O artigo abaixo foi publicado no
site da Revista ÉPOCA e é de autoria de Bruno Calixto com mapas de Giovana
Tarakdjian
Boko
Haram e um massacre que pode ser visto por satélite
Grupo extremista sequestra
meninas, controla vilarejos e promove atentados na Nigéria. Como surgiu e quais
são as táticas do Boko Haram, que construiu um "Estado Islâmico" na
África?
BRUNO CALIXTO (TEXTO), GIOVANA
TARAKDJIAN (MAPA)
Imagem de satélite divulgada pela Anistia Internacional mostra estruturas queimadas após ataque do Boko Haram a uma base militar em Baga, Nigéria (Foto: DigitalGlobe/Anistia Internacional)
Um massacre de proporções ainda
não determinadas aconteceu no começo do ano, no dia 3 de janeiro, na Nigéria. O
Boko Haram - o mesmo grupo que sequestrou centenas de meninas de uma escola
nigeriana - atacou o vilarejo de Baga e pode ter matado de 150 a até 2 mil
pessoas, além de atear fogo em toda a cidade. Imagens de satélite divulgadas
nesta quinta (15) mostram um quadro de ampla destruição. Com o ataque, o Boko
Haram passa a controlar ainda mais território, e mostra estar disposto a
táticas cada vez mais brutais. Como surgiu esse grupo e o que ele quer?
Área de influência do Boko Haram
na Nigéria (Foto: Giovana Tarakdjian/ÉPOCA)
O nascimento do Boko Haram
O Boko Haram surgiu em 2002 em
Maiduguri, capital do Estado de Borno, na Nigéria. Borno, no nordeste do país,
é uma das regiões mais empobrecidas da Nigéria. Além disso, conta com maioria
da população muçulmana, enquanto que no restante do país a religião
predominante é o cristianismo. O grupo foi criado pelo Mohammed Yusuf, clérigo
islamista formado na Árabia Saudita, com o objetivo de transformar a Nigéria em
um Estado islâmico que siga as leis da sharia. Inicialmente, o grupo se chamava
Jama’a Ahl as-Sunna Li-da’wa wa-al Jihad, que significa "Pessoas
comprometidas com a propagação dos ensinamentos do profeta e com a Jihad"
em árabe. Com o tempo, ele ficou conhecido pelo apelido na língua local.
"Boko" é a palavra usada para se referir às escolas e ao sistema
educacional do Ocidente, e "Haram" significa proibido.
Yusuf era um clérigo do islamismo
sunita, o maior ramo do Islã – mais de 80% dos muçulmanos no mundo são sunitas.
Dentro desse ramo, ele pertencia à escola do salafismo. Os salafistas pregam o
retorno das práticas do início do islamismo. A corrente defende posições
extremamente conservadoras sobre o papel da mulher na sociedade, sobre a
obrigatoriedade de seguir a religião, e proíbe fazer imagens de Maomé ou
venerar monumentos de profetas. Muitos grupos terroristas, como a Al Qaeda ou o
Taleban, nasceram dessas interpretações extremas.
Nos seus anos iniciais, o Boko
Haram não participou de atos violentos nem usou de estratégias terroristas.
Yusuf considerava o governo da Nigéria como ilegítimo, mas não se envolveu em
ataques diretos até pelo menos 2009.
Uma revolta contra capacetes de motocicletas
Em julho de 2009, o governo da
Nigéria aprovou uma lei obrigando todos os motoristas de motocicletas a usar
capacetes. A lei não foi aceita pelos seguidores de Yusuf. A polícia agiu com
brutalidade contra o grupo, o que resultou em uma revolta armada que se
espalhou por quatro Estados do norte da Nigéria. O Exército nigeriano reprimiu
o levante, que terminou com 800 mortos. Yusuf foi capturado e executado com
transmissão ao vivo pela TV. Na época, grupos de direitos humanos acusaram o
Exército de execuções extrajudiciais de clérigos do grupo.
A partir desse incidente, o Boko
Haram começou a se radicalizar. Analistas acreditam que, entre 2009 e 2010,
muitos de seus membros foram para a região do Sahel, a sul do deserto do Saara,
onde foram treinados por grupos jihadistas. Foi provavelmente nessa época que
eles fizeram os primeiros laços com a Al Qaeda no Magreb Islâmico, o braço da
rede terrorista que atua na África. A primeira grande ação terrorista foi
executada em setembro de 2010, quando eles orquestraram uma fuga massiva de uma
prisão, libertando centenas de presos.
O líder que volta dos mortos
O líder do grupo terrorista Boko
Haram, Abubakar Shekau, que atua na Nigéria (Foto: Reprodução/AP)
Com a morte Yusuf, a liderança
foi assumida por Abubakar Shekau, um nigeriano que ora é classificado como um
teólogo islâmico poliglota, ora como "comandante louco". A vida de
Shekau é cercada de mistérios. Ninguém sabe quando ele nasceu, e ninguém sabe
sequer se ele continua vivo. O Exército nigeriano já anunciou a morte do
comandante em pelo menos três ocasiões, mas depois ele sempre volta a aparecer
em vídeos, renovando as ameaças. Uma das aparições recentes foi quando ele
assumiu a autoria do sequestro de centenas de estudantes em Chibok.
Sob seu comando, o Boko Haram se
tornou mais cruel. O grupo fez seu primeiro atentado internacional, desenvolveu
táticas de carros-bomba e passou a controlar grande número de vilarejos no
nordeste da Nigéria.
