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ESTUDO 008 — ARQUÉTIPOS E AUTÓGRAFOS — PARTE 003 — FINAL
CONTINUAÇÃO...
Uma complicação adicional é que o arquétipo de um documento do Novo Testamento específico pode divergir, quando comparado, ao seu autógrafo. A melhor ilustração que temos para isso pode ser encontrada nas epístolas paulinas. Podemos afirmar, quase com certeza absoluta que, muito cedo — certamente antes do tempo do surgimento dos papiros mais antigos — a maioria das cartas de Paulo já estavam agregadas em algum tipo de coleção — com Hebreus e as Pastorais sendo exceções possíveis. Mas a maioria das epístolas já estavam agregadas em coleções, no máximo, durante a metade do século II d.C. — por esse motivo é, perfeitamente possível — talvez até mesmo provável — que essa coleção seja o arquétipo e que a próprias epístolas individuais não são sequer a fonte da qual corre o rio textual.
Desse modo temos a afirmação de Gunther Zuntz[1], onde ele afirma que tanto Inácio quanto Policarpo aparentemente estavam familiarizados com o corpus paulino, mas o autor de 1 Clemente não. Isso o leva a concluir o seguinte: Assim temos que, mais ou menos, o ano 100 d.C, é a data provável em que o corpus paulino foi reunido e publicado, com tal, pela primeira vez. Isto é, de quarenta a cinquenta anos depois que as epistolas foram originalmente escritas. Nesse caso, como acontece de forma tão comum na tradição que envolve autores da antiguidade, ‘Arquétipo’ e ‘Original’ não são documentos idênticos.
Mesmo que esse não seja o caso aqui, e cada uma dessas cartas possua um arquétipo individual, isso não quer dizer que o arquétipo seja um descendente puro do original. Diversos documentos são considerados, pelo menos por alguns críticos de forma, como sendo documentos compostos. Esse é, aparentemente, o caso de 2 Coríntios, acerca da qual, muitas autoridades acreditam que duas cartas distintas foram utilizadas para produzir o documento que temos diante de nós conhecido como 2 Coríntios. Dessa forma, se isso for mesmo verdade, a cópia mais antiga que temos e chamamos de 2 Coríntios não se trata de um autógrafo e sim de algo que é chamado de fusão ou mistura. Falando francamente, mesmo que conseguíssemos recuperar os textos completos que foram usados para criar 2 Coríntios, estaríamos diante da inusitada situação que, as passagens de 2 Coríntios, que não fossem encontradas nos textos originais, dificilmente poderiam ser consideradas canônicas. Aqui teríamos muito material para longos debates. Mas, no momento tudo não passa de suposição.
Todavia devemos notar que não é responsabilidade, nem parte da missão do crítico textual desembaraçar as partes de 2 Coríntios ou de qualquer outro documento antigo que se encontre na mesma situação. A missão do crítico textual é procurar reconstruir o arquétipo. Se formos afortunados nosso trabalho acabará por produzir um documento que é idêntico ao autógrafo original — ou então tão próximo que realmente não faz nenhuma diferença. Mas não faz mesmo nenhuma diferença se o autógrafo e o arquétipo são muito próximos ou muito distantes um do outro? Nossa missão é reconstruir o texto mais antigo que esteja disponível. O crítico textual precisa estar consciente que o arquétipo pode não ser o autógrafo original. Além disso, ele deve considerar como é possível, por exemplo, que a existência de um corpus paulino, possa afetar a leitura de qualquer uma das epistolas contidas no mesmo. É muito possível que certas cartas tenham sido ajustadas para se encaixarem numa antologia, assim como certas passagens foram adaptadas para se encaixar em certos lecionários.
