento têm terceiro grau completo”, conta Juliana. Assumir sua opção religiosa, no entanto, não é mais fácil atualmente do que há duas décadas. “O preconceito ainda existe e parece até pior do que antes, por conta do avanço dos evangélicos neopentecostais, que são contra os cultos afro”, diz ela. “Os neopentecostais tratam as religiões de matriz africana como inimigas e esse intenso combate contribui para a evasão dos mais humildes”, acrescenta Prandi.

03.jpg

Os novos fiéis de classe média, por sua vez, fazem questão de não esconder sua religiosidade. Caso do médico Rogério Pascale, 38 anos, seguidor da religião dos orixás há sete anos. Toda vez que cumprimenta o Babá King, sacerdote do Templo Oduduwa, em Mongaguá (SP), o clínico geral se ajoelha e encosta a testa no chão, em sinal de reverência, mesmo que esteja dentro do hospital em que trabalha. “Nessa religião não há julgamento e respeitamos as pessoas pelo que elas são”, diz Pascale. “Aqui não importa quem ganha mais ou menos. Somos todos iguais.”

04.jpg

Fotos: João Castellano/Ag. Istoé; FELIPE GABRIEL
O artigo original poderá ser visto por meio do seguinte link:


Que Deus abençoe a todos.

Alexandros Meimaridis

PS. Pedimos a todos os nossos leitores que puderem que “curtam” nossa página no Facebook através do seguinte link:


Desde já agradecemos a todos.     

2 comentários:

  1. Muito interessante a reflexão. Faz sentido porque os negros ou os de classe baixa e de baixa instrução estão saindo dos cultos de matriz afro, na verdade eles estão sendo cooptados pelos evangélicos que pegam os símbolos os mitos, os rituais para as religiões evangélicas, mas trazem com um sentido diferente, combatendo as religiões afro... é um sincretismo pernicioso, sem tradição, uma salada sem reflexão e fundamentalista. Mas gostaria de saber uma coisa que sempre me incomodou, se vc tiver a reposta? O que você quer dizer com não haver a noção de mal? Tudo bem não haver a noção de diabo que é uma categoria que faz sentido dentro das religiões judaico-cristãs, mas mal... será que mal não é transgredir as regras que formam a sociedade, qualquer sociedade? Parece quando se fala assim, que não há lei, que não há moral nas religiões de matriz afro e nas sociedades africanas e indígenas, o que obviamente justificaria sua inferioridade moral, e sei que não é essa a verdade obviamente, como todo pessoa de bom senso logo vê... Já que toda sociedade para se formar estabelece regras de convivência, tabus.... entendo não existir o demônio, mas acho que existe o mal é uma coisa complicada de se dizer... Até mesmo o mal-olhado, só para citar um exemplo, que se quer evitar com banhos, com plantas, é um mal que se quer evitar. Na religião de umbanda, por exemplo, os participantes ou entidades rechaçam quem os procura para fazer o mal para os outros, e só vai gente para lá para fazer o mal por causa dessa propaganda enganosa de que lá não há bem e mal, e portanto tudo poderia, tenho certeza que matar, roubar e tantas coisas, é errado e mal nas religiões afro também... tenho certeza porque conheço, e quebrei meus preconceitos porque fui atrás e descobri, vi. Penso que descrever a coisa dessa forma faz com que se perpetue o preconceito, não há diabo como na mitologia judaico-cristã, mas há mal sim, há o bem,há o que é certo e o que é errado, há a busca do aperfeiçoamento moral, a busca da atitude correta para viver bem com as outras pessoas, há tabu. Lembro que quando fui pro candomblé a primeira vez, cheia de preconceitos, me surpreendi com a sacerdotisa que me explicou porque todo mundo se dá a bênção, porque todo mundo beija a mão uns dos outros, isso era uma ritualização de uma ideia de bem, de convivência, que devemos tratar uns aos outros bem, que ali eram todos irmãos, e ela sabe que isso é o bem, um bem que ela gostaria de ensinar a todos os filhos da casa.... Você tem algo a dizer sobre isso? Faço parte de uma pós-graduação em ciências das religiões que um dos professores, apologeta católico, disse exatamente isso, que as religiões afro não eram religiões, que eram magia apenas,e que não havia moral, não havia bem e mal... Automaticamente um aluno associou que os despachos obviamente eram para fazer o mal a outras pessoas, como matá-las, ou lhes incutir o "demônio", fiquei chateadíssima com o preconceito, ainda mais num curso de nível superior, por isso mesmo acho que quem estuda as religiões de matriz afro deveriam se atentar com o que parece quando dizem que não há mal, explicar melhor o que se quer dizer com isso, que de preconceito, está religião já está cheia não é?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Cara Ana, serei breve.

      1. Note que o artigo não foi escrito pelos editores do Blog O Grande Diálogo, conforme indicação clara logo no início do mesmo.

      2. O fato de se afirmar que na umbanda não existe nem bem nem mal, não deve levar nem você nem qualquer outra pessoas a imaginar que os adeptos dos cultos afro sejam pessoas sem moral. Isso é um absurdo.

      3. Olha, se você vier participar de qualquer reunião em nossa igreja você será saudada com um cumprimento de mão e um beijo fraterno no rosto. Não acho que isso seja algo exclusivo da umbanda.

      3. Eu lamento que certas atitudes, mesmo no meio acadêmico, deixem tanto a desejar.

      4. Quanto a tua alegação de que existe uma propaganda mentirosa contra a umbanda, eu acho que maiores responsáveis por essa situação são os próprios membros que espalham cartazes com dizeres, tais como: "faço e desfaço obras de feitiçaria". As implicações são óbvias.

      Abraço,

      irmão Alex.

      Excluir