O artigo abaixo foi publicado
pela revista ÉPOCA.
O
califa da barbárie
Abu Bakr al-Baghdadi o líder do
mais temível grupo fundamentalista do mundo, leva a selvageria e o terror a um
novo nível
Por RODRIGO TURRER E FILLIPE
MAURO
ATROCIDADE Baghdadi, num sermão
em julho, no Iraque. Seu grupo usa crucificações e estupros como armas de
terror (Foto: AP)
Abu Bakr al-Baghdadi é um homem
discreto e misterioso. Apenas duas fotos suas são conhecidas: uma de 2005,
quando ele ainda era um jovem aspirante a jihadista, detido em uma prisão
americana no Iraque. A outra, mais recente, é de uma rara aparição pública, em
julho deste ano. Trajando túnica e turbante pretos, com uma longa barba, que
invocam o mítico início do islamismo, Baghdadi deu um sermão de meia hora na
grande mesquita de Mossul, a maior cidade do Iraque tomada pelo grupo
fundamentalista liderado por ele, o Estado Islâmico (IS, na sigla em inglês,
anteriormente chamado de Isis, Estado Islâmico do Iraque e Levante). Na
ocasião, Baghdadi se autoproclamou “o novo califa Ibrahim, emir dos crentes no
Estado Islâmico”. Em voz suave e monocórdia, conclamou os muçulmanos a
obedecer-lhe enquanto ele “obedecer a Deus” e convidou “médicos, engenheiros,
juízes e especialistas em jurisprudência islâmica” a se juntar a ele.
Unir-se a Baghdadi significa dar
um passo além da usual selvageria dos extremistas. Em fevereiro, à medida que o
Isis crescia e avançava, a rede terrorista al-Qaeda rompeu com o grupo, por
considerar suas táticas excessivamente agressivas. É prática comum de seus
militantes é atacar a população civil, eviscerar os capturados, estuprar
mulheres e crucificar vivos os adversários. Baghdadi, o mentor da barbárie,
tornou-se num ano o jihadista mais poderoso do planeta. À frente do Isis, conquistou territórios na Síria e no Iraque,
apagou a fronteira entre os dois países e arrebatou o apoio da maioria dos
sunitas da região. Estima-se que o IS tenha agora ativos de mais de US$ 2
bilhões, graças ao controle de poços de petróleo nos dois países.
Baghdadi começou a sair das
sombras no verão de 2010, quando se tornou líder da al-Qaeda no Iraque (AQI),
de orientação religiosa sunita. A estratégia anti-insurrecional americana,
combinada a rivalidades entre grupos muçulmanos, levou ao colapso da rebelião
sunita contra as tropas dos Estados Unidos. A AQI perdeu relevância e quase
desapareceu. Baghdadi foi a figura central no renascimento do grupo. É o
responsável pelas estratégias e táticas militares que renderam vitórias ao
Isis. O verdadeiro nome de Baghdadi é Awwad Ibrahim Ali al-Badri al-Samarrai.
Ele nasceu em 1971, perto de Samarra, uma cidade 100 quilômetros ao norte de
Bagdá. Pouco se sabe sobre sua infância. Na juventude, cursou graduação em
estudos islâmicos, incluindo poesia, história e genealogia, na Universidade
Islâmica de Bagdá. Depois, fez mestrado e doutorado em estudos islâmicos na
Universidade de Ciências Islâmicas de Adhamiya. Quando os EUA invadiram o
Iraque, em março de 2003, Baghdadi já era militante islamista e pregava na
província de Diyala. No começo da ocupação americana, manteve seu próprio grupo
armado, com 50 a 100 combatentes.
Em 2005, Baghdadi foi capturado
pelo Exército americano em Falluja. Foi considerado um prisioneiro de pouca
importância e encarcerado no centro de detenção de Camp Bucca, no sul do
Iraque. O comandante do centro de detenção disse em entrevista à rede americana
NBC que jamais imaginara que aquele homem se tornaria um líder e uma ameaça
global. “Ele era um mero arruaceiro”, afirmou o coronel Ken King. “Nem com uma
bola de cristal seria possível prever que ele se tornaria o pior dos piores.” Na
prisão, Baghdadi teve contato com terroristas da al-Qaeda. Ao ser libertado, em
2009, voltou mais forte às atividades extremistas. Foi recrutado para o
conselho militar do Estado Islâmico do Iraque (ISI), a nova versão da al-Qaeda
no Iraque (AQI). Era considerado um conselheiro-chave para o então líder do
grupo, Abu Omar al-Baghdadi.
Quando Abu Omar foi morto, Abu
Bakr al-Baghdadi se tornou o líder natural do grupo, em abril de 2010. A partir
daí, o Isis se reorganizou. Distribuía relatórios de atividades com listas de
operações em cada província do Iraque. O novo líder começou a transformar uma
filial local da al-Qaeda numa força distinta e independente, com uma agenda
clara: criar um estado islâmico radical sunita no Iraque e na Síria. Seria seu
califado. Baghdadi insistia no extremo sigilo. Não queria se revelar. Poucos
conheciam sua verdadeira identidade ou localização. Prisioneiros da AQI dizem
que jamais o viram, porque ele sempre usou máscara.