Ainda assim, para algumas autoridades
nigerianas, Shekau simplesmente não existe. Eles acreditam que o nome se tornou
uma "marca" ou "título", adotado por diferentes lideranças
de grupos internos do Boko Haram, como uma forma de criar um mito em torno do
líder. Segundo essa tese, o homem que aparece nos vídeos é um sósia.
O sequestro das alunas de Chibok
Reprodução de vídeo feito pelo
grupo terrorista Boko Haram mostra mais de 100 meninas que, segundo o grupo,
fazem parte das meninas sequestradas em Chibok, norte da Nigéria (Foto: Reprodução/AP)
A partir de 2012, o grupo passou
a se concentrar em ataques a escolas. Novamente, o nível de brutalidade foi
crescendo com o passar do tempo. No começo, integrantes do Boko Haram focavam
na destruição das propriedades de universidades e escolas. Os ataques ocorriam
sempre à noite, quando não havia alunos ou professores. No ano seguinte, Shekau
anunciou que as universidades participavam de um "complô contra o
Islã" e ameaçou matar alunos e professores. A partir daí, os níveis de
presença nas escolas do interior caíram de forma gigantesca.
Em abril de 2014, o sequestro de
mais de 200 alunas que se preparavam para fazer uma prova em uma escola em
Chibok foi uma das operações mais ousadas do grupo. O caso atraiu a atenção do
mundo, com dezenas de manifestações e cobertura da imprensa. Ainda assim, o
governo da Nigéria foi incapaz de libertar as meninas. A incompetência das
autoridades nigerianas foi provavelmente um sinal verde para o Boko Haram se
tornar ainda mais ousado.
Um massacre visto por
satélite
Imagem divulgada pela Anistia Internacional mostra o antes e o depois do Boko Haram a Baga, Nigéria. Na imagem de baixo, é possível observar estruturas queimadas pelo grupo terrorista (Foto: DigitalGlobe/Anistia Internacional)
A primeira imagem mostra a cidade
no dia 2 de janeiro. Na de baixo, do dia 7 de janeiro, é possível observar
estruturas queimadas pelo grupo terrorista. A foto foi tirada por um satélite
que usa cor infravermelho. As figuras em vermelho indicam árvores e vegetação
(Foto: DigitalGlobe/Anistia Internacional)
Em agosto do ano passado, Shekau
deu um passo decisivo em busca de controle territorial. Ele anunciou o
estabelecimento de um "Califado Islâmico" na região de Borno e no
norte da Nigéria, similar ao que o Estado Islâmico fez na Síria e no Iraque. A
partir de então, os ataques a vilarejos e confrontos com as forças armadas
começaram a se tornar mais frequentes. Um dos poucos vilarejos que não caíram
foi Baga, que abrigava uma base militar multinacional com tropas da Nigéria,
Niger e Chad.
Isso mudou na manhã do dia 3 de
janeiro. A BBC e o Guardian escutaram testemunhas do ataque. Os homens do Boko
Haram chegaram em caminhões, vindo de todas as direções. Logo começaram a
atirar. Os soldados da base em Baga reagiram. Foram cerca de nove horas de
confronto, quando enfim os soldados, vendo que estavam perdendo a batalha,
jogaram suas armas no chão e bateram em retirada. Nenhum reforço do Exército
nigeriano chegou ao local. "Quando
você vê soldados fugindo da cidade, o que você pode fazer além de fugir
também?", disse uma testemunha à BBC.
Quando o Boko Haram tomou o
vilarejo, começou a barbárie. Os sobreviventes que fugiram da cidade disseram
ver pilhas e mais pilhas de corpos nas ruas. Segundo os relatos, os terroristas
atiraram em civis indiscriminadamente – incluindo mulheres e crianças, cristãos
e muçulmanos. Depois, saquearam as casas e mercados e atearam fogo em todo o
vilarejo. Segundo a Anistia Internacional, o número de mortos pode chegar a 2
mil pessoas. Já o governo nigeriano fala em "cerca de 150 de
vítimas". O número não pode ser confirmado porque o Estado nigeriano
simplesmente não tem condições de chegar ao local para contar os corpos.
Nesta quinta (15), a Anistia
publicou fotos de satélites mostrando o que sobrou de Baga e de outro vilarejo
atacado, Doron Baga. Segundo a organização, é possível identificar um total de
3.700 estruturas destruídas. "De todos os assaltos do Boko Haram que
analisamos, esse foi o maior e o mais destrutivo. Representa um ataque
deliberado a civis. Suas casas, clínicas e escolas agora estão em ruína",
disse Daniel Eyre, da Anistia Internacional.
E agora?
O massacre demorou a chegar aos
jornais, mas quando veio a público, causou incômodo. Mais de um milhão de
pessoas se manifestaram contra a violência no caso dos atentados terroristas da
França, que mataram 17 pessoas, e a morte de centenas de nigerianos não estava
atraindo a atenção. Organizações como a ONU e até celebridades pediram mais
atenção ao caso. Críticas pesadas caem sobre o governo do presidente Goodluck
Jonathan. Ele é acusado de não agir de forma convincente contra o Boko Haram,
já que os extremistas atuam em áreas em que os políticos de oposição ao seu
governo são mais fortes. Autoridades nigerianas disseram que as Forças Armadas
do país serão mobilizadas para enfrentar os insurgentes. Enquanto isso,
Jonathan anuncia sua candidatura à reeleição. No anúncio, ele não falou uma
palavra sobre o Boko Haram, o massacre de Baga ou sobre as meninas sequestradas
no ano passado.
O artigo original da revista Época
poderá ser visto por meio do link abaixo:
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Que Deus abençoe a todos
Alexandros Meimaridis
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