Essa é uma série cujo propósito é estudar, com profundidade, os ensinamentos da Bíblia acerca do pecado, com uma ênfase especial na questão do chamado “pecado para a morte”. Os demais estudos dessa série poderão ser acessados por meio dos links alistados no final desse estudo.
14C. Pecado Para a
Morte — PARTE C
3 - Interpretações centradas em diferentes
tipos de pessoas.
A passagem
de João 3:18—21 é na opinião de vários estudiosos a que melhor explica a
diferença entre “pecado não para a morte e pecado para morte”. O texto de 1 João 5:16 atribui o
pecado não para a morte a um “irmão”, i.e. a alguém que pertence à comunidade
Joanina e que merece receber a intercessão de outros cristãos. Aqui temos que
notar que o escritor cristão John Stott, no seu comentário nas Epístolas
Joaninas, acredita que João não está se referindo literalmente a um irmão na
fé, mas que João teria usado esse termo duma forma mais abrangente querendo
significar “vizinho”, ou em relação a um cristão nominal, membro da igreja e
que professe ser um “irmão”, mas não é irmão de verdade. Para dar sustentação à
sua posição, Scott cita o uso que João faz da palavra “irmão” em —
1 João 2:9—11:
Aquele que diz estar na luz e
odeia a seu irmão, até agora, está nas trevas. Aquele que ama a seu irmão
permanece na luz, e nele não há nenhum tropeço. Aquele, porém, que odeia a seu
irmão está nas trevas, e anda nas trevas, e não sabe para onde vai, porque as
trevas lhe cegaram os olhos.
Neste
contexto fica implícito que João pode estar se referindo àquele que odeia a seu
irmão, como sendo alguém que pertence à comunidade, mas que não é irmão
genuíno. Na opinião de Stott tanto o “irmão” que comete pecado não para a morte
como aquele outro — que não é chamado diretamente de irmão — e que comete o
pecado para a morte são incrédulos e perdidos, sendo que para o primeiro,
existe a possibilidade de salvação, o que é negado ao segundo. Essa
interpretação parece boa e pode até mesmo ser aceita de modo geral, não fosse
um pequeno detalhe. Pessoas incrédulas, perdidas ou não cristãs, sejam pagãos
ou judeus, não são o assunto tratado por João em suas epístolas, conforme até
já mencionamos anteriormente. Não existe nenhum motivo que indique ou
justifique João introduzir um assunto tão diverso daquele que ele vinha tratando
durante toda a epístola, que eram os problemas causados por falsos irmãos que
haviam abandonado a comunidade e tornaram-se inimigos da mesma, exatamente
agora no final da epístola.
No dualismo
Joanino a vida eterna é possuída somente por aqueles que acreditam no nome do
filho de Deus e o pecado para a morte é um pecado que só pode ser cometido por
não irmãos, i.e., por aqueles que não acreditam no nome do filho de Deus. É
neste sentido e baseado nas palavras de Jesus em —
João 16:8—9
Quando ele vier (o Espírito
Santo), convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo: do pecado, porque
não creem em mim.
que João pode
estar se referindo ao que ele chama de pecado para a morte. Outras passagens do
Evangelho de João enfatizam essa verdade:
João 8:17—21
Também na vossa lei está escrito
que o testemunho de duas pessoas é verdadeiro. Eu testifico de mim mesmo, e o
Pai, que me enviou, também testifica de mim. Então, eles lhe perguntaram: Onde está teu Pai?
Respondeu Jesus: Não me conheceis a mim nem a meu Pai; se conhecêsseis a mim,
também conheceríeis a meu Pai. Proferiu ele estas palavras no lugar do
gazofilácio, quando ensinava no templo; e ninguém o prendeu, porque não era
ainda chegada a sua hora. De outra feita, lhes falou, dizendo: Vou retirar-me,
e vós me procurareis, mas perecereis no vosso pecado; para onde eu vou vós não
podeis ir.