A discrição foi o segredo de seu
sucesso. Ao contrário de outros líderes, evitou gravar e distribuir vídeos com
mensagens grandiloquentes. “Quando você começa a fazer vídeos e a aparecer,
aumenta as chances de ser capturado”, afirma Patrick Skinner, ex-agente da CIA
e analista do Soufan Group, uma consultoria de segurança. “Baghdadi atua há cinco
anos. Para um terrorista, isso é como os anos de vida de um gato. É muito
tempo.” Em 2011, Baghdadi entrou para a lista de terroristas do governo
americano, que oferece uma recompensa de US$ 10 milhões a quem der informações
que levem à sua morte ou captura. Ele queria assumir a liderança da al-Qaeda,
mas foi o egípcio Ayman al-Zawahiri quem sucedeu Bin Laden.
A SANGUE-FRIO Cena do vídeo com a
degola do jornalista James Foley. Se não for combatido, o grupo IS espalhará
mais rapidamente suas táticas (Foto: Reprodução)
Baghdadi nunca aceitou o poder de
Zawahiri. Em cartas trocadas pelos dois, interceptadas pela inteligência
americana, Baghdadi dizia não reconhecer a autoridade de Zawahiri. Desafiando
suas ordens de se concentrar no Iraque, Baghdadi decidiu ampliar as ações do
grupo sobre a Síria. Entrou na luta contra o ditador sírio Bashar al-Assad, ao
mesmo tempo que combatia os militantes da Frente Jabhat al-Nusra, a afiliada da
al-Qaeda na Síria. No ano passado, derrotou a Jabhat al-Nusra e assumiu o
comando de grande porção de território no norte da Síria. Em seguida, montou
uma base na cidade síria de Raqaa, que deu a ele comando sobre campos
petrolíferos. A al-Qaeda rompeu com o grupo, mas Baghdadi conseguiu uma
vitória, ao menos temporária. Em seis meses, estabeleceu um califado entre
Iraque e Síria. Na região, prevalece uma interpretação radical da lei islâmica,
em que os inimigos são decapitados, e os ladrões e adúlteros, açoitados. O IS
ameaçava exterminar minorias religiosas como cristãos, yazidis e shabaks
xiitas. Não estava longe de Bagdá, a capital do Iraque, um país frágil e em
reconstrução após a ocupação americana de oito anos, até 2011. Por isso, os EUA
reagiram. Nas últimas semanas, voltaram a agir no Iraque e bombardearam as
posições do IS.
Na semana passada, o IS deu mais
uma prova ao mundo do que é capaz. Num vídeo divulgado pela internet em 19 de
agosto, um militante do IS, encapuzado e vestido de preto, no meio do deserto,
aparece ao lado de um homem de meia-idade, vestido de laranja, ajoelhado. O
prisioneiro era o jornalista americano James Foley, sequestrado pelo grupo
havia dois anos. “Gostaria de ter a esperança da liberdade e de poder ver minha
família mais uma vez. Mas este navio já zarpou”, foram as últimas palavras de
Foley. O carrasco do jornalista, um sujeito alto e com forte sotaque britânico,
afirma que os verdadeiros assassinos de Foley são os EUA, que atacaram os
muçulmanos ao bombardear o IS. Diz que “tudo o que acontecerá é resultado da
complacência e criminalidade” dos americanos. Por fim, decapita Foley com uma
faca.
O principal alvo do ato bárbaro
não eram os amigos e familiares de Foley, mas sim os EUA e o presidente
americano Barack Obama. Há pouco mais de 12 anos, radicais islâmicos da
al-Qaeda deram uma mostra semelhante de selvageria. Em 22 de fevereiro de 2002,
o consulado americano em Karachi, no Paquistão, recebeu o vídeo da execução de
Daniel Pearl, repórter do jornal americano The Wall Street Journal. Pearl fora
sequestrado um mês antes por militantes locais e entregue para a rede al-Qaeda.
Seu executor foi o superterrorista Khalid Sheikh Mohammed, mais tarde capturado
e hoje sob custódia militar americana em Guantánamo.
Na ocasião, os americanos
organizaram uma operação de grande escala para capturar Sheikh Mohammed.
Consideraram que era a resposta adequada à execução de Pearl. Nas próximas
semanas, os EUA enviarão mais tropas ao Iraque. Militares americanos cogitam a
viabilidade de derrotar o IS sem bombardear o grupo na Síria, pois isso poderia
fortalecer oponentes do IS também incômodos, entre eles o ditador Bashar
al-Assad. Na semana passada, Obama condenou a execução de Foley. Ao comentar a
atrocidade, disse que o IS “não tem espaço no século XXI” e “age como um
câncer”. Para as potências ocidentais, impedir a metástase é uma empreitada
necessária – e extremamente difícil.
O artigo original poderá ser
visto por meio desse link aqui:
Que deus abençoe a todos.
Alexandros Meimaridis
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