Ato em apoio a Julian Assange em
2010: "não atire no mensageiro"
O artigo abaixo foi publicado
pelo site da Revista Carta Capital e é de autoria do brilhante jornalista e
cineasta australiano John Pilger.
O
prisioneiro que apavora o Império Americano (1)
por John Pilger
Por que Washington teme quem
revelou seus segredos e criou o Wikileaks? As acusações esfarrapadas a
submissão da Suécia e a dignidade do Equador
O cerco à Embaixada do Equador,
no bairro londrino de Knightsbridge, é tanto um emblema de injustiça bruta
quanto uma farsa cansativa. Há três anos, um cordão policial em torno do prédio
onde se refugiu Julian Assange não serve a outro propósito exceto ostentar o
poder do Estado.
Já custou o equivalente a 65
milhões de reais. A presa é um australiano que não foi acusado de crime algum,
um refugiado cuja única segurança é o aposento oferecido por um país
sul-americano corajoso. Seu “delito” é ter iniciado uma onda de revelações
incômodas, numa era de mentiras, cinismo e guerra.
A perseguição a Julian Assange
está para recrudescer porque entra num estágio perigoso. A partir de 20 de
agosto, três quartos da acusação dos promotores do caso contra Assange,
relativa à má conduta sexual em 2010 desaparecerão, quando expirarem as
limitações a sua defesa.
Porém, intensificou-se a obsessão
de Washington para liquidar Assange e o WikiLeaks. Na verdade, é o poder
vingativo de Washington que representa a maior ameaça — como podem atestar
Chelsea Manning e os prisioneiros de Guantánamo.
Os norte-americanos perseguem
Assange porque o WikiLeaks expôs seus crimes épicos no Afeganistão e no Iraque:
as mortes de dezenas de milhares de civis que eles esconderam; e seu desprezo
pela soberania e leis internacionais, como demonstrado, de forma brilhante, nos
despachos diplomáticos vazados.
O WikLeaks continua a expor a
atividade criminosa dos EUA: acabou de publicar documentos altamente sigilosos
interceptados — relatórios de espiões estadunidenses detalhando telefonemas
privados dos presidentes da França e da Alemanha, e outros altos funcionários,
relativos a assuntos políticos e econômicos internos da Europa.
Nada do que Assange fez é ilegal
sob a Constituição dos EUA. Como candidato à presidência em 2008, Barack Obama,
um professor de direito constitucional, louvou os denunciadores como “parte de
uma democracia saudável [e eles] precisam ser protegidos de represálias”.
Já em 2012, a campanha para
reeleger Barack Obama presidente gabava-se em seu site de ter perseguido mais
denunciadores em seu primeiro mandato do que todos os outros presidentes
norte-americanos juntos.
Antes mesmo que Chelsea Manning
tivesse ido a julgamento, Obama declarou-o culpado. Chelsea foi depois
sentenciada a 35 anos de prisão, tendo sido torturada durante sua longa
detenção antes de ser julgada.
Há poucas dúvidas de que, caso os
EUA coloquem as mãos sobre Assange, um destino semelhante o espera. Ameaças de
prisão e assassinato de Assange tornaram-se moeda corrente dos extremistas
políticos nos EUA, depois da calúnia absurda do vice-presidente Joe Biden, para
quem o fundador do WikiLeaks era um “cyber-terrorista”.
Aqueles que duvidam do grau de
crueldade que Assange pode esperar deveriam lembrar-se do pouso forçado imposto
ao avião do presidente Evo Morales, da Bolívia em 2013, porque os EUA supuseram
erroneamente que ele transportava Edward Snowden.
De acordo com documentos
divulgados por Snowden, Assange figura numa “lista de alvos de caçada humana”.
As tentativas de Washington para colocar as mãos sobre ele, dizem despachos
diplomáticos australianos, é “sem precedentes em escala e natureza”.