E novamente:
João 15:20 – 23
Lembrai-vos
da palavra que eu vos disse: não é o servo maior do que seu senhor. Se me
perseguiram a mim, também perseguirão a vós outros; se guardaram a minha
palavra, também guardarão a vossa. Tudo isso, porém, vos farão por causa do meu
nome, porquanto não conhecem aquele que me enviou. Se eu não viera, nem lhes
houvera falado, pecado não teriam; mas, agora, não têm desculpa do seu pecado.
Quem me odeia odeia também a meu Pai.
Nessas duas
passagens Jesus esta se referindo às pessoas incrédulas, e cuja atitudes de
incredulidade estavam colocando-as na perdição e sem nenhuma desculpa possível
que fosse aceitável.
Em toda a
extensão da primeira epístola de João aqueles que não crêem são sempre
“ex-irmãos” que abandonaram a comunidade. Esses podem até pensar que são
cristãos, mas na estimativa do apóstolo João eles não possuem a verdadeira vida
— 1 João 3:12—18 —; são estes que abandonaram a comunhão (koinonia) com o Pai e
o Filho — 1 João 1:2—3. De acordo com João aqueles que abandonam a comunhão são
caracterizados como pertencendo ao reino das trevas, da mentira, do maligno e
da morte. Dessa maneira faz sentido o autor desencorajar orações por este tipo
de pessoas. Provavelmente João achava que orações por essas pessoas eram inúteis.
Jesus mesmo, em Sua oração sacerdotal, se recusou a orar pelo mundo — João 17:9
— e de acordo com 1 João 4:5 estas pessoas pertencem ao mundo.
A parte
final da primeira epístola de João visa encorajar os seguidores do autor, que
são todos aqueles que possuem a vida verdadeira. A intenção de João é deixar
claro para seus discípulos que o pecado não pode destruir todas as
oportunidades para que a verdadeira vida se manifeste. Mas ao mesmo tempo em
que insiste nesta verdade, João não tira os olhos de cima dos seus adversários
e insiste que seus discípulos não devem orar pelos adversários, da mesma
maneira que em 2 João 10—11 insiste que tais pessoas não devem sequer ser
saudadas ou recebidas nos lares.
Por se
recusarem a crer em Jesus como o Cristo encarnado, bem como Filho de Deus — ver1
João 2:22; 3:23; 4:2—3; 5:1, 5, 10 — eles preferem as trevas em vez da luz. Essas
pessoas que abandonaram a comunhão (koinonia) são os exemplos vivos e contínuos
daqueles que Jesus mesmo condenou – ver João 3:18— 21. Ao mencionar a recusa
dessas pessoas de crerem em Jesus como sendo “o pecado para a morte”, João está
trazendo sobre eles a herança judaica do pecado deliberado, que não pode ser
perdoado porque vai contra a Lei de Deus e envolve uma blasfêmia contra o nome
de Deus. Por outro lado, João também está trazendo sobre eles a herança cristã
do pecado imperdoável contra o Espírito Santo, que é atribuir ao diabo aquilo que pertence ao Cristo. Note bem, não estamos
aqui contradizendo o que falamos anteriormente. Continuamos afirmando que João
não está necessariamente falando dos mesmos pecados referidos tanto pela
tradição judaica como pela tradição cristã. Estamos apenas querendo dizer que
essas tradições suprem o fundo histórico necessário bem como a terminologia que
permite a João passar um julgamento severo sobre essas pessoas. João está
levando em conta que seus leitores conhecem tanto o fundo histórico como a
terminologia e como essas se aplicam às pessoas que abandonaram a koinonia.
João deseja que seus leitores resistam a qualquer tentação que os conduza a
demonstrar uma afeição desordenada por estas pessoas orando por elas.