Existem muitas possibilidades que em todo o Novo Testamento, mas apenas o corpo paulino sofre com esse problema. O livro dos Atos dos Apóstolos e o Apocalipse são livros isolados e únicos, que nunca foram incorporados a nenhum tipo de corpus. As chamadas epístolas católica ou gerais, não foram agregadas em um corpus até bem mais tarde. Chegamos a essa conclusão pelo fato de 1 Pedro e 1 João serem universalmente aceitas logo, mas as outras 5 demoraram bastante para receberem o reconhecimento devido — 2 Pedro, 2 e 3 João, Judas e Tiago. Um exemplo típico disso pode ser encontrado, por exemplo, no chamado Papiro 72 que tem as cartas de 1 e 2 Pedro e Judas, junto com materiais não canônicos. Mas esse mesmo documento não tem 1 João, apesar dessa epístola já ser considerada canônica quando o documento P72 foi compilado, e Judas ainda se encontrava entre as epistolas questionadas. Os evangelhos foram agrupados, muito provavelmente, bem antes das epístolas católicas ou gerais. Eles foram aceitos como uma coleção canônica produzida lá pelo final do século III d.C., quando o documento Papiro 45 foi escrito. Mas todos os quatro evangelhos circulavam amplamente antes dessa data final. Assim temos que: enquanto é possível que a coleção final dos quatro evangelhos tivesse certa influência em tempos posteriores, a mesma não pode ser considerada como um arquétipo.
Por outro lado, cada documento do Novo Testamento pode ter sofrido do problema que chamamos de “qual cópia”. Isso é mais óbvio no corpus paulino. Pelo que sabemos Paulo ditou a maioria, senão todas as suas cartas. Note bem o que é possível de acontecer numa situação como essa, pois a mesma é muito semelhante ao que vimos na primeira parte dessa série acerca de autógrafos e arquétipos. Paulo ditava um primeiro manuscrito. Aqui estamos diante de duas possibilidades:
1. Paulo usava dois escribas para escreverem o que ditava, apesar dele fazer referência constante a apenas um, chamado Tércio.
2. Se existia apenas uma cópia, então era necessário que alguém, poderia ser o próprio Tércio, fizesse uma segunda cópia, que certamente teria pequenas variações, para ser distribuída ou mesmo para ser arquivada por Paulo.
A segunda cópia, certamente tinha uma aparência melhor, e certamente deveria conter certas correções de erros causados pelo ditado e pela forma como as palavras eram entendidas por Tércio. Então resta perguntar: qual cópia Paulo enviava aos destinatários? A carta ditada originalmente ou a cópia? Não sabemos, mas podemos supor que ele optaria por enviar a cópia que tinha uma aparência melhor. Então surge a questão: qual das duas cópias pode ser considerada como autógrafo original? E qual delas foi usada como base para a edição canônica posterior? Realmente, creio que ninguém sabe a resposta correta quanto a essas questões.
Outros autores do Novo Testamento escreveram cartas, que foram patrocinadas por terceiros. Devemos mesmo acreditar que Lucas teria entregue o Evangelho de Lucas e o Livro de Atos para Teófilo sem guardar um cópia de cada para si mesmo? Isso seria mesmo algo inacreditável. Mas qual dessas duas primeiras cópias tornou-se o Evangelho Canônico? E as diversas cópias do mesmo sofreram algum tipo de contaminação cruzada? A resposta não é óbvia. Mas é, todavia, muito importante.
Devemos notar, incidentalmente, que estudiosos clássicos, criaram um esquema de notas que usam para distinguir o que eles consideram o autógrafo de um arquétipo. O autógrafo é indicado pelo uso de algum tipo de símbolo. Algumas vezes usa-se a letra “o” para distinguir o autógrafo original e o símbolo de aspas simples para indicar um arquétipo. No caso do Novo Testamento a maioria dos estudiosos não se atreve a ir além de reconhecer algum arquétipo. Isso nunca foi tentado com um possível original. O consenso é que os originais estão, definitivamente, perdidos.
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COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 013 – OS ESCRIBAS E OS COPISTAS E OS MANUSCRITOS QUE ELES PRODUZIRAM — PARTE 005
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Que Deus abençoe a todos.
Alexandros Meimaridis
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Desde já agradecemos a todos.
[1] Zuntz, Gunther. Text of the Epistles: Disquisition Upon the Corpus Paulinum (Schweich Lectures on Biblical Archaeology). Oxford University Press, Oxford, 1946.
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