Em Alexandria, Virginia, um júri
secreto passou cinco anos tentando achar um crime pelo qual Assange possa ser
processado. Não é fácil. A Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos
protege editores, jornalistas e denunciantes.
Frente a esse obstáculo
constitucional, o Departamento de Justiça dos EUA tramou acusações de
“espionagem”, “conspiração para cometer espionagem”, “conversão” (roubo de
propriedade do governo), “fraude e abuso de informática” (pirataria
informática) e “conspiração” em geral. A Lei de Espionagem prevê prisão
perpétua e pena de morte.
A possibilidade de Assange
defender-se nesse mundo kafkiano foi prejudicada pelo fato de os EUA declararem
seu caso segredo de Estado. Em março, um tribunal federal de Washington
bloqueou a divulgação de qualquer informação sobre a investigação de “segurança
nacional” contra o WikiLeaks, porque ela estava “ativa e em curso” e seria
prejudicada a “acusação pendente” contra Assange. A juiza, Barbara J.
Rosthstein, disse que era necessário mostrar “deferência apropriada ao
Executivo em matéria de segurança nacional”. Tal é a “justiça” de um tribunal
de fachada.
O papel de apoio nessa farsa
sinistra está na Suécia, e é interpretado pela procuradora Marianne Ny. Até
recentemente, Ny recusou-se a cumprir um procedimento europeu de rotina, que
exigia que ela viajasse a Londres para interrogar Assange e fazer o caso
avançar.
Durante quatro anos e meio, Ny
nunca explicou de forma convincente por que razão recusou-se a ir para Londres;
e as autoridades suecas nunca explicaram por que se recusaram a dar a Assange
garantias de que não iriam extraditá-lo para os EUA sob um acordo secreto firmado
entre Estocolmo e Washington. Em dezembro de 2010, o jornal britânico The
Independent revelou que os dois governos haviam discutido sua futura extradição
para os EUA.
Contrariamente à sua reputação de
bastião em defesa das liberdades, nos anos 1960, a Suécia aproximou-se tanto
Washington que permitiu as prisões secretas executadas pela CIA e a deportação
ilegal de refugiados.
A prisão e subsequente tortura de
dois refugiados políticos egípcios em 2001 foi condenada pelo Comitê contra a
Tortura da ONU, a Anistia Internacional e o Human Rights Watch; a cumplicidade
do Estado sueco está documentada em processo civil bem sucedido e em despachos
vazados pelo WikiLeaks.
No verão de 2010, Assange tinha
voado para a Suécia para falar sobre revelações do WikiLeaks relativas à guerra
no Afeganistão – em que a Suécia tinha soldados sob comando dos EUA.
“Documentos divulgados pelo
WikiLeaks depois que Assange mudou-se para a Inglaterra”, escrever Al Burke,
editor da versão online do Nordic News Network, um estudioso dos múltiplos
riscos que Assange enfrenta, “indicam claramente que a Suécia é submetida
consistentemente a pressão dos Estados Unidos, em assuntos relativos a direitos
civis.
Existem todas as razões para
temer que, se Assange fosse mantido sob custódia pelas autoridades suecas, ele
poderá ser transferido para os Estados Unidos sem a devida consideração de seus
direitos legais.
Por que razão a promotora pública
sueca não resolveu o caso de Assange? Muitos na comunidade jurídica da Suécia
acreditam que seu comportamento é inexplicável. Antes implacavelmente hostil a
Assange, a imprensa sueca já chegou a publicar manchetes tais como: “Vá para
Londres, pelo amor de Deus.”
Por que ela não foi? Mais
precisamente, por que ela não permite o acesso do tribunal sueco a centenas de
mensagens de SMS que a polícia extraiu do telefone de uma das duas mulheres
envolvidas nas alegações de má conduta sexual? Por que ela não as passou aos
advogados suecos de Assange?