A conclusão a que estamos
chegando, que João caracteriza o pecado para a morte como sendo a atitude de
pessoas que tendo convivido na koinonia cristã se afastaram dessa mesma
koinonia e passaram a atacá-la, está em perfeita harmonia com o dualismo
Joanino mencionado há pouco. As tentativas de atribuir o pecado para a morte a algum tipo de pecado
dentro da comunidade cristã decorre de uma compreensão equivocada de que esse
pecado pode se cometido por um irmão verdadeiro. O que temos que nos lembrar é
que o assunto central das Epístolas de João é a atitude de ex-irmãos cristãos
que, tendo uma vez abandonado a koinonia, agora se voltam contra essa mesma koinonia
procurando destruí-la.
Conforme
mencionamos antes essas pessoas são verdadeiros “anticristos”. Ao negarem o
Filho mostravam que não possuíam também ao Pai — ver 1 João 2:22 —23; 2 João 9.
Eles eram filhos do diabo e não filhos de Deus — ver 1 João 3:10. É verdade que
essas pessoas foram a um tempo membros da congregação visível e passaram por irmãos
verdadeiros. Mas abandonaram a comunidade e sua saída é uma prova contundente
de que eles nunca foram dos “nossos” — ver 1 João 2:19. Uma vez que estas
pessoas rejeitaram o Filho de Deus, abriram mão também da vida eterna — ver 1
João 5:12. O pecado que essas pessoas haviam
cometido era, sem sombra de dúvida, o pecado acerca do qual João desaconselhava
orar: o pecado para a morte.
OUTROS ESTUDOS SOBRE O
PECADO
O PECADO — ESTUDO —001 — TERMOS
GREGOS E HEBRAICOS E PALAVRAS INTRODUTÓRIAS
O PECADO — ESTUDO —002 — A QUEDA
— UMA INTERPRETAÇÃO DE GÊNESIS 3 — PARTE 1
O PECADO — ESTUDO —003 — A QUEDA
— UMA INTERPRETAÇÃO DE GÊNESIS 3 — PARTE 2
O PECADO — ESTUDO —004 — A QUEDA PROPRIAMENTE DITA
— UMA INTERPRETAÇÃO DE GÊNESIS 3 — PARTE 3 — FINAL
O PECADO — ESTUDO 005 — A VERDADEIRA LIBERDADE
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O PECADO — ESTUDO 007 — A BÍBLIA
E O PELAGIANISMO
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E A SOBERANIA DE DEUS
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E QUEDA
O PECADO — ESTUDOS 010 E 011 — O
PECADO ORGINAL E A DEPRAVAÇÃO TOTAL
O PECADO — ESTUDOS 012 — PECADO E
A GRAÇA DE DEUS
O PECADO — ESTUDOS 013ª — PECADO
E O CASTIGO PARTE A
O PECADO — ESTUDOS 013B — PECADO
E O CASTIGO PARTE B — JESUS NO GETSÊMANI — PARTE 001
O PECADO — ESTUDOS 013C — PECADO
E O CASTIGO PARTE C — JESUS NO GETSÊMANI — PARTE 002
O PECADO — ESTUDOS 013D — PECADO
E O CASTIGO PARTE D — JESUS NO GETSÊMANI — PARTE 003
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E O CASTIGO PARTE E — JESUS NO GETSÊMANI — PARTE 004
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E O CASTIGO PARTE F — JESUS NO GETSÊMANI — PARTE 005
O PECADO — ESTUDOS 014A — O PECADO
PARA A MORTE — PARTE A — INTRODUÇÃO — QUESTÕES HERMENÊUTICAS
O PECADO — ESTUDOS 014B — O
PECADO PARA A MORTE — PARTE B —DIFERENTES
TIPOS DE PENAS E CASTIGOS PARA O PECADO IMPERDOÁVEL
O PECADO — ESTUDOS 014C — O
PECADO PARA A MORTE — PARTE C —DIFERENTES
TIPOS DE PESSOAS QUE PODEM COMETER O PECADO IMPERDOÁVEL
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