Ela diz que não está legalmente
obrigada a fazê-lo até que uma acusação formal seja lançada e ela tenha
interrogado o acusado. Mas então, por que ela não o interroga? E se ela o
fizesse, as condições que iria exigir dele e de seus advogados – que não
pudessem desafiá-la – tornariam a injustiça que comete uma quase certeza.
Por uma questão processual, o
Supremo Tribunal da Suécia decidiu que Ny pode continuar a obstruir a
divulgação crucial das mensagens de SMS. O tema vai agora para o Tribunal
Europeu dos Direitos Humanos. O que Ny teme é que as mensagens SMS destruam sua
acusação contra Assange.
Uma das mensagens deixa claro que
uma das mulheres não queria fazer qualquer queixa contra o fundador do
Wikileaks, “mas a polícia estava ansiosa para colocar as mãos nele”. Ela ficou
“chocada” quando eles o prenderam só porque ela “queria que ele fizesse um
teste [HIV].” Ela “não quis acusar JA de nada” e “foi a polícia que inventou as
acusações”. (No depoimento de uma testemunha, ela é citada ao dizer que tinha
sido “atropelada pela polícia e outros ao seu redor.”)
Nenhuma das mulheres alegou ter
sido estuprada. De fato, ambas negaram ter sido estupradas e uma delas chegou a
tuitar “não fui estuprada”. É evidente que foram manipuladas pela polícia e
seus desejos ignorados – seja o que for que seus advogados possam dizer agora.
Certamente são vítimas de uma história que atinge a própria reputação da
Suécia.
O único julgamento a que Assange
teve “direito” foi o da mídia. Em 20 de agosto de 2010, a polícia sueca abriu
uma “investigação de estupro”. Informou de imediato – e ilegalmente – aos
tabloides de Estocolmo que havia uma autorização para Assange ser preso pelo
“estupro de duas mulheres”. Essa foi a notícia que rodou o mundo.
Em Washington, o secretário de
Defesa, Robert Gates, disse sorridente aos repórteres que a prisão “soa como
boa noticia para mim”. Contas de tuiter associadas ao Pentágono descreveram
Assange como “estuprador” e “fugitivo”.
Menos de 24 horas depois, a
procuradora geral de Estocolmo, Eva Finne, assumiu a investigação. Ela não
demorou a cancelar o pedido de prisão, dizendo, “Não acredito que haja nenhuma
razão para suspeitar que ele cometeu um estupro.” Quatro dias depois, encerrou
todo o inquérito, dizendo: “Não há suspeita de crime algum”. O processo foi
arquivado.
Entra Claes Borgstrom, um
político de alto nível do Partido Social Democrata candidato às então iminentes
eleições gerais suecas. Depois de dias da demissão da procuradora geral do
caso, Borgstrom, um advogado, anunciou à mídia que estava representando as duas
mulheres e obteve a nomeação de uma nova promotora, na cidade de Gothenberg.
Era Marianne Ny, bem conhecida de Borgstrom, pessoal e politicamente.
Em 30 de agosto, Assange
apresentou-se voluntariamente numa delegacia de política em Estocolmo e
respondeu a todas as perguntas que lhe foram feitas. Entendeu que aquilo
liquidava o assunto. Dois dias depois, Ny anunciou que estava reabrindo o caso.
Um repórter sueco perguntou a
Claes Borgstrom por que razão o caso estava prosseguindo, quando já havia sido
arquivado, citando uma das mulheres que disse não ter sido estuprada. Ele
respondeu: “Ah, mas ela não é uma advogada.” O advogado australiano de Assange,
James Catlin, zombou, “Isso é um caso hilário… é como se fossem inventando no
decorrer da história.”
No dia em que Marianne Ny reabriu
o caso, o chefe do serviço de inteligência militar da Suécia – que tem como
acrônimo MUST – denunciou publicamente o WikiLeaks num artigo intitulado
“WikiLeaks [é] uma ameaça para nossos soldados.” Assange foi avisado que o
serviço de inteligência sueco, SAPO, havia sido avisado por seus pares dos EUA
de que os acordos de inteligência partilhados pelos EUA e Suécia seriam
“cortados” se a Suécia lhe desse abrigo.
Durante cinco semanas, Assange
aguardou na Suécia que a nova investigação seguisse seu curso. The Guardian
estava prestes a publicar os “Registros de Guerra” do Iraque, com base nas
revelações do WikiLeaks – uma publicação que Assange deveria supervisionar. Seu
advogado em Estocolmo perguntou a Ny se ela tinha alguma objeção a que ele
deixasse o país. Ela disse que Assange estava livre para partir.
Inexplicavelmente, assim que ele
deixou a Suécia – no auge do interesse da mídia e do público com as revelações
do WikiLeaks – Ny emitiu um mandado de prisão europeu e um “alerta vermelho” da
Interpol, normalmente utilizado contra terroristas e criminosos perigosos.
Difundido em todo o mundo, em cinco idiomas, o documento garantiu um frenesi da
mídia.
Assange compareceu a uma
delegacia de polícia em Londres, foi preso e passou dez dias na prisão de
Wandsworth, confinado numa solitária. Libertado sob uma fiança de 340 mil
libras esterlinas (cerca de R$ 1,85 milhão), foi marcado eletronicamente,
obrigado a se comunicar com a polícia todos os dias e colocado sob prisão
domiciliar, enquanto seu caso começava uma longa jornada até o Supremo
Tribunal.
Ele ainda não havia sido acusado
de nenhuma infração. Seus advogados repetiram a proposta de ser interrogado por
Ny em Londres, ressaltando que ela havia lhe dado permissão para ele deixar a
Suécia. Sugeriram um mecanismo especial comumente usado na Scotland Yard para
esse fim. Ela se recusou.
Katrin Axelsson e Lisa Longstaff,
da organização internancional Women Against Rape (Mulheres contra o Estupro),
escreveram: “As alegações contra [Assange] são uma cortina de fumaça atrás da
qual alguns governos estão tentando abater o WikiLeaks por ter revelado, de
forma audaciosa, seus planos secretos de guerras e ocupações com seus estupros,
assassinatos e destruição… As autoridades ligam tão pouco para a violência
contra as mulheres que manipulam alegações de estupro à vontade. [Assange] já
deixou claro que está disponível para ser interrogado pelas autoridades suecas,
na Grã-Bretanha ou via Skype. Por que eles estão se recusando essa medida
essencial na sua investigação? De que têm medo?”
Essa pergunta continuou sem
resposta à medida em que Ny recorria ao Mandado de Detenção Europeu (EAW, em
inglês), um produto draconiano e hoje desacreditado da “guerra ao terror”,
supostamente criado para capturar terroristas e o crime organizado. O EAW
desobrigou os Estados que pedem detenção de apresentar qualquer prova de crime.
Mais de mil EAWs são emitidos a cada mês; poucos têm a ver com potenciais
acusações de “terror”. A maioria é emitida para delitos triviais, tais como
multas e encargos bancários em atraso. Muitos dos extraditados enfrentam meses
de prisão sem acusação. Tem havido um número de chocantes erros judiciais, de
que os juízes britânicos têm sido profundamente críticos.
Tradução: Inês Castilho
O artigo original poderá ser lido
por meio desse link aqui:
PARA MEDITAR:
Isaías 5:20—21
20 Ai dos que ao mal
chamam bem e ao bem, mal; que fazem da escuridade luz e da luz, escuridade;
põem o amargo por doce e o doce, por amargo!
21 Ai dos que são
sábios a seus próprios olhos e prudentes em seu próprio conceito!
Que Deus abençoe a todos e que
ajude todos a discernir a verdade da mentiras.
Alexandros Meimaridis
Alexandros Meimaridis
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